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AMAZÔNIA MARANHENSE: campo de conflitos e interesses
MARANHENSE AMAZON: field of conflicts and diverging interests
Revista de Políticas Públicas, vol. Esp, pp. 261-266, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepção: 22/02/16

Aprovação: 06/06/16

Resumo: O texto aborda os impactos decorrentes da implantação de grandes projetos na região da Amazônia maranhense. Demarca que a Amazônia maranhense, região periférica do Brasil, tem sido espaço de inúmeros projetos desenvolvimentistas, principalmente desde os anos 1950. Argumenta que, apesar das promessas de desenvolvimento, o que tem ocorrido concretamente é um processo crescente de exploração dos recursos naturais e a intensificação de conflitos sociais, principalmente os ligados à questão agrária, o que faz com que o Maranhão figure como um dos principais pontos de conflitos no campo do Brasil. Considera que, marcada pela forte presença do latifúndio, trabalho escravo, violência contra lideranças rurais e extrema pobreza, a questão agrária no Maranhão é uma síntese da realidade agrária no país.

Palavras-chave: Amazônia maranhense, conflito, questão agrária.

Abstract: The text approaches the resulting impacts from the implementation of big projects in MaranhãoAmazon. Marks that MaranhãoAmazon, peripheral region of Brazil, has been space of numerous development projects, especially since the 1950s. Argues that, despite the promises of development , what has occurred is a growing process of exploitation of natural resources and an intensification of social conflicts, especially those related to land issues, which makes the Maranhão figure as one of the main points of conflict in the field of Brazil. Considers that marked by the strong presence of large estates, slave labor, violence against rural leadership and extreme poverty, the agrarian question in Maranhão is a synthesis of the agrarian reality in the country.

Keywords: Amazon maranhense, conflict, agrarian question.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é desdobramento da minha dissertação de mestrado, que teve por objeto os contrastes do desenvolvimento na Amazônia maranhense. O Maranhão, estado que fica na divisa entre a região Norte e o Nordeste brasileiro (como mostra o Mapa 1, abaixo), historicamente tem figurado como um dos principais espaços de conflitos agrários do país. A alta concentração fundiária – como bem prova o índice de GINI de 0.621, a incidência de trabalho escravo, assassinatos de lideranças camponesas, marcam com cores fortes, do sangue dos trabalhadores explorados, a realidade do campo no estado.

Embora detentor de uma vasta riqueza natural, há uma imensa pobreza social, que assola a sociedade maranhense, fazendo com que esta acumule índices alarmantes no que tange ao desenvolvimento humano, como: o alto índice de mortalidade infantil (39,6%), analfabetismo (20,8%, entre pessoas de 15 anos ou mais), pessoas em situação de pobreza extrema (22,47%), o que faz com que o Maranhão tenha o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país (0.639), ficando atrás apenas do estado de Alagoas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011, 2012; PROGRAMA DAS NAÇÕE SUNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013).

Em virtude de sua diversidade e riqueza natural, e suas vastas terras, o Maranhão como espaço periférico da economia nacional, enquadra- se como o espaço necessário ao grande capital para seu movimento de realocação e reorganização dos processos de exploração. Assim sendo, reconheço o Maranhão como o território descrito por David Harvey (2005), em sua teoria de ajuste espaço temporal do capital. Para o autor

[...] a produção do espaço, a organização de novas divisões territoriais de trabalho, abertura de novos e mais baratos complexos de recursos, de novos espaços dinâmicos de acumulação de capital, e a penetração em formações sociais pré-existentes pelas relações sociais capitalistas e acordos institucionais (tais como regras contratuais e acordo de propriedade privada) são formas de absorver excedentes de capital e mão de obra [...] vastas quantidades de capital fixo em um lugar atuam como obstáculo na busca por ajustes espacial em outro lugar. (HARVEY, 2005, p. 12).

Nesse sentido, o Maranhão tem sido palco das promessas de desenvolvimento que viriam para o estado, no bojo dos grandes projetos. No entanto, as promessas de desenvolvimento dão lugar a intensos conflitos no campo e na cidade, nos eixos dos chamados grandes projetos, que acabam por representar, efetivamente, uma realidade de profunda exploração dos recursos naturais, quase sempre ao custo da expulsão e destruição de modos de vida de sociedades tradicionais locais, levando a um crescimento desordenado das cidades em torno dos projetos e que acabam por resultar em uma realidade de extrema vulnerabilidade social, o que leva a problemas sociais graves, a exemplo do trabalho escravo, aumento da violência, prostituição infantil, dentre outros.

2 A AMAZÔNIANAROTADO DESENVOLVIMENTO

Nos anos 1950, com a política desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek (JK) (1956-1961), a Amazônia brasileira - e por conseguinte, o Maranhão - entra na rota do desenvolvimentismo e na rota do capital transnacional, mas é sobretudo no período militar que se intensifica o processo de ocupação e da chamada modernização desse espaço. Para Almeida (2012, p. 35, grifos da autora)

De modo geral, a colonização dirigida pelo Estado brasileiro para a Amazônia, especialmente a partir dos anos 1970, foi um processo centrado na expansão da fronteira para o capital. Nesse sentido, ocorreu um processo de inserção de áreas outrora esquecidas, que passam a figurar como um importante espaço de realocação de capital para atender às demandas de recursos naturais (matéria-prima) abundante e mão de obra barata. Embora o processo de povoamento da região seja fruto de processos migratórios – “espontâneos” ou dirigidos – principalmente a partir dos anos 1950 é, sobretudo no período do regime militar, que se intensifica o processo de “capitalização” da região.

A política de desenvolvimento pensada para a região se baseava na implantação dos chamados grandes projetos, que requeriam grandes espaços, força de trabalho barata e matériaprima abundante. Assim, o processo de desenvolvimento da região, resultou na exploração dos recursos humanos e sociais da região, fazendo jus ao já defendido por Leal (2007, p. 170) de que

[...] para sociedades assim, como é o caso da sociedade amazônica nativa, a riqueza e a abundância natural da sua terra, no contexto capitalista não é para elas uma benção, mas uma maldição.

O processo migratório para a Amazônia se dava já desde antes dos anos 1950, se intensificando a partir desse período, em virtude dos intensos conflitos no campo, principalmente no Nordeste. Para Camarano e Beltrão (2000) a partir dos anos 1950 os fluxos migratórios são em grande parte oriundos da região Nordeste, tendo-se uma estimativa de que ¼ da população, que lá vivia no início da década, tenha seguido para outras regiões do país, dirigindo-se para dois principais roteiros: um urbano-industrial, que os direcionava para a região Centro-Oeste/Sudeste; o outro buscava as regiões de expansão da fronteira agrícola, para o Norte. Para Almeida (2012, p. 42, grifo da autora)

Nesse cenário, a Amazônia - com suas vastas terras e rica diversidade - se tornou atrativa para milhares de camponeses que, expulsos de suas posses - fosse por imperativos geográficos, fosse pelo arame farpado - seguiram uma vida gracilianamente retirante. Diante do fluxo de “migração espontânea” o governo acabou incentivando, por meio de projetos de colonização, a migração para a região amazônica, sendo a mesma considerada a nova fronteira de expansão agrícola do país.

No entanto, assim como os retirantes seguiam para a Amazônia em busca de uma vida melhor, buscando a possibilidade de ter suas próprias terras, o capital os segue em busca da matéria-prima abundante e farta mão de obra barata, de modo que o sonho de viver em paz no campo, nas terras amazônicas, acaba por se transformar em uma realidade de conflito e violência, conforme pode-se visualizar no Gráfico 1.

Dentre os estados da região amazônica, destacam em números de conflitos o Maranhão e o Pará, estados que receberam o carro chefe dos grandes projetos para a região, o Projeto Grande Carajás (PGC). Ao analisarmos os dados dos Cadernos Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) (2011, 2012), percebe-se o aumento do número de mortes na região e no período de implantação do PGC, conforme pode-se observar no Gráfico 2.

Como fica evidente no gráfico acima, a promessa desenvolvimentista trouxe para a região um aumento significativo de conflito e violência, que resultou em assassinatos, em sua quase totalidade de lideranças camponesas, nas áreas do PGC. Infelizmente, a opção do Estado pelos grandes projetos, muitas vezes significa também a omissão quanto à defesa dos direitos e dos modos de vidas das comunidades locais, o que invariavelmente resulta em conflitos e violência.

3 AÇAILÂNDIA: exemplo da política de desenvolvimento para a Amazônia

O município Açailândia está localizado a 600 km da capital São Luís e possui uma área de 5.820 k/m², sendo cortado pela BR-010 e a BR-222, conforme é possível observar no Mapa 2.


Gráfico 2
Comparativo no número de mortos na região e período de implantação do PGC
(ALMEIDA, 2012).

Açailândia surgiu literalmente na rota do desenvolvimentismo dos anos 1950, pois a região que originou o município foi descoberto em meio à construção da rodovia Belém-Brasília, a espinha dorsal do território brasileiro, que tinha por objetivo interligar o norte ao centro do país.

Os ciclos econômicos em Açailândia foram baseados na exploração de seus abundantes recursos naturais. A exploração madeireira dos primeiros anos deu lugar à agropecuária, que ainda hoje é uma das principais atividades econômicas da região, e que juntamente com a atividade das siderúrgicas, coloca o município como a segunda maior economia do estado. O setor industrial de Açailândia é parte da cadeia produtiva do PGC, na região.

No entanto, no que pese ser a segunda maior economia do estado, o município é um exemplo das problemáticas advindas das promessas de desenvolvimento dos grandes projetos. Segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2003 o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do município era de R$ 9.649,00 (Nove mil, seiscentos e quarenta e nove reais) e, no entanto, a incidência de pobreza absoluta no município atingia 58,66%; considerando a incidência de pobreza subjetiva o índice chegava a 63,25%. Segundo os dados do Censo de 2010, embora a renda per capita do município seja de R$ 1.837,13 (Hum mil, oitocentos e trinta e sete reais) na área urbana, e R$ 1.172,84 (Hum mil, cento e setenta e dois reais) na área rural, dos 27.473 domicílios existentes no município, 4.416 (16%) têm renda de até ¼ de salário mínimo e apenas 618 (2%) domicílios possuem renda superior a 05 salários mínimos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).

No campo, a concentração fundiária, trabalho escravo, ameaças e assassinatos de lideranças camponesas e de movimentos sociais, são os matizes da realidade agrária no município. Dentre os problemas enfrentados pelas comunidades rurais no município, quero destacar aqui a questão alarmante do trabalho escravo na região.

Açailândia, o mesmo município que é a segunda maior economia do estado, é também o principal ponto de aliciamento bem como espaço de incidência de trabalho escravo no Maranhão, que por sua vez é o principal exportador de força de trabalho escravo do país.

Isso se dá em virtude da condição de extrema vulnerabilidade social em que se encontra grande parte do contingente populacional do município e região, que em sua grande maioria foram atraídos para lá, pelas promessas de trabalho e desenvolvimento social dos grandes projetos. Infelizmente, ao chegar à região, a grande maioria dessas pessoas vai engrossar os bolsões de pobreza do município, vendo-se em situação de desemprego e insegurança social, acabando em situação socialmente vulnerável, tornando-se alvo fácil para os gatos2.

Infelizmente, para a região, os grandes projetos são, na prática, instrumentos de exploração de recursos naturais e exploração de mão de obra, que alimenta sonhos e depois transforma a realidade das comunidades locais e de um grande contingente que segue essas promessas, em um território de intensos conflitos.

4 CONCLUSÃO

A Amazônia brasileira entra na rota da política desenvolvimentista do Estado ainda nos anos 1950, numa perspectiva de integrar e modernizar o norte, de acordo com o discurso oficial. No entanto, as populações locais e os contingentes que migraram para a região, fugindo dos conflitos no campo em outras regiões, não encontraram aqui a tão almejada paz no campo, mas sim um novo campo de conflito, onde o capital oprime e expulsa as comunidades locais tradicionais, explorando e esgotando os recursos naturais, deixando para a sociedade graves consequências socioambientais como poluição, violência, prostituição, conflitos agrários, desenhando um quadro de vulnerabilidade social e degradação ambiental.

Assim, as promessas de desenvolvimento não se materializam em ganho social para as populações locais, nem tão pouco para os contingentes migratórios que vão em busca dessas promessas, mas o que tem-se visto é um profundo processo de exploração e destruição socioambiental nas regiões de instalações desses projetos.

Os projetos desenvolvimentistas que até hoje se estabelecem na região, na prática, proporcionam um processo de exploração dos recursos naturais, promovendo uma intensa concentração de riquezas, restando para a sociedade uma realidade de conflitos e violência.

Referências

ALMEIDA, D. L. Os trilhos do desenvolvimento na Amazônia Maranhense - conflitos e contrates: o caso Piquiá de Baixo Açailândia - MA. 2012. 145 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós- graduação em desenvolvimento Socioespacial e Regional, Universidade Estadual do Maranhão, São Luís, 2012.

AZAR, Z. S. Relações de trabalho e resistência camponesa no desenvolvimento dependente no Maranhão: o assentamento Califórnia como Uma Expressão. 2013. 343 f. Tese (Doutorado em Políticas Públicas) - Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2013.

CAMARANO, A. A.; BELTRÃO, K. I. Distribuição Espacial da População Brasileira: mudanças na segunda metade deste século. Texto para Discussão, Rio de Janeiro, n. 766, 2000. Disponível em:<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_0766.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2012.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no Campo - Brasil 2010. Goiânia, 2011.

COMISSÃO DA PASTORAL DA TERRA. Conflitos no Campo - Brasil 2011. Goiânia, 2012.

HARVEY, D. O “Novo Imperialismo”: ajustes espaço- temporais e acumulação por desapossamento. Lutas Sociais, São Paulo, n. 13/14, jan./jun. 2005.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2011.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011. Rio de Janeiro, 2012.

PORTAL APRENDDA. [Mapa das regiões do Brasil]. [s. l.], 2013. Disponível em:<https://www.aprendda.com/wp-content/uploads/2013/04/regioes-do-brasi-mapa.gif>. Acesso em: 1 jan. 2016.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Atlas de Desenvolvimento Humano. Brasília, DF, 2013.

Notas

1 O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda/terra em determinado grupo. Numericamente, varia de zero a um, sendo que o valor zero representa a situação de igualdade e o valor um, representa a desigualdade. Quanto mais próximo do número um, maior o grau de concentração.
2 Como são chamados os aliciadores de trabalhadores escravizados.


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