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CRISE, MERCADO DE TRABALHO E MUDANÇAS NA REGULAÇÃO PÚBLICA DO TRABALHO NO BRASIL
Revista de Políticas Públicas, vol. 21, núm. 2, pp. 875-880, 2017
Universidade Federal do Maranhão

Entrevista


Recepção: 19 Novembro 2017

Aprovação: 20 Novembro 2017

CRISE, MERCADO DE TRABALHO E MUDANÇAS NA REGULAÇÃO PÚBLICA DO TRABALHO NO BRASIL1

Valéria Ferreira Santos de Almada Lima - Como o senhor vê a atual conjuntura política e econômica brasileira que tem como uma de suas manifestações o agravamento do desemprego, acompanhado deuma reversão datendência deformalização das relações detrabalho observada ao longo dos anos 2000?

Márcio Pochmann - A inflexão na trajetória da formalização das ocupações e do desemprego reflete diretamente o quadro reces- sivo que domina por mais de dois anos a economia brasileira. Antes de 2015, por exemplo, a geração de empregos formais vinha se desacelerando sem implicar, contudo, em aumento do desemprego. A opção da política econômica do segundo governo Dilma pela re- cessão em 2015, ainda que imaginada de curto prazo para recompor os problemas da economia nacional, terminou se traduzindo numa crise de dimensão política, econômica e social mais grave dos últi- mos cem anos no Brasil. O rompimento da normalidade democrá- tica, derivada da ascensão de Temer em 2016, tornou a crise mais prolongada e semhorizontede superação, mesmo como argumento inicial de que o novo governo reporia as expectativas empresariais e retiraria o Brasil da recessão, especialmente coma equipeeconômi- ca dos sonhos do mercado financeiro. Mas o que se tem registrado é justamente o contrário, com o aprofundamento do drama político, econômico e social.

Valéria Ferreira Santos de Almada Lima - Como o mercado de trabalho tem reagido aos recentes sinais de recuperação da economia brasileira, manifestados neste segundo semestre de 2017 e tão alardeados pelo atual governo?

Márcio Pochmann - Os sinais de recuperação econômica são ainda tímidos, tendo em vista a ausência da retomada dos in- vestimentos. Trata-se, portanto, de uma recuperação da capacidade ociosa do sistema produtivo que se faz desacompanhada do nível de empregoprevalecentenaeconomiaantes deter entradonarecessão.

Ademais, com as mudanças provocadas pela desregulação da legislação trabalhista, a ampliação do nível de ocupação transcorre fundamentalmente motivada pela precarização, por meio de contratos de jornadas de trabalho reduzidas, informalização e como micro empreendedor individual (MEI) ou na condição de personalidade jurídica (PJ).

Valéria Ferreira Santos de Almada Lima - Nesse contexto de crise, com rebatimentos negativos sobre o mercado de trabalho bra- sileiro, reacendeu-se o debate em torno da necessidade de flexibili- zação das relações de trabalho, culminando com a aprovação pela Câmara de Deputados e sanção pelo Presidente da República da Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, que amplia e flexibiliza ainda mais as possibilidades de terceirização e de contratação de trabalho temporário. Qual a sua opinião acerca dos possíveis impactos de tal medida sobre o mercado de trabalho e as relações de trabalho no Brasil?

Márcio Pochmann - O sentido das mudanças na regulação pública do trabalho no Brasil segue, em geral, a trajetória da econo- mia nacional. Nas fases recessivas, a pressão patronal pela redução do custo do trabalho e flexibilização ainda maior das relações de trabalhotorna-seaindamaior,cujoêxitodependedaaliançapolítica que governa o país. Na atualidade, o avanço das reformas previden- ciária e trabalhista, com a aprovação de um projeto deterceiriza- ção ainda do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), aponta a presença dominante da política antilabor na coalização política que governa o Brasil. No caso da Lei nº 13.429/2017, a generalização da terceirização e não a sua regulação pública, como era necessária, implicará em rebaixar ainda mais o custo do trabalho, reforçando a condição de economia de baixos salários, cujos trabalhadores deixa- rão de ser considerados consumidores ampliados, para serem vistos como meros componentes de custos do sistema de produção. Nos dias de hoje, por exemplo, os custos do trabalho industrial na China encontram-se 12% acima dos observados no Brasil, quando há até pouco tempo representavam 1/5 dos custos brasileiros. Ao contrário dos argumentos patronais, a terceirização elevará a quantidade dos processos jurídicos na Justiça do Trabalho, bem como impor á queda significativa na arrecadação pública de tributos etaxas sobre os cus- tosdotrabalho.Exemplodissoseráaperdadereceitana Previdência Social, no Fundo de Garantiapor Tempode Serviço (FGTS), no Sis- tema S (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC, Serviço Social da Indústria - SESI para o caso da indústria) e no fundo sindical frente ao rebaixamento dos salários dos empregos assalariados contratados diretamente pelos terceirizados e à transferência dos contratos de trabalho assalariados para os de PJ.

Valéria Ferreira Santos de Almada Lima – Como o senhor avalia a proposta de Reforma Trabalhista segundo a qual prevalece o negociadosobre olegisladoe umpadrão derelações detrabalho que privilegia a relação direta e individualizada entre patrão e emprega- do? Não significaria, em última análise, a revogação da Consolida- ção das Leis do Trabalho (CLT)?

Márcio Pochmann - A CLT, desde sua implantação em 1943, privilegiou a negociação coletiva para além do que havia de legislado. Mas até o final da década de 1950, com o predomínio das micro e pequenas empresas no Brasil, a negociação coletiva era substituída pela cultura do dissídio coletivo.

Com o Plano de Metas no governo de JK (1956-60), as grandes empresas ganharam destaque, o que abriu espaço para a difusão das negociações coletivas de trabalho, não fosse o autoritarismo da ditadura militar (1964-1985) que, pela política salarial, inviabilizou o processo de acordos entre patrões e empregados.

Somente com a redemocratização nacional, a partir dos anos de 1980, o Brasil passou a conviver com enorme quantidade de ne- gociações coletivas de trabalho. Mas isso sendo feito sempre acima do que a CLT estabelecia. Com a “nova CLT”, o que está abaixo do legislado pode ser acordado, o que tende a reduzir ainda mais as remunerações e condições de trabalho.

Estamos diante do risco de desaparecimento dos postos as- salariados de classe média pelo avanço dos contratos de PJ e MEI, inclusive no serviço público, por exemplo.

Valéria Ferreira Santos de Almada Lima - Outra iniciativa do Governo Temer que tem suscitado muita polêmica e resistências é a proposta de Reforma da Previdência, cuja principal justificativa centra-se na necessidade de sanar o déficit e equilibrar as contas pú- blicas. Qual a sua visão sobre a pertinência dessa Reforma e sobre o seu real significado do ponto de vista da classe trabalhadora?

Márcio Pochmann - A proposta em discussão não se trata de uma simples reforma, mas de uma mudança de modelo de aposen- tadoria e pensão. Ou seja, a reversão do modelo atual de seguridade social estabelecido pela Constituição Federal (CF) em 1988, cujo financiamento previsto era para além da contribuição direta de tra- balhadores e patrões, com a presença de recursos tributários (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, por exemplo) pagos por toda a sociedade. Assim, a cobertura do custeio de aposentadorias e pensões era concomitante com a saúde e assis- tência social. O que se deseja com a proposta de reforma é a passa- gem do modelo de seguridade para o antigo sistema de Previdência Social que vigorou no Brasil entre 1923 (Caixa de Aposentadoria e Pensão - CAP da Lei Eloy Chaves) e 1987 (Instituto Nacional de Previdência Social - INPS do governo militar). Naquela experiência, a previdência operava como um seguro social, nãocomoseguridade social, oquesignificadizer que, coma reforma, oseu financiamento volta a ser realizado exclusivamente pelos trabalhadores e patrões. As modificações sugeridas como idade mínima, tempo mínimo de contribuição, entre outros se justificam pela perspectiva do modelo de seguro social. Com a aprovação da reforma, o Brasil voltaráa conviver com a pobreza entre idosos, o afastamento dos jovens do sistema previdenciário e a exclusão de trabalhadores rurais, conjuntamente com a queda na arrecadação da previdência social. Adiciona-se a isso, o crescimento do desemprego devido à permanência de trabalhadores ativos por mais tempo no mercado de trabalho, o que acirra a competição no interior do mercado de trabalho cada vez mais intensa frente aos maiores obstáculos ao acesso de jovens e à redução da inatividade na população brasileira em função da busca da renda a ser retirada por força da reforma da previdência social.

Valéria Ferreira Santos de Almada Lima - Os países da Amé- rica Latina em geral e, particularmente, o Brasil, carregam a marca histórica de mercados de trabalho já tradicionalmente desestruturados com significativa presença do segmento informal convivendo e articulando-secomosegmentoformal,antes mesmodastendências à flexibilização e informalização das relações de trabalho inerentes ao atual regime de acumulação. A que o senhor atribui essa marca histórica?

Márcio Pochmann - De fato, a trajetória de constituição do mercado de trabalho apresentou, em geral, o sentido de sua estruturação, com a perspectiva de constituição da sociedade salarial e do pleno emprego. Mas o que se viu, contudo, foi a presença de mercados de trabalho com estruturação incompleta, com importante desemprego, informalidade, baixos rendimentos e importante contingente de contas próprias, nãoassalariados.

Nesse sentido, a sociedade salarial, conforme constatada nos países de capitalismo avançados, por aqui não se viabilizou plena- mente. Em parte, diante da ausência das reformas clássicas do ca- pitalismo contemporâneo (agrária, tributária e social). Tambéma ausênciadeexperiências deEstadode BemEstarSocial plenamente constituídos contribuiu para a conformação de mercados de trabalho amplamente demarcados pela desigualdade.

ValériaFerreira Santos deAlmada Lima - Observamos, hoje, tendências regressivas nomarcoregulatóriodotrabalho, emâmbito mundial e bastante acentuadas no atual contexto brasileiro, onde a expressãomais emblemáticafoiarecentetentativadoatualgoverno de flexibilizar até mesmo a fiscalização do trabalho em condições análogas a de escravo. Diante de tal cenário tão desalentador, o que o senhor vislumbra emtermos de perspectivas futuras para o mundo do trabalho?

Márcio Pochmann - Não acredito que o conjunto de modificações atualmente realizadas viabilize um horizonte de futuro possível para o Brasil. Na realidade, o futuro está sendo constituído como se fosse a repetição do grande passado que fundamentou a maior parte dos problemas brasileiros até então. Como acredito que o país vive uma fase de transição da sociedade industrial para a de serviços, o novo está ainda por ser construído, com maior envolvimento da sociedade num projeto em que todos os brasileiros caibam e que ninguém fique para trás.

Notas

1 Entrevista realizada pela Profa. Dra. Valéria Ferreira Santos de Almada Lima com o Presidente da Fundação Perseu Abramo (FPA), Professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT)/UNICAMP, o Prof. Dr. Márcio Pochmann.


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