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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL (EA) NUM TEMPO DE TRAVESSIAS: desafios da EA crítica frente ao ideário de políticas desenvolvimentistas em Itaguaí/RJ
THE ENVIRONMENTAL EDUCATION (EA) CROSSINGS IN TIME: challenges of EA criticism against the ideas of development policies in Itaguaí-RJ
Revista de Políticas Públicas, vol. Esp, pp. 427-433, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepção: 20/01/16

Aprovação: 06/06/16

Resumo: Fruto de diálogos entre dois grupos de pesquisas (GEPEADS/UFRRJ e ERA/UERJ) referentes a uma tese de doutorado (PPGMA/UERJ), este estudoreflete acerca dos desafios da EA crítica frente ao ideário das políticas desenvolvimentistas em territórios marcados por expansão urbano-industrial. A abordagem metodológica é qualitativa inspirada nos pressupostos do materialismo histórico-dialético e da Ecologia Política, com estudo de caso sobre o município de Itaguaí/RJ.A análise dos dados transcorreu à luz da EA crítica e da justiça ambiental. Percebe-se que as práticas de EA - fundamentadas em políticas públicas desenvolvimentistas e em concepções conservadoras de EA - são instrumentos de manutenção social.

Palavras-chave: Educação ambiental crítica, políticas desenvolvimentistas, Itaguaí/RJ.

Abstract: This study is the result of dialogues between two research groups (GEPEADS / UFRRJ and ERA / UERJ) for a doctoral thesis (PPGMA / UERJ) reflects on the challenges of EA criticism against the ideas of development policies in marked areas for urban-industrial expansion. The methodological approach is qualitative inspired by the assumptions of historical and dialectical materialism and Ecology policy, with case study in the municipality of Itaguaí / RJ. An analysis of the data was made under the light of EA criticism and environmental justice. It is noticed that the EA practice - grounded in developmental policies and conservative views of EA - are instruments of social maintenance.

Keywords: Critical environmental education, development policies, Itaguaí/RJ.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho reflete sobre os desafios da Educação Ambiental (EA) crítica em territórios urbano-industriais, especificamente sobre o município de Itaguaí, no Estado do Rio de Janeiro/ Brasil. Procura compreender as práticas de EA implementadas neste espaço, que é marcado por expansão de indústrias e empresas que, direta e/ou indiretamente, desenvolvem EA empresarial. Dessa maneira, este estudo aponta alguns resultados preliminares da pesquisa de doutorado ora em andamento no Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente (PPG-MA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e traz discussões apreendidas nos dois grupos de pesquisas, a saber: Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental, Diversidade e Sustentabilidade (GEPEADS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Racionalidade Ambiental da UERJ. Traz à baila, também, questões sobre o ideário do Estado desenvolvimentista brasileiro, que nos permite relacionar os processos de expansão do capital industrial às concepções de EA neste contexto, que tanto podem ser como um instrumento de reprodução ou de transformação social.

Itaguaí é um espaço em crescente expansão de atividades industriais devido à instalação de empreendimentos portuários e siderúrgicos. Essa expansão encontra-se intrinsicamente relacionada ao modelo desenvolvimentista implantado em diferentes fases das políticas brasileiras.

Os impactos desses empreendimentos no território são vistos e sentidos pela população local que convive com problemas relacionados ao planejamento urbano (explosão demográfica, favelização, especulação imobiliária, reorganização das diferentes classes sociais em novos arranjos territoriais e desterritorialização de grupos marginalizados), à precariedade dos serviços públicos (demanda por vagas na rede de ensino municipal e por atendimento no sistema público de saúde, dentre outros) e à degradação socioambiental (prostituição, drogas, violência, geração de resíduos sólidos, desabastecimento de água nas residências etc). A expansão industrial que gera esses impactos influencia, também, as definições e os rumos da política local e articula-se à lógica desenvolvimentista que se amplia a serviço da “[...] reprodução sociometabólica do capital.” (MÉSZÁROS, 2006, p. 81).

Por desconsiderarem os conflitos socioambientais emergentes do processo de apropriação e uso deste território para fins econômicos de determinados segmentos sociais em detrimento da coletividade, o ideário da política desenvolvimentista, concretizada na instalação dos grandes complexos industriais no território de Itaguaí/RJ, vem se expandindo na localidade e caracterizando este território como uma zona de sacrifício (ACSELRAD, 2001), pois é considerado como prioridade apenas para investimentos de expansão industrial.

A política desenvolvimentista hegemônica, concretizada na instalação dos grandes complexos industriais no território de Itaguaí/RJ reflete-se nas práticas e nas políticas de EA que legitimam o caráter conservador e reprodutor da manutenção do status quo por desconsiderarem os conflitos socioambientais emergentes do processo de apropriação e uso deste território para fins econômicos de determinados segmentos sociais em detrimento da coletividade.

Ressalta-se ainda neste contexto, a prática da EA por empresas. O setor produtivo precisa atender à legislação ambiental e/ou obter licenças de instalação e de operação, seja para obter certificações de qualidade ambiental para melhor colocação no mercado, ou para cumprir as obrigações legais e sociais. Diante desta realidade, as empresas assumem discursos e práticas de responsabilidade socioambiental, valorizado num clamor generalizado e superficial em nome da preservação da natureza com extensão de suas ações nas escolas por meio de programas de EA e de Sustentabilidade.

Normalmente, essas ações ocorrem associadas ao discurso da modernidade, que enaltecem as benesses do desenvolvimento e da empregabilidade, nos discursos empresariais, com vistas a gerar uma passividade pela aceitabilidade da sociedade civil de um determinado risco, pois difunde-se no imaginário social a ideia de que as grandes empresas e as escolas agora são parceiras do meio ambiente. Então, as empresas utilizam-se do trabalho de parceria como um instrumento de marketing, consequentemente, como uma forma de assegurar sua legitimidade e de produzir sua imagem com base na responsabilidade socioambiental.

O grande desafio para uma EA crítica, neste contexto, é buscar a travessia dos caminhos pré- determinados pelas empresas e pela lógica formal para romper com os discursos consensuais e com as práticas hegemônicas.

Dessa maneira, a análise da relação entre reprodução social e EA tem dupla função: a clássica função moral de socialização humana com a natureza, e também a pouco compreendida função ideológica de reprodução das condições sociais, reprodução esta que pode contemplar a possibilidade tanto de manutenção como de transformação social (LAYRARGUES, 2009). Assim, construímos o seguinte questionamento: qual o papel da EA na manutenção e/ou no enfrentamento do ideário desenvolvimentista?

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 O Estado desenvolvimentista e o município de Itaguaí/RJ

O Estado desenvolvimentista brasileiro, compreendido como um processo desenvolvimentista instaurado no país a partir da década de 1970 passou por vários momentos e inflexões, que nos serve de apoio para esta reflexão. Não nos cabe aqui uma reconstrução acabada de sua história em curso. Pretendemos chamar atenção para algumas características que propiciaram o cenário político e econômico do território estudado.

Países como o Brasil, na busca do crescimento econômico trazido por uma industrialização tardia, atravessaram diversas crises (FIORI, 1997) marcadas por ciclos desenvolvimentistas que se vincularam ao exterior numa relação de dependência e dominação.

Esse longo percurso foi marcado pela transição de uma ideologia nacional-desenvolvimentista agroexportadora para uma economia industrial e uma política de investimentos externos.

O crescimento se transforma em princípio, em fetiche e em categoria central dos discursos econômicos modernos, passando a ser uma norma irresistível nas sociedades capitalistas. A economia mundial deve crescer, eis o credo repetido inúmeras vezes. Mais ainda: o crescimento transforma-se em fator integrante dos valores ocidentais (ALTVATER, 2010). O crescimento é o topo sem um discurso de dominação que, no entanto, também convence os dominados. O início do Estado desenvolvimentista se consolida com a criação nos anos 70 do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Todavia, a ideologia desenvolvimentista permanece de diferentes formas, ressignificada, e o crescimento e/ou desenvolvimento econômico continua sendo um projeto de nação, em seus diferentes governos, desde então.

Paulo Arantes (2007) afirma que qualquer que seja a sua denominação: estado desenvolvimentista, estado de sítio, estado de exceção, estado de emergência ou urgência, plenos poderes etc. os diversos ciclos transitórios políticos e econômicos ocorridos no país nas últimas décadas possuem, em seu cerne, a lógica desenvolvimentista econômica como ideologia dominante.

Em Itaguaí/RJ, esta política desenvolvimentista ganha forma na década de 1970, quando foram criados os arcabouços legais, institucionais e técnicos dedicados ao planejamento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro nos quais o município se insere. Por meio de processos decisórios centralizados, esse modelo desenvolvimentista fundamentado no I e no II PND, resultou na criação do Porto de Itaguaí (inaugurado em 1982) e da rodovia RJ-109 (cujo traçado coincide com o Arco Metropolitano) (RIO DE JANEIRO, [20--?]).

Nesta mesma época, foram criados os Distritos Industriais presentes na área de influência do Porto de Itaguaí (Santa Cruz, Nova Iguaçu e Queimados), a construção da BR 101, a usina nuclear de Angra dos Reis, dentre outros.

Segundo Gusmão (2010), esses projetos caracterizam políticas do tipo em se plantando tudo dá, que partem do pressuposto que, se for dada uma contribuição inicial do Estado (no caso, projetos de infraestrutura e insenções fiscais), e desde que ele não imponha restrições ou condicionamentos muito pesados, o processo de industrialização da região seria implantado.

A década de 1980 foi considerada como uma década vazia sob o ponto de vista da gestão pública da área de influência do Porto de Itaguaí, pois a região esteve sob influência de uma política de desmonte praticada no país em todas as suas esferas (OLIVEIRA; RIZEK, 2008).

Na década de 1990 foram criados diversos arcabouços legais referentes ao Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro que dava continuidade à concepção desenvolvimentista iniciada na década de 1970, estabelecendo tendências para o Porto de Itaguaí, considerando-se “[...] ser fundamental que se estabeleçam condições de transformá-lo no primeiro hubport do Hemisfério Sul.” (GUSMÃO, 2010, p. 30). Outra referência foi a criação da Lei de Modernização dos Portos (1993) que deu lugar à ampliação-modernização do Porto de Itaguaí como parte da preparação para a sua posterior concessão à iniciativa privada. Contudo, tanto a lei quanto as intervenções no porto estavam alinhadas com o processo de inserção da economia brasileira nos fluxos de bens e serviços da economia mundial reorganizada (GUSMÃO, 2010). Citemos, ainda, o Macroplano de Gestão e Saneamento Ambiental da Bacia da Baía de Sepetiba (1998) que indicava a necessidade de

[...] promover a revisão de limites e usos previstos nas Zonas de Uso Predominantemente Industrial (ZUPI’s) e Zonas de Uso Exclusivamente Industrial (ZEI’s) previstas no zoneamento industrial metropolitano de 1982, face ao desenvolvimento urbano de 2014, os conflitos de uso existentes e os impactos esperados para região (GUSMÃO, 2010, p. 31).

Na década de 2000, as iniciativas marcantes para o espaço estudado são as ações vinculadas ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) que possui projetos alinhados a intervenções datadas na década de 1970. Mesmo sem ser concebida como uma política pública, em 2006, a Federação das Indústrias e do Comercio do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) lançou o Mapa de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro, que recomendava ações práticas e previa a melhoria da acessibilidade aos portos e da infraestrutura rodoferroviária, como formas de superar barreiras à produtividade das atividades industriais do estado desenvolvimentista. Em contrapartida, assim como as demais políticas públicas citadas, eram tímidas as referências a questões vinculadas ao desenvolvimento local, ao ordenamento territorial e à gestão ambiental.

Também foi criado o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Itaguaí (PDZ), em 2007, pela Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), autoridade portuária vinculada ao Ministério dos Transportes. Este instrumento remete-se aos instrumentos legais elaborados na década de 1990, como a Zona de Logística Industrial (ZLI) e o Centro Industrial Portuário de Sepetiba (CIPS) que corresponde a um plano que visa à integração de instalações portuárias com complexos industriais adjacentes; e a Zona de Processamento de Exportação, criada no Brasil pelo Decreto-Lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, que institui o regime aduaneiro especial das Zonas de Processamento de Exportação, sendo revogado em 2007 pela Lei nº 11.508, de 20 de julho. Atualmente, no Brasil há 24 Zonas de Processamento de Exportações (ZPEs) em distintas fases pré-operacionais, dentre estas, insere-se uma no município de Itaguaí, criada pelo Decreto nº 1.278, de 11 de outubro de 1994. Este PDZ projeta novas ações para 2015 e conclui que o Porto de Itaguaí é o único da Região Sudeste com profundidade adequada, amplas áreas de armazenagem com vocação natural para transbordo e concentração de cargas, adequado às atuais e futuras necessidades da frota de navios porta-contêineres (COMPANHIA DOCAS DO RIO DE JANEIRO, 2007). O PDZ reproduz os objetivos projetados por outras políticas traçadas desde 1970 e se alinha com as propostas do PAC na bacia da Baía de Sepetiba, não adicionando qualquer constrangimento associado a uma agenda de desenvolvimento local ou microrregional (GUSMÃO, 2010).

Citemos ainda os programas de financiamento vinculados ao Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro (FUNDES) no que diz respeito a área de influência do Porto de Itaguaí: (i) Pró Sepetiba, de fomento à atividade econômica na região do Porto de Itaguaí, que pode apoiar a relocalização, expansão ou implantação de novos empreendimentos em sua área de influência, desde que se relacionem com as atividades portuárias; (ii) Rio Portos, de fomento ao comércio internacional de movimentação de cargas pelos portos e aeroportos do Estado do Rio de Janeiro; (iii) Reporto-Rio, que envolve a concessão de incentivo fiscal vinculado ao desenvolvimento, recuperação, expansão e modernização da atividade portuária no Estado do Rio de Janeiro; (iv) Incentivos Fiscais na Área de Influência do Porto de Itaguaí, concedidos a projetos de implantação ou expansão de empresas localizadas nos municípios de Itaguaí, Japeri, Paracambi, Queimados, Seropédica, além dos Distritos Industriais de Campo Grande e Santa Cruz; (v) Porto Seco - Estações Aduaneiras de Interior (EADI’s), que envolve a concessão de incentivos a indústrias que se instalarem nos portos secos do estado do Rio de Janeiro.

De acordo com Gusmão (2010) considerando a amostra dos instrumentos atuais (PAC, PDZ do Porto de Itaguaí e programas vinculados ao Fundes) estes assemelham-se as propostas de políticas e intervenções referentes às outras décadas anteriores.

Tomando, em geral, as políticas e instrumentos legais referentes ao Porto de Itaguaí nestas quatro décadas analisadas (1970-2010), elas tendem a repercutir interesses e propostas colocadas pelo setor produtivo.

O processo de desenvolvimento se materializou em Itaguaí e transformou o território. Essas transformações e impactos são visíveis a todos que conhecem a localidade há pelo menos uns dez anos. Existem ainda muitas tendências para a localidade acerca de expansão de industrias e, consequentemente, para o aumento demográfico. Mas, a análise do cenário de Itaguaí, sobretudo, do bairro da Ilha da Madeira - espaço de instalação dos complexos portuários e espaço onde os conflitos se manifestam de forma mais latente - permite supor que as mudanças ocorridas em seu espaço estão em consonância com as mudanças ocorridas em outros espaços mundiais onde predominam a lógica econômica desenvolvimentista.

No município de Itaguaí, especificamente no bairro da Ilha da Madeira, é uma área é destinada à implantação de uma Zona Exclusiva Industrial (RIO DE JANEIRO [200-?]). É mister citar alguns empreendimentos instalados no território que foram incentivados pelas políticas públicas analisadas anteriormente.

Em 1964, o processo de industrialização do município teve início com a instalação da Companhia Mercantil Industrial Ingá, na Ilha da Madeira. Em 16 de dezembro de 1975, por meio do decreto Lei federal nº 76.805, foi autorizada a criação da Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (NUCLEP), visando à implementação do Programa Nuclear Brasileiro para a geração de energia nucleoelétrica. O período entre 1973 a 1977 é demarcado pela construção da rodovia Rio - Santos (a BR-101) uma obra que, além de favorecer a especulação imobiliária da Costa Verde, atendeu à construção das usinas nucleares de Angra dos Reis e de outras empresas que vieram para a região. Nesse período, também foram instaladas a Fundição Técnica Sulamericana (peças para a indústria naval) e a Usina Itaguaí (transformação de metais não ferrosos). Posteriormente, esta área foi cedida para a companhia das Docas do Rio de Janeiro, encarregada de administrar o Porto de Sepetiba, inaugurado em 1982, e hoje denominado Porto de Itaguaí. Em 2005, ocorreu novo ciclo desenvolvimentista na região, a partir da inauguração da Companhia Siderúrgica do Atlântico Thyssen Krupp (TKCSA), cuja planta localiza-se no bairro de Santa Cruz/RJ, mas que mantém o porto particular com dois terminais instalados na baía de Sepetiba, próximo à Ilha da Madeira (INSTITUTO DE POLÍTICAS ALTERNATIVAS PARA O CONESUL, 2009). Em 2007, as obras do SuperPorto Sudeste foram iniciadas como um terminal portuário privativo de uso misto, dedicado à movimentação de minério de ferro, que já está em fase de duplicação do seu empreendimento, tendo executado ou muitas obras civis marítimas, que transformaram o modo de vida da população local e o meio ambiente, devido a sua magnitude: abertura de túneis, construção de estradas e viadutos para delimitar a área do empreendimento, construção do píer na área de pesca etc.

Além dos empreendimentos citados, existem outros que estão sendo instalados ou planejados para o município de Itaguaí: o Arco Metropolitano inaugurado no primeiro semestre do ano de 2014; o projeto de revitalização do porto; no caso uma parceria entre a Gerdau, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Petrobras, com foco na exportação de aço e apoio logístico para embarque de petróleo da camada do pré-sal (A ROTA..., 2012). Existem ainda grandes empresas presentes na região: Cia Docas; Vale do Rio Doce; Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); Usiminas; Gerdau; Furnas; Odebrechet. Segundo Lopes (2013), todos esses empreendimentos refletem as demandas dos investimentos econômicos e das diretrizes políticas do Estado.

Esses dados oferecem razões para procedermos as análises sobre o modelo de Estado desenvolvimentista que facilita os interesses do capital e omite seu papel de fiscalizador e promotor de desenvolvimento social (GUSMÃO, 2010). O discurso do desenvolvimento é disseminado na localidade de forma natural, como se o desenvolvimento econômico gerasse oportunidades acessíveis a todos os moradores do município. Cabe ainda mencionar, que as políticas públicas são alteradas para viabilizar esses modelos e manter as relações sociais atuais, legitimando o modo de produção vigente. De certo, este estudo promoveu, portanto, uma discussão sintética sobre o papel das políticas públicas dentro desses marcos, especificamente para compreender o processo de expansão industrial no território em estudo.

2.2 Os desafios da educação ambiental crítica

Diante do context urbano-industrial apresentado neste estudo sobre o desenvolvimento de Itaguaí/RJ, percebe-se a presença veemente de empresas que vêm ultrapassando seus muros e formalizando parcerias com o sistema educacional local, promovendo ações, cursos de formação e projetos de EA empresarial. Perante este cenário, vimos como o grande desafio para uma EA crítica, nesta conjuntura, é buscar a travessia dos caminhos pré-determinados pelas empresas (PLÁCIDO, 2012) e pela lógica conservadora formal - presentes no sistema educacional deste espaço - para romper com os discursos consensuais e com as práticas hegemônicas em torno da EA. Para tal, faz-se necessário perceber os consensos estabelecidos no cotidiano escolar, construídos a partir da difusão da ideia da homogeneidade e da harmonia entre os interesses materializados na relação entre os sujeitos da escola pública e as grandes empresas privadas. Os consensos são disseminados também quando temas como desenvolvimento sustentável e crise socioambiental emergem nas práticas educacionais.

Para Carneiro (2005), o conceito de desenvolvimento sustentável é a doxa1 do sistema econômico vigente à medida que a ideologia do desenvolvimento se transforma em fetiche e busca sua perpetuação a partir da aderência política da sustentabilidade econômica. Ou seja, a ideologia do desenvolvimento sustentável silencia a respeito do que se desenvolve, para quem se desenvolve. Este silencio tácito define as concepções, demandas e engajamentos do jogo de regras deste modelo. O teor ideológico do discurso de desenvolvimento sustentável propaga-se de forma simplista, sem desvelar as contradições entre capital e trabalho e as degradações, os conflitos socioambientais provenientes de um modo de produção e consumo, apenas incorpora o ambiental na lógica economicista do mercado. À luz do que foi dito, Cury (1985) analisa a educação a partir da categoria contradição para elucidar as relações que são estabelecidas no fenômeno educativo. Relações estas apreendidas, neste estudo, a partir do estabelecimento de parcerias entre empresas e escolas, assim como o consenso estabelecido acerca do conceito de crise ambiental e de desenvolvimento sustentável a ser analisado nas escolas. O sentido desse consenso é a homogeneização da sociedade, ocultando as relações de classes, e, sobretudo, as relações de poder que existem na sociedade em geral. Cury (1985) afirma que a homogeneidade do discurso pretende contrariar e falsear o movimento do real em sua estruturante relação de poder desigual. Acerca do discurso da crise socioambiental, Layrargues (2002) afirma que a estratégia discursiva anunciada é que, a crise é planetária, e que além de vítimas, todos também são responsáveis de forma igualitária pela crise ambiental. Assim, consolida-se um consenso universal apaziguador, pois as vítimas não mais poderiam responsabilizar os culpados, já que todos são iguais perante a catástrofe ecológica (LAYRARGES, 2002).

O desafio posto à EA torna-se maior diante das políticas públicas inebriadas da lógica capitalista, que se distanciam das possibilidades de transformações sociais e, que inserem no cotidiano escolar, a ideia da homogeneidade e da harmonia entre os interesses materializados na relação entre os sujeitos da escola pública e as grandes empresas privadas.

Assim, vemos que um dos grandes desafios para a EA crítica, neste contexto, consiste sobretudo em perceber os motivadores que levam o Estado a consolidar políticas públicas que estimulam as parcerias entre empresas e escolas e, com isso, superar as práticas hegemônicas ditadas pelo Estado Educador.

3 CONCLUSÃO

Neste estudo, vimos construindo nossos apontamentos acerca do seguinte desafio posto à EA crítica num contexto de sociedade urbano- industrial: buscar a travessia dos caminhos pré- determinados pelas empresas, para romper com os discursos consensuais e nas práticas hegemônicas estabelecidas no âmbito da EA.

As ideias apresentadas neste estudo compreendem as transformações ocorridas na arena política brasileira contemporânea como referências para o entendimento do processo de desenvolvimento econômico-industrial. A escola, vista como um aparelho ideológico para o alcance da hegemonia (GRAMSCI, 2004) por meio de práticas de EA e da disseminação de discursos convincentes, consolida um caldo político capaz de legitimar e de reproduzir o consenso acerca do desenvolvimento sustentável que, na verdade, é visto como um desenvolvimento insustentável (CARNEIRO, 2005). Os mecanismos de legitimação da hegemonia econômica e empresarial nos diversos setores da sociedade utilizam o sedutor discurso das parcerias baseado no desenvolvimento econômico, tão consolidados nestes territórios industriais.

O intuito da EA crítica neste cenário é o desvelamento deste movimento presente nas escolas, assoberbadas pela crescente responsabilização para que seja o espaço de solução para todas as mazelas sociais, e agora também ambientais. A perspectiva de resistência a esse movimento de hegemonização é a possibilidade dos educadores, em suas práxis pedagógicas, contraporem-se a esse processo que vem sendo inserido no cotidiano escolar. Perceber esses movimentos políticos desenvolvimentistas e disputar os sentidos em embate, desvelando outras possibilidades com seus alunos, atravessando para outros caminhos possíveis a serem trilhados.

Referências

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Notas

1 A doxa é uma ortodoxia, uma visão direita, dominante. É uma relação politicamente construída. A doxa é “[...] um ponto de vista particular, o ponto de vista dos dominantes que se apresenta e que se impõe como ponto de vista universal.” (BOURDIEU, 1996, p. 120).


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