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APORTES DA TEORIA SOCIAL DE MARX E DA TRADIÇÃO MARXISTA PARA PENSAR O SERVIÇO SOCIAL EM SUA CONFIGURAÇÃO TOTALIZANTE NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
CONTRIBUTIONS OF SOCIAL THEORY OF MARX AND MARXIST TRADITION TO THE SOCIAL WORK TOUGHT IN ITS TOTALIZING FORM IN CONTEMPORARY BRAZIL
Revista de Políticas Públicas, vol. Esp, pp. 377-386, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepção: 19/02/16

Aprovação: 06/06/16

Resumo: O objeto de reflexão deste texto refere-se aos aportes da teoria social de Marx e da tradição marxista, para pensar o Serviço Social em sua configuração totalizante no Brasil contemporâneo. Recupera categorias fundamentais da teoria social de Marx (história, totalidade, contradição e práxis), além de fazer uma abordagem sobre o ser social, pela importante relação que esse teórico revolucionário estabelece entre esse ser e o método utilizado pelo sujeito que se dispõe a captá-lo no pensamento. Para refletir sobre o Serviço Social em sua configuração totalizante, privilegia as categorias história e totalidade, sem dispensar as suas conexões com as demais.

Palavras-chave: Ser social, história, totalidade, contradição e práxis.

Abstract: The object of reflection of this text refers to contributions of social theory of Marx and the Marxist tradition to social work thought in its totalizing setting in contemporary Brazil. Recovers fundamental categories of social theory of Marx (history, completeness, contradiction and praxis), in addition to a discussion of the social being, the important relationship that this revolutionary theory establishes between this being and the method used by the person who is willing to grasp it in thought. To reflect on the Social Service in its totalizing setting, favors categories story and totality, without missing their connections with others.

Keywords: Social being, history, totality, contradiction and praxis.

1 INTRODUÇÃO

Em minha trajetória acadêmica como docente e pesquisadora na área de Serviço Social, o referencial teórico marxiano e o da tradição marxista tiveram lugar privilegiado.

A partir do final da década de 1970 e início da década de 1980, até a atualidade, esses referenciais têm se constituído o sustentáculo da direção teórico- metodológica e política estabelecida no ensino e na pesquisa, no processo de formação profissional dos Assistentes Sociais, na minha experiência, onde a interlocução crítica com outras perspectivas esteve sempre presente.

Desse modo, as reflexões aqui expostas constituem-se fruto do meu trabalho no processo de formação profissional de Assistentes Sociais e que pretendo socializar, na perspectiva de suscitar debates e polêmicas, e, sobretudo, trocar experiências que contribuam para o avanço e a consolidação de uma formação profissional crítica que possibilite ao profissional de Serviço Social desvendar a realidade e, através de múltiplas mediações ou processos sociais concretos, construir respostas às demandas das classes subalternas, como pré-requisito de sua legitimidade profissional.

O referencial de Marx e o da tradição marxista podem garantir a construção de condições indispensáveis para a apreensão crítica das determinações constitutivas da realidade social, numa perspectiva de totalidade, para uma intervenção profissional qualificada, bem como para a ampliação do patrimônio cultural e acervo bibliográfico da profissão sobre os objetos históricos de intervenção e do próprio Serviço Social em suas múltiplas dimensões.

Neste trabalho, analiso o Serviço Social como totalidade histórica e expressão da práxis, com base em fundamentos teórico-metodológicos da dialética materialista de Marx. Para isso, faço uma abordagem inicial sobre o ser social em Marx, considerando que, do ponto de vista metodológico,

[...] o autor distingue dois complexos: o ser social que existe independentemente do fato de que seja ou não conhecido corretamente; e o método para captá- lo no pensamento, da maneira mais adequada possível. (LUKÁCS, 1979, p. 35).

Ou seja: o objeto tem existência objetiva. Isso reafirma a visão de Marx quanto à anterioridade do concreto, em relação ao sujeito que se dispõe a captá-lo, cujo objetivo é, na visão de Marx, apreender a essência (a estrutura e a dinâmica) do objeto. Assim,

[...] alcançando a essência do objeto, isto é: capturando a sua estrutura e dinâmica, por meio de procedimentos

analíticos, e operando a sua síntese, o pesquisador a reproduz no plano do pensamento; mediante a pesquisa, viabilizada pelo método, o pesquisador reproduz, no plano ideal, a essência do objeto que investigou. (PAULO NETTO, 2009, p. 674).

Nessa concepção, o método expressa o movimento da elaboração teórica, não podendo, portanto, desvincular-se do objeto historicamente determinado; e

[...] a teoria é o movimento real do objeto transposto para o cérebro do pesquisador - é o real reproduzido e interpretado no plano ideal (do pensamento). (PAULO NETTO, 2009, p. 674).

Como afirmado acima, o objeto da pesquisa tem uma existência objetiva que independe do sujeito pesquisador. Entretanto,

[...] o objeto de Marx é a sociedade burguesa – um sistema de relações construído pelos homens, ‘o produto da ação recíproca dos homens’. (Marx, 2009, p. 244). Isso significa que a relação sujeito objeto, no processo de produção de conhecimento teórico, não é uma relação de externalidade; tal como se dá, por exemplo, na citologia ou na física; antes, é uma relação em que o sujeito está implicado no objeto (PAULO NETTO, 2009, p. 674).

É nessa perspectiva de implicação com o objeto, que exclui qualquer pretensão de neutralidade, que me disponho a uma breve reflexão sobre Serviço Social em sua configuração totalizante no Brasil contemporâneo.

2 O SER SOCIAL EM MARX

Num estudo cuidadoso do pensamento marxiano, é impossível não perceber que suas formulações teóricas referem-se a um determinado tipo de ser, isto é, são afirmações ontológicas, como diz Lukács (1979); são enunciados que expressam as formas de ser do ser social na sociedade burguesa. Trata, portanto, das determinações desse ser, reconstruídas pela sua investigação ontológica. Nesse sentido, Lukács (1979, p. 14) entende que há, na trajetória de Marx, uma clara orientação no

[...] sentido de concretizar, cada vez mais, as formações, as conexões etc. do ser social, que - em sentido filosófico - alcançará seu ponto de inflexão nos estudos econômicos marxianos.

Nos manuscritos econômicos/filosóficos - como resultado dos estudos, feitos por Marx, dos economistas ingleses e franceses - aparecem, pela primeira vez, as categorias econômicas como categorias de produção e reprodução humana, o que permite uma descrição do ser social em bases materialistas.

Na discussão de trabalho alienado, ainda com uma débil compreensão da sociedade burguesa, mas já iniciando a sua familiarização com a economia política, Marx trabalha com a noção de homem como ser prático-social, ser ativo. Critica, nos Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844, a noção parcial da economia política, que coloca o trabalho apenas como força produtiva, ou como elemento incluído nos custos de produção. Para Marx, o trabalho é essencialmente atividade humana. E, para criticar os economistas burgueses e fundamentar uma nova compreensão da relação homem/trabalho, ele busca, em Hegel, elementos teóricos, que Hegel fornece em: A fenomenologia do Espírito (1805-6), no qual coloca o trabalho como corolário do problema do homem. Essa ideia, de origem hegeliana, conduz Marx à descoberta de que todas as contradições da sociedade burguesa têm sua origem no trabalho alienado. Esse (considerado, aqui, como trabalho que produz objetos para outros) produz riqueza para burguês, miséria para o trabalhador.

O trabalhador fica mais pobre à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo das coisas. O trabalho não cria apenas bens; ele também produz a si mesmo e o trabalhador como uma mercadoria e, deveras, na mesma proporção em que produz bens. (FERNANDES apud Marx, 1983, p. 90)

Marx considera o ato de alienação da atividade humana, o trabalho, sob dois aspectos:

1) o da relação do trabalhador com o produto do trabalho como objeto alheio que se coloca ao produtor como um poder que o domina; 2) e o da relação do trabalhador com sua própria atividade como uma atividade não pertencente a ele, alheia a si próprio. São apontadas, aqui, a autoalienação do homem e a alienação do produto de sua atividade como determinações do trabalho alienado.

É na sociedade burguesa, evidentemente, que o trabalho aparece em sua forma alienada. Entretanto, para os economistas burgueses, não interessa a condição humana do trabalhador, nem a relação deste com o seu trabalho e nem com o produto de sua atividade. O trabalhador para eles é capital, cujo valor varia no mercado. Portanto, na lógica da Economia Política burguesa, o homem é reduzido ao nível de um “[...] ser mental e fisicamente desumanizado.” (STALCONE, 1983 apud MARX, 1983b, p. 111)

Examinando a condição de alienação do homem na sociedade capitalista, Marx expõe, nos manuscritos filosóficos do homem, alguns comentários gerais a respeito da dialética de Hegel, a partir dos quais faz uma descrição do ser social. Dessa descrição, recuperam-se, aqui, alguns elementos fornecidos por Lukács (1979), destacando-se que o ser social pressupõe o ser natural (orgânico e inorgânico) e a supressão deste suprime o primeiro. Assim, o ser social não é independente do ser da natureza, pois não há entre o social e o natural uma relação excludente, como quer grande parte da filosofia burguesa, ao se referir aos domínios do espírito. Do mesmo modo, Marx inclui, em sua ontologia do ser social, a transposição materialista vulgar das leis da natureza, como ocorreu na época do darwinismo social.

As formas de objetividade do ser social desenvolvem-se à medida que surge e se explica a práxis social, a partir do ser natural, tornando-se cada vez mais claramente social. (LUKÁCS, 1979, p. 17).

Esse é um processo longo e dialético que se inicia com o trabalho - uma condição de existência humana. Através do trabalho, o homem se autorrecria, transforma-se e, ao mesmo tempo, transforma a natureza externa sobre a qual atua. É nesse processo que as propriedades da natureza, suas relações etc. - existentes independentemente das consciências do homem - são postas em movimento e convertem-se em coisas úteis, em valores de uso. Daí ser o primeiro ato histórico a produção dos meios que permitem a satisfação de necessidades para manter o homem vivo, ou seja, a produção da própria vida material como condição fundamental de toda história. A ação desenvolvida para satisfazer essa primeira condição e a produção dos meios para essa satisfação conduzem a novas necessidades sociais. É na produção dessas novas necessidades, a partir do atendimento das primeiras, que o homem se separa da animalidade, socializa- se e se autorrecria como ser social e começa a criar outros homens, reproduzir.

Essa conversão da natureza em valores de uso é um processo teológico, pois o ser social não apenas produz e reproduz, mas tem uma intencionalidade, tem um projeto.

No fim do processo de trabalho, emerge um resultado que já estava presente desde o início na ideia do trabalhador que, portanto, já estava presente de forma ideal. Ele não efetua apenas uma mudança de forma no elemento natural; ao mesmo tempo realiza, no elemento natural, sua própria finalidade, que ele conhece bastante bem, que determina como lei o modo pelo qual opera e à qual tem de subordinar a sua vontade. (MARX apud LUKÁCS, 1979, p. 16).

Desse modo, o trabalho é traço fundante do ser social, é próprio desse ser, mas não o esgota, porque o ser social também é consciência, é autoconsciência. Ele percebe a si, às suas finalidades e à sua relação com sua objetividade. É manifestação do ato consciente, o elemento que separa o trabalho animal do trabalho humano, o qual vai além da simples reprodução biológica. Vai além, mas não a suprime, pois a sociabilidade do ser exige um substrato orgânico e inorgânico, frise-se. Mas o ser social possui uma legalidade própria; possui traços, construídos historicamente, que lhe são imanentes e específicos. Daí, o modo de conhecimento do ser natural não pode ser transportado para o conhecimento do ser social. E é sobre um modo de conhecimento desse ser, que discuto a seguir.

2.1 As categorias e o processo de reconstrução do ser social em Marx

Na primeira parte deste trabalho, foi exposto que os enunciados da teoria social de Marx expressam formas de ser do ser social na sociedade burguesa e foram apontadas algumas categorias (trabalho, história e o próprio ser social) reconstruídas por Marx no interior de sua crítica à Economia Política burguesa. No contexto em que foram apontadas, tais categorias serviram ao autor de elementos para uma descrição sucinta do ser social, em Marx. Aqui, pretendo retornar à categoria história e incluir, nesse contexto da discussão, mais duas categorias fundamentais em sua obra - totalidade e contradição - com o objetivo de expor uma compreensão sobre o processo de reconstrução dessas categorias e sobre suas determinações no quadro da crítica à Economia Política burguesa.

Mas o que são categorias no pensamento marxiano? Embora, só em 1857, Marx desenvolva essa noção, já em sua critica a Proudhon (1847) ele explicita o seu entendimento, tomando as categorias como abstração das relações reais, das relações sociais. E, estando estas saturadas de história, as categorias que as expressam também são históricas e só se explicam inseridas numa totalidade histórica. Não são determinantes do real, como pretende o idealismo de Hegel e o de Proudhon, em que

o movimento do real segue princípios ideais e a história passa a ser reprodução desses princípios. A crítica do idealismo de Hegel é feita, em 1843, no manuscrito de Kreuznach, no qual Marx, estudando a lógica interna do pensamento hegeliano, descobre que este pensador faz uma reflexão teórica invertida: pensa o real como atributo do conceito; o movimento do pensamento - a ideia - é o determinante da realidade, sendo esta a realização da ideia. Mas, se a critica de 1843 abre caminho para a construção da teoria social, é na miséria da Filosofia -1847-, na polêmica com Proudhon, que Marx expõe claramente uma nova inteligibilidade do real histórico, que leva em conta o estudo da Economia Política, isto é, a compreensão totalizadora da sociedade burguesa. Marx critica a historicidade de Proudhon, mostrando sua incapacidade de pensar o presente como história. Proudhon não nega a história, mas não vê o presente como tal. Para ele, há uma eternização das categorias, que, imutáveis, não são históricas. Daí, a história só existe na ideia. Sobre a eternização das categorias, Marx faz referência, ainda, na Miséria da Filosofia, aos economistas burgueses, pela singularidade de procedimentos, ao considerarem apenas duas espécies de instituições: as artificiais e as naturais. As primeiras, próprias da feudalidade; e as segundas, próprias da burguesia. Isso leva a crer que as relações de produção burguesa são eternas porque é nelas que a riqueza se cria e as forças produtivas desenvolvem-se, independentes da época; mas, segundo as leis da natureza, são elas mesmas leis naturais, leis eternas que devem reger a sociedade. Desse modo, a história existiu enquanto houve instituições feudais, mas, hoje, não há mais. E a sociedade burguesa, por ser natural, é eterna, segundo os economistas.

Na perspectiva materialista de Marx, a história é construída pela relação entre o homem ativo e real e seu mundo objetivo; é a práxis como atividade humana que compreende a produção material, reprodução da sociedade e produção de representação, de ideias; é a reconstrução de processos ontológicos do ser social como totalidade. Em Marx, a totalidade é uma categoria ontológica que se põe como a própria realidade social, da qual o sujeito arranca as mediações para determiná-la em totalidade. Pois o caráter da verdade do conhecimento é o caráter de totalidade. A realidade social, enquanto complexo de totalidades, dispõe-se segundo graus de maior ou menor complexidade. Essas complexidades são componentes constitutivos da realidade, mas não são partes cujas somas formam o todo e, sim, elementos em grau menor de complexidade que se articulam com a complexidade maior pelas mediações. O individuo (social) é a menor totalidade da realidade social e vincula-se a outras totalidades mais complexas (a família, as classes etc.). Nessa vinculação entre as totalidades de maior e menor complexidade, o sentindo da totalidade abrangente é que situa a dinâmica das totalidades parciais.

Para Marx, pensar a dinâmica da totalidade social é compreender as regularidades, as leis que operam na sua estrutura. Parte-se das totalidades mais complexas, identificando-se o rebatimento nas totalidades menos complexas. Isso não significa que, necessariamente, temos que trabalhar o macrossocial para obter a configuração da totalidade, pois a noção de totalidade, em Marx, não infirma os estudos setoriais, desde que estes níveis não sejam considerados como parte de um todo, mas como totalidades menos complexas.

Com a noção de que a estrutura da realidade social é a totalidade, Marx tenta apanhar essa totalidade e desvendar a estrutura da ordem burguesa. O método marxiano para compreensão dessa ordem é interpretado de forma diferenciada por estudiosos do seu pensamento, mas, aqui, assumo a posição Lukaciana: o método, em Marx, é o método que se eleva do abstrato ao concreto.

Nessa perspectiva, o sujeito apropria-se da totalidade e de sua dinâmica pelo caminho da abstração. Analisa, abstraindo do conjunto, alguns elementos da empiria (abstratos) para reconstruir o real, pois a empiria é elemento constitutivo do real, mas não é o próprio real. Nesse processo, que não é simples, o sujeito vai avançando na apreensão de novas determinações, que não são dadas imediatamente, e reconstrói o real que é concreto porque é síntese de múltiplas determinações. Atinge- se, portanto, o concreto quando se compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é. O concreto, como unidade do diverso é, pois, o resultado do processo do pensamento na reprodução do movimento do real. O concreto aparece no pensamento como resultado, embora seja, segundo o pensamento marxiano, o verdadeiro ponto de partida. Pois o pensamento parte do concreto (real), ainda que só se torne verdadeitramento científico quando retorna ao concreto, pensando-o a partir do abstrato, isto é, das determinações arrancadas do próprio concreto pelo pensamento, Diz Marx (1983a, p. 17):

[...] o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado.

Reproduzir, portanto, a totalidade que não é dada imediatamente ao pensamento, mas é a síntese de múltiplas determinações, é unidade de múltiplo.

3 O SERVIÇO SOCIAL EM SUA CONFIGURAÇÃO TOTALIZANTE: uma reflexão fundamentada no materialismo histórico dialético

Em estudos históricos da realidade social, numa perspectiva materialista, pensar a história é pensá-la como relação entre o homem ativo e real e seu mundo objetivo na produção da vida social. É, portanto, pensar a práxis como atividade humana que comporta a produção material e imaterial, reprodução da sociedade, produção e reprodução de formas de pensar e de agir. Como ciência, a história constitui-se quando formula o seu objeto, reconstruindo, para ele, uma explicação que, ao mesmo tempo, é lógica e racional e dá conta, efetivamente, de processos históricos reais.

Nessa racionalidade da realidade social o que importa são

[...] as determinações das totalidades concretas que são históricas; ou seja, o que importa são os elementos constitutivos dessa totalidade, organizados em conjuntos determinados especificamente e qualitativamente. (CARDOSO, 1977).

Nessa perspectiva de totalidade, a história é pensada como sucessão descontínua de processos históricos, e não como sucessão linear de fatos; e seu objeto constitui-se por conjuntos, totalidades ou complexos organizados, configurando uma formação social específica, particular, uma formação que tem suas determinações próprias.

Admitindo, portanto, que os fatos históricos são determinados, específicos, para pensar a história é, pois, necessário pensar antes o que são essas totalidades de que a história se compõe, indagando sobre suas determinações, sobre seus elementos constitutivos. Determinações estas que, como dissemos, estão nas totalidades concretas, cuja transformação é a própria história. Dizendo de outro modo: “[...] a história é a transformação dessas totalidades concretas.” (CARDOSO, 1977).

Ora, se as formações sociais ou totalidades concretas mudam, também mudam as suas determinações ou elementos constitutivos dessas totalidades.Assim, a configuração das determinações dessas totalidades históricas concretas é condição para a explicação da história, e isso só é possível sob a condição de que se configure a própria totalidade em movimento, em processo de transformação.

É importante ressaltar que, na reconstrução da história de uma dada formação social, nenhuma dessas categorias - totalidade e determinação - se situa no plano da evidência. Essas categorias não são dados que a simples observação possa recolher, pois não se mostram na aparência. Portanto, para apreendê-las, é necessária a utilização de outra

[...] mediação que não seja o aparato sensorial. É necessário utilizar a razão, não apenas como capacidade de pensar, mas, principalmente, como produto do pensamento sistemático já elaborado. Isto é, é necessário pensar o objeto utilizando o conhecimento disponível sobre ele. (CARDOSO, 1977).

Daí a importância da teoria na elaboração do conhecimento da realidade histórica.

Os fatos históricos têm uma dimensão subjetiva, individual, mas não se esgotam nessa subjetividade. Eles são sociais e, como tal, articulam-se entre si de forma organizada e têm um sentido que é dado por essa articulação. Sentido esse que não é atribuído pelo sujeito que conhece e ultrapassa a aparência, imediatamente dada, dos fatos. Portanto, a apreensão do sentido que é dado por essa articulação não é mais imediata, sensorial, mas é mediada pelas relações que o pensamento elaborou.

Assim, partindo do pressuposto de que há mudanças qualitativas na história e que de fato a história, como ciência, é a história dessas mudanças, a formulação que é reproduzida no plano do pensamento para a produção do conhecimento histórico refere-se a cada uma das diferenças qualitativas; ou seja, a uma sociedade específica, a um tipo determinado de sociedade e não à sociedade considerada abstratamente.

Desse modo, se o real é histórico e se sua história abrange totalidades essencialmente diferentes ao longo do seu processo, a configuração dos objetos históricos tem que dar conta dessas diferenças essenciais.

Nesses termos, a periodização é fundamental para a apreensão e explicação dessas diferenças. Nesse processo de apreensão e explicação, é indispensável a utilização de categorias que possibilitem o acesso à generalidade e garantam a apreensão e a explicação das especificidades históricas. As categorias a que me refiro são expressões de formas de existência de objetos históricos e são reconstruídas pelo conhecimento que se formula sobre esses objetos.

Partindo desses pressupostos teórico- metodológicos, é que reconstruo, a seguir, alguns momentos históricos do Serviço Social no movimento totalizante da formação social brasileira.

3.1 Reconstrução de momentos históricos do serviço social no movimento totalizante da formação social brasileira na contemporaneidade

O Serviço Social, como totalidade, define- se por um conjunto ou complexo de determinações que, inserido no movimento real totalizante de uma determinada formação social, transforma as suas determinações constitutivas e transforma-se na totalidade como profissão, ao mesmo tempo em que exerce influência nas transformações qualitativas das totalidades concretas que se inserem na história. É, portanto, determinado socialmente e tem uma função na história.

A partir desse entendimento, é que, nesta exposição, periodizamos a história a partir da metade da década de 1970 e início de 1980, até a atualidade, pensando o Serviço Social como profissão e expressão da práxis, no movimento real da totalidade social brasileira, nesse período.

No Brasil, com a crise do milagre econômico, no âmbito da crise mundial do capitalismo, em 1974/1975, e a insatisfação das classes subalternas expressa no plano institucional, com as eleições de 1974 - na vitória do Movimento Democrático Brasileiro (MDB)1 -, a ditadura vê-se obrigada a reorientar o seu projeto político ampliando a abertura, embora dentro do limite que lhe permita não perder o controle.

Dessa forma, o governo toma algumas medidas, tais como: fim da censura à imprensa; revogação do AI 5 - principal instrumento de exceção com que contavam os generais/presidentes para a administração do arbítrio e dos atos complementares; restabelecimento do habeas-corpus; o fim das cassações; a extinção do poder presidencial de decretar o recesso do Congresso Nacional etc. Essas medidas, certamente, são limitadas por outras que não deixam o Estado sem posse de outros instrumentos adequados à sua salvaguarda diante de situação de crise e de convulsão social (FERNANDES, 1982).

É nesse contexto de abertura controlada, ainda no governo Geisel, que se iniciam, em 1977, as grandes mobilizações operárias a partir do ABC Paulista e reorganizar-se-á a União Nacional dos Estudantes (UNE) com manifestações coletivas.

Nessa conjuntura ambígua, destacam-se, na luta pelas liberdades democráticas: a presença do movimento estudantil, cujo significado nas lutas do período expressou-se pela explicitação de solidariedade com os trabalhadores; a presença marcante da Igreja, com forte atuação das pastorais, através das comunidades eclesiais de base e com comportamento de franca oposição ao governo militar e ao sistema capitalista; e as grandes mobilizações da classe operária, iniciadas em 1977, na luta pela reposição salarial e nas greves ocorridas nos anos subsequentes, na virada da década de 1970 (CARDOSO, 1995).

Destacam-se, ainda, movimentos expressivos de organização de categorias profissionais que, embora criadas e desenvolvidas com vínculos orgânicos com a burguesia, expressavam, naquele momento, uma perspectiva de construção de práticas alternativas vinculadas aos interesses das classes subalternas.

No caso do Serviço Social, movimentos de organização, de resistência e de rupturas com práticas tradicionais expressaram-se, principalmente, nos organismos de representação e de organização dos Assistentes Sociais sob o impacto dos movimentos sociais naquele momento histórico. O III Congresso dos Assistentes Sociais - o chamado Congresso da Virada – realizado em São Paulo, em 1979, e a Convenção da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS), (hoje Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS), realizada no mesmo ano, em Natal, são expressões desses processos de organização e resistência e de mudanças qualitativas no movimento real da profissão. O Congresso, organizado pelo então Conselho Federal dos Assistentes Sociais (CFAS), de tendência conservadora, contou com a participação organizada, ativa e antagônica de um significativo grupo de profissionais que se vinculavam ao movimento sindical e às lutas sociais e abriam a perspectiva de organização sindical dos Assistentes Sociais, através do movimento Pró- APAS - Associação de Profissionais de Assistentes Sociais.

Na convenção da ABESS, foi aprovado, pela assembleia geral da entidade, um novo currículo mínimo para o curso de Serviço Social, com perspectiva de compromisso profissional com os interesses das classes subalternas.

Como podem ser vistas, nesta reflexão, as mudanças qualitativas na profissão não são isoladas do contexto histórico. Elas se relacionam organicamente com o movimento concreto da totalidade a que pertencem, seja na mesma direção da ordem vigente, seja na contra mão da direção hegemônica. Essa relação orgânica da profissão com o contexto histórico, em qualquer das direções, efetiva-se via movimentos organizativos da categoria profissional, via modalidades de formação profissional, pela produção acadêmica e pelas práticas interventivas de ruptura com a ordem, ou de manutenção desta. Ou seja, essa relação orgânica com o movimento concreto da totalidade a que pertence envolve as diferentes dimensões que configuram a profissão.

Na conjuntura brasileira da segunda metade da década de 1970, os espaços da ação profissional ampliaram-se, extrapolando o âmbito institucional, para uma maior aproximação com o movimento organizativo das classes subalternas. No processo de redefinição da prática profissional, foi ocorrendo um desligamento da perspectiva modernizadora que, embasada em referências neopositivistas, caracterizou o Serviço Social nas décadas anteriores, desenhando-se um projeto de ruptura de compromisso com o poder burguês que marcou a profissão historicamente. Essa tendência de renovação do Serviço Social, chamada por José Paulo Netto (1991) de intenção de ruptura, é que vai estabelecer a interlocução do Serviço Social com a tradição marxista tanto no âmbito da formação profissional - âmbito acadêmico -, quanto em práticas profissionais interventivas.

Essa mudança de direção teórico- metodológica e política está ligada à política cultural que se gesta na época, no país, recolocando, em debate, diferentes tendências do marxismo.

Assim, é na virada dos anos 70 e início dos anos 80 que o Serviço Social efetiva uma significativa inflexão tanto em termos teórico-ideológicos quanto político-profissionais.

Progressivamente, no curso dos anos 80, vão surgindo estudos e práticas interventivas que se distanciam cada vez mais das tendências conservadoras e tomam como referências categorias marxistas.

No campo da tradição marxista, as temáticas do debate do Serviço Social, durante a década de 1980, podem ser aglutinadas em dois grandes eixos: a) a crítica teórico-metodológica, tanto do conservadorismo quanto do marxismo vulgar, colocando a polêmica em torno das relações entre teoria, método e história, com claras derivações, no âmbito da formação profissional; b) e a construção da análise da trajetória histórica do Serviço Social no Brasil (PAULO NETTO, 1991). Assim, os eixos do debate brasileiro, constantes da produção acadêmica do período considerado, incidem sobre a inserção histórica do Serviço Social na sociedade brasileira, desdobrando-se na reconstrução histórica do desenvolvimento da profissão no país, ou em um aprofundamento das determinações e efeitos sociais da prática e da formação profissional.

A partir do final da década de 80, com a queda da experiência do socialismo nos países do leste europeu e, posteriormente, por toda a década de 1990 e início do século XXI, a ideologia neoliberal firma-se mundialmente.

No Brasil, sobretudo na última década do século XX, a política governamental apresenta uma acentuada tendência a criar mecanismos facilitadores da transformação dos serviços públicos de caráter social em atividades rentáveis para o capital. Na medida em que diferentes governos aderem ao projeto neoliberal, há uma progressiva redução da ação estatal com políticas públicas.

A perspectiva neoliberal de redução das ações estatais funda-se na concepção de que o Estado não deve ser agente de proteção social. Cabe à sociedade (familiares, comunidade, associações voluntárias e a iniciativa privada) significativa parcela de participação no processo de provisão social)

Nesse contexto, a atuação profissional do Assistente Social assume uma nova configuração em face das tendências das alterações do perfil do mercado de trabalho. Essas tendências traduzem requisições formuladas tanto pelo movimento do capital em crise, quanto pelo processo de reorganização política das classes subalternas diante da precarização do trabalho e fragmentação da força do trabalho.

O novo perfil do mercado de trabalho profissional deve ser apreendido, considerando-se: por um lado, perspectivas de redução das demandas postas à profissão, no âmbito do setor público, em virtude das reformas do Estado parametradas pela política de desregulamentação do mercado e de corte dos gastos públicos destinados à reprodução da força do trabalho; e, por outro lado, a expansão das ofertas no setor privado (seja no âmbito empresarial, seja no âmbito da sociedade civil sem fins lucrativos).

As requisições do trabalho profissional nas esferas estatal e privada, na sociedade brasileira, a partir da década de 1990, devem ser pensadas no quadro das transformações tecnológicas e incorporação de novos padrões de produção e organização do trabalho nos países periféricos, que significam, ao mesmo tempo, o aprofundamento do processo de exclusão social e o recrudescimento das relações de exploração e alienação da força de trabalho.

No âmbito empresarial, notadamente em médias e grandes empresas, as requisições manifestam-se, sobretudo, em alterações nas formas de inserção profissional, seja em relação às atividades de gerenciamento nas áreas de benefício e Assistência Social, seja em relação à incorporação de novas funções relacionadas à organização do trabalho e à administração financeira, que acabam imbricando ainda mais o trabalho profissional à lógica que preside o processo produtivo e as condições de reprodução social. Como exemplo dessa modalidade de intervenção, podemos considerar o conjunto de atividades voltadas para o desenvolvimento do clima organizacional (satisfação no trabalho), desenvolvimento de qualidade de vida no trabalho, condução de novos modelos de organização e gestão do processo produtivo (qualidade total etc.), gerência de novas parcerias entre capitalistas e trabalhadores, dentre outras que, sem dúvida, revelam novas formas de cooperação entre serviços e produção.

Essas requisições nos espaços da produção configuram mais que desdobramentos e ampliações de funções, que, historicamente, o Assistente Social tem desempenhado nesse campo; isto é, as funções de controle e de disciplinamento do operário, tendo em vista a subordinação aos requisitos dos processos de avaliação, pois há um investimento no plano da subjetividade do trabalhador, para substituí-lo pelo ideário da empresa, acarretando, consequentemente, a perda de suas referências classistas.

No âmbito do Estado, a redefinição do trabalho profissional é processada pelas contradições entre lutas populares pela garantia das conquistas constitucionais de 1988 referentes à ampliação de seus direitos sociais e às formas de controle e participação social; e pela implementação da política de enxugamento do aparelho do Estado, na perspectiva do chamado Estado Mínimo.

Nessa perspectiva, as reformas do Estado encaminham-se para a destruição dos serviços públicos ainda existentes, o que representa não só redução drástica dos espaços de intervenção profissional, como redimensionamento das funções profissionais em face da limitação da esfera estatal, no que se refere à reprodução da força de trabalho no campo da Assistência Social.

As mudanças qualitativas no campo profissional do Assistente Social, determinadas no quadro da crise do capital, refletem também as novas requisições que são postas pelo movimento de reconstituição das classes subalternas, na perspectiva de um novo projeto societário.

É nessa mesma perspectiva que se reconstrói a direção social da formação profissional do Assistente Social, na perspectiva da transformação social, tendo como horizonte a superação da ordem burguesa. Essa direção movimenta-se na contra mão do projeto neoliberal hegemônico na sociedade, mundialmente, e impõe essa postura para continuarmos avançando na perspectiva de ruptura com as velhas práticas profissionais e com a velha sociedade, contribuindo para a construção de novas relações e condições e para a emancipação da humanidade.

Assim, no contexto atual das transformações da sociedade brasileira, podemos evidenciar que no âmbito das políticas públicas de corte social as propostas neoliberais repercutem de forma perversa, excluindo um grande contingente populacional que já é expropriado de toda a riqueza material e intelectual produzida socialmente, que não usufruem dessa riqueza - amplos segmentos constituídos pelas classes subalternas, com os quais o Serviço Social tem uma vinculação histórica, seja no campo da reprodução da força de trabalho, via política de Assistência, seja no campo da organização, tendo presente a conexão entre esses espaços de prática do Assistente Social.

O projeto neoliberal que se expande pelo mundo e, por conseguinte, no Brasil, amplia e aprofunda as desigualdades e a pobreza, ao mesmo tempo em que retira a possibilidade do Estado de investir em políticas sociais que atendam, minimamente, as demandas das classes subalternas, para garantia de sua sobrevivência. Esse projeto submete as necessidades sociais aos interesses econômicos, cujo objetivo principal é a maximização dos lucros dos empresários privados (CARDOSO, 1995).

A perspectiva neoliberal de subsunção das necessidades sociais aos interesses econômicos e, portanto, de redução do tamanho do Estado no atendimento a essas necessidades essenciais, se funda na concepção de que não cabe ao Estado a responsabilidade do processo de provisão social e sim à sociedade e à iniciativa empresarial privada.

A partir dos anos 1990 vivencia-se um processo de redefinição do vínculo do Serviço Social às lutas das classes subalternas, o qual se intensificou em todo país, na segunda metade da década de 1970, com significativo avanço nos anos 1980. Esse avanço dos anos de 1980 expressou-se, dentre outras formas, pela atuação profissional em espaços de formação e organização políticas dos trabalhadores: sindicatos, associações profissionais, movimentos sociais urbanos e rurais entre outros. Nesses espaços e nessas décadas (1970 e 1980) a perspectiva do trabalho profissional do Assistente Social era de mobilização social e organização, de modo a contribuir para viabilizar projetos de interesse dessa classe, na construção de novas relações hegemônicas na sociedade, superando a sua condição de dominação político-ideológica e econômica.

Tal perspectiva se traduziu pela vinculação do projeto ético-político-profissional a uma determinada perspectiva societária, cuja construção exige o fortalecimento de processos emancipatórios das classes subalternas. Trata-se da perspectiva de superação da sociedade capitalista, tendo como horizonte a emancipação humana.

A tendência atual, a partir de 1990, sobretudo em instituições que operam as políticas sociais,

[...] é o redirecionamento da perspectiva de mobilização social e organização, no horizonte da emancipação humana, para o horizonte da subalternidade, buscando a legitimação, pelas classes subalternas do atual padrão da política social, sob a égide do neoliberalismo.(CARDOSO; LOPES, 2009, p. 469).

Este padrão privilegia a mercantilização das políticas sociais, transferindo para o setor privado as responsabilidades do Estado quanto às políticas públicas, em detrimento do atendimento às necessidades como direito; e investe na cooptação das organizações e lutas das classes subalternas pela intensificação de programas eminentemente assistencialistas, mas que atendem, mesmo precariamente, necessidades prementes das classes subalternas.

É importante ressaltar, nesse contexto de hegemonia do neoliberalismo, o caráter contraditório da atuação profissional do Assistente Social, cuja história é um processo orgânico da história da sociedade em que se insere a profissão sendo, portanto, determinada pelas contradições inerentes a esta sociedade. Neste sentido, destacam-se as implicações econômicas políticas e sociais decorrentes do avanço do capitalismo no mundo e, em contraposição, a luta das classes subalternas

[...] norteada pelos ideais emancipatórios da sociedade que repõem a participação como estratégia da politização das relações sociais e de intervenção critica dessa classe no movimento histórico, nos espaços de produção e reprodução social. (ABREU, 2004, p. 10).

No movimento contraditório da sociedade e mesmo nos espaços de formação e de organização política das classes subalternas, há projetos profissionais e projetos societários diferenciados disputando a hegemonia. Quais são esses projetos, como se dá essa disputa, quais as tendências da inserção do Assistente Social nesses espaços e quais os desafios postos ao Serviço Social e à classe trabalhadora no contexto dessa disputa?

Nas instâncias de organização das classes subalternas, o trabalho dos assistentes sociais tende a assumir duas grandes perspectivas teórico- políticas que perpassam os projetos profissionais e os projetos societários em disputa na sociedade brasileira, na atualidade: 1) a perspectiva de superação da sociedade capitalista, tendo como horizonte a conquista da emancipação humana, passando pelo fortalecimento de processos emancipatórios das classes subalternas; 2) a perspectiva de manutenção da ordem capitalista, tendo como exigência a subalternidade dessas classes.

Com essas perspectivas, os projetos profissionais e os projetos societários se desenvolvem pela ação dos sujeitos das profissões e das classes sociais, disputando a hegemonia nos espaços de organização das classes subalternas, em particular, e no movimento social, na sociedade brasileira.

Torna-se hegemônica uma ou outra perspectiva, conforme vínculos dos projetos profissionais com os projetos societários de emancipação humana ou de manutenção da ordem capitalista; e conforme a correlação de forças na disputa da hegemonia na sociedade. (CARDOSO; LOPES, 2009, p. 469).

Com base nos fundamentos históricos e conceituais brevemente explicitados, ressaltamos como grandes desafios para o Serviço Social nas transformações contemporâneas da sociedade brasileira: o fortalecimento dos vínculos com as Instituições de organização da luta social, que permanecem na resistência contra o capital; e avançar na inserção nos movimentos de rearticulação da organização classista dos trabalhadores.

As transformações ocorridas no mundo, no final do século XX e início do século XXI, têm colocado grandes desafios aos estudiosos do processo histórico de desenvolvimento da sociedade, bem como às forças sociais progressistas e de esquerda em luta. É um processo mundial que apresenta particularidades nos Estados nacionais que expressam a situação de cada um num contexto global em que se situam. A compreensão dessa particularidade, no Brasil, é de fundamental importância na perspectiva de: recuperar historicamente esses desafios até a atualidade; contribuir teórica e politicamente com pesquisas históricas e publicações sobre a organização de classe trabalhadora e a relação com o Serviço Social, com destaque aos desafios para o enfrentamento das desigualdades sociais, sob o neoliberalismo; e subsidiar o debate crítico em torno da temática em estudo, e as práticas sociais para o enfrentamento aos desafios mais gerais das classes subalternas na contemporaneidade

4 CONCLUSÃO

Concluindo minha reflexão, quero reafirmar a atualidade dos fundamentos teórico-metodológicos marxianos para a análise rigorosa e crítica das determinações constitutivas da sociedade capitalista, na perspectiva de desvendar as suas contradições e instrumentar as classes subalternas no seu processo de luta na construção de processos emancipatórios, bem como instrumentar os Assistentes Sociais, seja desenvolvendo o trabalho acadêmico na formação profissional, seja em instituições que operam as políticas Sociais na relação direta com os usuários,na perspectiva de uma formação continuada que garanta a direção social preconizada no projeto pedagógico nacional dos cursos de Serviço Social no Brasil.

Considerando os vínculos do Projeto Ético- político-profissional do Serviço Social, hegemônico na formação dos Assistentes Sociais no Brasil, entendo que é o materialismo histórico dialético, a perspectiva que pode garantir o avanço da pesquisa na área de Serviço Social voltada para a análise do processo de produção e reprodução da vida social sob o capitalismo, em cujo âmbito situa-se o Serviço Social.

Reafirmo, ainda, a importância dessa perspectiva para analisar a própria profissão como objeto histórico que se move no contexto do capitalismo e sofre os efeitos perversos de seu avanço. Pois, como profissão que tem uma função social na sociedade, precisa rever, permanentemente, a sua objetivação como expressão da práxis, na perspectiva de construir respostas às demandas das classes subalternas, a cujos interesses o seu projeto ético-político profissional, construído a partir de meados da década de 1970, no Brasil, vincula- se.

Referências

ABREU, M. M. Serviço Social e a questão da participação: tendências e desafios na sociedade brasileira. São Luís: UFMA, 2004. No prelo.

CARDOSO, F. G. Organização das classes subalternas: um desafio para o Serviço Social. São Paulo: Cortez Editora; São Luís: EDUFMA, 1995.

CARDOSO, F. G.; LOPES, J. B. O trabalho do assistente social nas organizações da classe trabalhadora. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília, DF, 2009.

CARDOSO, F. G., M. L. A periodização e a ciência da história. Rio de Janeiro: FGV, 1977. Mimeo. Não paginado.

FERNANDES, F. A ditadura em questão. São Paulo: T. A. Queiroz, 1982.

LUKÁCS, G. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais da obra de Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.

MARX, K. Introdução e prefácio para a crítica à economia política e outros escritos. São Paulo: Abril, 1983a. (Coleção os Economistas).

MARX, K. Manuscritos enconômico-filosófico. In: FERNANDES, F. (Org.). Marx e Engels: história. São Paulo: Editora Ática, 1983b.

PAULO NETTO, J. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós 64. São Paulo: Cortez, 1991.

PAULO NETTO, J. Introdução ao método na teoria Social. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília, DF, 2009.

Notas

1 O MDB era o único partido legal de oposição na década de 1970.


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