Resumo: O artigo resulta de um estudo cujo objetivo foi analisar a discriminação salarial de gênero e cor de pele na região Norte do Brasil em 2004 e 2013. Com base nas teorias do capital humano, segmentação e discriminaçãoe a partir dos dados da PNAD/IBGE, estimaram-se as equações de determinação dos salários e utilizou-se a decomposição de Oaxaca-Blinder para detectar a discriminaçãx salarial. Verificou-se que o impacto discriminatório foi o principal responsável pela disparidade salarial existente. O hiato salarial entre brancos e não brancos deveu-se à diversidade nos fatores produtivos individuais. Além disso, a aproximação das características produtivas dos trabalhadores influenciou positivamente na redução das diferenças salariais entre gênero e negativamente na cor da pele. O artigo conclui, ademais, que o fator discriminatório se reduziu no período, sendo os mais significativos decréscimos para os indivíduos não brancos.
Palavras-chave:Mercado de trabalhoMercado de trabalho, diferenças salariais diferenças salariais, discriminação discriminação, políticas públicas políticas públicas.
Abstract: The article results of a study which goal was to analyze the gender and color wage diRerentiation in the North region of Brazil in 2004 and 2013. Based on the theories of human capital, segmentation and discrimination the PNAD/ IBGE was used and was estimated the wage determination equations as well as the Oaxaca-Blinder decomposition to detect the wage discrimination. The results showed that the discriminatory impact was primarily responsible. The wage gap between whites and non-whites occurred due to the diversity in the individual productive factors. It was verified that the approximation of the productive characteristics of the workers influenced positively the reduction of the wage diRerences between gender and negatively in the color. The article concludes that the discriminatory factor decreased in the period for all groups, being the most significant for non-whites.
Keywords: Labor market, wage diRerences, discrimination, public policies.
Artigos - Dôssie Temático
DIFERENÇAS SALARIAIS E DISCRIMINAÇÃO POR GÊNERO E COR NA REGIÃO NORTE DO BRASIL1
Recepção: 11 Janeiro 2017
Aprovação: 03 Maio 2017
O Brasil é caracterizado demograficamente por apresentar uma expressiva miscigenação, no entanto, este fato não isenta o país de sofrer com diversos tipos de preconceitos-perturbações herdadas desde os primórdios da civilização. A discriminação no mercado de trabalho torna-se evidente quando indivíduos igualmente produtivos são alocados ou remunerados de formas distintas, com base em suas características não produtivas. Logo, a discriminação salarial diz respeito às disparidades salariais entre trabalhadores que possuem o mesmo nível de escolaridade e estão alocados em postos de trabalho idênticos entre si.
Apesar do maior volume de políticas sociais direcionadas ao acesso e inclusão social, alguns estudos apontam a dimensão da desigualdade na distribuição de rendimentos e oportunidades fornecidas, como Cacciamali, Tatei e Rosalino (2010) e Guedes e Araújo (2011). A cor da pele ainda é um fator de grande influência no mercado de trabalho brasileiro, onde a cor negra é associada à baixa qualificação e nível de instrução, o que consequentemente, acarreta a baixa remuneração. (CAVALIERI; FERNANDES, 1998).
No caso dos gêneros, a situação feminina ainda se encontra fortemente atrelada às incumbências herdadas nos primórdios da humanidade, como a submissão e a inferioridade da mulher em relação ao homem. Tradicionalmente, as mulheres eram direcionadas aos trabalhos domésticos e à criação dos filhos, ao passo que aos homens cabia a responsabilidade de sustentação e manutenção do lar. (BRUSCHINI; LOMBARDI, 2002). Apesar de este cenário ter se alterado nas últimas décadas, as mulheres ainda obtêm rendimentos inferiores aos homens, sendo que o fato se agrava no caso das mulheres negras.
Assim como as demais regiões do Brasil, o mercado de trabalho da região Norte revela diferenças salarias entre os gêneros e a cor de pele. Com extensão territorial de 45% da área total do Brasil (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2015), esta é a segunda região menos habitada do território nacional, e ainda assim uma das mais pobres. A pobreza e a extrema pobreza diminuíram de forma expressiva no Brasil entre 2004 e 2013, no entanto, continuam concentradas nas regiões rurais do Norte e do Nordeste do país. (SOARES et al., 2016). Assim, este estudo está calcado na hipótese de que há a persistência da desigualdade salarial, e que parte dela se traduz em discriminação.
Na esfera empírica, diversos autores buscaram auferir o fenômeno dos diferenciais de salário, bem como da segmentação e discriminação no mercado de trabalho brasileiro entre gênero, cor de pele ou ambos. Dentre eles, destacam-se Zucchi e Hoffmann (2004), Campante, Crespo e Leite (2004), Biderman e Guimarães (2004), Cacciamali e Hirata (2005), Giuberti e Menezes-Filho (2005), Leone e Baltar (2006), Matos e Machado (2006), Cambota e Pontes (2007), Almeida e Almeida (2014), Maia e outros (2015), Souza e outros (2015). No entanto, poucos autores realizam uma análise por menorizada acerca do panorama do mercado de trabalho da região Norte.
Fundamenta-se, aqui, a necessidade de contribuir com ferramentas que permitam uma melhor análise acerca das condições atuais do mercado de trabalho da região Norte. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi analisar a discriminação salarial de gênero e cor de pele na região Norte do Brasil em 2004 e 2013.
Na teoria econômica tradicional, os salários constituem um dos preços da economia. Aplicando-se a análise da oferta e demanda, a força de trabalho que recebe os salários está no lado ofertante, ao passo que as empresas e os empregadores, que pagam os salários, no lado demandante de mão de obra.
A partir de 1960, diante da crescente preocupação com o crescimento econômico e com a melhor distribuição de renda, as possíveis diferenças salariais e o conceito de capital humano vieram a ser estudados com maior profundidade por trabalhos pioneiros de Schultz (1961) e Becker (1962).
Ao estudar a taxa de retorno salarial para o ensino médio e superior da população estadunidense, Becker (1962) introduz uma ideia preliminar de recursos intangíveis presentes na determinação dos níveis salariais de um país. Segundo o autor, tais recursos são estritamente relacionados com os investimentos em capacitação intelectual ou cognitiva dos indivíduos, e que no longo prazo podem refletir em diferentes níveis de ganhos futuros.
Para Schultz (1961), a ideia de capital humano consistia no acúmulo de todos os investimentos em educação, treinamento no trabalho, saúde, migração e demais fatores que tornavam o trabalhador mais produtivo na percepção do mercado de trabalho, e, consequentemente, mais valoroso no mesmo. Logo, os trabalhadores tornavam-se capitalistas, uma vez que maiores investimentos em sua capacidade produtiva eram capazes de gerar retornos positivos a médio e longo prazo. (RAMOS, 2012).
A teoria do capital humano considera o mercado de trabalho como sendo contínuo, ou seja, a aquisição de maiores rendas por parte dos indivíduos só dependerá do nível educacional do mesmo. Sendo assim, desconsidera-se a possibilidade de imobilidade entre os indivíduos dentro do mercado de trabalho, uma vez que, segundo essa teoria, o maior nível de estudo está intimamente relacionado a ocupações com maiores remunerações. (LIMA, 1980).
Surge, assim, a teoria da segmentação (mercado segmentado ou dual). Ela propõe que o mercado de trabalho seja divido em dois segmentos, sendo o primeiro (mercado primário), em que de fato se observam os pressupostos sugeridos pela teoria do capital humano: maiores patamares educacionais proporcionando maiores níveis salariais; enquanto no segundo segmento (mercado secundário), o grau de escolaridade possui baixa ou ausente influência sobre a determinação dos salários.
Outros estudos desenvolvidos em décadas mais recentes observam que, muito embora a teoria do capital humano e a teoria da segmentação tenham fundamento para explicar os diferentes níveis salariais de uma economia, há ainda uma parcela dessas diferenças que fogem do escopo do arcabouço teórico presente até então. Com isso, ao destacar as questões raciais e de gêneros, Lovell (1994) aponta para o que se tem por discriminação no mercado de trabalho.
As diferenças nos ganhos salariais ou até mesmo nas oportunidades de empregos podem existir mesmo entre indivíduos igualmente capacitados, e/ou igualmente alocados no mercado. Isso se dá devido à raça, gênero, origem nacional, orientação sexual ou entre outras características aparentemente irrelevantes no quesito produtividade, ou, em outras palavras, características não produtivas. (BORJAS, 2010).
Além disso, a discriminação no mercado de trabalho pode ser advinda de três fontes diferentes, sendo cada uma delas atribuídas a um determinado tipo de discriminação: (i) o preconceito pessoal, o qual abrange as discriminações do cliente, do empregador e do empregado; (ii) a discriminação estatística, que está relacionada com as informações do grupo obtidas pelos empregadores, e (iii) os modelos do poder do monopólio, os quais, grosso modo, sugerem que os trabalhadores estejam divididos em castas diferentes (de acordo com seu sexo e etnia) que não competem entre si. (EHRENBERG; SMITH, 2000).
A Constituição de 1934 regulamentou a exploração do trabalho e, a partir de meados do século XX passou a deter grande importância no processo da consolidação de um conjunto de leis que arbitrariam a utilização do trabalho na nascente indústria. Entre as principais medidas adotadas estavam a limitação da jornada de trabalho em 48 horas, proibição do trabalho de menores de 14 anos, férias remuneradas, remuneração de horas extras e a regulamentação do trabalho feminino (COSTA, 2005). Posteriormente, também foram reunidas as normas trabalhistas em um único código, denominado Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Salienta-se a importância do papel dos sindicatos na luta pelos direitos trabalhistas e no cumprimento das normas até então vigentes. De acordo com Dedecca (2005), o crescimento da ação sindical foi acompanhado pelo desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, a democratização como repulsa ao autoritarismo do governo militar gerou forças para a consequente transformação do quadro social desfavorável após vários anos de crescimento econômico.
Entre as políticas mais relevantes das últimas décadas está a Constituição de 1988, que reestabeleceu o direito às greves e a livre associação aos sindicatos. Esta permitiu reafirmar a perspectiva da criação de instrumentos que oportunizassem a ampliação da regulamentação do mercado de trabalho e das relações trabalhistas do país. (DEDECCA, 2005).
Essas medidas foram consolidadas ao longo da década de 1990, por meio das regulamentações dos artigos da Constituição implementada, principalmente àquelas referentes à educação. Apesar de encontrarem empecilhos de diversas naturezas, essas políticas ocasionaram impactos relevantes na redução da desigualdade entre brancos e negros, em relação ao acesso aos serviços e benefícios. (JACCOUD, 2008).
Utilizou-se a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) dos anos de 2004 e 2013 para a obtenção dos dados da região Norte. Foram considerados indivíduos ocupados com idade igual ou acima de 14 anos, os quais foram analisados por meio de seus aspectos produtivos, como educação (anos de estudo) e experiência no trabalho, e não produtivos, como gênero (homens e mulheres) e cor de pele (brancos e não brancos2). Levou-se em consideração a região censitária e variáveis referentes ao mercado de trabalho, tais como setor, ocupação e formalidade.
A equação de determinação de salários, de Mincer (1974), tem por objetivo relacionar as características produtivas dos indivíduos, como anos de estudo e experiência no trabalho, com seus rendimentos, bem como a influência de demais variáveis, como a localização ou a ocupação na qual estes indivíduos estão inseridos no mercado de trabalho. Para este estudo, desenvolveu-se o seguinte modelo log-linear para homens brancos, mulheres brancas, homens não brancos e mulheres não brancas:
Sendo = logaritmo
natural do salário;
= Estudo (anos de estudo);
= experiência no trabalho;
= experiência ao quadrado, variável utilizada para captar o retorno da experiência no trabalho
a longo prazo. Além disso, foram consideradas também as influências das variáveis categóricas referentes aos setores:Ind(Indústria), Com (Comércio), Ser (Serviços), sendo omitido o setor Agrícola; às ocupações: Dir(dirigentes), PCA (profissionais das Ciências e das
Artes), Tec(técnicos de nível médio), sendo o cargo de Operacionais o omitido da análise; à formalidade do mercado, representada por For, e a região domiciliar denominada por Urb, cuja divisão foi feita entre áreas
urbanas e não urbanas.
O modelo de Oaxaca-Blinder (OAXACA, 1973) é utilizado para mensurar o hiato salarial entre dois grupos de trabalhadores e a discriminação salarial. Desse modo, é feita a decomposição das diferenças de salários em dois termos: o primeiro relacionado às diferentes características do trabalhador tanto produtivas quanto referentes ao mercado de trabalho, ou seja, a parte das diferenças explicadas e o segundo se refere à discriminação salarial, isto é, a parte não explicada pelas caraterísticas do trabalhador e do mercado de trabalho. Para este estudo foi decomposta a seguinte equação de salários:
Onde , representa as diferenças salariais entre dois grupos de trabalhadores;
representa a parcela de diferenças explicadas;
é atribuído à parcela referente às diferentes remunerações concedidas a indivíduos igualmente capacitados e empregados, ou seja, à discriminação propriamente dita. E por fim, o termo
, que representa a diferença salarial recorrente entre determinados indivíduos pelo fato de alguns deles estarem inseridos em determinado grupo. Desta maneira, a discriminação é dada pela soma destes dois últimos termos mencionados.
Essa decomposição permite o detalhamento das diferenças explicadas e não explicadas. No entanto, incorre-se no problema de identificação: invariância dos resultados da decomposição frente à escolha arbitrária das variáveis a serem omitidas nos conjuntos de variáveis categóricas utilizadas nas regressões de determinação de salários. Como correção, utiliza-se o processo de normalização proposto por Yun (2003, 2005).
A Tabela 1 apresenta características pertinentes ao perfil da população ocupada no mercado de trabalho da região Norte do Brasil em 2004 e 2013. Constata-se que houve aumento na idade média dos trabalhadores, para os quatro grupos analisados. De forma semelhante, a experiência média (tempo de serviço) dos trabalhadores se elevou entre 2004 e 2013, exceto para o grupo de homens brancos.
Em relação à média dos anos de estudo, independentemente da cor da pele do trabalhador, a mulher apresentou níveis superiores aos homens nos dois anos analisados, evidenciando que as mulheres investem mais em educação. No que tange ao salário médio mensal, o homem branco obteve resultados superiores aos demais grupos, para os dois anos analisados. Mesmo com tal aumento, ainda se manteve uma vasta disparidade salarial por gênero e cor, sem levar em consideração as demais variáveis que podem esclarecer tal fato.
No período analisado houve redução nas horas semanais trabalhadas em todos os grupos. No entanto, os homens mantiveram, em média, mais de 40 horas semanais e as mulheres, pouco mais de 35 horas. Todavia, historicamente, a presença feminina no mercado de trabalho era reduzida por diversos fatores, entre eles a associação do gênero feminino com a execução de tarefas domésticas. Contudo, há de se considerar que a participação da mulher na incumbência do trabalho fora de casa, sobretudo com a elevação de sua remuneração frente ao somatório da renda familiar, impacta positivamente em sua condição de barganha na família, implicando em uma menor participação no trabalho doméstico. (MADALOZZO; MARTINS; SHIRATORI, 2010).
A mulher branca foi o grupo que se distinguiu entre os demais por possuir o melhor salário por hora de trabalho no ano de 2013. Possivelmente, isso se deu devido ao grupo se destacar nos níveis superiores de educação, ratificando pressupostos defendidos pelos principais teóricos da teoria do capital humano em que trabalhadores mais qualificados obtêm melhores remunerações (Tabela 1).
Perfil da população ocupada, Região Norte, em 2004 e 2013
Elaborado pelo autor, com base nas PNAD/IBGE: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em:www.ibge.gov.br/. Acesso em: 15 mar. 2016; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em:www.ibge.gov.br/. Acesso em: 15 mar. 2016. Trabalhadores ocupados a partir de 14 anos de idade. Os salários de 2004 foram reajustados a preços constantes de 2013 com base no IPCA acumulado.Em relação à formalização do trabalho na região Norte, os quatro grupos em tela tiveram aumento de participação no mercado de trabalho formal durante o período estudado. Os trabalhadores brancos apresentaram maior percentual de formalização que os grupos de não brancos.
Em relação à região censitária, ocorreu um significativo êxodo rural nos quatro grupos, com maior destaque para o homem branco, que teve um aumento de 7,15 p.p. entre 2004 e 2013. A participação da mão de obra do homem não branco no campo foi reduzida, no entanto é a mais representativa no meio rural. Políticas públicas de incentivo ao trabalho rural, subsídios e a criação de opções de crédito financeiro destinados a produtores rurais e suas associações e cooperativas foram os principais responsáveis por esta mudança não ser ainda mais significativa.
Outro importante indicador para identificar o perfil do trabalhador da região Norte, refere-se à sua posição como chefe de família. O cenário da composição familiar brasileira, embora tradicionalmente masculina, vem se alterando, mesmo que de forma gradativa. Os resultados apontaram que o homem tem maior participação como chefe de família na região, no entanto foi reduzida entre 2004 e 2013. Por conseguinte, essa participação vem sendo preenchida pela mulher. Além disso, sugere-se também ter ocorrido o aumento do número de famílias monoparentais femininas.
Ao analisar a média do número de filhos das mulheres ocupadas da região Norte, é perceptível comprovar que houve redução. A mulher branca obteve maior redução do que a mulher não branca. A tendência da redução do número de filhos é resultado da conscientização quanto ao uso de contraceptivos, maior dedicação com a educação, somados ao aumento do custo de vida das famílias e a maior participação do gênero feminino no mercado de trabalho.
Na Tabela 2 são apresentadas as equações de determinação de salários estimadas para os quatro grupos em estudo, no mercado de trabalho da região Norte do Brasil, em 2004 e 2013. Os resultados expõem relações positivas entre variáveis de aspectos produtivos, educação e experiência, com os salários dos trabalhadores, nos dois anos examinados. Além disso, os retornos atribuídos à escolaridade mostraram-se superiores aos da experiência.
O grupo a apresentar os maiores retornos da educação foi o da mulher branca, para os dois anos selecionados. Ademais, trabalhadores brancos, independentemente do gênero, obtiveram retornos superiores aos não brancos para um ano a mais de estudo. Nota-se a presença dos retornos decrescentes, sendo que, os acréscimos salariais para um ano adicional em educação em 2013 foram inferiores aos de 2004.
Um ano a mais de experiência, em 2004, assegurou aos trabalhadores do gênero masculino retornos financeiros superiores àqueles do gênero feminino. De forma semelhante, em 2013, a adição de um ano de experiência na carreira dos trabalhadores garantiu aos brancos retornos mais elevados sobre os seus salários do que para os não brancos. As remunerações para um ano adicional em experiência em 2013 foram inferiores às de 2004, exceto para a mulher branca. A experiência elevada ao quadrado apresentou sinal negativo, representando a produtividade marginal decrescente da mão de obra no longo do tempo.
Em relação à análise setorial, em 2013, o homem não branco empregado na indústria, no comércio ou nos serviços auferiu rendimentos superiores aos do trabalhador inserido no setor agrícola. De forma similar, ao se verificar as ocupações selecionadas para os quatro grupos de trabalhadores, nos anos de 2004 e 2013, as categorias dirigentes (diretores e gerentes), profissionais das ciências e das artes (PCAs) e técnicos se firmaram como aquelas com os melhores salários, quando comparadas à variável omitida (operacional).
Os resultados referentes à formalização da mão de obra comprovam que para os trabalhadores dos quatro grupos que atuam no mercado formal os salários foram superiores aos dos trabalhadores do mercado informal, tanto em 2004 como em 2013. Por fim, em 2013, a mão de obra de todos os grupos alocados na região censitária urbana foi mais bem remunerada do que a do trabalhador alocado no meio rural.
Ao aplicar a decomposição de Oaxaca-Blinder, para os quatro grupos selecionados, foi possível determinar as origens das desigualdades salariais para os grupos em desvantagem. As diferenças dos salários dos trabalhadores podem ser determinadas por fatores produtivos, ocupacionais ou de região, intituladas como diferenças explicadas, ou por fatores não observados, denominadas diferenças não explicadas. A diferença salarial não explicada refere-se à discriminação observada nas comparações entre os grupos, no mercado de trabalho da região Norte em 2004 e 2013.
A Tabela 3 exibe a decomposição de Oaxaca-Blinder para homens e mulheres da região Norte, em 2004 e 2013. O impacto percentual da diferença total de salários entre os homens e as mulheres reduziu de 7,49% em 2004 para -3,25% em 2013. Ao considerar as diferenças explicadas e não explicadas, é possível perceber que o impacto percentual das dissimilaridades qualitativas sobre o salário feminino foi de -14,69% em 2004 para -22,33% em 2013, ou seja, na hipótese de a mulher apresentar as mesmas características produtivas dos homens, a mulher sofreria uma perda salarial de -14,69% em 2004 e de -22,33% em 2013.
A representatividade do valor negativo significa a vantagem da mulher em relação ao homem. No que se refere à escolaridade, por exemplo, no ano de 2004 a mulher deixaria de receber -12,54% em seu salário caso tivesse a mesma escolaridade que o homem, já para o ano de 2013 ela deixaria de receber -10,90% em seu salário caso sua escolaridade fosse similar à do gênero masculino.
Constata-se que o impacto salarial da discriminação por gênero apresentou um declínio, passando de 26,00% em 2004 a 24,56% em 2013. Assim, se não houvesse discriminação salarial por gênero, a mão de obra feminina teria um aumento de 26,0% em 2004 e de 24,56% em 2013. Embora a discriminação de salários contra as mulheres tenha se amenizado, ainda se manteve um significativo percentual.
A participação feminina não somente em relação à ocupação, como também na conquista de ofícios de maior destaque, vem crescendo. Nota-se, também, a superior escolaridade do gênero em relação aos homens. No entanto, a maior escolaridade não tem sido condição suficiente para reverter as desigualdades salariais existentes entre os gêneros. (SOUZA et al., 2015).
A Tabela 4 apresenta as decomposições de Oaxaca-Blinder entre trabalhadores brancos e não brancos em 2004 e 2013. A diferença salarial total entre trabalhadores brancos e não brancos passou de 37,42% em 2004 para 33,73%, em 2013. Esse resultado se deve principalmente à queda do impacto causado pelo fator discriminatório, pois o impacto da diferença total explicada permaneceu praticamente estagnado.
Em relação ao impacto de cada variável selecionada sobre o salário, caso o trabalhador não branco possuísse a mesma característica educacional do trabalhador branco no ano de 2004, seu salário aumentaria em 11,79% e em 2013 este ganho passaria a ser 9,89%. Esse resultado reflete os importantes avanços da homogeneização educacional e a profissionalização dos indivíduos não brancos ocorridos nos últimos anos.
Constatou-se um declínio considerável no impacto salarial da discriminação de cor entre trabalhadores brancos e não brancos. Assim, na ausência de discriminação salarial por cor, o ganho salarial da mão de obra não branca seria de 13,62% em 2004 e de 11,43% em 2013.
As desigualdades de gênero e cor, em conjunto, são expostas na Tabela 5, ao comparar o grupo de vantagem (homem branco) com o de desvantagem (mulher não branca). Ao analisar o impacto percentual da diferença total de salários entre os dois grupos, nota-se que ocorreu uma significativa redução, de 50,83% em 2004 para 32,13 em 2013.
Similarmente, o impacto salarial da discriminação por gênero e cor apresentou considerável declínio, passando de 46,78% em 2004 a 41,15% em 2013. Se não houvesse discriminação salarial por gênero e cor no mercado de trabalho da região Norte, o ganho salarial da mão de obra feminina não branca seria de 46,78% em 2004 e de 41,15% em 2013. Ainda que tenha havido significativa redução do impacto da discriminação de gênero e cor entre os salários dos homens brancos e das mulheres não brancas, a discriminação existente representa um elevado percentual.
Salienta-se que os maiores diferenciais de salário são encontrados na comparação entre os homens brancos e as mulheres não brancas. Isso ocorre em circunstância de que o gênero e a cor, em conjunto, potencializam as diferenças salariais, corroborando a existência de diferenciais de salários em favor de homens e brancos e elevada discriminação salarial sobre os grupos discriminados, mulheres e não brancos. (SOUZA et al., 2015).
Esses resultados, assim como alguns outros indicadores sociais, apontam a dimensão do alto grau de desigualdade salarial, do nível de renda e das oportunidades fornecidas para diferentes tipos de grupos. Mesmo que tenham sido adotadas algumas políticas sociais, direcionadas ao acesso e inclusão social a grupos discriminados, ainda se faz necessário um aprofundamento de políticas que busquem não apenas a equidade dos atributos produtivos entre os trabalhadores, mas também políticas de conscientização que visem o combate a todo tipo de preconceito.
O objetivo deste estudo foi analisar a discriminação salarial de gênero e cor de pele na região Norte do Brasil em 2004 e 2013. Por meio das equações de determinação dos salários (minceriana) e da decomposição de Oaxaca-Blinder, foi possível mensurar os níveis de desigualdade e discriminação salarial.
Ao analisar o perfil da população ocupada da região Norte do país nos dois anos, constatou-se que o trabalhador do gênero masculino possuía, em média, maior idade em relação ao gênero feminino, maior experiência de mercado, mais horas de trabalho semanais, maior percentual de residentes no meio rural, e, também, apresentou maior proporção como chefe de família, nos dois anos estudados. Por sua vez, o gênero feminino obteve índices mais elevados de escolaridade, maior percentual de atuação no mercado formal e de urbanização do que o gênero masculino.
Os resultados estimados das equações de determinação de salários, aplicadas aos quatro grupos de trabalhadores, apontaram relações positivas entre variáveis de aspectos produtivos, educação e experiência, com os salários dos indivíduos, sendo que a mulher branca da região Norte apresentou os maiores retornos nos dois anos selecionados. Em relação aos setores, no ano de 2013, exceto o homem branco inserido no comércio, os trabalhadores inseridos na indústria, comércio e serviços obtiveram maior remuneração do que os inseridos no setor agrícola. Já em relação às ocupações, em relação ao cargo operacional, os dirigentes apresentaram as melhores remunerações, seguido dos profissionais das ciências e artes e dos técnicos.
Por meio da decomposição de Oaxaca-Blinder, constatou-se que o impacto discriminatório foi o principal elemento responsável pela diferença de salários entre gêneros. Examinando o hiato salarial dos trabalhadores conforme sua cor de pele, os fatores produtivos dos indivíduos foram os principais responsáveis pela discrepância na determinação salarial.
Embora o grau de discriminação por gênero e cor tenha se reduzido no período, ainda foi possível observar grande parcela de desigualdade salarial, devido, principalmente, à persistência do fator discriminatório no mercado de trabalho da região Norte, tendo em vista a evolução do nível de escolaridade dos trabalhadores. Tal fato evidencia a necessidade das políticas públicas e do aperfeiçoamento do marco regulatório de forma a amenizar as disparidades e buscar a equidade dos atributos produtivos entre os trabalhadores, além da conscientização de toda a sociedade.
Perfil da população ocupada, Região Norte, em 2004 e 2013
Elaborado pelo autor, com base nas PNAD/IBGE: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em:www.ibge.gov.br/. Acesso em: 15 mar. 2016; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em:www.ibge.gov.br/. Acesso em: 15 mar. 2016. Trabalhadores ocupados a partir de 14 anos de idade. Os salários de 2004 foram reajustados a preços constantes de 2013 com base no IPCA acumulado.