Artigos - Temas livres
GUERRA CAMBIAL E COMPETITIVIDADE DO SETOR EXPORTADOR BRASILEIRO NO PERÍODO RECENTE: uma avaliação a partir da Teoria de Relações Internacionais (TRI)1
CURRENCY WAR AND COMPETITIVENESS OF THE BRAZILIAN EXPORTER SECTOR IN THE RECENT PERIOD: an evaluation from the Theory of International Relations
GUERRA CAMBIAL E COMPETITIVIDADE DO SETOR EXPORTADOR BRASILEIRO NO PERÍODO RECENTE: uma avaliação a partir da Teoria de Relações Internacionais (TRI)1
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, núm. 1, pp. 486-523, 2018
Universidade Federal do Maranhão
Recepción: 20 Septiembre 2017
Aprobación: 25 Mayo 2018
Resumo: Este trabalho tem por objetivo discutir, à luz da experiência da economia brasi- leira, o fenômeno da guerra cambial no período recente. A hipótese do trabalho é que os principais parceiros comerciais do país desvalorizaram artificialmente suas moedas para atenuar os efeitos da crise do subprime. Para tanto, utiliza o método dos Vetores Auto-Regressivos (VAR) para testar a hipótese. Os resulta- dos demonstraram que essa política foi utilizada pelos Estados Unidos e União Europeia no período recente. Ademais, a teoria das relações internacionais aponta uma saída para a questão, qual seja, que os países devem cooperar para que tenham vantagens no comércio internacional; caso contrário, as relações comerciais serão significativamente reduzidas.
Palavras-chave: Guerra Cambial, competitividade, exportações, relações internacionais, Brasil.
Abstract: This paper aims to discuss, in the light of the Brazilian economy experience, the phenomenon of currency war in recent years. The paper’s hypothesis is that the major trading partners of the country artificially devalued their currencies to attenuate the eRects of the subprime crisis. For this purpose, the method of Vec- tor Autoregression (VAR) was used to test the hypothesis. The results showed that this policy was used by the United States and also by the European Union in recent years. Moreover, the theory of international relations points the way out of this particular question, namely, that countries should cooperate to have advantages in international trade, otherwise trade relations will be significantly reduced.
Keywords: Currency war, competitiveness, exports, international relations, Brazil.
1 INTRODUÇÃO
Com o auge da crise financeira em 2008, a economia mundial tem sofrido uma série de reestruturações em suas relações econômicas. Tais mudanças podem ser atribuídas, sobretudo, às medidas de contenção adotadas pelos Estados Unidos e os países da Zona do Euro, que estão articulados no centro da crise. Mesmo que haja quem argumente que os países emergentes não estejam em uma situação tão crítica quanto as economias centrais, o fato é que se percebe nesse momento a intensificação de uma guerra cambial, que tem trazido efeitos nocivos para as economias em desenvolvimento.
A hipótese do trabalho é de que a guerra cambial existe e afeta significativamente a competitividade e o crescimento econômico dos países relativamente mais pobres. Dessa forma, é possível visualizar a taxa de câmbio como uma variável macroeconômica e estritamente ligada à competitividade e ao crescimento da economia.
Este trabalho consiste, ainda, em analisar teórica e empiricamente (por meio da metodologia econométrica dos vetores auto-regressivos - VAR) a problemática da guerra cambial, com o intuito de explorar a relação da taxa de câmbio com o crescimento econômico, bem como avaliar numa perspectiva das teorias de relações internacionais (TRI) proposições de políticas alternativas.
Assim, para atingir o objetivo e a hipótese lançada, o trabalho está estruturado em quatro questões além dessa introdução. Na segunda seção, a problemática estudada é discutida pelo viés das teorias de relações internacionais; na terceira seção compreende-se a análise da guerra cambial frente à competitividade da indústria brasileira; na quarta seção são elencados os dados, bem como as análises quantitativas da valorização cambial nas relações de comércio; e, por fim, na quinta e última seção têm-se as considerações finais.
2 O CENÁRIO DE GUERRA CAMBIAL ANALISADO PELO VIÉS DA TEORIA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
O fenômeno conhecido como guerra cambial2 tornou-se evidente, principalmente, após o auge da crise financeira de 2008, em que os países mais afetados, sobretudo os integrantes da Zona do Euro e Estados Unidos, utilizaram-se da depreciação artificial do câmbio com o intuito de fomentar o aumento do fluxo de exportações líquidas, promovendo uma amortização dos efeitos decorrentes de uma bancarrota econômica.
Uma vez posto o objeto de estudo, várias possibilidades podem ser elencadas e estudadas, com o fim de trazer uma análise diferente e proposições alternativas ao cenário em questão. A TRI estuda, fundamentalmente, propostas de modelos teóricos abstratos para explicar determinados fenômenos internacionais, isto é, de que forma os atores se relacionam e como isso trará impacto para o sistema internacional, podendo, até, trazer mudanças na ordem vigente. Alguns dos grandes temas discutidos em TRI, e que podem ser colocados em evidência frente à análise do cenário de guerra cambial, são questões institucionais e de cooperação, hegemonia e governança global.
A alternativa proposta em grande parte dos estudos relaciona- dos à área de ciências econômicas advoga a necessidade de adotar-se um maior controle do fluxo de capitais e da demasiada flexibilização do câmbio, podendo ser elucidada, de maneira análoga, a uma ênfase dada por medidas de cooperação com o fim de amenizar a guerra. Há várias correntes que estudam a cooperação em TRI, de forma mais ou menos enfática; em contrapartida, é mister ressaltar o impacto de tal estado no âmbito institucional, uma vez que isso poderia resultar em formulação de políticas para a contenção do problema estudado.
A cooperação, no sentido amplo, pode ser considerada uma maneira de tentar atingir o bem-estar. O fim a ser alcançado seria, em essência, o de coordenar ações frente a um problema comum, em vista das possibilidades escassas de resolvê-lo, partindo-se de uma perspectiva individual. Essa concepção modela a base do contratualismo liberal, teoria da ciência política na qual explora os fundamentos do Estado Moderno, com ações desenvolvidas e coordenadas racionalmente, com o intuito de criar uma convivência pacífica, mas, obviamente imbuídas de interesses à maximização de lucros. Merecem destaque os trabalhos de Kant (1784), que por meio da proposição de uma confederação de nações, vislumbrava a possibilidade de uma convivência pacífica entre os Estados, mesmo que não haja qualquer instituição soberana a eles; e Norman Angell (1910), que coloca em evidência a grande interdependência econômica existente entre os Estados e a necessidade da existência de cooperação entre os mesmos, que supostamente trariam benefícios a todos ou, pelo menos, menores prejuízos. Recentemente, o economista Paul Krugman (2012) publicou um texto em que fazia uma alusão ao trabalho de Angell e a atual crise europeia:
A questão é que a perspectiva de desastre, por mais óbvia seja, não é garantia de que os países farão o que for preciso para evitar esse desastre. E esse é o caso especialmente quando o orgulho e o preconceito deixam os líderes pouco dispostos a enxergar algo que deveria ser evidente. E ainda: [...] É assustador perceber que mais de dois anos já se passaram desde que os líderes europeus se engajaram com sua estratégia econômica atual - uma estratégia baseada na ideia de que a austeridade fiscal e a “desvalorização interna” resolveriam os problemas dos países devedores. Durante todo esse período, a estratégia não rendeu nem uma história de sucesso [...].
A estrutura vigente, permeada pela interdependência econômica, seria a base do liberalismo advogado em TRI. Essa mesma visão é posta como idealista pela vertente realista, que utiliza em sua estrutura de análise algumas variáveis como: a busca pelo poder e a manutenção da ordem hegemônica (equilíbrio de poder).
O fracasso da cooperação mútua3 e a heterogeneidade entre os Estados em um sentido lato demandam um papel mais forte das instituições, que mesmo como atores secundários, poderiam estipular regras comuns de convivência dentro da lógica de supranacionalidade, além de tentar promover o bem-estar da sociedade internacional. Entretanto, a dificuldade de cumprimento dessas regras pelos atores, levaria ao fracasso e ganhos assimétricos, como pode ser visualizado no cenário de guerra cambial que está em vigor.
Ao longo da história, nota-se o desenvolvimento de certa cooperação técnica em detrimento da cooperação mútua4, como por exemplo, nos ideais advindos com o surgimento das Nações Unidas ao final da Segunda Guerra Mundial e o esforço para reconstrução da Europa. No período de Guerra Fria a cooperação era seguida de um atendimento a certa demanda de interesses e presumia a formação de alianças e zonas de influência. As cooperações existentes eram pautadas, sobretudo, em motivações políticas e geoestratégicas. Com a crise de Bretton-Woods e os choques do petróleo nos anos 1970, evidenciou-se nas tentativas de cooperação um caráter de intensa fragilidade, já que nesse momento as economias estavam voltadas para buscar seus próprios ajustes estruturais e macroeconômicos.
A crescente interdependência econômica entre os Estados notada faz-se, pois, indispensável um aumento da relevância pela cooperação mútua, que também pode ser visualizada por meio da criação de regimes internacionais e instituições que os representam. Os regimes são definidos por Krasner (2012, p. 93) como: “[...] instituições formadas por um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos decisórios, em relação aos quais as expectativas dos Estados convergem numa mesma área das relações internacionais”. A natureza dos regimes é abstrata, mas as normas e regras provenientes deles estipuladas por diversas agências e instituições são consideradas artifícios com o fim de manter a cooperação multilateral, como é o caso das Nações Unidas e suas agências especializadas.
A intersubjetividade característica dos regimes internacionais e o significado da cooperação podem ser elucidados por meio da dinâmica do dilema do prisioneiro, posto que “[...] a tentativa de criar meios de contato e negociação entre os prisioneiros – sendo importante que o negociador possua neutralidade, força, eficácia, etc. – gerará a gradativa confiança entre as partes, possibilitando uma solução mais agradável para todos”. (MACIEL, 2009, p. 10). Os processos dotados de uma lógica de cooperação seriam, portanto, precursores de uma ordem mais estável nas relações internacionais, por meio das organizações, instituições e regimes; os ganhos seriam menos assimétricos. Tal lógica também é exposta por Krugman e Obstfeld (2009), onde os autores colocam a importância da coordenação internacional das políticas econômicas, uma vez que decisões não coordenadas poderiam ocasionar efeitos desastrosos para uma determinada economia doméstica.
O controle almejado pela racionalização do papel institucional será abordado por Keohane e Nye (2001) em: Poder e Interdependência. Representantes da vertente neoliberal em TRI, eles embasaram o conceito de Interdependência Complexa, que por sua vez, está atrelado aos efeitos recíprocos oriundos das relações entre os atores no sistema internacional e seus custos, mesmo que postos de maneira não simétrica. A interdependência existe, principalmente, no cenário de custos e não tão somente onde é possível evidenciar os benefícios. Tal corrente teórica pode ser elucidada no âmbito econômico, sobretudo, no ambiente de crise.
O neoliberalismo em TRI representa a necessidade de criar uma teoria que refletisse a complexidade das relações internacionais contemporâneas, englobando as transformações provenientes do avanço da globalização e evidenciando o princípio de tomada de decisões multilaterais e da cooperação.
Tais estudos apresentam um caráter passível, de certa forma, de orientar a conduta dos atores frente a determinadas adversidades no cenário internacional, crendo na possibilidade de gerar uma resultante que expresse racionalmente uma cooperação de ganhos compartilhados em detrimento da exclusão de interesses ou um jogo de soma zero.
O desenvolvimento dessa teoria traz também um grande debate acerca da inter-relação entre as questões internacionais e política doméstica. A interdependência acarreta, no âmbito das relações econômicas internacionais, a execução de políticas adotadas com o ensejo de acelerar o desenvolvimento e crescimento econômico do país, na medida em que isso afeta diretamente a realidade macroeconômica do mesmo, o nível de emprego, produto e rendimentos.
Vale destacar, também, que o neoliberalismo em TRI possui heranças do racionalismo econômico em sua essência, e, de acordo com Onuki e Racy (2002) essa vertente de pensamento encontra-se impregnada pelo pensamento econômico liberal presente na teoria econômica ricardiana. Dessa forma, segundo os mesmos autores, na concepção neoliberal:
[...] A economia emergindo como fator explicativo básico das relações internacionais, em lugar da distribuição do poder mundial característica da concepção neo-realista dessa realidade, implicaria o surgimento de novas estruturas de fundamental importância para o desenho do sistema internacional atual. É o caso do complexo de relações estabelecidas a partir da existência de organizações com interesses de natureza individualizada e diversificada tais como as organizações multilaterais do sistema ONU, das ONGs e das empresas transnacionais. Na medida em que o livre mercado venha a maximizar os ganhos desses novos atores internacionais, abre-se a perspectiva do desenvolvimento de novos procedimentos de tomada de decisão para a implementação de escolhas coletivas não mais centralizados pelo Estado. (ONUKI; RACY, 2002, p. 1).
A teoria da Interdependência Complexa advoga o status coeso entre as nações, no que tange ao impacto delas frente às tomadas de decisões. Isso também inclui os interesses dos agentes não-estatais, onde Onuki e Racy (2002) especificam a racionalidade inerente deles e a avaliação dos custos de transação. A lógica do poder seria presidida, pois, pela cooperação.
Entretanto, se discute também a soberania (e autonomia) de tais mecanismos em relação à determinada hegemonia vigente. O crescimento do número de instituições e organizações multilaterais no pós-segunda guerra promove a efetivação do que Krasner intitulou de regimes internacionais. Tal fato propiciaria mecanismos que tornariam viáveis as práticas de escolhas coletivas no cenário anárquico5. O neoliberalismo em TRI compreende que os regimes contribuiriam para o equilíbrio da ordem internacional; mesmo que as assimetrias sejam levadas em conta, as polaridades provenientes das questões da agenda de segurança não são tidas mais como uma prioridade.
O embate dos regimes e o papel das instituições para os problemas da ordem internacional contemporânea também podem ser elucidados com o trabalho de Rosenau (1992) e o conceito de governança global. Segundo o mesmo, governança se distingue de governo, uma vez que a primeira se refere às atividades apoiadas em objetivos comuns, derivados ou não de responsabilidades legais e formalmente prescritas. É um fenômeno que não depende, necessariamente, do monopólio da força, é um sistema de ordenação que só exerce sua atividade se aceito pela maioria, dependendo, também, de constituições e estatutos criados formalmente. É mais ampla que um governo, abrange, ao mesmo tempo, instituições governamentais e não-governamentais, implica organização, ordenamento, busca de estabilidade. No entanto, um governo subsiste com ou sem apoio de uma maioria, remete à ideia de soberania, de monopólio legítimo da força e sugere a existência de uma autoridade central que visa sistemas de ordenação, seus objetivos e é capaz de implementar suas atividades. Em um cenário no qual as autoridades sofrem desloca- mento constante, a ideia de governança se encontra mais consolida- da e, com ela, o papel fundamental das organizações internacionais. Os sistemas de governança estão calcados em convicções e instituições - formais ou não - que estão sempre sujeitos a mudanças. As organizações internacionais teriam, portanto, o intuito de facilitar a cooperação, ser um meio formal de difusão dos padrões internacionais e promover a governança global.
Uma vez apreendido o conceito de governança global, essencialmente de caráter político e sociológico em sua constituição, faz-se necessário transpô-lo para o exame da realidade da economia global. Bresser-Pereira (2007, p. 464) diz que: “[...] a maior interdependência entre os Estados-Nação torna-os mais diretamente competitivos nas arenas globais e, portanto, mais estratégicos [...]”. E a partir de tal linha de pensamento, o autor desenvolve o conceito de governança econômica global, que permite analisar de maneira geral os problemas econômicos mundiais como a guerra cambial. Segundo ele: “Como os atores principais são os Estados-Nação, deveríamos falar em governança econômica internacional mais do que em governança econômica global. [...] O que vemos hoje em dia é que a governança econômica mundial é precária.” (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 464).
A precariedade levantada por Bresser-Pereira (2007) está relacionada à competitividade internacional e à carência de formulação de políticas de cunho cooperativo. O autor atribui a isso, também, a demasiada crença em que o mercado assuma um papel autorregulador, impedindo que os Estados tomem as previdências necessárias. Além disso, os padrões hegemônicos vigentes e o populismo econômico, mais especificamente, o populismo cambial6 interferem de forma negativa nas formulações de política econômica. Essas causas dão à governança econômica global um caráter ineficaz, visto a deficiência da mesma para elaboração de políticas coordenadas. Vale ressaltar, também, que tais fatores dão ao fenômeno características de instabilidade e maior tendência a crises. O referido autor advoga que: “O que realmente temos por trás da desgovernança econômica global vigente é uma combinação de políticas cambiais frouxas, populismo econômico e uma estratégia equivocada em relação aos países em desenvolvimento de renda média.” (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 482).
O papel de destaque exercido pelas organizações internacionais multilaterais também é destacado por Bresser-Pereira, assim como a defesa de uma reforma do sistema financeiro internacional. Segundo ele: “O FMI precisa deixar de ser governado por acionistas e começar a ser uma verdadeira organização multilateral, e precisa ter os recursos necessários para agir como um verdadeiro emprestador de último recurso.” (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 483). Além disso, é defendido o maior controle do câmbio, como forma de aumentar a eficiência das políticas macroeconômicas, e, partindo do pressuposto que as reformas externas certamente tardarão a acontecer, faz-se necessária a reestruturação das políticas internas como estratégia de desenvolvimento. De acordo com o autor:
As taxas de câmbio e os déficits em conta corrente precisam ser acompanhados mais de perto; seu equilíbrio deve ser visto não como dependente apenas das forças de mercado, mas de uma combinação dessas forças com uma administração macroeconômica competente. Os países em desenvolvimento precisam recuperar o controle sobre suas contas de capital, manter o controle de suas contas fiscais e limitar a tomada de empréstimos externos. [...] Enquanto as políticas mais gerais não são adotadas. [...] Acredito ser mais realista, no momento, denunciar o populismo cambial e a estratégia de crescimento com poupança externa do que colocar todas as nossas fichas na reforma da arquitetura financeira internacional. Mais cedo ou mais tarde essa reforma será feita, mas enquanto não o é, as autoridades econômicas em cada Estado-Nação, desenvolvido ou em desenvolvimento, devem se lembrar de que a taxa de câmbio é o preço macroeconômico mais estratégico, e que a alternativa “fixar ou flutuar” é falsa: a única política sensata é: “administrá-la”. (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 483).
2.1 A Teoria dos Jogos
A Teoria dos Jogos surgiu a partir de fundamentos matemáticos criados com o intuito de otimizar resultados de interações estratégicas. Essas interações são pautadas pela interdependência recíproca de seus atores, na qual decisões influenciam-se mutuamente. Por isso, situações como essas são chamadas de jogos.
Com o passar do tempo, essa estrutura de análise popularizou-se, no sentido de possuir aplicação nos mais diversos campos de pesquisa: ciências econômicas, ciências sociais, administração, dentre outras áreas que possuíssem algum tipo de enfoque que demandasse a articulação de estratégias.
No que concerne ao estudo das relações internacionais, a incorporação de tal instrumental acontece por volta da década de 1960, atrelada à concepção realista. Mello (1997) explica que isso se deve ao fato da teoria realista abordar essencialmente temáticas de segurança e, por conseguinte, estratégias militares, fazendo com que a Teoria dos Jogos se tornasse um veículo que comprovasse a dificuldade da obtenção de um cenário em que os atores, egoístas e com diferentes níveis de poder, cooperassem.
A partir da década de 1980, os autores neoliberais (ou neo-institucionalistas) agregam a metodologia da Teoria dos Jogos em sua vertente teórica com o intuito de elucidar o cenário da cooperação. Segundo os autores dessa abordagem, isso se dá porque com o aumento da interdependência entre os Estados, sobretudo no âmbito econômico, a demanda por políticas de caráter cooperativo é maior. Assim, os jogadores, adotando políticas de coordenação e colaboração, receberão recompensas maiores no longo prazo do que se não cooperarem entre si. Para que isso aconteça, o papel das instituições internacionais é fundamental, de forma que a cooperação seja articulada e fomentada.
2.2 Resolução de Conflitos
Uma vez incorporada aos estudos das relações internacionais, a Teoria dos Jogos permite exemplificar e facilitar a compreensão de diversas situações em que ocorram interações estratégicas.
Para que a matriz do jogo seja mais bem apreendida, dois conceitos fundamentais devem ser levados em conta. O de Equilíbrio de Nash, que de acordo com Fiani (2006) consiste na melhor resposta de um jogador, frente às estratégias adotadas pelos demais (e vice-versa) e o de Ótimo de Pareto, que segundo o mesmo autor, denota uma situação em que os ganhos em eficiência não são mais possíveis de serem obtidos. Em um jogo nem sempre o equilíbrio de Nash coincide com o ótimo de Pareto.
Considerando-se, portanto, a problemática da Guerra Cambial, é possível obter à luz da Teoria dos Jogos a seguinte matriz representativa:
A guerra cambial seria representada pelas sucessivas adesões de políticas monetárias expansionistas (aumento da oferta de moeda Ms; diminuição da taxa de juros i; desvalorização cambial E) com o intuito de aumentar os investimentos por meio da desvalorização artificial do câmbio. Além disso, essa depreciação estimula um crescimento das exportações líquidas (X – M; onde X corresponde às exportações e M às importações), que por sua vez contribuem para o aumento do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Os valores adotados no esquema anterior são representativos e buscam denotar a maximização dos resultados esperados (eficiência) pelos maiores valores. Entretanto, para que o objeto de estudo seja mais bem elucidado, considera-se cada valor da matriz como uma representação da taxa de crescimento das exportações (Gx)7. Levando-se em consideração os interesses racionais e egoístas dos atores, o valor Gx = 2% seria o mais almejado. Essa situação é representada pelo segundo e terceiro quadrantes e, por consequência, traria o pior resultado para os demais jogadores (parceiros comerciais)
Entretanto, como os jogadores calculam suas ações com base no comportamento dos outros, pelo conceito do Equilíbrio de Nash, o quarto quadrante seria o mais provável de ocorrer, o qual simboliza a problemática da guerra cambial. Essa representação caracteriza um jogo semelhante ao do Dilema dos Prisioneiros, nomenclatura recorrente na literatura para exemplificar que mesmo que a melhor situação para os prisioneiros seja a cooperação, pelas ações egoístas eles tendem a adotar medidas não cooperativas e, dessa forma, receberem recompensas subótimas. Isso também acontece na Figura 1, já que o primeiro quadrante traria maiores resultados de eficiência sob a perspectiva do Ótimo de Pareto. Entretanto, o dilema constitui-se no fato desse quadrante não ser o mesmo do equilíbrio.
Dessa forma, se cada ator adotar uma decisão de forma ex- trema, levando-se em consideração os seus ganhos individuais, cada um obterá resultados menores quando comparados à adoção de políticas que pressupõem coordenação. O dilema do prisioneiro e os números obtidos em matriz constituem-se como algo ilustrativo, mas assim como ressalta Krugman e Obstfeld (2009) a realidade da coordenação de políticas é mais complexa e envolve maiores escolhas e ganhos e menos certezas, o que exemplifica o motivo pelo qual os responsáveis pela formulação de políticas públicas estarem menos propensos à flexibilização frente aos acordos de cooperação. Foi o que a presidente Dilma RousseR se referiu à atual expansão monetária adotada pelos países desenvolvidos denominando-a de “[...] tsunami de liquidez que ajuda a resolver problemas internos dos sistemas financeiros na Europa e também nos Estados Unidos, mas que resulta na desvalorização das moedas, com efeitos adversos para o comércio exterior brasileiro e de muitos outros países emergentes.” (DELFIM NETTO, 2012).
Assim, de acordo com a Teoria dos Jogos, a situação dada seria imbuída da estratégia dominante de não cooperar. Segundo Mello (1997, p. 107): “[...] embora todos os jogadores pudessem se beneficiar da cooperação, a lógica do jogo faz com que ela não ocorra”. Para os neo-institucionalistas, esse é um exemplo de jogo repetido, ou ainda, infinitamente repetido8, no qual a cooperação poderia ser alcançada no longo prazo, uma vez promovidas alterações na matriz de estratégias e um deslocamento do Equilíbrio de Nash. As instituições internacionais teriam um papel indispensável para que isso ocorresse. Mello (1997, p. 107) elucida:
Cada jogador atua de forma recíproca, retaliando a deserção e reproduzindo a cooperação, resultando na forma completa de cooperação mútua. Desta forma, se atores egoístas monitoram mutuamente seu comportamento, e se um número suficiente dentre estes estiver disposto a cooperar com a condição de que outros também cooperem, estes atores poderão ajustar seu comportamento para reduzir a discórdia e o conflito. E poderão até mesmo criar e manter princípios, normas, regras e procedimentos – instituições – que, por sua vez, fornecendo diretrizes para o comportamento dos atores, irão facilitar o ajustamento não-negociado.
A adoção da não cooperação em casos como o do cenário de guerra cambial, pode ser revertida quando as recompensas envolvidas na interação são alteradas, de forma que os ganhos no longo prazo possam superar a estratégia imediata de não cooperar. Tal fato deveria ser fomentado por algum mecanismo de coerção externa, como exemplifica a Figura 2:
A coerção externa para com as estratégias que envolvem o fato de não cooperar é representada pela variável x, que visa diminuir as recompensas do curto prazo de forma que a cooperação se apresente como o meio de interação mais viável. Para a problemática da guerra cambial, o x poderia ser entendido como um fator (ou taxa) de desconto - sobre Gx - que se constituiria como um mecanismo automático de coerção, autorizado por uma instituição internacional. Entretanto, qual deveria ser o valor de x para que o equilíbrio do jogo fosse alterado? Para qualquer valor de x ≤ 2, a cooperação se tornaria a estratégia estritamente dominante, como pode ser visto na Figura 3:
Para todo valor em que x seja ≤ 2, o equilíbrio se deslocará para o primeiro quadrante. Portanto, para que as medidas adotadas tenham eficácia é fundamental que o valor representativo da coerção seja adequado. No caso de medidas adotadas para a contenção da guerra cambial, o ideal seria que o fator de desconto fosse maior ou igual às recompensas oriundas da desvalorização artificial do câmbio. O problema é que nem sempre a instituição, à qual cabe a aplicação de tais medidas, está a par de tais valores e da função normativa dos mesmos. Isso porque, dependendo do valor adotado, o jogador pode preferir correr o risco de sofrer uma sanção, a cooperar. Além disso, quanto maior a quantidade de atores envolvidos no jogo, a eficácia da vigilância e punição por meio das instituições fica comprometida. É importante destacar que nesse caso, os jogos são infinitamente repetidos no sentido de que os jogadores não saberão quando os jogos terão fim e, portanto, terão vantagem à adesão da cooperação pelos atores quando comparados aos jogos finitos, os quais possuem previsão de término. (FIANI, 2006).
O papel do multilateralismo e das instituições é analisado por Mello (1997, p. 112), que argumenta: “A resolução do dilema dos jogos de colaboração é uma questão de ajustamento mútuo, na medida em que os dois jogadores precisam concordar em se afastar do equilíbrio subótimo, rejeitando sua estratégia dominante”.
2.3 O papel das instituições para a intermediação do conflito
2.3.1 OMC
Criada no pós-segunda guerra mundial e substituindo o antigo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), a Organização Mundial do Comércio tem como objetivo a gestão do comércio internacional, no sentido de promover a liberalização por meio de medidas de supervisão e regulamentação que possam corroborar com a essência da organização. Além disso, a OMC busca: “[...] estabelecer um mecanismo de solução das controvérsias comerciais, tendo como base os acordos comerciais atualmente em vigor, e criar um ambiente que permita a negociação de novos acordos multilaterais e plurilaterais entre os Membros” (BRASIL, [20--?]b).
Na tentativa de promover maior equidade e liberalização do comércio, foi lançada a Rodada Doha, em 2001, para a discussão de temas e medidas que possam interessar aos países envolvidos. Devido à divergência de interesses e à ausência de cooperação entre os atores, a Rodada Doha encontra-se estagnada e com bastante dificuldade em garantir as necessidades das economias em desenvolvimento.
A taxa de câmbio constitui-se como uma variável de competitividade para alavancar o comércio internacional. Entretanto, guerras cambiais podem impulsionar guerras comerciais? Thortensen, Marçal e Ferraz (2013) argumentam que guerras comerciais sempre existiram, mas que nos últimos 60 anos, os mecanismos regulatórios tornaram-se mais formais, sobretudo, com a criação do sistema GATT e, posteriormente, da OMC. As problemáticas relacionadas ao câmbio afetam o sistema multilateral de comércio, ferindo princípios essenciais da organização como o da Nação Mais Favorecida (NMF) que, de certa forma, procura prover a estabilidade do sistema.
O NMF obriga as Partes a proverem o mesmo tratamento tarifário às demais; dessa forma, quaisquer vantagens ou privilégios comerciais obtidos em relação a outro país devem ser estendidos aos demais a fim de que haja maior estabilidade. Todavia, o fenômeno da guerra cambial traz outro cenário para o sistema de comércio mundial:
O desalinhamento (e potencial manipulação) cambial [...] traz outra variável para a equação, sem qualquer conexão direta com as bases da concorrência leal. A taxa de câmbio de um país em particular, e sua variação de um nível considerado de equilíbrio de médio prazo, poderia representar uma “vantagem ou privilégio” nas relações comerciais bilaterais entre um grupo de países quando comparada com outras taxas de câmbio com diferentes níveis de variação de equilíbrio. (THORTENSEN; MARÇAL; FERRAZ, 2013, p. 160).
Além disso, o desalinhamento cambial traz várias mudanças para os instrumentos de política cambial: defesa comercial, medidas compensatórias e salvaguardas. Segundo os mesmos autores
Muitos dos direitos estabelecidos ao longo dos últimos anos podem ter sido anulados pelo efeito do câmbio. Além do que, o câmbio afeta o próprio mecanismo de solução de controversas, quando se autorizam retaliações sob a forma de elevação dos níveis de tarifas. [...] Países com câmbios desvalorizados, converte-se não só em subsídios às exportações como em sobretaxas às importações e, as- sim, em barreiras ao comércio muito mais eficazes do que as tarifas aplicadas. (THORTENSEN; MARÇAL; FERRAZ, 2013, p. 165).
Em contrapartida, existe um movimento dos países ricos contra o Brasil, conhecido como Congelamento, o qual pressiona o país a congelar as altas tarifas de importação adotadas. Isso porque as mesmas vêm se consolidado como medidas protecionistas e que prejudicariam o livre-comércio. Por sua vez, o Brasil argumenta o fato de que tais medidas são adotadas em decorrência da guerra cambial. (TREVISAN, 2011).
Mesmo com divergências, o tema continuará a ser discutido na OMC, disse o embaixador brasileiro Roberto Azevêdo, recentemente eleito como diretor-geral da organização. Segundo ele, já existe um grupo de trabalho focado na questão da guerra cambial, de forma que exista uma busca constante para o fortalecimento do multilateralismo e das questões do livre-comércio. (AGOSTINI, 2013).
Para que sejam adotadas medidas coercitivas aos países que praticam guerra cambial, existem tentativas de criar, de acordo com Pires (2010): “[...] medidas compensatórias contra importações originárias de países com a moeda desvalorizada”. A possibilidade de defesa comercial está calcada no argumento de que a desvalorização artificial da moeda poderia ser encarada como um tipo de subsídio às exportações.
Além disso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) apresenta um dispositivo legal que condena essa prática:
O Artigo IV do Acordo do FMI prevê que os países devem buscar, em suas políticas cambiais e monetárias, promover o crescimento econômico ordenado e a estabilidade financeira e devem evitar a manipulação das taxas de câmbio, ou a utilização do sistema monetário internacional para evitar equilíbrio efetivo do ajuste pagamentos ou para obter vantagem competitiva desleal sobre os outros membros. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p. 2).
A OMC deveria atuar, portanto, com o intuito de garantir as regras estabelecidas pelo FMI, este que por sua vez possui capacidade institucional reduzida para reprodução de sanções. Além disso, considera-se a estrutura constitutiva da OMC mais representativa e democrática, uma vez que se distancia da realidade do FMI: instituição com influência maciça das economias desenvolvidas, que são as principais beneficiadas frente à conjuntura de guerra cambial. Pelas regras da OMC, caso algum país membro sinta-se prejudicado, o mesmo deveria encaminhar o problema à solução de controvérsias.
Existe ainda a possibilidade de aplicação do mecanismo de Salvaguarda Transitória (BRASIL..., 2011), que consiste na adesão de tratamentos discriminatórios por meio da adesão de sobretaxas de importação aos produtos oriundos de países nos quais sejam com- provadas a adoção de políticas de desvalorização artificial do câmbio. De acordo com Pires (p. 1, 2010): “A sugestão de recorrer [...] à OMC e de levar o tema do câmbio ao Órgão de Solução de Controvérsias é [...] pelo fato de essas regras apresentarem um caráter multilateral e [...] com maiores chances de uma efetiva implementação do que as regras previstas pelo FMI”.
Dessa forma, a aplicação da Teoria dos Jogos para o fomento da cooperação a partir da perspectiva neo-institucionalista, permite elencar o papel indispensável das instituições internacionais para a governança global. Levando-se em consideração o contexto de guerra cambial, foi possível visualizar uma matriz em que o equilíbrio não coincidisse com o ponto ótimo, ou seja, é necessário que haja uma inserção de marcos regulatórios que possam coordenar o sistema sem que existam retaliações severas, ou que isso impulsione algum colapso no sistema financeiro internacional. A atuação da OMC, nesse caso, por meio do estabelecimento de um fator de desconto (sanção que pudesse ser incidida sobre a taxa de crescimento das exportações das economias que aplicam a desvalorização artificial do câmbio) pré-articulado pelos países membros e que representasse um caráter de coerção legítima, contribuiria para a ênfase do multilateralismo e liberalização do comércio, preceitos que estão ligados à essência da organização e que muitas vezes não são garantidos de forma unilateral pelos países ou até mesmo por instituições teoricamente mais competentes (a lidar com a questão cambial) como o FMI e o G-20. Thortensen, Marçal e Ferraz (2013, p. 144) corroboram este argumento dizendo que:
Diante da realidade da prática de desvalorizações cambiais, é imperativo que se negocie a criação de um mecanismo para neutralizar os efeitos do câmbio nas tarifas, ou algo como tarifas ajustadas ou compensatórias que, quando efetivamente aplicadas, possibilitassem a manutenção do acesso aos mercados originalmente negociados.
2.3.2 FMI
Mesmo que problemas que envolvam a questão da estabilidade cambial sejam de competência do FMI, é notória a dificuldade da instituição de impor medidas coercitivas que possam reverter um cenário de guerra cambial. O Brasil, em geral (CONCEIÇÃO, MUNARI, 2012), tem ressaltado a necessidade de a organização adotar medidas que envolvam cooperação e o controle da crise. Entretanto, a própria estrutura do FMI atrapalha a articulação de medidas mais eficazes. Isso porque o poder de voto de cada membro depende da capacidade dele de contribuição como acionista (os Estados Unidos são o único país com poder de veto). Assim, as maiores questões estarão sob o poder de decisão das economias desenvolvidas. De acordo com Thortensen, Marçal e Ferraz (2013, p. 145): “O problema do FMI é que a organização decide as questões por acordo das partes mais influentes [...] de forma política, não tem o poder de fazer cumprir as suas próprias regras [...] como a OMC. O FMI não tem a natureza negociadora da OMC”. Em 2013, a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde disse que não havia nenhum grande desalinhamento na cotação das principais moedas globais, argumentando que as recorrentes discussões sobre guerra cambial eram exageradas (TREVISAN, 2013).
2.3.3 G-20
O G-20 ou o grupo das maiores economias do mundo constitui-se como um fórum de discussão informal (não possui pessoal permanente e possui presidência anual rotativa) criado em 1999 para buscar a cooperação em temas econômicos e financeiros. (BRASIL, [20--?]b). Um estudo da Universidade de Toronto (WASSERMANN, 2013), no Canadá, aponta que o índice geral de cumprimento dos compromissos adotados pelo G-20 vem crescendo de maneira constante a cada cúpula do grupo. Trata-se de um fato importante que ajuda a corroborar o papel da instituição, bem como a legitimidade da mesma, perante o cenário de governança global. Segundo Thortensen, Marçal e Ferraz (2013, p. 145): “Com o acirramento das discussões sobre os efeitos do câmbio no comércio, a partir de 2008, o tema foi levado ao G-20, mas os países não conseguiram encontrar uma saída para o problema”.
A temática da cooperação pela estabilidade cambial ainda é considerada, portanto, como utópica, já que o grupo reconhece a importância do tema e condena quem adota medidas de desvalorização que possam prejudicar a competitividade, mas não possuem medidas efetivas para tentar amenizar o problema. De acordo com a Publicação da Confederação Nacional da Indústria (2010, p. 2): “O Acordo apresenta apenas intenções e princípios sem nada de objetivo para o momento”.
Ao analisar-se a temática da guerra cambial e os conceitos importantes em TRI, tais como, cooperação, hegemonia e governança global, é possível entendê-la como um fenômeno econômico entremeado em concepções políticas e de difícil resolução, caso não haja coordenação das atividades macroeconômicas. Essa cooperação seria essencial para um aumento da eficiência entre as parcerias comerciais frente a um cenário de interdependência complexa.
O papel das instituições internacionais é de fundamental importância, a fim de que as economias sejam coagidas a adotar políticas cooperativas – ainda que no curto prazo não seja, aparentemente, a alternativa mais viável. Entretanto, percebe-se que o sistema internacional ao longo da história tem auferido poucos ganhos em termos de eficiência a partir de decisões provenientes destas organizações, sobretudo daquelas que teriam maior competência acerca da temática financeira - como o FMI e o G-20 - que, por sua vez, estão fortemente subordinados aos interesses das economias desenvolvidas. Acredita-se, portanto, no papel de controle que poderia ser exercido pela OMC, que vem se constituindo como uma instituição relativamente mais democrática e, de certa forma, tem atuado de maneira legítima em questões que possam estar cerceando o comércio internacional e comprometendo o crescimento econômico das economias emergentes. Entretanto, existe uma necessidade de que a instituição fortaleça seu sistema regulatório, para que haja controle dos instrumentos de defesa comercial e, assim, os preceitos do sistema multilateral de comércio sejam garantidos.
3 EFEITOS DO COMPORTAMENTO DA TAXA DE CÂMBIO NA COMPETITIVIDADE DA ECONOMIA BRASILEIRA
O equilíbrio em macroeconomia aberta representado pelo modelo de Mundell-Fleming9 confirma o pressuposto de que a taxa de câmbio é uma variável estratégica para uma determinada eco- nomia, uma vez que políticas adotadas em relação à mesma podem influenciar diretamente o nível de investimentos, competitividade e crescimento do país. De acordo com Oreiro e Missio (2010):
O item da agenda macroeconômica brasileira que tem despertado maior debate recente é o papel da taxa de câmbio. A questão é se o governo deve ou não incorporar a taxa de câmbio na sua “função objetivo”, de forma a mantê-la competitiva e estável. Argumenta-se que a resposta é “sim”, uma vez que a administração da taxa de câmbio é de fundamental importância para o crescimento de longo prazo, pois influencia a heterogeneidade produtiva da economia e permite superar o problema da heterogeneidade estrutural, essencial ao crescimento sustentável no longo prazo.
Esses argumentos podem, por sua vez, ser ancorados no princípio de Marshall-Lerner e a hipótese da curva J, que consistem em explicitar o efeito positivo da desvalorização cambial sobre as ex- portações líquidas, mesmo que a balança comercial possa sofrer certa deterioração decorrente do aumento do câmbio, existe uma expectativa de que ela melhore no longo prazo, como ilustra a Figura 4:
O modelo de Marshall-Lerner e a hipótese da curva J elucidam como o comportamento da taxa de câmbio é importante para o fluxo de exportações de uma determinada economia (e sua competitividade). Vale considerar que, em um cenário de guerra cambial, evidentemente, a dinâmica econômica do Brasil apresentaria diferenças em relação ao modelo apresentado, uma vez que a mesma estaria fundamentada na apreciação cambial.
O desempenho da economia brasileira frente à problemática macroeconômica posta em questão é analisado por Oreiro (2009, p. 39):
A apreciação cambial ocorrida nos últimos meses é bastante preocupante. [...] Isso porque a apreciação da taxa real de câmbio tem forte impacto negativo sobre as exportações líquidas (uma vez dissipado o efeito da Curva J), dificultando assim a recuperação da demanda agregada, a qual é absolutamente necessária para a retomada do crescimento da economia brasileira. O problema fundamental da apreciação cambial, contudo, é o impacto que a mesma tem a longo prazo sobre a estrutura produtiva da economia, induzindo a especialização perversa da mesma em atividades com baixo valor adicionado e baixa elasticidade renda das exportações. Dessa forma, a apreciação da taxa real de câmbio produz uma redução permanente da taxa de crescimento que é compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos, condenando assim a economia a uma situação de semiestagnação.
A apreciação cambial no período recente colocada em análise pode ser visualizada por meio dos Gráficos 1, 2 e 3:
Nota-se uma queda expressiva nas exportações brasileiras, que acompanha, claramente, a apreciação cambial do Real em relação à moeda de seus parceiros comerciais, por meio da diminuição dos valores aferidos às taxas de câmbio real efetiva. No caso da União Europeia e, sobretudo, dos Estados Unidos, isso fica mais evidente. A China, entretanto, possui grandes oscilações em relação à taxa de câmbio - de maneira geral - o Brasil apresenta um resultado surpreendente de considerável melhora do percentual das exportações brasileira para aquele país.
Analisar as flutuações do câmbio trata-se, logo, de algo relevante para a competitividade brasileira no que depende do aspecto macroeconômico, visto que a taxa de câmbio, ao alterar o resultado do setor externo, desencadeia mudanças também atreladas aos preços relativos dos bens domésticos relacionados aos bens estrangeiros, além de ser importante na determinação da estrutura produtiva da economia, sendo que alguns setores são mais sensíveis à competitividade via preços.
As políticas cambiais seriam, portanto, fortes aliadas das políticas de crescimento de uma determinada economia, visto que o bom desempenho da balança comercial constitui-se como uma variável de elucidação importante em relação a uma economia que busca ascensão. Nakabashi, Cruz e Scatolin (2008) discorrem melhor acerca desse argumento, de forma que os resultados provenientes da quantidade de exportações e importações estariam interligados com impulsos para o crescimento de determinada economia pelos seguintes motivos:
1. Existem efeitos contracionistas sobre os setores diretamente afetados pelo aumento das importações e/ou queda das exportações;
2. Nenhum país pode crescer a taxas mais elevadas do que a taxa de crescimento com equilíbrio no balanço de pagamentos, pelo menos no longo prazo, pois um déficit crescente na conta-corrente financiado através da conta capital aumentaria o risco de desvalorizações cambiais até o ponto em que não valeria mais a pena investir em tal região ou país e, desse modo, ele teria de se ajustar à nova situação através de medidas recessivas espontâneas ou forçadas;
3. Um déficit crescente em conta-corrente levaria o país ou região a praticar taxas de juros mais elevadas para atrair fluxos de capital, estimulando a valorização financeira do capital em prejuízo do crescimento real da economia. (NAKABASHI; CRUZ; SCATOLIN, 2008, p. 437).
Além de todos esses motivos elencados, vale a pena ressaltar que uma mudança estrutural provocada por efeitos decorrentes de variações no câmbio, afetariam as indústrias e os setores mais competitivos da economia. Trata-se de um fator preocupante quando analisado o processo de industrialização brasileiro, que comparado aos demais poderia até estar passando por algo que a literatura denomina como processo de desindustrialização. A diminuição das indústrias causa um impacto em relação ao PIB e também no aumento do desemprego, acarretando danos para o crescimento, bem como para o desenvolvimento. Vale ressaltar ainda, de acordo com Nakabashi, Cruz e Scatolin (2008, p. 447) que: “[...] a taxa de câmbio é uma variável crucial que afeta as expectativas e o planejamento dos agentes envolvidos no setor exportador, que futuramente altera suas decisões de investimento”.
Assim, a política cambial engloba concepções de estratégia e de política de crescimento. O controle do câmbio é necessário para que haja uma diminuição da instabilidade e da especulação na economia doméstica. Por meio das análises gráficas apresentadas nesta seção, tornou-se possível visualizar uma significativa e gradual diminuição das exportações brasileiras para aqueles países em que o real apresenta sobrevalorização da taxa de câmbio. No caso, em particular, dos Estados Unidos e dos países da Zona do Euro, tal fato está atrelado intimamente à adesão de políticas expansionistas por esses países que, sobretudo, a partir de 2008, os mesmos adotam tal estratégia para tentar conter a crise pela qual perpassam. O crescimento das exportações brasileiras para a China apresenta um caráter bastante oscilatório, mas aumenta significativamente a partir de 2008. Isso pode demonstrar que tal movimento, além de estar atrelado à visível depreciação da taxa de câmbio real efetiva, possui um redirecionamento da parceria comercial no pós-crise, uma vez que o percentual de exportações para os Estados Unidos e países da Zona do Euro tem apresentado sucessivas diminuições ao longo dos anos. Além disso, o comportamento chinês pode ser melhor entendido levando-se em consideração as mudanças significativas que ocorrem no país ao longo dos anos 2000. Elas se refletiram em uma maior abertura da economia, bem como na adoção da flexibilização do câmbio, a qual não era utilizada anteriormente.
4 O IMPACTO NO CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO DECORRENTE DA VALORIZAÇÃO CAMBIAL: uma análise das relações bilaterais de comércio - China, Estados Unidos e União Europeia
4.1 Metodologia
De início, define-se o conceito de econometria como sendo uma ciência que faz o uso de métodos estatísticos com o intuito de solucionar problemas econômicos. Com ela os comportamentos dos agregados macroeconômicos podem ser estimados, como taxa de câmbio, exportações líquidas e crescimento econômico. Segundo Gujarati (2006 apud SAMUELSON; KOOPMANS; STONE, 1954, p. 141-146): “A Econometria pode ser definida como análise quantitativa de fenômenos econômicos concretos, baseada no desenvolvimento simultâneo de teoria e observação, relacionados por métodos de inferência adequados”.
Na econometria, existe o método de Vetores Auto-Regressivos (VAR), que surgiu nos anos 1980, devido às restrições dos métodos precedentes, cuja característica principal é eliminar a dependência ou independência das variáveis10.
Nessa metodologia econométrica, cada variável é definida como sendo função de seus próprios valores defasados e das defasagens das demais variáveis consideradas na análise. Assim, essa metodologia é muito apropriada para a análise que se pretende realizar, por considerar todas as variáveis endógenas, bem como tornar possível analisar de forma parcimoniosa os efeitos de um choque exógeno nas variáveis consideradas no estudo.
Segundo Silva e Resende (2010), a hipótese básica do modelo VAR segundo Sims (1980), o criador do método, é que as séries devem ser estacionárias, mas geralmente as séries macroeconômicas não são. Com efeito, para decidir a melhor especificação de um modelo desse tipo, deve-se levar em consideração dois aspectos, a perda da eficiência ou a perda de informação. Três possibilidades se apresentam como solução para o problema. A primeira, recomenda- da por Sims, é fazer a estimação com todas as variáveis em nível, mesmo na presença de raiz unitária, justificando que o objetivo da análise através de VAR é determinar as relações existentes entre as variáveis, e não os parâmetros estimados. Entretanto, critica-se esta opção devido à perda de eficiência na estimação. A segunda alternativa é tornar as séries estacionárias, mas o ganho de eficiência na estimação se dá em detrimento da perda de informações quanto aos relacionamentos de longo prazo entre as séries. A terceira seria estimar o modelo com Vetor de Correção de Erro (VEC) quando há evidências concretas de relações de cointegração entre as variáveis. Com essa especificação, se ganha eficiência na estimação sem perder as importantes relações de longo prazo.
Contudo, a literatura11 argumenta que nem sempre esta última opção garante os melhores resultados, tendo em vista que impor um tratamento de cointegração pode levar a estimação tendenciosa e, portanto, enviesar as funções impulso-resposta. Ainda segundo os autores, não havendo suficiente fundamento teórico a priori que possa dar respaldo tanto às relações de longo prazo, quanto ao modo correto de interpretá-las, o mais aconselhável é não impor nenhuma restrição de correção ao modelo VAR.
Com a metodologia de vetores autorregressivos, será possível simular choques e perceber seus efeitos em cada uma das variáveis estudadas. Em outras palavras, poderemos determinar os impactos da guerra cambial no crescimento da economia brasileira e observar a trajetória dessa variável nos períodos seguintes após o choque supracitado.
4.2 Base de dados
A base de dados utilizada diz respeito às informações colhidas do sistema IPEADATA do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do International Financial Statistics do FMI. Os dados que fundamentaram a análise econométrica podem ser encontrados nos sites dessas instituições, presentes na referência bibliográfica deste trabalho.
Código da váriavel | Nome da variável | Fonte |
GXCH | T axa de crescimento das exportações Brasil-China | Com base nos dados do IPEADATA |
GXEUA | T axa de crescimento das exportações Brasil-Estados Unidos | Com base nos dados do IPEADATA |
GXUE | T axa de crescimento das exportações Brasil-União Europeia | Com base nos dados do IPEADATA |
GYBR | Taxa de crescimento do PIB brasileiro | Com base nos dados do FMI |
GYCH | Taxa de crescimento do PIB chines | Com base nos dados do FMI |
GYEUA | Taxa de crescimento do PIB norte- americano | Com base nos dados do FMI |
GYUE | Taxa de crescimento do PIB da União Europeia | Com base nos dados do FMI |
TCRECH | Taxa de câmbio real efetiva da China | Com base nos dados do FMI |
TCREEUA | Taxa de câmbio real efetiva dos Estados Unidos | Com base nos dados do FMI |
TCREUE | Taxa de câmbio real efetiva da União Europeia | Com base nos dados do FMI |
O período avaliado refere-se aos anos de 2003-2010, correspondente, portanto, ao governo Lula. Essa escolha está relacionada, sobretudo, à disponibilidade dos dados necessários para a realização do trabalho.
4.3 Evidências empíricas
Para a realização da análise empírica, verificou-se a ordem de integração das variáveis econômicas por meio do teste de Dickey-Fuller Aumentado (ADF) com o intuito de testar a hipótese de raiz unitária das séries. Os resultados apontam que apenas as variáveis: Taxa de Crescimento do PIB dos Estados Unidos (GYEUA) e Taxa de Câmbio Real Efetiva da China (TCRECH) foram integradas de ordem 1, enquanto as demais foram estacionárias e trabalhadas em nível. Esse teste é realizado para que as variáveis fiquem menos pro- pensas a flutuações, gerando um efeito permanente.
Discriminação | Defasagem | Constante | Tendência | Estatística t | Valor crítico |
GXCH | 1 | Sim | Não | -9.526352 | -2.622989 |
GXEUA | 1 | Não | Não | -6.116199 | -1.610011 |
GXUE | 0 | Não | Não | -5.722794 | -1.610211 |
GYBR | 0 | Sim | Não | -5.749633 | -2.621007 |
GYCH | 4 | Sim | Não | -2.649860 | -2.629906 |
GYEUA | 0 | Não | Não | -1.478566 | -1.610211 |
D(GYEUA) | 0 | Não | Não | -6.003857 | -1.610011 |
GYUE | 1 | Não | Não | -4.007831 | -1.610011 |
TCRECH | 4 | Não | Não | 4.385511 | -1.609329 |
D(TCRECH) | 1 | Sim | Não | -13.36298 | -2.655121 |
TCREEUA | 2 | Não | Não | -3.067128 | -1.609798 |
TCREUE | 0 | Não | Não | -1.905917 | -1.610211 |
4.3.1 Relação bilateral: Brasil – China
A fim de se desenvolver um modelo bem especificado, torna-se necessária a escolha adequada do número de defasagens (quantas unidades de tempo são necessárias para compreensão do comporta- mento dos dados, nesse caso, trimestres) para que as estimações sejam realizadas. Assim, toma-se como base os Critérios de Informação de Akaike (AIC), de Schwarz (SC) e o de Hannan-Quinn (HQ). As estatísticas sinalizaram que o número de defasagens a incluir no VAR pode ser de 4 unidades de tempo.
Defasagem | AIC | SC | HQ |
0 | -3.351043 | -3.204778 | -3.310476 |
1 | -4.327182 | -3.742122 | -4.164911 |
2 | -5.371482 | -4.347626 | -5.087508 |
3 | -6.382853 | -4.920202 | -5.977175 |
4 | -7.861954 | -5.960508* | -7.334574 |
5 | -8.144872* | -5.804631 | -7.495789* |
AIC: Critério de Informação de Akaike SC: Critério de Informação de Schwarz
HQ: Critério de Informação de Hannan-Quinn
Para evitar arbitrariedade, utilizou-se o Block Exogeneity Wald Test (Teste de Granger) com o intuito de definir um ordena- mento estatisticamente consistente das variáveis. Tal teste permite ordenar as variáveis das mais exógenas – afetadas no período analisado somente pelo seu próprio choque estrutural – para as variáveis mais endógenas – afetadas contemporaneamente por todos os choques. Com base em Enders (1995), delimita-se a partir da estatística Qui-Quadrado (valor da dispersão que denota a dependência entre as variáveis) o ordenamento das variáveis das mais exógenas (menores valores da estatística) para as mais endógenas (maiores valores da estatística). Dessa forma, as estatísticas mostram a significância conjunta de cada variável endógena defasada para cada equação do VAR. Os resultados são apresentados na Tabela 4:
Variável Dependente | X² | DF | Prob (total) | |
1 | GYCH | 4.290715 | 8 | 0.8300 |
2 | DTCRECH | 10.16251 | 8 | 0.2538 |
3 | GYBR | 30.09020 | 8 | 0.0002 |
Com efeito, a ordenação correta das variáveis é a seguinte: GYCH, DTCRECH e GYBR.
Em função da dificuldade de interpretar os coeficientes estimados para o modelo VAR é comum utilizar a função de impulso-resposta e a decomposição da variância. Assim, os efeitos dessas variáveis sobre o crescimento do produto brasileiro (GYBR) estão representados na Tabela 5.
Período | GYCH | DTCRECH | GYBR |
2011 T1 | 0.038791 | 0.030445 | 0.064085 |
2011 T2 | -0.015486 | 0.004159 | -0.001408 |
2011 T3 | -0.025086 | -0.066133 | -0.030986 |
2011 T4 | -0.013667 | -0.027348 | -0.028930 |
2012 T1 | 4.57E-05 | -0.000669 | -0.011321 |
Os resultados demonstram que todas as variáveis relacionadas ao crescimento chinês impactam de forma negativa no crescimento do produto brasileiro, sobretudo à desvalorização da DTCRECH, que provoca uma queda significativa de GYBR a partir do terceiro trimestre de 2011. As evidências mostram, portanto, que ocorreu a guerra cambial entre tais parceiros comerciais no período em consideração.
Período S.E. GYBR DTCRECH GYCH 2011 T1 0.064085 52.06402 11.29558 36.64040 2011 T2 0.066831 49.03473 11.90491 39.06036 2011 T3 0.094708 24.94953 48.58450 26.46597 2011 T4 0.100305 25.15106 49.39769 25.45125 2012 T1 0.101483 26.87374 48.26239 24.86386 |
A decomposição da variância (Tabela 6) mostra a importância de uma determinada variável x (GYBR; DTCRECH; GYCH) quando se observa o erro de previsão na outra variável y (GYBR). Os valores apresentados relacionam a influência de cada uma das variáveis sobre o GYBR. Percebe-se que cerca de 48%, ou seja, quase a metade do comportamento do crescimento do produto brasileiro está atrelado à desvalorização da DTCRECH, no primeiro trimestre de 2012.
4.3.2 Relação bilateral: Brasil – Estados Unidos
No tocante à relação Brasil – Estados Unidos, nota-se na Tabela 7 que a defasagem a ser considerada é igual a 1.
Defasagem | AIC | SC | HQ |
0 | -10.11644 | -9.970177 | -10.07587 |
1 | -13.69613 | -13.11107* | -13.53386* |
2 | -13.27229 | -12.24844 | -12.98832 |
3 | -13.01082 | -11.54817 | -12.60515 |
4 | -13.27196 | -11.37051 | -12.74458 |
5 | -14.09940* | -11.75916 | -13.45032 |
AIC: Critério de Informação de Akaike
SC: Critério de Informação de Schwarz
HQ: Critério de Informação de Hannan-Quinn
Para ordenação das variáveis emprega-se o teste de Block Exogeneity Wald Test (Teste de Granger), como mostra a Tabela 8.
Variável Dependente | X² | DF | Prob (total) | |
1 | DGYEUA | 1.753038 | 4 | 0.7811 |
2 | TCREEUA | 2.978040 | 4 | 0.5615 |
3 | GYBR | 9.292234 | 4 | 0.0542 |
Dessa forma, tem-se como ordem crescente de endogeneidade: DGYEUA, TCREEUA e GYBR.
Para realizar a análise dessas variáveis sobre o crescimento do PIB do Brasil tem-se a Tabela 9 que representa a função de impulso-resposta.
Período | DGYEUA | TCREEUA | DGYBR |
2011 T1 | 0.040377 | -0.040724 | 0.086993 |
2011 T2 | 0.046391 | -0.023714 | 0.006222 |
2011 T3 | -0.017790 | 0.003676 | -0.017185 |
2011 T4 | -0.011510 | 0.010042 | -0.012672 |
2012 T1 | -0.003659 | 0.002726 | 0.002937 |
A partir da visualização da função impulso-resposta pode ser verificado o cenário de guerra cambial nos primeiros trimestres de 2011, uma vez que nesse período a variável TCREUA influenciou de forma negativa no comportamento do PIB brasileiro. A desaceleração do crescimento da economia norte-americana também contribuiu para a semiestagnação da economia brasileira em 2011.
Período | S.E. | DGYEUA | TCREEUA | GYBR |
2011 T1 | 0.086993 | 21.54231 | 13.37240 | 65.08529 |
2011 T2 | 0.102447 | 36.03841 | 11.19135 | 52.77024 |
2011 T3 | 0.104604 | 37.46013 | 10.73908 | 51.80078 |
2011 T4 | 0.105653 | 37.90664 | 11.02438 | 51.06898 |
2012 T1 | 0.105939 | 37.82148 | 10.99668 | 51.18184 |
A decomposição da variância mostra que nesse período cerca de 50% do comportamento de GYBR pode ser explicado por DGYEUA e TCREEUA e os outros 50% pelo próprio comportamento de GYBR, quando a parceria Brasil - Estados Unidos está sendo considerada.
4.3.3 Relação bilateral: Brasil – União Europeia
Na relação de comércio Brasil – União Europeia tem-se uma defasagem de valor igual a 2, como mostra a Tabela 11.
Defasagem | AIC | SC | HQ |
0 | -7.140652 | -6.995487 | -7.098850 |
1 | -8.806356 | -8.225696 | -8.639147 |
2 | -9.649854 | -8.633699* | -9.357238 |
3 | -9.791715 | -8.340065 | -9.373692 |
4 | -9.740681 | -7.853536 | -9.197251 |
5 | -10.23065* | -7.908011 | -9.561814* |
AIC: Critério de Informação de Akaike SC: Critério de Informação de Schwarz
HQ: Critério de Informação de Hannan-Quinn
A Tabela 12 determina a ordem das variáveis de acordo com a sua endogeneidade e valor estatístico. Portanto, em ordem crescente de endogeneidade as variáveis são elencadas da seguinte forma: GYUE, TCREUE e GYBR.
Variável Dependente | X² | DF | Prob (total) | |
1 | GYUE | 3.101581 | 4 | 0.5410 |
2 | TCREUE | 5.104220 | 4 | 0.2768 |
3 | GYBR | 11.60248 | 4 | 0.0206 |
A Tabela 13, por sua vez, mostra a função impulso-resposta entre as variáveis em questão.
Período | GYBR | TCREUE | GYUE |
2011 T1 | 0.083354 | -0.048606 | 0.043170 |
2011 T2 | 0.016428 | -0.025072 | 0.018271 |
2011 T3 | -0.019198 | 0.026463 | -0.005784 |
2011 T4 | -0.020030 | 0.004013 | -0.019449 |
2012 T1 | 0.001990 | 0.002925 | -0.003143 |
A relação com a União Europeia também deixa evidente o impacto das variáveis relacionadas ao bloco econômico no comportamento do PIB brasileiro, sobretudo no que tange à desvalorização cambial. Esses efeitos tendem a diminuir no terceiro semestre e a serem neutralizados no longo prazo (para a TCREUE). A crise na Europa e o consequente desaquecimento do PIB na União Europeia também comprometeram o GYBR, conforme pode se notar a partir do terceiro trimestre de 2011.
Período | S.E. | GYBR | TCREUE | GYUE |
2011 T1 | 0.083354 | 25.50249 | 47.67454 | 26.82296 |
2011 T2 | 0.093719 | 27.73532 | 47.24612 | 25.01856 |
2011 T3 | 0.098183 | 25.67116 | 51.18638 | 23.14247 |
2011 T4 | 0.100805 | 25.17639 | 49.14687 | 25.67673 |
2012 T1 | 0.101632 | 26.17119 | 48.47290 | 25.35592 |
Por fim, a decomposição da variância elucidada na Tabela 14 mostra que cerca de 48% do comportamento do crescimento do PIB do Brasil pode ser explicado pela TCREUE nessa relação, comprovando, pois, a importância da cooperação das políticas cambiais para a não estagnação do crescimento de economias emergentes como o Brasil.
Em suma, a partir da metodologia econométrica de Vetores Autorregressivos, tornou-se possível realizar as previsões de comportamento das variáveis analisadas que impactam na taxa de crescimento do PIB brasileiro. A análise empírica corrobora a teoria e demonstra que aconteceu uma guerra cambial dos parceiros comerciais em questão no período recente. O crescimento do Brasil foi afetado não só pelas oscilações da taxa de câmbio, como também esteve sensível à variação do crescimento dos demais países. Isso pode ser explicado pela estagnação das economias em consideração, no pós-crise de 2008, a qual produziu efeitos que perpassaram ao longo do tempo.
A globalização e o fomento do livre-comércio são fundamentais para o bom funcionamento da economia mundial, mas a disputa por novos mercados tem gerado uma perda de eficiência. Como proposição de política, a teoria das relações internacionais defende a criação de um mecanismo coercitivo que induza à cooperação internacional. Nota-se que as amarras impostas pelos países hegemônicos impedem a cooperação internacional. Assim, a atuação da OMC na mediação dessas relações econômicas internacionais precisa ser aperfeiçoada, tornando a entidade mais independente para que possa contribuir de maneira mais efetiva na resolução do problema da guerra cambial.
5 CONCLUSÃO
A guerra cambial trouxe um impacto negativo para o crescimento da economia brasileira. Por meio desta monografia foi possível visualizar teórica e empiricamente essa hipótese, tendo como base o fato de que as políticas cambiais estão estritamente atreladas ao crescimento econômico.
A análise do fenômeno passível de ser feita, aparentemente, apenas pelo viés da teoria econômica, ganha uma abordagem diversa pela TRI. Isso se torna possível pelo fato de que a análise em TRI condiciona elementos que compreendem o sistema mundo como objeto de análise, e a guerra cambial é um problema global. A diminuição dos efeitos arraigados a ela envolve políticas e medidas de cooperação, sejam entre os próprios Estados, sejam entre as demais Instituições Internacionais.
A escolha da teoria neoliberal se dá pelo caráter normativo da mesma no que tange ao aspecto econômico do sistema internacional. A interdependência entre os agentes é algo explícito e o fomento do livre-comércio algo necessário para o bom funcionamento do sistema. O que muitas vezes não ocorre, por exemplo, quando há a guerra cambial e alguns países passam a adotar medidas de imposição de tarifas aos produtos importados para a não deterioração de suas respectivas balanças comerciais.
O institucionalismo permite que a problemática elencada possa ser analisada por meio de uma matriz ou jogo em que os atores são levados, pela própria estrutura racional e egoísta, a não cooperarem, acarretando em uma perda de eficiência. Para que tal equilíbrio seja alterado, deve existir um mecanismo coercitivo e que induza à cooperação. Nesse caso, ressalta-se o papel da OMC como instituição internacional multilateral que tem atuado de forma relevante frente aos entraves do livre-comércio e que detém características que podem contribuir de maneira mais efetiva para a contenção da guerra cambial.
Enfim, elucidadas as amarras ao crescimento muitas vezes impostas pelos países hegemônicos, espera-se a ênfase pela adoção de políticas que prezem pela cooperação internacional, já que a ordem é pautada pela interdependência dos países e um cenário de guerra não levaria a outra dinâmica, senão ao caos.
REFERÊNCIAS
AGOSTINI, R. Guerra cambial seguirá em debate na OMC, diz brasileiro que chefiará a organização. Folha de São Paulo, São Paulo, 2013. Mundo. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/ mundo/2013/05/1282444-guerra-cambial-seguira-em-debate-na-omc- diz-brasileiro-que-chefiara-a-organizacao.shtml Acesso em: 12 jan. 2014.
ANGELL, N. The Great Illusion: The Relation of Military Power to National Advantage. London: William Heinemann, 1910.
AXELROD, R; KEOHANE, R. Achieving Cooperation under Anarchy: Strategies and Institutions. World Politics, [S. l.], v. 38, n. 1, p. 226-254, oct. 1985. Ed. The Johns Hopkins University. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2010357 Acesso em: 20 mar. 2014.
BLANCHARD, O.; COHEN, D. Macroéconomie. 4. ed. Paris: Pearson Education France, 2006.
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Cooperação técnica. Brasília, DF, [20-- ?]a. Disponível em:http://www.itamaraty.gov. br. Acesso em: 8 jul. 2013.
RASIL. Ministério das Relações Exteriores.Organização Mundial do Comércio (OMC). Brasília, DF, [20--?]b. Disponível em:http://www.itamaraty.gov.br>. Acesso em: 11 jan. 2014.
BRASIL quer discutir guerra cambial na reunião da OMC. O Estadão, São Paulo, 2011. Economia & Negócios. Disponível em:http:// economia.estadao.com.br/noticias/economia,brasil-quer-discutir- guerra-cambial-na-reuniao-da-omc,95737,0.htm. Acesso em: 11 jan. 2014.
BRESSER-PEREIRA, L. C. Economia política da desgovernança global. Revista Estado e Economia, São Paulo, v. 37, n. 3, jul./set. 2007. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/ee/v37n3/01.pdf. Acesso em: 25 jan. 2013.
CONCEIÇÃO, A.; MUNARI, C.. Contra guerra cambial, Dilma pede articulação entre FMI, G-20 e Bird. Jornal Valor Econômico, São Paulo, set. 2012. Disponível em: http://www.valor.com.br/ brasil/2843606/contra-guerra-cambial-dilma-pede-articulacao-entre- fmi-g-20-e-bird Acesso em: 14 jan. 2014.
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. O desafio do câmbio. Integração Internacional, Brasília, DF. ano 3, n. 1, nov. 2010.
DELFIM NETTO. Defesa Legitima. Carta Capital, São Paulo, mar. 2012. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/economia/ defesa-legitima. Acesso em:
ENDERS, W. Applied Econometric Time Series. New York: Wiley, 1995. (1995, 2003)
FIANI, R. Teoria dos Jogos: para cursos de administração e economia. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Ipeadata: dados macroeconômicos. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em:http:// www.ipeadata.gov.br/ Acesso em: 28 jul. 2013.
KANT, E. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. [S. l.: s. n.], 1784. Disponível em:http://armeefrancaisetpe.free.fr/Emmanuel%20Kant,%20Id%C3%A9e%20 d’une%20histoire%20universelle%20du%20point%20de%20vue%20 cosmopolite.pdf Acesso em: 29 jul. 2013.
KEOHANE, R. O.; NYE, J. S. Power and Interdependence. New York: Longman, 2001.
KRASNER, S. D. Causas estruturais e consequências dos regimes internacionais: regimes como variáveis intervenientes. Revista de Sociologia e Politica, Curitiba, v. 20, n. 42, p. 93-110, 2012. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104- 44782012000200008. Acesso em: 14 dez. 2012.
KRUGMAN, P. A grande ilusão da Europa. Folha de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ paulkrugman/1113920-a-grande-ilusao-da-europa.shtml Acesso em: 9 dez. 2012.
KRUGMAN, P. ; OBSTFELD, M. Économie Internationale. 8. ed. Paris: Pearson Education France, 2009.
MACIEL, T. M. As teorias de relações internacionais pensando a cooperação. Revista Eletrônica Ponto-e-Vírgula, São Paulo, n. 5, 2009. Disponível em:http://www.pucsp.br/ponto-e-virgula/n5/ artigos/pdf/pv5-20-tadeumorato.pdf. Acesso em: 14 dez. 2012.
MANKIW, N.G. Macroeconomia. LTC Editora: Rio de Janeiro. Quinta Edição, 2004.
MATSUMOTO, K. Efeitos reais da transmissão de política monetária: comparação empírica entre Brasil e Argentina. 2000. 70 f. Dissertação (Mestrado) – fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2000.
MELLO, F. C. Teoria dos Jogos e Relações Internacionais: Um Balanço dos Debates. BIB, Rio de Janeiro, n. 44, p. 105-119, jul./dez. 1997.
NAKABASHI, L.; CRUZ, M. J. V. da and SCATOLIN, F. D. Efeitos do câmbio e juros sobre as exportações brasileiras. Revista Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 433-461, set./dez. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rec/v12n3/02.pdf Acesso em: 8 jul. 2013.
ONUKI, J.; RACY, J. C. Globalização: perspectivas teóricas das relações internacionais. Revista de Econ. & Relações Internacionais, São Paulo, 2002. Disponível em: http://www.faap.br/revista_faap/ rel_internacionais/rel_01/racy.htm Acesso em: 25 jan. 2013.
OREIRO, J. L. Apreciação cambial, crescimento de longo prazo, controles de capitais e doença holandesa: análise e propostas para o caso brasileiro. Revista de Conjuntura, Brasília, DF, ano IX, n. 38, p. 39, abr./jun. 2009. Disponível em: http://www.akb.org.br/upload/040920121958233681_conjuntura_ed38.pdf. Acesso em: 27 jul. 2013.
OREIRO, J. L. Câmbio valorizado decorre de uma decisão do governo. Blog Economia, [S. l.], 2012. Opinião e Atividades. Populismo Cambial. Disponível em:http://jlcoreiro.wordpress.com/tag/populismo- cambial/ Acesso em: 26 jan. 2013.
OREIRO, J. L.; MISSIO, F. Câmbio, crescimento e estrutura produtiva. Blog da Associação Keynesiana Brasileira, [S. l.], 2010. Disponível em: http://associacaokeynesiana.wordpress.com/2010/08/30/cambio- crescimento-e-estrutura-produtiva-jose-luis-oreiro-e-fabricio-missio/ Acesso em: 8 jul. 2013.
PIRES, L. Q. A guerra cambial e o comércio internacional: pode a moeda desvalorizada ser questionada na OMC? Pontes: informações e análises sobre comércio e desenvolvimento sustentável, v. 6, n. 5, dez. 2010. Disponível em:http://ictsd.org/i/news/pontes/99011/. Acesso em: 12 jan. 2014.
RAMASWAMY, R.; SLØK, T. The real eRects of monetary policy in the European union: what are the diRerences? IMF StaR Papers, [S. l.], v. 45, n. 2, 1998.
ROSENAU, J. N. Governance without Government: order and change in world politics. Cambridge: University Press, 1992.
SIMS, C. Macroeconomics and reality. Econometrica, [S. l.], v. 48, n. 1, p. 1-48, 1980.
THORTENSEN, V.; MARÇAL, E.; FERRAZ, L. Impactos do câmbio sobre a proteção tarifária. In: BRESSER-PEREIRA, L. C. (Org.). O que esperar do Brasil? Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2013.
TREVISAN, C. Discussão sobre guerra cambial é exagerada, diz FMI. O Estadão, São Paulo, fev. 2013. Economia e Negócios. Disponível em:http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,discussao-sobre-- guerra-cambial-e-exagerada-diz-fmi-,997653,0.htm Acesso em: 14 jan. 2014.
WASSERMANN, R. Brasil contrariou decisões do G20 sobre câmbio e comércio exterior, diz estudo. BBC Brasil, [S. l.], 2013. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/09/130904_ brasil_cambio_pai_rw.shtml Acesso em: 14/01/14.
Notas
Notas de autor