Resumo: O presente artigo enfoca estudo realizado sobre as transformações que atingem o trabalho do assistente social, com suas demandas e mediações, no contexto de crise do capitalismo contemporâneo. Toma por fundamento as configurações do trabalho na sociedade capitalista, tempos em que a economia e a ofensiva neoliberal intensificam a precarização da força de trabalho, acompanhada da “satanização” do Estado, a supervalorização do mercado e o acirramento das desigualdades sociais com suas múltiplas faces. Isto põe em debate a direção política do trabalho do Serviço Social nos espaços públicos e privados e a qua- lidade dos serviços socioassistenciais, na construção de intervenções proposi- tivas e críticas que promovam o fortalecimento da democracia e dos direitos sociais.
Palavras-chave:Crise do capitalCrise do capital, assistente social assistente social, intensificação intensificação, superexplo- ração superexplo- ração, stress stress.
Abstract: This text focus on the transformations that aRect the work of the social worker, with its demands and mediations, in the context of the crisis of contemporary capitalism. The foundations of labor in capitalist society are taken as a founda- tion, times when the economy and the neoliberal oRensive intensify the preca- riousness of the labor force, accompanied by the “demonization” of the State, the overvaluation of the market and the intensification of social inequalities with its Multiple faces. This brings into question the political direction of So- cial Service work in public and private spaces and the quality of social work services, in the construction of propositional and critical interventions that pro- mote the strengthening of democracy and social rights.
Keywords: Capital Crisis, social worker, intensification, super exploita- tion, stress.
Artigos - Dôssie Temático
O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO CONTEXTO DE CRISE DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: desvalorização e superexploração
Recepção: 23 Janeiro 2017
Aprovação: 08 Maio 2017
O presente artigo apresenta reflexões a partir de pesquisa1 realizada sobre o trabalho dos Assistentes Sociais nas Organizações Não Governamentais (ONGs) a partir das inflexões da crise do capitalismo contemporâneo, na cidade de João Pessoa/PB. A escolha do tema derivou da necessidade em aprofundar o estudo investigativo iniciado no Estágio Supervisionado I e II do Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Desse estudo resultou a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso, defendido em 2014. Ao retomar esse estudo no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS), intentou-se ampliá-lo a partir da compreensão das temáticas que o perpassam, como reforma de Estado, neoliberalismo, flexibilização do trabalho, a responsabilização da sociedade no trato da questão social, entre outras, enquanto profundas transformações societárias derivadas da crise do capitalismo dos anos 1970, que se estendem aos dias atuais
No Brasil, os desdobramentos dessa crise, percebidos em fins da década de 1980, embalam a era neoliberal, instaurada no 1º governo de Fernando Henrique Cardoso - FHC (1995 a 1998) com o processo de Reforma do Estado, cujo marco é a aprovação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em 1995, elaborado por Luiz Carlos Bresser Pereira, então Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado.
A referida Reforma traduz uma política econômica abalizada sob nova roupagem do liberalismo clássico que consiste em um processo complexo de medidas de reforma do papel do Estado e de novas possibilidades de enfrentamento da crise do capitalismo nas relações capitalistas de produção. Em síntese, conforma-se como um Estado máximo para o capital e a formação de um Estado mínimo para o social.
A partir da ofensiva neoliberal ocorre uma mudança com relação às responsabilidades sociais do Estado à medida que as transfere para o chamado terceiro setor, através do incentivo que o governo FHC passa a dar às ações da sociedade civil com a Lei da Filantropia, o Programa Comunidade Solidária, este sob a coordenação da primeira-dama, Rute Cardoso, além do fomento às ONGs e demais iniciativas privatistas. Essa ofensiva materializa-se na gestão privatista das Políticas Sociais (programas, serviços e ações) sob a égide dos serviços não exclusivos do Estado, mas, em parcerias com a sociedade civil (ONGs e mercado).
Nesse contexto, legitima-se o papel de ONGs no Brasil no trato das expressões da questão social, ampliando a atuação em múltiplas denominações a serviço do interesse do mercado e/ou das organizações filantrópicas de caráter religioso ou não.
De acordo com a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, apenas na prestação de Serviços Socioassistenciais da Política de Assistência Social, há 13.659 entidades de assistência social privada sem fins lucrativos no Brasil, no período de 2014-2015:
De acordo com o levantamento da Pesquisa de Entidades de Assistência Social Privadas sem Fins Lucrativos – PEAS, no período de 2014-2015, foram identificadas como tal 13 659 Unidades de Prestação de Serviços Socioassistenciais, configurando um amplo conjunto de lares, orfanatos, albergues, asilos, centros de reabilitação, obras sociais diversas, casas de passagem, casas de acolhida, clubes de mães, grupos de apoio, núcleos de orientação, círculos de amigos, entre outras diferentes iniciativas sociais. Trata-se, assim, de um setor caracterizado por imensas diversidade e pluralidade, produto não só das próprias condições locais econômicas, políticas e institucionais em que se estabelece como também das demandas sociais e necessidades humanas com que se depara e dos tipos de respostas e resoluções que busca oferecer. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2015, p. 17).
Segundo essa pesquisa, há no Nordeste brasileiro 12,2% des- sas entidades, superado esse percentual pelas Regiões do Sudeste com 52,5% e Sul com 25,9%; percentuais menores encontram-se nas Regiões Centro-oeste (6.8%) e Norte (2,6%). Na Paraíba, depara-se com 1,1% (aproximadamente 150) dessas entidades.
Nesse contexto, as ONGs despontaram no Brasil como sendo protagonistas e participativas junto aos movimentos sociais e, muitas vezes, à frente das bandeiras de lutas. Atualmente, essas organizações ocupam espaços no âmbito da proteção social, retirados ou restringidos dos setores públicos, mediante gestão privatista sob a lógica do Capital (relação de venda e troca de serviços), subsidiadas por recursos governamentais.
O contexto dessas organizações constitui-se em um dos espaços sócio-ocupacionais dos assistentes sociais brasileiros, cuja atuação não se efetiva no atendimento das demandas sociais na perspectiva da defesa de direitos. Segundo Iamamoto (2009, p. 21), o assistente social vive “[...] uma tensão entre a defesa dos direitos sociais universais e a mercantilização e refilantropização do atendimento às necessidades sociais, com claras implicações nas condições e relações de trabalho do assistente social”.
Contextualizar o trabalho dos assistentes sociais nas inflexões da crise do capitalismo contemporâneo implica situá-lo no projeto neoliberal que reproduz uma nova concepção de atenção à questão social, mediante a adoção da lógica de mínimos sociais e, desse modo, rompe com a perspectiva universalista de Políticas Sociais na negação da garantia de direitos. Sob o viés neoliberal, as Políticas Sociais balizam-se nos princípios da solidariedade e responsabilidade social, marcados pelo caráter pontual, fragmentado, seletivo e focalista.
Em torno desse quadro conjuntural, incide a presente pesquisa sobre o trabalho dos assistentes sociais nas ONGs em João Pessoa, com enfoque nas condições e relações objetivas de trabalho que apontam limites e desafios para o exercício desses profissionais, e, sobretudo, para a concretização dos princípios norteadores do Projeto Ético-Político da profissão.
O aprofundamento da crise do capitalismo e, especialmente, os seus desdobramentos mais recentes, indicam uma questão fundamental: essas crises não são fenômenos episódicos ou eventuais, mas parte constitutiva do movimento do capital. Desse modo, os seus influxos perpassam pelas distintas formas de exploração da força de trabalho, com a reprodução de tendências de precarização e deterioração do mercado de trabalho, da qualidade do trabalho, com redução dos salários, dentre outras.
A complexidade que acentua a dinâmica da contradição contemporânea do mundo trabalho resulta do aprofundamento das influências inerentes ao Modo de Produção Capitalista (MPC), sobretudo, a partir da sua entrada na fase de crise estrutural do capitalismo. Nessa conjuntura, é indispensável pontuar os atuais rebatimentos sobre o trabalho, os trabalhadores e o ataque aos seus respectivos direitos.
Segundo Marx (2004), o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz. Decerto, na atual conjuntura, o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz privações para o trabalhador. Desse modo, o trabalho perde o seu caráter original (atividade vital) e indispensável ao homem de produzir coisas úteis (visando satisfazer às necessidades humanas) para atender às demandas do capital. Aqui, “[...] quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando (ausarbeitet), tanto mais poderoso se torna o objetivo, alheio (fremd) que ele cria diante de si, tanto mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior, [e] tanto menos [o trabalhador] pertence a si próprio.” (MARX, 2004, p. 80-81).
Para o referido autor, se o produto produzido pelo trabalhador visa atender às demandas do capital, essa relação só é possível pelo fato de “[...] [o produto do trabalho] pertencer a um outro homem fora o trabalhador.” (MARX, 2004, p. 86, grifo do autor), tornando a atividade (trabalho) um martírio para os trabalhadores, mas uma alegria de viver para os capitalistas.
A pertinência das análises desse autor sobre o mundo do trabalho no contexto capitalista é indispensável para o entendimento crítico referenciado neste estudo, sobretudo, a partir do processo de superexploração da classe trabalhadora.
Para tanto, torna-se fecundo apreender o processo de superexploração da classe trabalhadora, inserido no contexto da atual crise do capitalismo, enquanto uma crise estrutural, portanto, de dimensões societárias por atingir a sociedade tardo-burguesa, imanente ao capital, que tem se adensado dado ao seu caráter estrutural, crônico e cumulativo.
Segundo Mészáros (2009), desde a crise de 1929, o capitalismo não presenciava um processo tão crítico, aflorando inclusive no próprio discurso dos detentores do capital, seus gestores e políticos. Assim, a crise é estrutural do sistema capitalista contemporâneo e possui como raiz profunda o excesso de capacidade de produção que não encontra retorno de venda.
De acordo com esse autor, essa crise aponta, na atualidade, uma conjuntura de total expansão e liberdade do capital para se desenvolver e autovalorizar-se, sobretudo na tendência de cortes de direitos e de conquistas sociais. É um momento histórico de flexiblizações, inseguranças, riscos, incertezas e fragmentações.
Com efeito, a partir da década 1970, adensa-se um cenário de crise estrutural, o que leva o capital a utilizar vários mecanismos de reestruturação com ênfase na expansão da esfera financeira e a substituição do padrão taylorista e fordista pela acumulação flexível. (CHESNAIS, 1996; HARVEY, 1999 apud SILVA; RAMOS, 2015).
Nesse contexto, expandiu-se fortemente a sociabilidade neoliberal, contribuindo para a apreensão da força de trabalho humana sob as condições da exploração do capital, com o aumento da informalização e a degradação do estatuto salarial. Ao mesmo tempo, assiste-se a intensificação e a elevação da jornada de trabalho, acarretando sérios danos sobre o corpo e a mente dos trabalhadores inseridos em diferentes ramos de atividade.
As multidimensionalidades da crise do capitalismo contemporâneo, as reformas neoliberais em curso e a disputa de projetos sociais distintos suscitam uma nova era de precarização estrutural do trabalho. (ALVES, 2013; ANTUNES, 2013).
Essa é a conjuntura na qual, com o avanço da ofensiva neoliberal no Brasil a partir da década de 1990, se desenvolve o processo de reestruturação produtiva, marcada pelo avanço do processo de terceirização e pela alta incidência de acidentes de trabalho. Tais transformações atingem os trabalhadores tanto em sua materialidade como em sua subjetividade. Atribuem-se, assim, novos contornos ao exercício profissional, intensificando exigências e desafios, tais como: qualificações, competências, flexibilidade e criatividade.
Em decorrência das mudanças no padrão de atendimento das expressões da questão social mediante a inserção na lógica da privatização das políticas sociais com o repasse das responsabilidades sociais do Estado para as organizações do chamado terceiro setor, amplia-se a presença dos profissionais de Serviço Social nas ONGs.
Antunes (2009) aponta que o crescimento desse setor é consequência da crise estrutural do capitalismo, da sua lógica destrutiva, bem como das medidas de saída da crise pela reestruturação produtiva do capital, visando reduzir o trabalho vivo e ampliar o trabalho morto.
Com a retraída do Estado no atendimento das expressões da questão social, diminuindo e precarizando as políticas sociais, os impactos para o assistente social são diversos e adversos. Duarte (2010) assevera que além da alteração no significado social e na abrangência da atuação dos assistentes sociais nas ONGs, há outro conjunto de modificações resultantes do processo de reestruturação capitalista: as tendências desastrosas do mundo do trabalho. Em torno dessas tendências, os profissionais vivenciam intensamente a precarização e a exploração do trabalho, por meio de situações de instabilidade e insegurança, polivalência, terceirizações, bem como novas demandas e competências profissionais se impõem diante das exigências da crise do capitalismo contemporâneo.
Sob o ponto de vista de Alves (2010), a precarização não se efetiva apenas na dimensão da força de trabalho como mercadoria, mas, sim, a precarização do trabalho na dimensão do homem que trabalha enquanto ser humano-genérico capaz de dar respostas ao movimento do capital. Para tanto, “[...] o trabalhador assalariado é visto, por um lado, força de trabalho como mercadoria; e por outro lado, ser humano-genérico (o que denominamos trabalho vivo, na medida em que o homem, na perspectiva ontológica, é um animal que se fez homem através do trabalho).” (ALVES, 2010, p. 2).
Alves (2010) aponta as tendências atuais em função da precarização da força de trabalho no contexto de crise estrutural do capitalismo. Nesse caso, o cotidiano dos trabalhadores é marcado pela redução do tempo disponível à vida pessoal e direcionado ao mero trabalho assalariado.
De um lado, o “núcleo humano” da pessoa (ou seu gênero vivo ou a vida do gênero) e de outro, a “força de trabalho como mercadoria”, voz interior das disposições sistêmicas do capital. Como “coisa exterior” no âmago do “espaço interior” da pessoa humana, é a força de trabalho como mercadoria que conduz as individualidades de classe. É esta bipartição da personalidade integral do homem proletário que possibilita as operações de manipulação/”captura” da subjetividade do trabalho pelo capital. (ALVES, 2010, p. 20, grifos do autor).
A partir das análises dos relatos acerca do trabalho do as- sistente social nas ONGs de João Pessoa/PB (locus da pesquisa), constataram-se diversos desdobramentos, dos quais se destacam: o stress, o adoecimento, o sofrimento, a insegurança no emprego, a polivalência, a rotatividade, a ausência de direitos trabalhistas, a im- posição de metas e a extensão da jornada de trabalho.
Afora esses desdobramentos, o assistente social depara-se com a descontinuidade das ações desenvolvidas nas ONGs - por dependerem da constante aprovação de projetos sociais para a implementação de ações e serviços -, potencializando sérios agravos à saúde, por ser o profissional que atende as mais diversas expressões da questão social e, consequentemente, é aquele que atua na linha de frente da barbárie social. Trata-se de uma realidade tensa e contraditória que acarreta situações de stress, adoecimento e sofrimento desse profissional que atua no âmbito público e privado, sobretudo nas ONGs, lidando com graves situações que exigem resposta imediata, mas essas organizações não apresentam meios e/ou recursos necessários para atendê-las.
No livro Mais Trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea, Dal Rosso (2008) analisa com detalhes que a intensificação do trabalho se traduz em maiores desgastes físicos, intelectual e emocional. Esse estudo contribui para demolir a ideia equivocada de que é apenas nas atividades industriais e no processo de produção de mercadorias que ocorre a intensificação do trabalho. O referido autor procede a uma análise sobre a dinâmica de intensificação do trabalho assalariado no capitalismo contemporâneo, movimento marcado pela adoção de diferentes medidas de superexploração da força de trabalho e extração da mais-valia.
Para esse autor, a intensidade do trabalho remete ao grau de dispêndio de energias realizado pelos trabalhadores na atividade concreta. Desse modo, o que caracteriza a presença do fenômeno da intensificação do trabalho é o fato de ser exigido dos trabalhadores algo mais, ou seja, um empenho maior no desenvolvimento das ações.
A intensidade é, portanto, “[...] mais do que o esforço físico, pois envolve todas as capacidades do trabalhador, sejam as de seu corpo, a acuidade de sua mente, a afetividade despendida ou saberes adquiridos, através do tempo ou transmitidos pelo processo de socialização.” (DAL ROSSO, 2008, p. 21).
Nessa conjuntura de crise capitalista, as estratégias de inten- sificação do trabalho vão sendo incorporadas pelas organizações públicas e privadas, como: os ritmos e a velocidade, o acúmulo de atividades, a polivalência e a gestão por resultados ao representarem mecanismos contemporâneos de elevação da intensidade.
Decerto, as análises da atual crise incorporam esse quadro perverso que é o universo de precarização e sofrimento que está sendo vivenciado pelos trabalhadores, com o propósito de salvar o sistema econômico, controlado por forças extremamente fortes, e, sobremaneira, destruidoras.
Nas situações relatadas pelos assistentes sociais entrevistados, constatou-se, por unanimidade, que a rotina de trabalho nas ONGs caracteriza-se pelo excesso de serviços, pela polivalência de funções assumidas, pois esses profissionais são responsáveis por elaborar planos, programas e projetos, realizar atendimentos aos usuários e familiares, proceder a estudos socioeconômicos, atender as demandas advindas dos órgãos financiadores, acompanhar e avaliar a execução dos serviços e ações nas comunidades entre outras demandas. Conforma-se uma intensa jornada de trabalho, porque além das ações desenvolvidas em João Pessoa, esses profissionais são demandados a realizar viagens às cidades do interior da Paraíba para acompanharem projetos e desempenharem ações em parceria com diversos municípios.
A intensificação de exploração do trabalho e a busca incessante pelo aumento da produtividade expõem os assistentes sociais às diversas situações de polivalência. Esses profissionais acumulam atividades e funções, exigindo-se, também, uma postura de fácil adaptação ao campo das ONGs. Com efeito, esse espaço sócio-ocupacional reproduz a lógica do mundo trabalho, regido pelos princípios do capital.
No tocante aos dados referentes à faixa salarial dos assistentes sociais entrevistados nas ONGs, verificou-se que a remuneração é significativamente baixa em relação a outras categorias profissionais de nível superior. Os dados da pesquisa apontam que: 01 entrevistado ganha de R$ 501,00 a R$ 1.000,00; 03 recebem de R$ 1.001,00 a R$ 1.500,00; 02 de R$ 1.501,00 a R$ 2.000,00; 02 de R$ 2.001,00 a 2.500,00; e 02 de R$ 2.301,00 a R$ 3.000,00. Por conseguinte, na época da coleta dos dados, apenas 02 entrevistados recebiam em torno de 3 ½ salários mínimos.2
Ao comparar os dados desta pesquisa com os dados da pesquisa coordenada pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong, 2010), que utiliza dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2010 – Ministério do Trabalho (MET), comprova-se uma defasagem salarial brutal, mesmo com 6 anos de diferença entre as duas pesquisas realizadas.
A pesquisa da Abong foi realizada nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, conforme se pode atestar nos resultados apresentados sobre a remuneração média dos empregados, na Tabela a seguir:
A leitura dessa Tabela indica que o profissional de nível superior completo recebe 7,5 salários mínimos, enquanto os dados desta pesquisa revelam que apenas 02 assistentes sociais entrevistados ganham em torno de 3 ½ salários mínimos, no ano de 2016.
Em torno dessa questão, observou-se também que os entrevistados que possuem menor faixa salarial, são os que têm mais de um emprego. Por unanimidade, os entrevistados apresentam insatisfação no tocante às precárias condições e relação contratual de trabalho e de salário, marcada pela rotatividade, multiplicidade de vínculos e intensificação do trabalho.
As análises dos dados abalizam a refuncionalização do papel do Estado frente às exigências neoliberais que provocam a flexibilização das relações e condições de trabalho e de salário a que estão submetidos os atuais trabalhadores, como é o caso dos assistentes entrevistados nesta pesquisa. Os relatos revelam as dificuldades enfrentadas para se manterem no mercado de trabalho, cada vez mais, exigente e competitivo.
Conforme Raichelis (2011), problematizar a violação dos direitos trabalhistas dos assistentes sociais em face do contexto atual do capitalismo contemporâneo requer a definição de uma agenda de questões específicas conectadas às lutas gerais dos trabalhadores. Esse cenário de precarização que afeta o mundo do trabalho desafia os assistentes sociais a formular mediações teóricas, técnicas éticas e políticas na perspectiva da competência crítica diante das exigências burocráticas e administrativas que são requisitadas pelas instâncias empregadoras.
A análise dos dados da pesquisa possibilitou constatar que o trabalho do assistente social nas ONGs, diante das novas exigências do grande capital, enfrenta dilemas e desafios para a efetivação do Projeto Ético-Político da profissão, os quais se evidenciam duas ordens de dificuldade: a primeira, aludida anteriormente, refere-se à precarização do trabalho, expressando-se em situações de insegurança no trabalho, exigência de metas quase inalcançáveis, situações de stress e adoecimento, polivalência, rotatividade de profissionais e elevadas jornadas de trabalho; e, a segunda, consiste na constante dificuldade do profissional para oferecer respostas qualificadamente comprometidas, uma vez que esse espaço sócio-ocupacional oferece serviços seletivos e fragmentados, com soluções imediatas e paliativas à população, na contramão dos direitos sociais e, portanto, abalizado pelo discurso da refilantropização e da despolitização da questão social.
Em torno dessa realidade, se faz necessário aprofundar as análises acerca dessas condições reais de trabalho, a qualidade dos serviços realizados, bem como as possibilidades de concretização do Projeto Ético-Político da profissão. Sob essa perspectiva de análise, conforme Mota (2014, p. 700), os fatores são vários que tencionam o trabalho do assistente social e a sua relação com o projeto da pro- fissão, pois se apresenta “[...] de um lado, as diretrizes, os valores, os fundamentos e requerimentos teóricos e políticos expressos no projeto ético-político profissional; de outro, os determinantes técnico-institucionais e da divisão social e técnica do trabalho que mediatizam a produção e a reprodução social”.
Ao examinar o desenvolvimento desse processo com mais acuidade, observa-se que o trabalho do assistente social na conjuntura atual é expressão de lutas coletivas e resistências por ampliação de espaços de trabalho, pelo reconhecimento da profissão nas instituições públicas e privadas, bem como o compromisso com a direção social presente no Projeto Ético-Político da profissão.
Em outras palavras: reafirma-se a perspectiva de defesa da esfera pública das Políticas Sociais em termos da universalidade de direitos atendendo às prerrogativas constitucionais, consequentemente, contra a mercantilização e privatização dos serviços públicos, bem como na luta pela universalização e democratização dos direitos dos trabalhadores.
As atuais condições de trabalho dos assistentes sociais são indissociáveis dos influxos da crise do capitalismo tardio que expressam na precarização do mundo do trabalho e na ofensiva neoliberal de privatização das políticas sociais públicas que, consequentemente, redimensiona as relações entre o Estado e sociedade, mediante a atuação das ONGs. Essas organizações assumem parte da gestão e operacionalização de serviços sociais que, segundo Iamamoto (2012), afeta diretamente o espaço ocupacional de várias categorias profissionais, dentre as quais os assistentes sociais.
Verificou-se, na pesquisa, que os assistentes sociais que atuam nas ONGs são atingidos duplamente pela precarização: a primeira consiste na fragilidade e insegurança das relações do trabalho e de salário, fincadas na superexploração; e a segunda refere-se à descontinuidade dos serviços desenvolvidos por depender de financiamentos de caráter temporário, com duração pré-estabelecida mediante a aprovação de projetos sociais. Em razão dessa realidade, a equipe de trabalho, por via de regra, é empregada através de contratos temporários, sem a garantia da continuidade dos serviços junto à população.
Refletir sobre as atuais condições e tendências do trabalho do assistente social nas ONGs implica contextualizar o trabalho profissional a partir do processo construído historicamente e determinado pela dinâmica societária desencadeada pelas inflexões da crise contemporânea, conduzida pela contrarreforma neoliberal do Estado e as consequentes alterações na natureza das políticas sociais. As novas e velhas relações constituídas pelo reordenamento do papel do Estado afetam diretamente a gestão das políticas sociais, como também, a vida da classe trabalhadora, assinalada pela fragilização das relações de trabalho com a expansão da desregulamentação e terceirização.
Em face dessas análises, pode-se inferir que o assistente social enfrenta dilemas e desafios cotidianamente nas ONGs. Na análise dos dados da pesquisa, constatou-se que esse profissional se depara com o desconhecimento acerca do seu papel no desenvolvimento das ações nessas organizações, vivenciando situações de desvalorização e desqualificação profissional. Conforme ressaltou Boschetti (2017, p. 68), é nesse contexto que “[...] muitas vezes o(a) assistente social é chamado(a) a fazer tudo e qualquer coisa, o que implica nítido desrespeito à sua formação e titulação”.
Decerto, o assistente social inserido no âmbito das ONGs deve levar em conta a dinâmica socio-histórica das lutas democráticas, do contexto político e cultural da sociedade vigente, e, assim, ser capaz de se posicionar de maneira crítica e propositiva, com vistas a oferecer respostas pautadas na compreensão da totalidade. Para tanto, precisa se apropriar rigorosamente dos fundamentos teóricos críticos para compreender as contradições do capital.
Em termos conclusivos, comprova-se que o assistente social, em face das transformações societárias, enfrenta um profundo desafio: concretizar os valores e princípios do Projeto Ético-Político da profissão. Nessa direção, ressalta Boschetti (2017), desenvolver uma forte resistência ao pensamento conservador, por meio de mediações críticas que são basilares nos espaços sócio-ocupacionais para reafirmação de uma sociedade mais justa e igualitária.