Editorial
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Revista de Políticas Públicas, vol. 22, núm. 1, pp. 15-20, 2018
Universidade Federal do Maranhão
Recepção: 02 Junho 2019
Aprovação: 07 Junho 2019
A presente edição da Revista de Políticas Públicas (RPP) V. 22, N. 1, janeiro/julho 2018 apresenta ao público o tema: “POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS: configurações, dilemas e perspectivas contemporâneas”. Trata-se de campo temático que se insere em um debate amplo e tensionado mediado por três diretivas centrais: a primeira se refere ao conjunto de significados e valores inerentes aos grupos humanos, portanto, todos são produtores de cultura; a segunda assume uma perspectiva mercadológica tomando como baliza a produção, distribuição e consumo dos bens culturais; a terceira se centra no lugar que a produção cultural pode assumir no processo de desenvolvimento político e social, tem uma perspectiva socioeducativa.
Essas três diretivas mobilizam diferentes gerações de intelectuais que têm se debruçado sobre o campo temático da cultura. No âmbito do pensamento de Antônio Gramsci, por exemplo, existe uma indissociável vinculação entre cultura, luta social e formação humana. Situa-se no âmbito da filosofia da práxis, ou seja, na construção do devir histórico como manifestação da ação do homem transformadora de si e dos outros, cujas relações são de natureza, essencialmente, social e histórica. Também nessa direção, Roberto Schwarz entende não ser possível separar forma cultural da realidade social e histórica que é impulsionada pelo movimento contraditório e multifacetado da totalidade social. Leonardo BoR se refere à cultura do capital que encarna um modo de viver, de pensar, de imaginar, de produzir, de consumir, de se relacionar com a natureza e com os seres humanos. As ponderações de Marilena Chauí, já se voltam para a definição, strictu-sensu, de cultura, entendida como um bem universal, aptidão humana de se relacionar e de recompor o ausente através de várias manifestações como o trabalho, a imaginação, a memória, a arte, o sentimento, portanto, da exaltação dos atributos particulares de uma determinada população humana. A elaboração de Boaventura de Sousa Santos enfoca a questão da identidade dos povos, sendo que cada cultura tende a considerar os seus valores máximos como os mais abrangentes, embora apenas a cultura ocidental tenda a formulá-los como universais3.
Reconhece-se que, no contexto do amplo, complexo e diverso universo temático da cultura, um destaque importante refere-se à construção de políticas públicas culturais que se situam no limite entre poder político e gestão democrática, com seus contornos particulares em formações sociais concretas. São, portanto, formas de intervenção governamental caracterizadas por reunir condições objetivas direcionadas para a valorização da criatividade e da reprodução intergeracional de tudo o que é elaborado.
A formulação da chamada que referencia o v.22, n.1 da RPP trata desse recorte com o escopo de demarcar configurações, dilemas e perspectivas contemporâneas das políticas públicas culturais.
Particularmente, no caso brasileiro, a tônica do campo da cultura é um recuo na proposição de políticas públicas de caráter global, embora o escopo, especialmente, do ciclo dos governos situados, no período 2003-2015, fosse agir para desenvolver múltiplas experiências criativas, fortalecer laços sociais, instituições políticas de estados e municípios e redes de infraestrutura cultural descentralizadas4.Para tal, dois pontos de tensão já se faziam presentes: tornar visíveis os critérios para distribuição dos recursos públicos; aumentar os recursos disponíveis para a área.
Porém, conquanto se reconheça o esforço dos governos e dos movimentos situados na área, a materialização desses dois propósitos resultou em acertos e distorções que já se vinham modelando. E, no atual Governo não eleito, há um processo sistemático de desinstitucionalização da área, redução de recursos e desmobilização das iniciativas em curso. Nesse sentido, o campo da cultura vem sendo marcado, predominantemente, pela potencialização de formas de agenciamento tomadas isoladamente, por meio de normativas gerais e leis de benefício fiscal aprovados em dinâmicas conflitosas e concorrentes.
Considerando o tema abordado nesse número da Revista, abrimos espaço para dois destaques importantes. O primeiro é um tributo especial ao professor SERGIO FIGUEIREDO FERRETTI, falecido nesse mês de maio, na cidade de São Luís MA. Doutorado em Ciências Antropologia Social pela USP, em 1991, foi Professor Emérito da Universidade Federal do Maranhão. Fazia parte do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, onde também foi Coordenador. Dedicou parte importante de sua vida ao estudo e publicação no campo da cultura. Muito do brilho da condição de docente e pesquisador do homenageado se deveu à dedicação, disciplina e competência com que investigava, debatia e militava em temas como: religiões afro-brasileiras, tambor de mina, Casa das Minas, cultura popular, tambor de crioula e sincretismo.
O segundo destaque desse número da RPP é a contribuição acadêmica do professor Evaldo Almeida Barros ao processo de construção da edição da Revista. Fruto da sua articulação com pesquisadores do campo da cultura, tal colaboração resultou na apresentação de dois artigos especiais (Cultura, Patrimonialização e Desigualdade no Brasil e na África Austral e No More of the Same: the rise and fall of multiculturalism in Brazil), além da entrevista e da resenha.
Os autores e autoras que acolheram a chamada da RPP, selecionados pelo mérito acadêmico dos seus escritos, refletiram sobre o tema: “Políticas Públicas Culturais: configurações, dilemas e perspectivas contemporâneas” e o fizeram sob diferentes perspectivas e caminhos de pesquisa. Na organização da Revista, foram consideradas, além do mérito, também a diversidade regional e institucional e a presença internacional das autorias.
Tais diretivas estão expressas nos quinze artigos que compõem o Dossiê Temático da Revista, apresentados em ordem alfabética de seus títulos. São eles: Agenda Governamental e Políticas Culturais: ascensão e mudanças na policy image do Plano Nacional de Cultura de Samira Chedid; Cultura, Patrimonialização e Desigualdade no Brasil e na África Austral de Antonio Evaldo Almeida Barros; Deixa a Gira Girar: proteção e preservação do patrimônio cultural das religiões afro-brasileiras de Maria Inês Caetano Ferreira e Walkyria Chagas da Silva Santos; Desafíos de las Políticas Culturales en la Construcción de Paz: consideraciones sobre multiculturalidad e interculturalidad de Monica Cristina Moreno-Cubillos; De Software para Audiovisual: as influências da Abragames na formulação de políticas públicas culturais para jogos digitais de Pedro Santoro Zambon e Juliano Maurício de Carvalho; Do Direito Cultural das Pessoas com Deficiência de Patrícia Silva Dorneles, Claudia Reinoso Araujo de Carvalho, Ana Cecília Chaves Silva e Vânia Mefano; Experiências e Criações de Políticas Culturais no Ponto de Cultura Recreio das Artes, Sobral-CE de Fátima Regina Portela de Menezes; Entre Copacabana e Marquês de Sapucaí: os rumos dos incentivos culturais no Rio de Janeiro de Mauro Macedo Campos e Luiza Oliveira Marquezine; No More of the Same: the rise and fall of multiculturalism in Brazil de Livio Sansone; O Vale Cultura na Visão de Gestores de Empresas de um Município do Sul do Brasil de Ana Clara Ferreira Marques, Maria Glória Dittrich, Micheline Ramos de Oliveira e Flávio Ramos; Política Cultural em Tempo de Crise: o Ministério da Cultura no governo Temer de Alexandre Barbalho; Políticas Públicas Culturais e a Proteção do Patrimônio Arqueológico no Brasil: perspectiva histórica de Arkley Marques Bandeira; Raça e Gênero no Campo Público de Fomento ao Audiovisual Brasileiro: mapeamento de policy makers de Eloiza Mara Silva; Redes e Ativismo em Políticas Públicas: a construção da Política Nacional de Educação Museal (PNEM) de Luciana Conrado Martins e Oswaldo Gonçalves Junior; Uma Análise da Institucionalidade da Cultura a partir do Programa Cultura Viva: perspectivas pela Companhia Quartum Crescente de Renan Gustavo Magalhães.
O Dossiê Temático encerra-se com uma entrevista e uma resenha. A entrevista, sob o tema, Estado, Governos e Políticas Culturais no Brasil feita por Antonio Evaldo Almeida Barros, historiador, filósofo, doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Prof. do Curso de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Prof. do Departamento de História e Geografia e do Programa de Pós-Graduação em História (PPHIST) da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), com a Pesquisadora Titular, Lia Calabre, Coordenadora do Setor de Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa, Coordenadora da Cátedra UNESCO de Políticas Culturais e Gestão e organizadora do Seminário Internacional de Políticas Culturais. A resenha é de autoria de Aldina da Silva Melo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) da coletânea Políticas Públicas Culturais desde o Sul Global: contingências e intencionalidades organizada por CALABRE, Lia; LIMA, Deborah Rebello. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa e Observatório Itaú Cultural, 2017.
Completando o v. 22, n. 1 da RPP, são apresentados dez artigos que versam sobre diferentes temas relacionados ao amplo campo das Políticas Públicas. São eles: A Administração Pública Societal: um instrumento de controle e participação social de Marcus Vinicius Gonçalves da Silva, Amanda Cristina Pasqualini Peron, Marcio Eduardo Zuba, Décio Estevão do Nascimento, Maria Lúcia Figueiredo Gomes de Meza e Marília de Souza; Análise de Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais do Semiárido Nordestino de Roberto de Sousa Miranda e Luis Henrique Herminio Cunha; A implementação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) nos Institutos Federais de Amanda Marques de Oliveira Gomes e Guiomar de Oliveira Passos; Contradiccion Capital-Trabajo y Cuestion Social en el Proyecto Neoliberal de Olga Pérez Soto e Arelys Esquenazi Borrego; Estado, Planejamento e Fundo Público no Capitalismo Dependente Brasileiro de Isabela Ramos Ribeiro; Guerra Cambial e Competitividade do Setor Exportador Brasileiro no Período Recente: uma avaliação a partir da teoria de relações internacionais de Guilherme Jonas Costa da Silva; Microdados Rais e os Estudos Sobre o Mercado de Trabalho no Brasil de Valdenice Portela Silva e Marcus Eugênio Oliveira Lima; Políticas Públicas e Quilombos no Brasil: da Colônia ao Governo Michel Temer de Cassius Dunck Dalosto e João Augusto Dunck Dalosto; Políticas Sociais Habitacionais Rurais no Sul de Santa Catarina de Juliane Possamai Gonçalves, Miguelangelo Gianezini e Dimas de Oliveira Estevam; Reserva de Vagas nas Instituições de Ensino: reflexões sobre a verificação de fenótipo para os autodeclarados pretos e pardos de Reijane Pinheiro da Silva e Cássia Araújo Moraes Braga.
Espera-se, com este rico conjunto de trabalhos que dão forma e conteúdo a esta edição da RPP, contribuir para estudos, pesquisas e debates sobre o tema Políticas Culturais e outros situados no amplo campo das Políticas Públicas.
Boa leitura.
Notas
v. 2). Brasília: Ministério da Cultura, 2007.