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A REVOLUÇÃO RUSSA E O MARXISMO DO SÉCULO XX
A REVOLUÇÃO RUSSA E O MARXISMO DO SÉCULO XX
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, pp. 87-128, 2018
Universidade Federal do Maranhão
Recepção: 01 Outubro 2017
Aprovação: 09 Maio 2018
Resumo: Uma análise dos princípios de democratização, revolução, liberdade, especificação, consciência e esperança, respectivamente, em Luxemburg, Trotsky, Gramsci, Korsch, Lukács e Benjamin/Bloch, como herdeiros distintos da Revolução Russa, sob impulsão da teoria e da práxis de Lenin.
Palavras-chave: Democratização, revolução, liberdade, especificação, consciência, esperança.
Abstract: An analysis of the principles of democratization, revolution, liberty, specification, consciousness and Hope, respectively, in Luxemburg, Trotsky, Gramsci, Korsch, Lukács and Benjamin/Bloch, as distinct heirs of the Russian Revolution, under the impulse of Lenin’s theory and praxis.
Keywords: Democratization, revolution, liberty, specification, consciousness, hope.
1 INTRODUÇÃO
No balanço marxiano da experiência da Comuna de Paris de 1871, uma coisa ficou assente para a emancipação da classe proletária, a saber: nem esperar por milagres, nem apostar em utopia abstrata, pois “[...] ela sabe que não tem que realizar ideal, mas somente que liberar os elementos da sociedade nova, que porta nos seus flancos a velha sociedade burguesa que se desmorona.” (MARX, 1972, p. 46). Como reação proletária à barbárie e à guerra entre as potências capitalistas imperialistas, a Revolução Russa de 1917 teve grande influência nos intelectuais orgânicos do proletariado no século XX, e pode ainda hoje ter relevância na sua estratégia de superação socialista do capitalismo imperialista global.
Não se trata, porém, da experiência revolucionária e do modelo absoluto de transição ao comunismo, mas da realização relativa, historicamente determinada, de uma antecipação concreta, em que “[...] o comunismo não é nem um estado que deve ser criado, nem um ideal sobre o qual a realidade deverá se regular. Chamamos comunismo o movimento real que abole o estado atual. As condições desse movimento resultam da pressuposição que existe atualmente.” (MARX; ENGELS, 1976, p. 33).
Neste rumo da especificação histórica da superação do capitalismo, o materialismo dialético foi utilizado por vários marxistas heréticos – porque contrários à doutrina do marxismo-leninismo e ao modelo socialista da URSS –,nas suas análises críticas concretas das latências e das tendências constitutivas da situação concreta da consciência e do ser social e histórico, não para verificá-los e experimentá-los no seu todo como obedientes nem a uma lei natural eterna e absoluta, nem a uma lei sobrenatural, transcendendo a humanidade. Assim, inversamente à obediência ortodoxa aos preceitos ou às leis religiosas, também “[...] contrariamente ao que se passa com as leis naturais, a história é caracterizada pelo fato que as leis constitutivas das sociedades humanas mudam elas mesmas, com o devir destas sociedades.” (GOLDMANN, 1980, p. 65). Portanto, “[...] o mundo mudou profundamente e devemos nos perguntar em que medida essas antigas análises guardam ainda sua validade para a sociedade que é a nossa, e que tentamos compreender hoje.” (GOLDMANN, 1980, p. 65). Porém, isto não implica descartar, nas experiências compreensivas e transformadoras do mundo no século XXI, a apropriação da herança, atinente à teoria e à práxis, deixada ao proletariado como classe oprimida, em luta pela emancipação humana, de todo um arsenal de princípios da doutrina marxista decorrentes da influência da Revolução Russa de 1917 no marxismo herético do século XX. Acarretando perseguição política para seus autores, inclusive prisão e morte, para alguns, estes princípios já tiveram um papel decisivo na luta efetiva, teórica e prática consciente, contra o capitalismo tardio, o socialismo real e a barbárie também real, em ambos os casos, ocidentais e orientais, fascistas e stalinistas, racistas e colonialistas, dentre inúmeras outras situações opressivas, guerreiras e genocidas, ao longo do século XX.
A orientação de conjunto deste texto consiste, portanto, na defesa do pensamento marxista como plural e historicamente determinado, atualizado através das experiências concretas que se fazem com o mundo para compreendê-lo e transformá-lo, contra uma tradição tendenciosa e imperativa, desencadeada no quadro da Revolução Russa de 1917, que foi abarcando todas as experiências ideais e materiais que o ser social faz com o mundo, personificada pelo stalinismo e consolidada no padrão do marxismo soviético, ou melhor, formulada autoritariamente “[...] dentro de um esquema linear, evolucionista, que tem como matriz de verdade a trilogia Marx/Engels/Lenin.” (DIAS, 2000, p. 13) – sempre antinômica a uma matriz de falsificação inerente a toda revisão reformista e, sobretudo, a toda atualização revolucionária. Por sua vez, Bernard-Henri Lévy e André Gluksmann (ex-esquerdistas franceses, reciclados como novos filósofos, em 1977, num programa de TV de grande audiência) promoveram um ataque reacionário à Revolução Russa que tem por matriz de inverdade o totalitarismo stalinista apontado como a experiência da consciência e do ser social tornada absoluta, definitiva e própria a toda ação compreensiva e transformadora de todos os marxistas, em todo tempo e lugar.
Generalizando o contexto específico das barbáries do marxismo-leninismo, “[...] o argumento do Gulag torna-se universal e deslegitimou em bloco Marx, as reconstruções dos heréticos marxistas, submetendo-os ao mesmo julgamento de infâmia.” (TOSEL, 2010, p. 1). Diante das violências e das sequelas do socialismo realmente instaurado pelo marxismo soviético, sob o regime stalinista, em razão tanto de crimes, terror e repressão (FURET, 1995), quanto de repúdio da própria ideia comunista (COURTOIS, 1997), para estes autores, dentre vários ideólogos anticomunistas primários criticados por Vincent (1998, p. 212), toda tentativa posterior de superação da sociedade burguesa “[...] apareceria como suspeita e carregada dos perigos do totalitarismo”. Para não cair nesse tipo de reificação burguesa, no centenário da Revolução Russa de 1917, cabe voltar à maiêutica que o dissidente bolchevique Victor Serge empregara em 1937 (apud MIÉVILLE, 2017, p. 1):
[...] muitas vezes se diz que «o germe de todo o estalinismo estava no bolchevismo desde o início». Bem, não tenho objeção. Apenas que o bolchevismo também continha muitos outros germes, uma massa de outros germes, e as pessoas que viveram o entusiasmo dos primeiros anos da primeira revolução socialista vitoriosa não devem esquecê-lo. Julgar o homem vivo pelos germes da morte que a autópsia revela no cadáver, e que ele pode ter carregado nele desde o seu nascimento, é uma atitude sensata?
Retomam-se, aqui, certas categorias de um grande embate em torno da Revolução Russa de 1917, em que se destacam pensadores marxistas do século XX engajados decididamente na emancipação proletária, herdeiros diretos ou indiretos da tentativa soviética original de superação do capitalismo e, portanto, de extinção dialética do Estado capitalista, mediada pelo momento de transição socialista, quando empreenderam suas diversas abordagens críticas e revolucionárias. Para tanto, lutaram radicalmente contra a real politique seja da socialdemocracia (Segunda Internacional), seja do marxismo-leninismo (Terceira Internacional), como também contra as ditaduras fascistas, a burocratização e a reificação burguesa, abordando sempre a superação do capitalismo como uma democratização socialista, sob a hegemonia do proletariado, dentre muitos outros objetivos relevantes para a futura revolução proletária mundial. Sua referência decisiva reside no bolchevismo liderado por Lenin, que “[...] renova sobretudo na prática, mas também por muitos dos aspectos teóricos importantes, as tendências históricas fundamentais e gerais do marxismo, sobretudo na concretização e na atualização das tendências à humanização real da espécie humana.” (LUKÁCS, 2009, p. 163-164). Portanto, em coerência com a teoria e a práxis de Lenin, que lhes tocou a inteligência crítica da realidade presente e a antecipação de um mundo melhor, de natureza comunista, destacam-se os princípios que interessam aos proletários de democratização socialista (Luxemburg), revolução permanente (Trotsky),especificação histórica (Korsch), liberdade conselhista (Gramsci), consciência classista (Lukács) e esperança utópica (Bloch, Benjamin) referidos direta ou indiretamente às experiências historicamente determinadas da Rússia e, portanto, tidas agora como próprias a “[...] um período superado do movimento operário revolucionário; é somente assim que se poderá tirar partido corretamente das experiências que o caracterizam e dos ensinamentos que ele contém para a fase presente, essencialmente nova.” (LUKÁCS, 1972, p. 130).
Trata-se, enfim, de uma abordagem materialista, dialética e histórica do pensamento comunista para evidenciar, em grandes marxistas do século XX, sejam orientais, sejam ocidentais, a importância de pensar por si mesmo e de maneira criativa, sobre a situação concreta de uma revolução que antecipou um mundo melhor para além da opressão do capitalismo imperialista, desde o seu início, para desenvolver a abordagem crítica e revolucionária do marxismo do século XXI, considerando o contexto da crise atual do imperialismo na escala global.
2 O PRINCÍPIO DEMOCRATIZAÇÃO SOCIALISTA
Os bolcheviques foram condenados pelo papa do marxismo, Karl Kautsky que, em virtude de sua célebre prudência de castrado, achava que na Rússia, “[...] o capitalismo não estava ainda no ponto”, que como “[...] país economicamente atrasado, essencialmente agrário, não estava maduro para uma revolução social nem para uma ditadura do proletariado.” (LUXEMBURG, 1978, p. 53 e 56). O marxismo ortodoxo kautskista foi adversário implacável e crítico externo dos bolcheviques, diretamente acusados de uma precipitação voluntarista e impertinente, responsabilizados por uma torrente revolucionária que logo desembocou numa ditadura do proletariado, mas continuada, essencialmente, como um despotismo da burocracia, de sorte que os bolcheviques tomariam uma vertente natural, uma ditadura terrorista. Esse fatalismo kautskista, portanto, passou ao largo de tudo aquilo que “[...] a política dos bolcheviques comporta de essencial e de durável”, a saber,
[...] conservam o mérito imortal de ter aberto a via ao proletariado internacional, tomando o poder político e colocando o problema prático da realização do socialismo, de ter feito progredir consideravelmente o conflito entre capital e trabalho no mundo inteiro. Na Rússia, o problema só poderia ser colocado. Não poderia ser resolvido na Rússia. (LUXEMBURG, 1978, p. 90).
A crítica de esquerda aos bolcheviques feita por Rosa Luxemburg (1978, p. 83) sublinhou que uma ditadura burocrático-partidária na qual prevalece “[...] a liberdade unicamente para os partidários do governo, unicamente para os membros de um partido – por mais numerosos que o sejam –isto não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade daquele que pensa diferentemente”. Mas ela não recusou seu apoio à experiência revolucionária russa como um momento da revolução proletária internacional, em que “[...] apostando tudo na revolução mundial do proletariado, os bolcheviques forneceram, precisamente, a prova explosiva de sua inteligência política, da firmeza de seus princípios, da audácia de sua política.” (LUXEMBURG, 1978, p. 57). Entretanto, referindo-se ao momento do exercício efetivo do poder, especificamente à paz separada entre a Rússia e a Alemanha em Brest-Litovsk, à dissolução da Assembleia Constituinte e às soluções das questões agrária e nacional, Rosa Luxemburg (1978) fez uma dura crítica de certas tendências isolacionistas, sectárias e autoritárias dos bolcheviques. Porém, “[...] estabelecer uma ditadura proletária e realizar uma transformação socialista num só país, cercado pela hegemonia esclerosada da reação imperialista e agredido por uma guerra mundial, a mais sangrenta da história humana, é a quadratura do círculo.” (LUXEMBURG, 1978, p. 52). A história mostrou que ela tinha razão ao notar que os bolcheviques
[...] impuseram os sovietes como a única representação verdadeira das massas trabalhadoras. Mas, caso a vida política seja abafada em todo o país, a paralisia ganha obrigatoriamente a vida nos sovietes. Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida se estiola em todas as instituições públicas, vegeta, e a burocracia resta o único elemento ativo. (LUXEMBURG, 1978, p. 85).
Em suma, para Luxemburg (1978, p. 54-55), a Revolução Russa era uma configuração determinada no tempo e no espaço, mas de natureza e repercussão histórica internacional, tornou-se “[...] o fato mais prodigioso da guerra mundial”, o drama inicial da insubmissão proletária às mistificações e às estratégias revisionistas, colocando na atualidade uma possível superação revolucionária internacional da barbárie do capitalismo imperialista. Porém, “[...] internacional por sua própria natureza e na sua essência profunda, a política de classe do proletariado só pode ser realizada no plano internacional.” (LUXEMBURG, 1978, p. 43). Como mediação, instaura-se uma ditadura do proletariado,
[...] mas, esta ditadura deve ser uma obra da classe, e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe, isto é, que ela deve ser a emanação fiel e progressiva da participação ativa das massas, ela deve sofrer constantemente sua influência direta, ser submetida ao controle da opinião pública no seu conjunto, emanar da educação política crescente das massas populares. (LUXEMBURG, 1978, p. 88).
Trata-se de uma contribuição para a concepção da democratização proletária, à luz da experiência russa de revolução permanente, útil na elaboração de uma estratégia revolucionária na Alemanha, na Europa e no mundo que, lamentavelmente, foi incipiente nos países desenvolvidos nos anos 1920, porque o marxismo ocidental alemão tornou-se a ideologia adequada tanto à violência policial que, em 15 de janeiro de 1919, assassinou Rosa Luxemburg, quanto à geopolítica social democrática que se uniu à campanha de conquistas do capitalismo imperialista, ao longo do século XX. A Rosa vermelha era uma ferrenha oponente ao capitalismo imperialista, cuja superação seria mediada por um socialismo revolucionário internacionalista e, ao mesmo tempo, democraticamente fundado na práxis autoemancipadora dos proletários, na autoeducação através da práxis e da ação coletiva dos oprimidos. Porém, o fracasso do biênio alemão evidenciou, também, as insuficiências do espontaneísmo e o papel decisivo de uma potente vanguarda revolucionária, como sublinhara a doutrina de Lenin (1971) da consciência de classe proletária, mesmo se,
[...] em Lenin, não se encontra nem mesmo uma alusão que permitiria estabelecer se sua distinção tão importante entre consciência sindical de classe e consciência política de classe é suscitada por uma mudança no ser social do capitalismo e se aplica especificamente a essa mudança ou se é válida do mesmo modo para qualquer estádio de desenvolvimento (LUKÁCS, 2009, p. 309-310).
3 O PRINCÍPIO REVOLUÇÃO PERMANENTE
Com o fracasso da revolução no ocidente europeu e, internamente, coma tática bolchevique, desde o início, “[...] contaminada e minada pelo economicismo (os sovietes mais a eletrificação, a imitação do capitalismo de Estado alemão e do taylorismo)”, com o “[...] emprego de meios em contradição relativamente a toda emancipação (a coerção em vez da democratização).” (VINCENT, 2001a, p. 173), a política de vertente burocrática chauvinista stalinista tornou--se hegemônica antes mesmo da morte de Lenin, em 1924 – quando, em seu nome, o marxismo-leninismo empreendeu metodicamente a negação da unidade dialética entre teoria e práxis, programa e realidade, democracia e socialismo, etc. Nesse quadro, a burocracia stalinista assumiu a missão histórica de construir o socialismo num só país, polarizando, portanto, com a abordagem trotskista da revolução permanente, de um lado; e, do outro, com a tese do desenvolvimento desigual e combinado. Para Trotsky (1967, p. 41-42), com efeito,
[...] o desenvolvimento de uma nação historicamente atrasada conduz, necessariamente, a uma combinação original das diversas fases do processo histórico. O orbe descrito toma, no seu conjunto, um caráter irregular, complexo, combinado... A desigualdade de ritmo, que é a lei mais geral do processo histórico, se manifesta com o máximo rigor e complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o chicote das necessidades exteriores, a vida retardatária é obrigada a avançar por saltos. Desta lei universal de desigualdade dos ritmos decorre uma outra lei que, por falta de uma designação mais apropriada, pode ser denominada lei do desenvolvimento combinado, no sentido da aproximação de diversas etapas, da combinação de fases distintas, do amálgama de formas arcaicas com as mais modernas.
Em decorrência do fato de que esta situação concreta era cabalmente vivenciada pela Rússia em 1917, a conquista revolucionária do poder pelo proletariado unificado, do campo e da cidade, passaria pelo estabelecimento de um Estado operário, em aliança com os soldados, de sorte que o proletariado como um todo poderia, neste país atrasado, tomar o poder, visando o comunismo, passando pelo socialismo e pela superação do subdesenvolvimento, saltando por cima da pressuposta e tradicional etapa da revolução burguesa (MANDEL, 1980). De acordo com a lei da revolução permanente, uma herança da Revolução Russa de 1905, “[...] o proletariado russo tinha o direito e o dever de tomar o poder sem esperar o começo da revolução proletária na Europa.” (TROTSKY, 1976, p. 253). Desde abril de 1917, esta lei passou a ser aplicada pelos bolcheviques, liderados por Lenin, na experiência revolucionária socialista vitoriosa em outubro de 1917, em que a Rússia passou da guerra imperialista à guerra civil, agravada pelas persistentes intromissões imperialistas no país. Tudo isso contribuiu para uma situação econômica desastrosa e, em 1921, veio o recuo tático para uma fase de transição preparatória ao socialismo, sob uma Nova Economia Política e um capitalismo de Estado. A partir de 1924, sob o regime burocrático stalinista, a grande transformação social e histórica do capitalismo de Estado em estratégia de eternização do socialismo de Estado na Rússia atrasada e isolada, tornou-se cada vez mais reacionária e despótica, inclusive, por negar a revolução permanente de Marx a Trotsky. Assim, o internacionalismo trotskista e o nacionalismo stalinista se polarizam em “[...] duas concepções diferentes e contraditórias do socialismo, que determinam também estratégias e táticas opostas”, a saber:
a) aquela que leva ao fortalecimento econômico da ditadura do proletariado num só país, esperando as próximas vitórias da revolução proletária internacional(este é o ponto de vista da oposição de esquerda); b) aquela que leva à construção de uma sociedade socialista nacional e isolada « num prazo histórico muito curto » (este é o ponto de vista oficial de hoje) (TROTSKY, 1976, p. 248).
Sobretudo em razão da manutenção dos obstáculos burocráticos e imperialistas à revolução socialista nesta economia atrasada, em pouco mais de uma década de desenvolvimento do socialismo num só país, a URSS tentou se firmar como potência industrial, através de uma acumulação socialista primitiva catastrófica para as massas camponesas, sob uma coletivização forçada que custou a vida de dez milhões de pessoas.
Em 1936, o regime soviético stalinista, eternizado sob a forma de um socialismo estatizante e burocrático, desencadeou uma grande perseguição jurídico-policial e assassinou uma centena de seus oponentes bolcheviques. Nessa época, Trotsky (1976) explicitou clara et evidentemente que a Revolução Russa fora traída, que não estava implicando nenhuma transição socialista na URSS, pois a ditadura do proletariado, concebida (em tese) no Estado e a revolução (LÉNINE, 1975), tornara-se (de fato) uma ditadura da burocracia e, portanto, “[...] caso se considere que o objeto do socialismo é de criar uma sociedade sem classes, fundada sobre a solidariedade et a satisfação harmoniosa de todas as necessidades, não há ainda, neste sentido fundamental, nenhum socialismo na URSS.” (TROTSKY, 1976, p. 444).
Essa formação socioeconômica específica, restou transitória, posto que suas formas sociais e históricas tinham a marca da supressão da propriedade privada capitalista industrial, enquanto condição necessária, mas não suficiente para uma mediação democrática socialista ampla, relativa e estruturalmente assente, em ruptura essencial com as condições objetivas de divisão do trabalho que servem de eixo à luta de classes. Aquela supressão não engendrou por si mesma essa mediação, mas favoreceu a construção da burocratização estatal nacional, contraditória com a própria ideia de transição ao comunismo. Precisamente, o regime soviético não deveria ser tido por “[...] socialista, mas transitório entre o capitalismo e o socialismo, ou preparatório ao socialismo.” (TROTSKY, 1976, p. 475). Decorrente da simples apropriação dos meios de produção pelo aparelho estatal, com a nova economia política do capitalismo de Estado (1921-1924) e ao cabo de um período de desastrosa divisão social do trabalho entre agricultura e indústria (1924-1928), a socialização estatizada passou a ser personificada por burocratas planificadores autoritários, no lugar se tornar uma tarefa democrática própria à subjetividade coletiva, cada vez mais capacitada ao atendimento racional, harmonioso e solidário de todas as necessidades sociais do campo e da cidade.
Até ser assassinado a mando da burocracia estalinista, em 1940, Trotsky aposta num processo de democratização proletário, em que “[...] a classe operária terá, na sua luta pelo socialismo, que expropriar a burocracia, na tumba da qual escreverá este epitáfio: ‘Aqui repousa a teoria do socialismo num só país’.” (TROTSKY, 1976, p. 635). Na sua postura política madura, democrática e radical, inteiramente dialético no seu pensamento crítico e revolucionário, capaz de apreender a natureza da URSS sem o uso de categorias sociais reificadas e fechadas, Trotsky (1976, p. 635, Apêndice I) concluiu que “[...] quanto tempo mais persistirá a URSS num contexto capitalista, mais profunda será a degenerescência de seus tecidos sociais. Um isolamento indefinido deveria infalivelmente conduzir, não ao estabelecimento de um comunismo nacional, mas à restauração do capitalismo”. As experiências específicas russa, chinesa e cubana, dentre outras, confirmam agora essa regra geral. Portanto, não seria justo colocar Trotsky no mesmo saco do marxismo soviético, confeccionado por Korsch (1976) e remendado, depois, por Marcuse (1971), no contexto da guerra-fria, utilizando o decalque do modelo estalinista de socialismo realmente existente, num isolamento próprio ao oriente subdesenvolvido, tão tardio e opressivo quanto seus rivais socialdemocratas e neocapitalistas, próprio ao ocidente desenvolvido. De acordo com a lei do desenvolvimento desigual e combinado,
[...] somente circunstâncias excepcionais permitem à classe operária na sua totalidade, ou sua quase totalidade, de ultrapassar sua heterogeneidade interna. Isto implica que diferentes camadas proletárias entram e deixam normalmente a luta em momentos diferentes, lutando com uma intensidade e por períodos de tempo diferentes. É claro que todos esses fatores sociopsicológicos elevam grandes obstáculos sobre a via de um assalto generalizado contra a ordem burguesa. (MANDEL, 1980, p. 47).
Tendo por premissa a lei geral do desenvolvimento desigual e combinado, Trotsky tanto fez o balanço crítico da gênese, do desenvolvimento e da superação da burocracia estalinista e social democrática, quanto formulou estratégias emancipatórias proletárias internacionalistas, envolvendo o centro e a periferia da sociedade capitalista.
4 O PRINCÍPIO ESPECIFICAÇÃO HISTÓRICA
Esse princípio teórico-metodológico destacou-se na análise crítica e revolucionária da situação concreta das sociedades europeias, relacionada com as correspondentes e diversas abordagens marxistas, desde sua gênese, nas situações concretas do século XIX e início do século XX, como também nas conjunturas totalitárias do entre guerras mundiais. Em razão da pertinência e da justeza da premissa geral daquela análise concreta, segundo a qual “[...] a vida intelectual está estreitamente ligada à vida econômica, social e política dos homens, é evidente que esta afirmação também é válida para a própria história do pensamento marxista, que não pode escapar à influência da realidade social no seio da qual se desenvolve.” (GOLDMANN, 1980, p. 75-76). Isso foi levado a sério, simultaneamente, por dois pensadores marxistas, Korsch (1976) e Lukács (1976), não por acaso, logo após a Revolução Russa.
A análise crítica e a ação política engajada de Korschno revolucionário biênio vermelho alemão (1918-1919), lamentavelmente concluído com uma derrota proletária, o distanciaram dos social-democratas kautskistas, por motivações históricas (objetivas) e políticas (subjetivas), para se tornar defensor da experiência conselhista de socialização no seu país, bastante inspirada na experiência socialista soviética russa. Isso fortaleceu a sua adesão sem reservas à estratégia leninista de extinção do Estado através de uma transição socialista ao comunismo de dupla natureza, a saber: uma ditadura do proletariado e uma democracia proletária que seriam combinadas na prática não como um simples oximoro especulativo e abstrato, mas pela construção específica e concreta de um sistema de conselhos proletários. Afirmou, portanto, em 1924:
[...] frente ao Estado burguês, que também sendo uma democracia pura constitui a organização do domínio de uma minoria [...] se erigem os “ conselhos operários ”, que já em suas primeiríssimas formas pouco desenvolvidas, manifestam o seu caráter fundamental de contra governo revolucionário. Por isso, ditos conselhos operários devem ser propagados ininterruptamente no proletariado pelo partido leninista, que é o partido da atualidade da revolução proletária […] Depois do triunfo da classe proletária, se aperfeiçoa a natureza do conselho operário enquanto aparelho estatal […] (KORSCH, 1979, p. 102).
Em fins do ano de 1920, Korsch aderira ao marxismo soviético. Mas, desde que teve a convicção de que o regime stalinista implementava na Rússia, de fato, uma socialização burocrática, totalitária, nacionalista e estatizante, passou a assumir, já em 1925, uma posição de radical oponente ao marxismo-leninismo. Na sua maturidade, tornou-se crítico do próprio referencial teórico-metodológico marxista,1 como também da práxis revolucionária quer de Marx/Engels, quer de Lenin. Em 1938, Korsch tomou distância das categorias da economia política burguesa clássica, legadas à teoria marxista, sob o argumento de que
[...] uma vez aperfeiçoadas pela crítica, elas constituem, mesmo agora, em setores limitados e por um curto lapso de tempo, um precioso instrumento para a análise científica de segmentos determinados do modo de produção burguês. Porém, elas se revelam impróprias para uma investigação mais avançada do desenvolvimento histórico de conjunto da produção mercantil, para a inclusão tanto de suas origens e de seu declínio, quanto de sua passagem revolucionária para uma organização social direta da produção (KORSCH, 1971, p. 176).
Em 1950, defendeu, na sua segunda das Dez teses sobre o marxismo hoje, que “[...] todas as tentativas para restabelecer a doutrina marxista como um todo e na sua função original de teoria da revolução social da classe operária são, atualmente, utopias reacionárias.” (KORSCH, 1976, p. 185). Em 1970, Maximilien Rubel (2000, p. 50, grifo do autor) ponderou que, “[...] em vez de ‘utopias reacionárias’ Korsch poderia muito bem ter falado de ‘mitologia aberrante’, para se aproximar da verdade”. Para além do mérito de um pensar por si mesmo, o que falta de verdade a esta tese de Korsch é precisamente o respeito à lei da especificação histórica, pois longe de ser um todo sem frases, funcional para idealizar as aporias, as hipóstases e as especulações de uma revolução social abstrata (economicista, obreirista),a doutrina marxista deveria totalizar concretamente elementos sejam críticos e revolucionários, sejam materialistas, dialéticos e históricos, consciente e organicamente engajados na causa do proletariado, mobilizados conforme as latências e tendências de sua emancipação anticapitalista, envolvendo ser e consciência, base e superestrutura, para realizar a utopia concreta de superar a exploração, a dominação e a humilhação do homem pelo homem.
Conforme a ideia geral marxiana, pressuposta na crítica da economia política, a primazia ontológica do modo de produção, separado por abstração de todo o resto, não implica a sua existência efetivamente isolada, de maneira absoluta, nem da natureza orgânica e inorgânica, nem tampouco das relações ideológicas, culturais, jurídicas e estatais. As distintas formas de existência econômicas, sociais e políticas, que implicam a luta de classes como motor da história, estão dialeticamente relacionadas na mesma formação, com momentos de base e superestrutura, situados no espaço e no tempo. Esses momentos se influenciam como partes de um todo contraditório, ora como causa, ora como efeito, com movimentos relativamente autônomos e, portanto, com variações próprias, mais ou menos rápidas, desiguais no espaço e defasadas ao longo do tempo. Em suma, o princípio marxista da totalidade do ser social e histórico, recusa a fixação de uma formação instantânea, sincrônica e hierarquizada, em que a forma econômica se impõe unilateralmente sobre as outras formas da sociedade, para não cair na reificação do isolamento do modo de existência econômico de suas condições exógenas e dinâmicas, envolvendo as dimensões sociais e políticas.
Em 1938, para além de uma primazia ontológica, Korsch (1971, p. 200) pressupôs uma hierarquia obreirista e economicista na luta contra as opressões burguesas ao afirmar que, no quadro da superação do capitalismo, “[...] a pesquisa social materialista poderia mostrar, na opressão econômica à qual o capital submete a classe dos proletários assalariados, a forma radical da opressão social, e proclamar que a liquidação desta opressão econômica é o grande meio de acabar com toda opressão e toda exploração”. Afirmou, na mesma ocasião, que
[...] a teoria marxista […] “especifica” a sociedade burguesa e estuda profundamente as tendências visíveis que afetam o desenvolvimento atual da sociedade e a via que desemboca na transformação prática desta. Enquanto tal, ela é não somente uma teoria da sociedade, mas também uma teoria da revolução proletária. (KORSCH, 1971, p. 93, grifo do autor).
Korsch foi o marxista do século XX que cometeu a mais notável heresia de aplicar, ampla e profundamente, o materialismo dialético e histórico ao próprio marxismo, o que foi logo repudiado tanto pela velha, quanto pela nova ortodoxia marxista, respectivamente, social democrática e marxista-leninista. Em geral, a ortodoxia marxista atacava, no mesmo diapasão, e até mesmo com a mesma argumentação, não somente o jovem autor de Marxismo e filosofia (KORSCH, 1976), mas todas as tendências críticas, criativas e radicais da teoria e da práxis do movimento operário, desde os primeiros anos da década de 1920, como no caso do jovem autor de História e consciência de classe (LUKÁCS, 1976). Ambos os autores recorreram à herança filosófica hegeliana do marxismo para destacar a importância da consciência na sua relação dialética com o ser social historicamente determinado e, portanto, com a luta de classes inerente à sociedade burguesa. Isso implicou, na teoria e na ação de ambos, uma firme oposição às ideologias conformistas ou fatalistas da época, dominantes nas experiências do capitalismo imperialista e do seu recente rival imperialista soviético.
Lukács desenvolveu a crítica dos fenômenos de reificação burguesa diante da consciência proletária na luta partidária pela transição socialista ao comunismo (como será visto abaixo), enquanto que Korsch priorizou a estratégia de luta econômica conselhista pela socialização comunista e destacou o princípio da especificação histórica na abordagem crítica e revolucionária das formas principais de exploração econômica e das formas secundárias de dominação política e atentado à dignidade humana contra o proletariado, exercidas segundo modalidades variáveis no tempo e no espaço. Em 1950, defendeu, na sua última das Dez teses sobre o marxismo hoje, que
[...] o poder de dispor da produção de sua própria vida não resultará do fato, para os operários, de ocupar as posições abandonadas, sobre os mercados nacionais internos e sobre o mercado mundial, pela concorrência auto negadora e pretensamente livre dos proprietários monopolistas dos meios de produção. Este poder só poderá resultar da intervenção planejada (planmässig) de todas as classes, hoje excluídas, numa produção que, já hoje, tende, sob todas as relações, para a regulação monopolista e planificada (KORSCH, 1976, p. 187).
Tomando uma trajetória paradoxal de sucessiva ruptura com o liberalismo, o revisionismo, o socialismo e, finalmente, com o próprio leninismo, Korsch fora logo excluído do Partido comunista alemão, em 1926, sob o pretexto de desvio ultraesquerdista. Liberado a contragosto das tarefas organizativas partidárias, no fim da década de 1920, empreendeu, em compensação, uma crítica ampla e profunda da concepção social democrática kautskista do materialismo histórico, cuja tese principal residia na defesa da luta parlamentar pela conquista do aparelho estatal para fazê-lo funcionar conforme os interesses das classes exploradas (KORSCH, 1975). A tese do ortodoxo Kautsky era, evidentemente, incompatível com o verdadeiro segredo da Comuna de Paris, revelado por Marx (1972, p. 45), a saber: “[...] era essencialmente um governo da classe operária, o resultado da luta da classe dos produtores contra a classe dos apropriadores, a forma política enfim encontrada que permitia realizar a emancipação econômica do Trabalho”.
O livro de Korsch, publicado em 1938, sobre Karl Marx contém, dentre outros, dois capítulos sequenciados, em torno do tema da especificação histórica, seja no aspecto da crítica do poder socioeconômico, seja no aspecto da crítica do poder político. Assim, contra as tentativas ideológicas de naturalizar e eternizar o estado de coisas presente,
Marx concebe, com efeito, na sua singularidade histórica, todas as instituições e todas as relações existentes no seio da sociedade burguesa. Ele se eleva como crítico das categorias caras aos teóricos burgueses, em que este caráter específico se encontra apagado [...] O princípio da especificação histórica não assume uma importância considerável somente em matéria de pesquisa econômica e social; ele tem uma importância, e não menos considerável, em outros domínios. Ele constitui, com efeito, uma arma ofensiva no confronto político opondo a tendência apologética àquela crítica da sociedade, a uma tendência de inclinação revolucionária. (KORSCH, 1971, p. 37 e 47).
O princípio da especificação histórica foi aplicado por Korsch na crítica às duas ortodoxias marxistas, a saber: a velha ortodoxia social democrática kautskista e a nova ortodoxia soviética marxista-leninista. Com efeito, a adesão de Korsch ao comunismo fora motivada por seu entusiasmo e empenho no processo de socialização através da forma conselhista, enquanto herança da rica experiência do biênio vermelho alemão (1918-1919), em que, na luta de classes, o proletariado se utilizou de formas de organização capacitadas, tendencialmente, para propiciar às massas trabalhadoras um controle democrático, planejado, racional e efetivo, como sujeito coletivo, da gestão fabril. A sua forte dissidência esquerdista era duplamente motivada, pois o processo de democratização proletária periférica foi sendo abandonado pelo marxismo soviético, antes mesmo da morte de Lenin, em 1924, e nunca foi aceito pela social-democracia liderada por Kautsky. Embora combatesse especificamente essas formas ortodoxas de ditadura ideológica historicamente determinadas, Korsch (1976) qualificou que, no processo universal de democratização desenvolvido pela luta proletária internacionalista desencadeada pela revolução de outubro de 1917, a ditadura ideológica
[...] se distingue em três aspectos do sistema de opressão intelectual que hoje se exerce na Rússia em nome de uma pretensa “ditadura proletária”. Em primeiro lugar, ela é uma ditadura do proletariado e não uma ditadura sobre o proletariado. Em segundo lugar, é uma ditadura da classe e não do Partido ou dos dirigentes do Partido. Em terceiro lugar, e acima de tudo, é uma ditadura revolucionária, um simples elemento do processo de radical transformação social que, com a supressão das classes e dos antagonismos entre elas, cria as condições prévias para a “extinção do Estado” e, ao mesmo tempo, para superar toda restrição ideológica. Assim compreendida, a “ditadura ideológica” tem por tarefa essencial suprimir as suas próprias causas materiais e ideológicas e de se tornar a ela própria supérflua e impossível. E o que distinguirá, desde o primeiro dia, esta ditadura proletária genuína de todas as suas contrafações é que ela criará, não apenas para “todos” os trabalhadores, mas também para “cada um” deles tomados separadamente, as condições de uma liberdade espiritual tal como nunca e em lugar algum existiu verdadeiramente para os escravos assalariados do Capital, oprimidos física e intelectualmente na sociedade burguesa, apesar de toda a pretensa “democracia” e “liberdade de pensamento” (KORSCH, 1976, p. 63-64, grifos do autor).
Na sua abordagem herética da conjuntura concreta da Revolução Russa, frontalmente contra a ideologia dominante do marxismo soviético, Korsch (1976, p. 64) buscou aplicar o princípio da especificação histórica à categoria marxiana de ditadura proletária revolucionária, de modo a fazer
[...] desaparecer a contradição que, sem esta determinação mais precisa, parece subsistir entre a exigência de uma “ditadura ideológica” e o princípio essencialmente crítico e revolucionário do método materialista dialético e da concepção comunista do mundo. Nos seus fins, como nas suas vias, o socialismo é um combate pela realização da liberdade.
Para quem pensa livremente por si mesmo, sem medo de rupturas, de aporias e hipóstases, como Korsch, a ortodoxia marxista não seria admitida nem mesmo quanto ao referencial teórico-metodológico de sua abordagem crítica e revolucionária, adotada como unidade de teoria e práxis comunista, desembaraçada da distorção fetichista e da ideologia inculcada pela apologética pequeno-burguesa, social democrática, marxista-leninista, etc., em cada experiência específica que é realizada com os seres naturais e sociais.
5 O PRINCÍPIO LIBERDADE CONSELHISTA
A ideia geral da revolução permanente foi assumida pelo jovem Gramsci, em fins de 1918, quando manifestou apoio e solidariedade à Revolução Russa, cuja salvação estava nas mãos da luta proletária e comunista pela instauração do regime soviético, em nível mundial, sobretudo nas sociedades capitalistas desenvolvidas. (DIAS, 2000). Ao invés de abordar a forma-soviete como uma singularidade exótica russa, Gramsci e seus companheiros de luta fabril em Turima analisaram concretamente como um todo que se exprime através de um silogismo histórico, tanto pela dialética do universal e do específico, quanto pela dialética de um passado capitalista que já desenvolveu bastante as forças produtivas industriais, mas que somente o controle e a democracia proletária as tornariam livres das diferenciações e das hierarquias burguesas e, portanto, disponíveis para uma experiência revolucionária presente, aberta para um mundo melhor na futura sociedade comunista. Para tanto, as limitações partidárias e sindicais quanto à totalização concreta do poder político e do poder econômico seriam superadas pela hegemonia proletária exercida a partir dos conselhos fabris.
A gênese da categoria gramsciana de hegemonia proletária já ocorrera em torno da experiência russa, enquanto tentativa de extinção do Estado capitalista, precisamente, na busca da transição socialista através da ditadura do proletariado; mas, a categoria só se configurou após incorporar elementos revolucionários específicos, teóricos e práticos, correspondentes ao biênio vermelho italiano (1919-1920), quando a democracia operária foi empreendida no sistema dos conselhos fabris de Turim, pela vanguarda do proletariado do país e por seus intelectuais orgânicos, durante a crise capitalismo imperialista que veio depois do fim da primeira guerra mundial. Nesse quadro, o princípio liberdade proletária só seria efetivado através de um controle proletário antagônico ao controle capitalista e estatal, que impõe restrições e limites temporais e espaciais às experiências vitais do proletariado, dentro e fora da fábrica.2
Pouco antes desse biênio, em oposição radical à ortodoxia marxista, reformista e evolucionista, que ignorava a dialética do universal e do específico, fixando como de natureza burguesa toda revolução a ser realizada em formações socioeconômicas subdesenvolvidas, Gramsci apoiou os bolcheviques numa suposta revolução contra a crítica marxiana da economia política e defendeu a Revolução Russa como uma democracia proletária, socialista e internacionalista, no sentido de uma revolução permanente, em que “[...] a nova ordem está baseada em um programa universal, capaz de mobilizar todas as consciências, e não na dominação da sociedade por outra minoria, dotada de programas particularistas.” (DIAS, 2000, p. 81).
Em entusiasmado apoio à Revolução Russa, no artigo intitulado A Revolução contra O Capital o jovem Gramsci defendeu a tese correta de que “[...] a gente pode se libertar da pesada e embaraçosa interpretação de um materialismo estreitamente positivista que havia sido feita do pensamento de Marx na Itália”, com um argumento falso segundo o qual “[...] os bolcheviques renegam Karl Marx.” (TOGLIATTI, 1977, p. 281). Com efeito, sob a liderança de Lenin, os bolcheviques foram herdeiros da posição crítica e revolucionária marxiana, no sentido de que, como destacou Bordiga, (1975, p. 71), não há contradição entre o jovem e o velho Marx, quanto à possibilidade de desencadear uma transição socialista em países atrasados, de modo que “[...] aquilo que por razões complexas não aconteceu na Alemanha de 1948, aconteceu, ao contrário, na Rússia de 2017”, ambas em situação de subdesenvolvimento nas respectivas datas. Portanto, “[...] não é lícito dizer que o começo da revolução socialista no país onde, precisamente, a revolução burguesa ainda não foi realizada é antimarxista.” (BORDIGA, 1975, p. 71). Sob a liderança de Lenin, “[...] a progressão revolucionária do socialismo russo ”desmentiu na prática “[...] a tese do desenvolvimento gradual, sem abalo e sem choque, da sociedade burguesa para o coletivismo.” (BORDIGA, 1975, p. 72).
No início do biênio vermelho, a ala esquerda do Partido Socialista Italiano fundou o semanário L’Ordine Nuovo, em 1º de maio de 1919, cuja temática principal foi expressa, quinze dias depois, pelo seu jovem diretor, da seguinte maneira:
A revolução internacional adquiriu forma e corpo quando o proletariado russo inventou (no sentido bergsoniano) o Estado dos Conselhos, escavando na sua experiência de classe explorada, estendendo à coletividade um sistema de ordenamento que sintetiza a forma de vida econômica proletária organizada na fábrica em volta dos comités internos (GRAMSCI, 1976, p. 11).
No debate travado de 1919 a 1920, entre Bordiga e Gramsci (1981, p. 38, grifo dos autores), o primeiro logo sublinhou que, embora sendo de natureza política e econômica, os conselhos não eliminariam a importância geral do partido e o papel específico do sindicato na luta emancipatória do proletariado, de modo que Bordiga alertou para o risco conselhista de “[...] se aproximar da implementação do programa socialista” sem a premissa da “[...] conquista de todo o poder político para a classe trabalhadora”. Assim,
[...] de início, e sobretudo quando ainda se trata de lutar contra o poder burguês, a atividade política tem prioridade. O verdadeiro instrumento da luta da libertação do proletariado, e antes de mais nada, da conquista do poder político, é o partido de classe comunista. Os conselhos operários, em regime burguês, podem ser somente organismos dentro dos quais trabalha o Partido Comunista, motor da revolução [...] (BORDIGA; GRAMSCI, 1981, p. 67).
Bordiga também criticou certo viés corporativista ou economicista fabril da doutrina conselhista gramsciana, defendendo a primazia do partido proletário na estratégia revolucionária, contra as posições assumidas no Ordem Nova, pois, dizer
[...] que os Conselhos Operários, antes ainda da queda da burguesia já são órgãos, não somente de luta política, mas de preparo econômico-técnico do sistema comunista, não é nada mais do que um puro e simples retorno ao gradualismo socialista [...] definido pelo erro de que o proletariado possa se emancipar ganhando terreno nas relações econômicas, enquanto o capitalismo ainda detém, como o Estado, o poder político. (BORDIGA; GRAMSCI, 1981, p. 67).
De fato, no artigo de 3 de julho de 1920, intitulado Duas revoluções, Gramsci (1976, p. 123) se refere concretamente à relação dialética entre o poder político e o poder econômico, tida como um “[...] básico (e elementar) cânone do materialismo histórico”, para defender a centralidade e o primado da “[...] experiência positive determinada pelo profundo movimento das massas operárias que é a criação, desenvolvimento e coordenação dos Conselhos”. De sorte que,
[...] a revolução só é proletária e comunista quando é a libertação das forças produtivas proletárias e comunistas que vinham sendo elaboradas no próprio seio da sociedade dominada pela classe capitalista; ela é proletária e comunista, na medida em que consegue auxiliar e promover a expansão e sistematização das forças proletárias e comunistas capazes de iniciarem o trabalho paciente e metódico necessário para a construção de uma nova ordem nas relações de produção e distribuição, uma nova ordem, na base da qual se torne impossível a existência da sociedade de classes, e cuja evolução sistemática tenda, por isso, a coincidir com o processo de desaparecimento do poder do Estado, com a dissolução sistemática da organização política de defesa da classe proletária, que se dissolve como classe para se tornar humanidade (GRAMSCI, 1976, p.123-124).
Portanto, seria equivocado ignorar “[...] que a oposição de poder que se manifesta na usina e a luta que é conduzida neste terreno não são sempre um momento essencial da ação complexa para a transformação das relações sociais e da criação de uma sociedade nova”. (TOGLIATTI, 1977, p. 341). Assim, como aconteceria também, logo depois, no socialismo real soviético,
[...] na Alemanha, na Áustria, na Baviera, na Ucrânia, na Hungria, verificaram-se estes acontecimentos históricos: à revolução como ato destruidor não se seguiu à revolução como processo de reconstrução no sentido comunista. A existência de condições externas: Partido comunista, destruição do Estado burguês, fortes organizações sindicais, armamento do proletariado, não foi suficiente para compensar a ausência de outra condição: a existência de forças produtivas tendentes ao desenvolvimento e à expansão, movimento consciente das massas proletárias, resolvido a substanciar o poder político com o poder econômico, vontade das massas proletárias de introduzirem na fábrica a ordem proletária, de transformarem a fábrica na célula de um novo Estado, de construírem o novo Estado à imagem das relações industriais do sistema fabril. (GRAMSCI, 1976, p. 125).
Para além das posições conselhistas, a temática principal do Ordem Nova sob a liderança de Gramsci foi também enriquecida com uma permanente e sistemática crítica à burocracia das instituições culturais, partidárias e sindicais existentes, para renová-las conforme o princípio liberdade, que passou a ser considerado como inerente à consciência e à existência do proletariado para si. Assim,
[...] a liberdade é ação consciente, esforço e luta que tendem a romper os antigos vínculos de restrição, a fim de criar um novo sistema econômico e social. A conquista decisiva e definitiva da liberdade, é a criação de um novo Estado no qual a classe operária cesse de ser subalterna, se afirme plenamente como força dirigente de todo o processo de vida social. Evidentemente, isto poderia ser somente fórmulas novas se não tivessem sido o fruto de um grande movimento de classe real como foi a luta dos conselhos de usina de Turim. Doutrina, ação e cultura tornavam-se, neste movimento, uma só coisa. (TOGLIATTI, 1977, p. 340).
Portanto, certas heranças gerais e específicas da experiência conselhista de Turim foram resgatadas, sem erros ou desvios economicistas, corporativistas e obreiristas, na construção gramsciana do partido comunista italiano, desde a formação de seu grupo dirigente, em 1923-1924, até os Cadernos do cárcere, em 1929-1936, escritos por Gramsci (2001). Trata-se de um marxista pouco ortodoxo, até mesmo quanto ao princípio geral marxiano de formação econômica e social, ao desenvolver a categoria de bloco histórico, especificamente, na abordagem da revolução no ocidente.
Na sua maturidade, Gramsci (2001, p. 764) desenvolveu a ideia geral segundo a qual o princípio liberdade proletária é inerente ao seu movimento emancipatório, historicamente determinado, “[...] numa doutrina do Estado que o concebe como passível tendencialmente de extinção e resolução na sociedade regulada”, conquistada pela ação revolucionária de um partido comunista organicamente vinculado à genericidade proletária, nas suas lutas tanto jurídicas e políticas pela “[...] absorção da sociedade política na sociedade civil.” (GRAMSCI, 2001, p. 662), quanto socioeconômicas pelo fim efetivo da opressão capitalista, formando um novo bloco histórico (GRAMSCI, 2001, p. 1051-1052) liberado da luta de classes. Enfim, na hipótese historicista, inspirado no pensamento gramsciano, a estratégia da revolução permanente, sob a forma praticada por Trotsky e Lenin na experiência russa, isto é, no caso de guerra de movimento no contexto do bloco histórico, seria reservada aos países orientais ou periféricos.
6 O PRINCÍPIO CONSCIÊNCIA CLASSISTA
No início dos anos 1920, o jovem Lukács (1976) fez uma análise concreta, ampla, profunda e original, da situação concreta do fetichismo como fenômeno de consciência social e inerente ao ser social, no contexto do capitalismo industrial, conforme a crítica da economia política de Marx (1976). Lukács reelaborou o conceito geral de reificação, enriquecendo o conceito marxiano de fetichismo com a contribuição sociológica de Simmel e Weber atinente aos fenômenos de coisificação e racionalização próprios ao capitalismo industrial, cujo desenvolvimento faz com que “[...] a reificação termine por envolver o conjunto das formas de aparição da vida social”, tornando-se uma homogeneidade estrutural (LÖWY, 1992, p. 85, grifo do autor) decisiva na elaboração e na inculcação da ideologia dominante. Em compensação, quanto à consciência que lhe seria antagonista, para além das posições assumidas, após a Revolução Russa, pelos social-democratas e pelos bolcheviques, “Lukács opunha a exigência dialética de uma força revolucionária interna, fazendo parte do próprio objeto que era preciso transformar, a saber, da sociedade capitalista, a exigência de uma classe social de tendência espontânea e naturalmente revolucionária.” (GOLDMANN, 1984, p. 87).
Assim, a necessária, latente e possível supressão radical da opressão inerente ao contexto do capitalismo imperialista no início do século XX é uma tarefa subjetiva e consciente do proletariado como classe para si, pressupondo a atualidade da revolução, na escala global, conforme “[...] a ideia fundamental de Lenin e, também, o ponto decisivo que o une a Marx”. (LUKÁCS, 1972, p. 10). Entretanto,
[...] a fidelidade de Lukács ao pensamento de Marx se exprime também no fato de que, falando das contra forças e contra tendências que se desenvolvem no interior da racionalização capitalista, ele propõe uma reformulação do conceito de “consciência de classe”, adaptada às mutações intervindas nas sociedades evoluídas do capitalismo contemporâneo, em vez de seu abandono (LUKÁCS, 2001, p. 24-25).
O jovem Lukács estava extremamente convicto de que, na situação do capitalismo mundial à sua época, urgia a luta revolucionária emancipatória, pela superação imediata da sociedade de classes, de um lado; e, do outro, estando preenchidas as condições socioeconômicas objetivas da revolução proletária, o seu sucesso viria, sobretudo, de uma estratégia própria de tomada de consciência de classe, através de organizações e partidos capazes de fazer a mediação dialética entre a ditadura e a democracia proletária, o sujeito coletivo revolucionário e a grande transformação social e histórica em curso. Assim, “[...] a autonomia da organização da vanguarda seria um meio de equalizar a tensão entre a mais alta possibilidade objetiva e o nível de consciência efetivo da média, num sentido que faça avançar o processo de tomada de consciência revolucionária”. (LÖWY, 2009, p. 45).
Na sua maturidade, Lukács (2012, p. 94) atualizou a sua crítica à reificação burguesa, inserindo-a no quadro contemporâneo do duplo caráter da ideologia burguesa, como falsa consciência decorrente de uma abordagem distorcida da realidade, de um lado; e, do outro, como configuração ideal conforme os interesses e as aspirações da classe dominante. Muito embora o pensamento neo-kantiano weberiano fosse pessimista e resignado, ele foi capaz de ser uma componente do messianismo revolucionário do jovem Lukács, também influenciado metodologicamente pela dialética hegeliana e politicamente pela democracia proletária (MANDEL, 1980, p. 22) de Lenin e, sobretudo, de Luxemburg, de sorte que “[...] de tudo isso resultou na teoria um amálgama interiormente contraditório que foi determinante para meu pensamento na época da guerra e nos primeiros anos de pós-guerra.” (LUKÁCS, 1976, p. 384). A herança específica de Lenin foi retratada sinteticamente da seguinte maneira:
[...] sua força teórica vem do fato de que ele considera toda categoria... em relação com sua ação no seio da práxis humana e que, ao mesmo tempo, para toda atividade – que nele se baseia sempre sobre uma análise concreta da situação concreta –,ele coloca essa análise numa relação orgânica e dialética com os princípios do marxismo. Ele não é, assim, no sentido estrito dos termos, nem um teórico nem um pragmático, mas um profundo pensador da práxis, um transpositor fervoroso da teoria em práxis, um cuja visão aguda é sempre voltada para os pontos de reviravolta em que a teoria se torna práxis e a práxis teoria (LUKÁCS, 1976, p. 410).
Nessa mesma época, o fenômeno de oposição entre reificação burguesa e consciência de classe do proletariado desenvolvia-se, em profundidade e extensão, com a experiência de totalização específica do capitalismo imperialista, em que as abordagens do seu ser social e histórico trazem a marca da análise concreta atinente à situação concretadas potências estatais e capitalistas nacionais. Assim, Weber pressupõe a ideologia de eternização da sociedade burguesa, em que o capitalismo imperialista cristalizou-se na forma reificada de uma insuperável jaula de aço, uma estruturação concebida tanto com sua neutralidade axiológica de cientista social e histórico, quanto com sua metodologia baseada na utilização do ideal-tipo (VINCENT, 1998).
Em compensação, sob a influência do marxismo crítico e revolucionário, dois jovens frequentadores dos seminários de Weber, de 1912 a 1914, Lukács e Bloch supõem a abertura da sociedade burguesa que, portanto, trata-se de uma formação socioeconômica evolutiva e superável, conforme o interesse internacionalista da massa proletária, cuja estratégia política pressupõe que, em princípio, as totalidades dialéticas formadas por determinação-liberdade, sujeito-objeto, teoria-práxis, etc.,não são permanentes, mas situadas no tempo e no espaço. A ação coletiva emancipadora do proletariado deixa de poder definir-se unicamente em si, por sua realidade concreta e efetiva, em ato, fora da virtualidade para si, utópica comunista, que tende a realizar, em potência.
A contribuição do jovem Lukács destaca-se por sua atualidade teórica e política, no contexto da crise do capitalismo global, como recusadas tentativas de reduzir o marxismo a uma simples abordagem qualitativa do curso dos eventos distributivos das rendas e suas fontes, bem como a uma descrição quantitativa dos altos e baixos da disputa entre capitais industriais, de um lado; e, do outro, pela importância dada à consciência e à subjetividade classista, por sua desmistificação da ordem e do progresso burguês e por seu empenho na superação radical do aparelho científico e tecnológico capitalista. Para o jovem Lukács, “[...] o partido comunista é a forma organizacional da consciência de classe que, como portador da mais alta possibilidade objetiva de consciência e de ação revolucionária, exerce uma mediação entre a teoria e a prática, o homem e a história.” (LÖWY, 2009, p. 44).
Entretanto, a propósito da doutrina de Lenin (1971, p. 117) da consciência política de classe, que longe de ser espontânea, deveria ser aportada ao proletário do exterior das relações econômicas burguesas, o velho Lukács (2009, p. 309) observou que o processo não deveria “[...] se concentrar em demasia exclusivamente, incondicionalmente sobre a transformação da ideologia e, então, de não o orientar suficientemente concretamente para a transformação do objeto a derrubar, à economia capitalista”. Por outro lado, Lukács (1989) faz uma crítica da política stalinista e do regime socialista realmente existente no Leste da Europa, em defesa de um verdadeiro processo de democratização socialista, de um lado; e, do outro, “[...] propõe uma reconstrução ontológica da teoria, tendo por fim último constituir uma ética materialista-dialética para uma normatização da ação democrática do Estado comunista.” (TOSEL, 2010, p. 1). Por sua vez, a Ontologiado ser social de Lukács (2009, 2011, 2012) joga uma pá de cal no método marxista-leninista, enterrado junto com sua primazia das forças produtivas e seu economicismo, ao mesmo tempo em que ganha nova vida, retornando ao método marxiano e “[...] nisso utilizando de maneira crítica as categorias hegelianas ou ‘determinações reflexivas’ que constituem a práxis humana como autorrealização das capacidades humanas na unidade da apropriação industriosa da natureza e da objetivação em relações sociais.” (TOSEL, 2010, p. 1). Na Ontologia do ser social lukacsiana
[...] o fato essencial deste ser é o trabalho que, simultaneamente, pressupõe e ilumina de maneira recorrente os outros níveis de objetividade submetidos seja à causalidade seja a uma causalidade tecida de uma quase-teleologia imanente. O trabalho é uma atividade causal instaurando cadeias teleológicas produtoras de objetos visados, isto é, objetivações podendo dar lugar no mundo da produção capitalista a estranhamentos específicos sob a restrição da busca da mais-valia relativa, da submissão real do trabalho ao capital. A manipulação neocapitalista sucede às violências abertas da submissão formal do trabalho ao capital. Mas, a sociedade socialista do seu lado repousa sobre objetivações específicas que não realizam a liberdade de uma práxis articulando objetivação das capacidades do trabalho e conexão com as formas do ser social em seus diversos níveis… A luta contra a manipulação ontológica radical une… crítica do neocapitalismo estendido à esfera da reprodução da subjetividade e combate contra as formas degeneradas do socialismo (TOSEL, 2010, p. 1).
Portanto, à premissa geral lukacsiana resta a primazia do ser social sobre a consciência social, conforme o materialismo dialético e histórico, atualizado e reconfigurado como alternativa às ontologias marxistas vulgares, estruturalistas, existencialistas, positivistas, etc., que se articulam com as ciências particulares, nas quais
[...] se perde, em geral, o sentido do ser real, do movimento autêntico do domínio examinado. Os modos de existência reais são substituídos por estruturas formais exteriores, e a filosofia que sofre esta influência, mas que é, naturalmente, também dirigida pelos interesses manipuladores do capitalismo, se distancia cada vez mais do conhecimento e da análise do ser real (LUKÁCS, 2009, p. 312).
Trata-se de rejeitar, na contemporaneidade, as ciências sociais e humanas manipuladoras, apologéticas e reificadoras da configuração presente do capitalismo imperialista, de um lado; e, do outro, defender e reafirmar a natureza histórica, crítica e revolucionária do método marxista, decisivo na filosofia da práxis, isto é, na estratégia consciente e classista da emancipação humana, nos domínios econômico, político e social, que passa, respectivamente, pela superação da exploração, da dominação e da humilhação do homem pelo homem.
7 O PRINCÍPIO ESPERANÇA UTÓPICA
O balanço crítico e as expectativas de barbáries decorrentes das experiências do capitalismo imperialista feitas com o mundo dos seres naturais e sociais sob as ordens estabelecidas por potências e superpotências, que implementaram as grandes estratégias historicamente determinadas do capitalismo liberal, do fascismo e do socialismo real soviético, naturalmente, impulsionaram o pensamento marxista herético do século XX ao desenvolvimento da problemática da busca de um mundo melhor, “[...] com a prioridade à assistência humana e a primazia da dignidade humana.” (BLOCH, 2002, p. 251), não acreditando em milagres, nem se iludindo com utopias abstratas, mas realizando antecipações concretas, no sentido da abordagem internacionalista marxiana, como movimento real da história, cujo motor é a luta de classes, em que o proletariado é o sujeito coletivo revolucionário, no fronte da luta contra a exploração econômica, a dominação política e os atentados sociais à dignidade humana, assim como na defesa ecológica do ser natural orgânico e inorgânico. É neste contexto que se insere o Princípio Esperança (BLOCH, 1991, 1982), a saber:
[...] o marxismo não é o contrário de uma utopia, mas ao contrário o novum de uma utopia concreta. O homem faz sua história, ele a fez, até aqui, mais mal do que bem; mas, por esta razão ela não está de maneira alguma condenada a permanecer um destino que viria somente sobre nós a partir do futuro. No lugar de tal destino, ela se torna uma contextura para a qual nos incumbe, tanto pela utopia crítica, quanto ativamente, revelar e variar as formas, um conjunto cujo conhecimento não faz desaparecer no produto aqueles que produzem e seu desafio ainda tão pouco familiar: aquele que se chama subjetivamente felicidade e objetivamente fim da alienação. (BLOCH, 1981, p. 180).
Trata-se de uma referência importante para Bloch e para seu amigo Benjamin. Ambos os pensadores marxistas estavam solidarizados e marcados pela experiência revolucionária russa, pelas ditaduras fascistas, assim como pelas guerras civis nacionais e imperialistas mundiais, de um lado; e, do outro, pela perspectiva aberta pelo jovem Lukács de História e consciência de classe, tanto para um marxismo utópico concreto próprio à contribuição de Ernst Bloch (1981, 1982, 1991), quanto para um marxismo utópico redentor à contribuição de Walter Benjamin (1983, 2000, 2009). Parece que, nas suas análises concretas, eles construíram as respectivas utopias atribuindo pesos relativos distintos às categorias envolvidos na antinomia histórica otimismo versus pessimismo, agnosticismo versus messianismo, passado versus futuro nas situações concretas opressivas que experimentavam. Assim,
Walter Benjamin estava longe de ser um pensador “utopista”. Contrariamente a seu amigo Ernst Bloch, estava menos preocupado com o “princípio esperança” do que com a necessidade urgente de organizar o pessimismo, menos interessado pelos “amanhãs que cantam” do que pelos perigos iminentes que espreitam a humanidade. (LÖWY, 2009, p. 151).
Entretanto, ambas as abordagens estão rigorosamente referenciadas no princípio metodológico hegeliano-marxista da totalização concreta (microanalisada em Benjamin, macroanalisada em Bloch), cuja riqueza de determinações implicam aspectos materialistas, dialéticos e históricos, a saber: 1º envolve, contra a opressão do proletariado, uma experiência de totalização entre teoria revolucionária e práxis revolucionária que é realizada efetivamente na atualidade do mundo real, como um todo social e histórico aberto, e portanto, envolve especificamente, num mesmo silogismo histórico a exploração econômica, a dominação política e a humilhação social do homem pelo homem ; 2º envolve, em geral,uma relação entre luta de classes e história da sociedade burguesa, em que a gênese da opressão do proletariado (no passado), o seu desenvolvimento no presente e a sua superação no futuro, através de uma antecipação concreta, e, portanto, insere a subjetividade revolucionária e a objetividade a ser revolucionada num mesmo processo estruturado e dinâmico, histórica eteleologicamente determinado. Embora seja útil uma breve análise do primeiro aspecto, abaixo, faz-se uma abordagem mais desenvolvida do segundo aspecto, mais diretamente relacionado com o princípio esperança, nos dois marxistas alemães.
Embora o princípio da totalidade herdada do hegeliano-marxismo, inicialmente transmitida por Lukács, tenha se tornado uma referência cada vez mais importante no pensamento de Benjamin, ele conservou o seu método micrológico e fragmentário, como também o ”[...] seu princípio segundo o qual a menor parcela de realidade percebida vale mais que o resto do mundo.”, porque a abordagem materialista implicava “[...] menos explicá-los a partir da totalidade social do que colocá-los em relação, de maneira isolada, com tendências materiais e lutas sociais.” (ADORNO, 2001, p. 22). Para a liberdade e a autonomia da reflexão marxista, isso teria a vantagem de “[...] escapar da alienação e da reificação, formas sob as quais a crítica do capitalismo enquanto sistema corre o risco de ser assimilada ao seu objeto.” (ADORNO, 2001, p. 22), como no caso da teoria do reflexo (Segunda Internacional) e do economicismo marxista-leninista (Terceira Internacional).
No texto publicado em 1915, sobre A vida dos estudantes, o jovem Benjamin (2000) criticou a historiografia vulgarmente atada ao passado, desconectada do presente, voltada para a continuidade do progresso inserido positivamente na eternidade, de um lado; e, do outro, elaborou a sua concepção inicial de utopia envolvendo num mesmo foco, de natureza metafísica, as categorias da revolução (burguesa) e da redenção (messiânica). No período 1921-1922, Benjamin (2000, p. 395) concluiu o seu estudo sobre as Afinidades eletivas de Goethe com a frase seguinte: “[...] para os desesperados somente nos foi dada a esperança”. Na mesma época, no texto Fragmento teológico-político (BENJAMIM, p. 263-265), elaborou superficialmente, em termos de filosofia política, o seu princípio esperança como uma resultante ambígua3 de duas forças, a saber: uma é revolucionária, profana,política e histórica(dinâmica e teleológica); enquanto que a outra, é messiânica,teocrática, mística e redentora (conclusa e final). Com o passar do tempo, aliás, “[...] o que Benjamin dizia e escrevia sugeria que o pensamento tomava ao pé da letra as promessas dos contos de fadas e dos livros de criança, no lugar de rejeitá-los, envergonhado, em nome da maturidade; a tal ponto que o conhecimento terminava por entrever a realização efetiva dessas promessas.” (ADORNO, 1999, p. 11).
Provavelmente, este mesmo raciocínio seria válido para as promessas messiânicas da sua juventude, também marcada pelo romantismo. Na sua maturidade, Benjamin (2009, p. 94), que aderira ao marxismo em 1924, apresenta “[...] o novo método dialético da ciência história”, que consiste em “[...] penetrar aquilo que já aconteceu com a intensidade de um sonho a fim de fazer a experiência do presente sob a forma de um mundo acordado ao qual o sonho se relaciona”. Decorrente desta visão geral da história, marcada pela primazia do passado, a aspiração de um mundo melhor, própria ao sujeito coletivo transformador que busca a superação da sociedade capitalista atual, por um lado, se configura através de
[...] imagens em que o novo e o velho se interpenetram. Essas imagens são imagens de desejo e, nelas mesmas, o coletivo em conjunto busca suprimir e transfigurara incompletude do produto social, como também a ausência de uma ordem social na produção. Além disso, intervém nessas imagens de desejo a aspiração insistente em tomar suas distâncias em relação àquilo que envelheceu [...] Essas tendências remetem a imaginação, sob o impulso do novo, ao mais antigo passado. No sonho em que cada época se representa em imagens a época seguinte, esta aparece misturada com elementos vindos da história primitiva, isto é, de uma sociedade sem classes. Depositadas no inconsciente coletivo, as experiências desta sociedade, em vínculo recíproco com o novo, dão nascimento à utopia, cujo traço se encontraem inúmeras figuras da vida [...] (BENJAMIN, 1983, p. 39).
Por outro lado, o utopismo marxista de Benjamin via no futuro da economia capitalista ”[...] não somente uma exploração reforçada do proletariado, mas finalmente também a instauração de condições que tornam possível sua própria supressão.” (VINCENT, 2001b, p. 270). A emancipação proletária passou a ser abordada com um método heterodoxo, herdeiro do romantismo, do messianismo e do marxismo, que penteia a história a contrapelo para resgatar na nostalgia do passado elementos de superação revolucionária de um presente nada alvissareiro, enquanto restar destinado ao progresso e à catástrofe inerente ao capitalismo imperialista. Por isso, em 1928, criticou os programas dos partidos burgueses,combateu o otimismo do socialismo real e da social-democracia; aproximou-se de quem buscava uma verdadeira alternativa à barbárie totalitária,como os surrealistas, que tinham por tarefa urgente, por sugestão do marxista Pierre Naville, “[...] a organização do pessimismo ” (VINCENT, 2001b, p. 132). Em 1937, num artigo sobre o colecionador de arte e historiador Eduard Fuchs, Benjamin questionou o otimismo dos social-democratas por não tomarem “[...] a perspectiva da barbárie” que decorre do próprio desenvolvimento do capitalismo, conforme a intuição fulgurante (VINCENT, 2001b, p. 201-202) de Marx e Engels (ver no original), de um lado; e, do outro, criticou a reificação da técnica, que “[...] não é um dado puramente científico, mas também um dado histórico.” (VINCENT, 2001b, p. 184), o que é ocultado pelo positivismo social-democrata e pelo marxismo vulgar, de sorte que, ”[...] no desenvolvimento da técnica, ele só pode ver os progressos das ciências da natureza, não as regressões da sociedade“. (VINCENT, 2001b, p. 184). Nesse quadro, “[...] as energias desenvolvidas pela técnica […] são destrutivas. Elas favorecem, antes de tudo, a técnica da guerra e de sua preparação pela imprensa.“ (VINCENT, 2001b, p. 185). Portanto, Benjamin estava atento,sensível e reativo ao advento iminente e catastrófico da barbárie e da violência guerreira,que ameaçavam concretamente a humanidade,urgindo, portanto, a organização do pessimismo diante da persistência da sociedade de classes e do aumento do poder burocrático e totalitário no mundo.
Depois de sua tentativa frustrada de escapar do nazismo passando pela fronteira franco-espanhola, Benjamin cometeu seu trágico suicídio, em 26 de setembro de 1940.No início desse ano, escrevera,sob uma forma alegórica e messiânica,suas teses Sobre o conceito de história (VINCENT, 2001b), metodologicamente contra o historicismo conservador, o evolucionismo social-democrata e o marxismo vulgar, em que sua crítica marxista, sua filosofia política antitotalitária e de sua utopia social revolucionária foram mobilizados para uma abordagem dialética da gênese (passado), do desenvolvimento (presente) e da superação (futuro) dos processos históricos de totalização concreta do progresso e da catástrofe. A síntese de sua concepção antipositivista da história se encontra na famosa tese IX:
Existe um quadro de Klee que se intitula “Angelus Novus”. Ele representa um anjo que parece em vias de se distanciar de alguma coisa para a qual ele olha. Seus olhos estão sobressaídos, sua boca aberta, suas asas estendidas. É a isto que deve se assemelhar o Anjo da História. Seu rosto é voltado para o passado. Na situação em que nos aparece uma cadeia de eventos, ele só vê, quanto a ele, apenas uma só e única catástrofe, que incessantemente amontoa ruínas sobre ruínas e as precipita a seus pés. Ele bem que gostaria de se demorar, acordar os mortos e remontar aquilo que foi desmembrado. Mas, do paraíso sopra uma tempestade que se insuflou nas suas asas, tão violentamente que o anjo não pode mais fechá-las. Esta tempestade o empurra irresistivelmente para o futuro para o qual ele vira as costas, enquanto que o monte de ruínas diante dele se eleva até o céu. Esta tempestade é aquilo que chamamos o progresso (VINCENT, 2001b, p. 434).
Sobre o princípio esperança, Benjamin (VINCENT, 2001b, p. 427-428) criticou o automatismo da filosofia do materialismo histórico inerente à ortodoxia do marxismo vulgar, que se utiliza de uma teologia mal assumida, a qual, longe de ser dialética (orgânica), torna-se ilusória e mecanicamente certa de derrotar todos os adversários. Além disso, a historiografia que lhe é correspondente não relaciona as derrotas catastróficas dos oprimidos no presente com aquelas do passado, penteando a história a contrapelo, isto é, no sentido de recuperar uma imagem do passado implicando a redenção,motivando e impulsionando, agora, a superação da opressão e a conquista efetiva da emancipação proletária.Ele acreditava num compromisso tácito entre as gerações passadas e as atuais, em que “[...] fora acordada uma fraca força messiânica sobre a qual o passado faz valer uma pretensão. De maneira alguma, seria justo repelir esta pretensão. O historiador materialista tem consciência disto.” (VINCENT, 2001b, p. 428-429). Porém, o cronista incapaz de distinguir nos seus relatos grandes e pequenos eventos sociais não apreende a verdade em “[...] que nada daquilo que jamais aconteceu está perdido para a história. Certamente, é somente para a humanidade redimida que advém plenamente seu passado.” (VINCENT, 2001b, p. 429).
A herança marxiana da primazia ontológica da luta das classes na dinâmica da história não a torna determinada unicamente através de uma luta por “[...] coisas brutas e materiais sem as quais não existiriam as refinadas, nem tampouco as espirituais. Estas intervêm, entretanto, na luta das classes [...] participam vivamente da luta e agem retrospectivamente nas profundezas do tempo.” (VINCENT, 2001b, p.430), colocando sempre em causa cada vitória dos opressores, para afirmar a atualidade da revolução para realizar a emancipação proletária, “[...] como última classe escravizada, a classe vingadora que, em nome de gerações de vencidos, completa a obra de liberação” (VINCENT, 2001b, p. 437). Para tanto, a consciência de classe revolucionária “[...] faz explodir o continuum da história.” (VINCENT, 2001b, p. 440). Por sua vez, “[...] o historiador materialista ”inserido numa estrutura que fora cristalizada em mônada apreende o “[...] sinal de um bloqueio messiânico dos eventos, isto é, o sinal de uma chance revolucionária” de emancipação proletária de um passado marcado pela opressão econômica, social e política (VINCENT, 2001b, p. 441). Benjamin (VINCENT, 2001b, p. 431) afirmou, também, que ”[...] o dom de atiçar no passado a faísca da esperança só pertence ao historiógrafo intimamente persuadido que, caso o inimigo triunfe, nem mesmo os mortos estarão em segurança. E este inimigo não parou de triunfar”. Com os triunfos fascistas na Espanha, na Alemanha, na Itália, no Japão, etc. e com suas invasões vitoriosas por todo o mundo, com a segunda guerra mundial já iniciada, em 1940, os fatos teimavam em mostrar que urgia organizar um pessimismo ativo. Ele sustentou que o fascismo e a sua variante nacional-socialista não são meros acidentes históricos, mas formas possíveis de decadência política e social, implicadas pelo estado de exceção que se tornou a regra, numa configuração historicamente determinada do triunfo tanto do totalitarismo moderno, positivista e evolucionista, quanto da opressão extrema, que envolve a intensificação da exploração, da dominação e dos atentados à dignidade humana, sob uma sociedade de classes desastrosa e bárbara.
Benjamin destacou que já existiam os germes do desenvolvimento da burocracia e da tecnocracia fascista na estratégia de real politik social-democrática, na qual se combinam numa nova fórmula positivista o progresso técnico, o conformismo e a regressão social decorrente da desmobilização dos movimentos trabalhistas, como também a exploração destrutiva da natureza, em detrimento das antigas antecipações socialistas utópicas de um mundo melhor. Sob a influência da social-democracia, o proletariado foi perdendo como um todo “[...] o ódio e o espírito de sacrifício”, os quais “[...] se nutrem da imagem dos ancestrais escravizados, não no ideal de uma descendência emancipada.” (VINCENT, 2001b, p. 438). Enfim, como crítica da real politik ancestral do social-liberalismo periférico brasileiro, que foi derrubado recentemente por um golpe neo-fascista, a tese X de Benjamin é de uma espantosa atualidade. Com efeito,
Os objetos que a regra claustral fixava para a meditação dos monges visavam lhes ensinar o menosprezo pelo mundo e por suas pompas. Na hora em que deitam por terra os políticos nos quais os adversários do fascismo tinham depositado sua esperança, na hora em que eles agravam ainda sua derrota traindo sua própria causa, quereríamos liberar a criança do século das malhas nas quais eles a meteram. O ponto de partida é que a fé cega desses políticos no progresso, sua confiança no “apoio massivo da base” e, finalmente, sua adaptação servil a um aparelho político incontrolável não passavam de três aspectos de uma mesma realidade. Quereríamos sugerir quanto custa ao nosso pensamento habitual aderir a uma visão da história que evite toda cumplicidade com aquela à qual esses políticos continuam a se agarrar. (VINCENT, 2001b, p. 435).
A utopia concreta de Bloch (1991, 1982), por sua vez, vinha de uma abordagem ampla, realista e atenta ao presente autêntico e às condições atuais, atinentes à possível concretização, latente e potencial, da superação do capitalismo, com a extinção da opressão de classe e, portanto, do Estado capitalista. Para Bloch (1991, p. 29), “ a essência não é aquilo que foi; ao contrário, a essência do mundo está ela mesma no Fronte”. Ao se colocar na perspectiva da primazia do futuro, sendo agnóstico e não messiânico, ele
[...] não subscreveria, sem dúvida não inteiramente, as visões de Walter Benjamin sobre a Revolução como redenção de todos os sofrimentos do passado, mas ele não rejeitaria, de maneira alguma, a ideia de uma transversalidade espaço-temporal que transporia, sem interrupção verdadeiramente definitiva, o essencial da experiência subversiva de uma época para uma outra. (VINCENT, 1987, p. 46).
Assim, na gênese da visão crítica e revolucionária do marxismo não existe apenas “[...] a parcialidade econômica em favor dos explorados e dos oprimidos, mas também a parcialidade, no espírito do direito natural, em favor dos humilhados e dos ofendidos – parcialidade que lá se conhece de fato com as lutas pela dignidade humana” (BLOCH, 2002, p. 225). Esse autor também criticou as aporias e a herança da divisa liberdade, igualdade, fraternidade, mostrando que a experiência francesa de 1789 foi mais burguesa do que revolucionária (BLOCH, 2002, p. 185). Porém,
[...] ela possui nela esta promessa e este teor utópico concreto de uma promessa à qual pode se agarrar a revolução real. Este conteúdo são os direitos do homem, e, se ela tem um gosto de experimente estes últimos outra vez, é porque não houve nada até aqui na história que tenha sido tão limitado e entravado, por sua base, e também humanamente antecipador por seus postulados. Liberdade, Igualdade, Fraternidade – a ortopedia, tal que a gente a tentou, da marcha em pé do orgulho humano –reenvia bem mais além do horizonte burguês (BLOCH, 2002, p. 210).
O método materialista dialético e histórico– com o qual Marx abordou o modo de produção capitalista, buscando tanto a sua compreensão crítica, quanto a sua transformação revolucionária, que os bolcheviques, sob a tática eficaz de Lenin, atestaram a veracidade na Revolução Russa, de maneira prática e especificada, numa análise concreta de uma experiência determinada no tempo e no espaço – foi adotado por Bloch (1981) como premissa geral de sua última obra (dedicada à memória da comunista democrata Rosa Luxemburg), Experimentum Mundi,4 cujos subtemas principais, a saber: “[...] questão, categorias da elaboração, práxis foram reunidos em seis subconjuntos de categorias científicas de predicações lógicas, dimensões temporais-espaciais, objetivações no seio de transmissões causais e finais, manifestações através das figuras e das figuras processuais, comunicações em domínios-setores e, enfim, tentativas de realização do Quenum O qual, cujos dados fundamentais são finalistas, lógicos e objetivos, de modo que “[...] as categorias, na medida em que concernem um processo, estão elas mesmas em processo” de totalização dialética envolvendo um que-impulsão como generalidade e um “[...] o qual-conteúdo” concreto como especificidade (BLOCH, 1981, p. 67-69, 233-234). Assim,
[...] o processo em marcha para a substância final, em virtude de sua intenção humana e de sua tendência objetiva ainda em pleno labor, que nem teve sucesso nem por isto mesmo fracassou, e que o leva para a essência, tem no ser o estatuto de uma aurora, de uma contraofensiva, de um sol levante. Deste modo, a perspectiva das perspectivas é exatamente esta: o mundo não passa de uma vasta e perpétua questão na busca de um sentido que somente ele mataria a fome, mas que é preciso fazer sair dele– com o Mais aberto e o ultimum em suspenso da possibilidade objetiva real. Por isso mesmo é que se produza grande rotação-elevação que faz sair da imediatidade, aquela que traduz o processo do mundo – com, no sujeito, uma antecipação ativa que vise a felicidade, que, numa sociedade sem mestres nem escravos, vise à solidariedade de todos enfim possível, consequentemente, a liberdade e a dignidade humana, e que, na natureza a qual cessamos enfim de conceber como um objeto estranho ao qual não temos nenhuma implicação, vise um Lar (BLOCH, 1981, p. 239).
Conforme as categorias do método crítico e revolucionário, somente fica fixado a priori o fato de que são relações de uma dialética do universal e do específico, em suma, um todo que se exprime por um silogismo, de um lado; e, do outro, pertencem no seu todo a uma relação primeira de natureza concretamente pensada segundo a lógica dialética, estruturalmente dinâmica e teleologicamente determinada. Assim,
[...] as categorias não seriam elas jamais determináveis no nível dos fatos como acabadas e já fechadas sobre elas mesmas; ao contrário, representam, concebidas com maior ou menor precisão,as figuras que constituem no ser-aí a realidade em vias de se transformar. Eles são formas assim criadas, formas vivas e que evoluem na medida em que elas se desenvolvem em querer-dizer perseguindo sua busca e, ao mesmo tempo, se traduzem em relações sob forma de obra tentada (BLOCH, 1981, p. 70).
Bloch especificou a questão ontológica do ser social e histórico, como um processo de democratização e totalização dinâmica e aberta (tempo-espaço, natureza-sociedade, progressiva-regressiva) e, portanto,levando em consideração as figuras simbólicas nas quais se comunica e se exprime a práxis revolucionária, que envolve dialeticamente gênese, desenvolvimento e superação. Assim, “[...] toda ação verdadeira no próprio presente só acontece na totalidade desse processo não levado a termo tanto para atrás quanto para a frente; a dialética materialista torna-se o instrumento permitindo controlar este processo, de acessar ao Novum mediatizado e controlado.” (BLOCH, 1991, p. 16). O marxismo, de modo algum, seria capaz de simplesmente
Se contentar em desvendar as ideologias do passado e de se colocar, em seguida, o problema do excedente utópico que elas podem veicular; ele é bem mais,até mesmo antes de tudo, se a gente se prende mais particularmente à relação teoria-prática, exame crítico e conhecimento realista do futuro, das tendências do futuro, de sua latência no seio do presente, isto é, principalmente, conhecimento da possibilidade. (BLOCH, 1981, p. 25).
Através de sua crítica radical da presença do materialismo estritamente mecanicista e do economicismo no marxismo, que persistiram na sociedade de classes, Bloch (1991, p. 69) foi capaz de formular uma ontologia do não-ainda ser, engajada com os explorados, dominados e humilhados, na realização de uma utopia concreta emancipatória da humanidade, o que inclui necessariamente a preservação da natureza, pois, o Experimentum Mundi, no sentido marxiano, exige “[...] a naturalização do homem e a humanização da natureza.” (BLOCH, 1991, p. 253-254). Com sua metodologia inovadora e herética, Bloch conseguiu escapar das armadilhas ontológicas reificantes da ideologia dominante nas experiências seja do capitalismo liberal, seja do socialismo real. Assim,
[...] a bandeira dos direitos do homem deve ser em todo lugar a mesma: seja nos países capitalistas levantada pelos trabalhadores enquanto direito à resistência, ou nos países socialistas, levada à frente quando da edificação do socialismo, direito à crítica, e mesmo dever de crítica nos quadros desta edificação. Senão se teria um socialismo autoritário – contradição nos termos – enquanto que a Internacional conquista na sua luta o direito do homem rejeito da tutela, maioria organizada. (BLOCH, 2002, p. 215).
Na superação do capitalismo, através de uma transição com extinção da luta de classes e, portanto, do Estado burguês, Bloch (1981, p. 49) admitiu a óptica de uma ideologia marxista, no sentido de Lenin, que “[...] falava do socialismo como a ideologia da classe revolucionária dos trabalhadores, denunciando e rejeitando justamente as ideologias da dominação que haviam reinado até então”.
Porém, no socialismo real, o que se viu foi
[...] um partido revolucionário utilizar uma organização estatal eminentemente centralizada, até mesmo uma forma de maneira tzarista alguma superada, o Estado não experimentou de maneira alguma a extinção à qual pretendia o fim revolucionário; viu-se nascer, ao contrário, no lugar do reino da liberdade que se visava, uma burocracia seguramente perfeita, que se mantém [...] em nome da fase de transição da qual ela se tinha reclamado (BLOCH, 1981, p. 104).
Portanto, na sua maturidade, criticou radicalmente o regime soviético stalinista,foi aposentado compulsoriamente de sua carreira universitária e teve que imigrar, em 1961, passando a fronteira do leste para o oeste da Alemanha;embora tenha aprovado, em 1938, os processos de Moscou em nome da luta contra o perigo nazista, de um lado; e, do outro, tenha sido otimista quanto à possibilidade de uma democratização socialista do leste europeu; no fim das contas, Bloch conseguiu “[...] mostrar que é possível colocar em causa, por dentro, a solidariedade do marxismo com o velho mundo que ele entende combater.” (VINCENT, 1987, p. 40). Para Benjamin e Adorno, aquela posição equivocada do final dos anos 1930 se explica por “[...] certo otimismo teleológico da utopia blochiana” (bem antes de sua formulação acabada nas obras O Princípio Esperança e Experimentum Mundi), de modo que “[...] para eles, Bloch encontra muito facilmente algo de positivo na sociedade presente, algo de positivo que poderia ser o elemento motor de uma nova dinâmica histórica.” (VINCENT, 2001a, p. 174).
Porém, na sua maturidade, Bloch (1991, p. 17) superou qualquer otimismo ou espontaneísmo que, no fundo, seja uma concessão à utopia abstrata, porque ”[...] o que resta determinante: é que a luz, na clareza da qual o Totum não fechado e em formação é refletido e encaminhado para seu advento, se chama doctaspesou esperança compreendida na sua dimensão dialética-materialista”. Por sua vez,
[...] o fator atuante da espontaneidade revolucionária não se limita, de maneira alguma, a ser uma força realizadora: ao invés disso, ele traz nele mesmo sob o modo de uma antecipação subjetiva concernente à imaginação objetiva do Que-fator, o próprio conteúdo que deve ser realizado... Esse é o local objetivo das possibilidades objetivas-reais–mas este local permanece ele mesmo aberto, orientado para o Novum que habita as inesgotáveis ilustrações de um exemplo ainda desconhecido e constitui, penetrado que ele é do conteúdo de um fim utópico, o sonho diurnoou, até mesmo, o sonho de luz – presente no seio do próprio mundo a título de utopia concreta. (BLOCH, 1981, p. 246).
Há uma totalização concreta entre sujeito é objeto em que o sonhador diurno se insere num movimento que busca superar a situação que lhe é opressiva, em termos econômicos, sociais e políticos.
8 CONCLUSÃO
A ideologia de um marxismo singularizado, seja pela ortodoxia marxista da Segunda Internacional, seja pela apologia stalinista da Terceira Internacional destina-se ao panteão da falsificação da história, cuja autenticidade é restabelecida pela própria dinâmica do marxismo pluralizado, impossível de ser cristalizado e contido num pensamento único, por força da riqueza da análise concreta da atualidade da revolução. Sobretudo em conjuntura de grande crise do capitalismo,
[...] é então que se instala naqueles que não encontram saída neste declínio, o medo da esperança e oposto à esperança. O fenômeno de crise assume então a máscara subjetivista do medo e a máscara objetivista do niilismo: ele é suportado, mas não elucidado, deplorado, mas não mudado. (BLOCH, 1991, p. 11).
A Revolução Russa, ao contrário, foi o ponto de partida para as abordagens marxistas da democratização proletária, da especificação histórica, da revolução permanente, da liberdade e da consciência proletária, assim como da utopia concreta, cujas formulações definitivas aconteceram em momentos pós-revolucionários bem distintos, separados por vários anos, mas constituindo uma herança preciosa para a análise concreta das possibilidades e dos limites concretos da construção da revolução socialista na escala mundial.
Os princípios marxistas aqui destacados pertencem à mesma corrente herética que retoma o materialismo dialético e histórico marxiano, na análise concreta da experiência revolucionária desencadeada em outubro de 1917, para desenvolver e atualizar as teses de Marx, Engels e Lenin sobre a revolução comunista e a autoemancipação do proletariado; as diversas posições são aparentemente opostas, parcialmente complementares, mas fundamentalmente homogêneas.Em cada uma das contribuições aqui destacadas, aspectos importantes da experiência específica russa foram analisados concretamente e relacionados dialeticamente com a concepção geral de revolução do marxismo, para seu enriquecimento e desenvolvimento para além da herança de Lenin que, incorporada à antecipação concreta de comunismo desencadeada em outubro de 2017, reforça sua coesão interna e sua unidade de conjunto na busca de um mundo melhor e na superação atual do capitalismo.
No quadro do desenvolvimento desigual do ser social na base e na superestrutura do capitalismo, considerando a dialética do universal e do específico, sobretudo nas circunstâncias de crise do capitalismo imperialista global, o seu antagonista, o proletariado como sujeito revolucionário, não se configura como um bloco monolítico, mas através de um grande silogismo localizado no tempo e no espaço, como uma totalidade historicamente determinada, de modo que as lutas de classe concretas, com suas estratégias e táticas atinentes à população ativa e à superpopulação relativa, envolvem a homogeneidade, a diferenciação e a hierarquização de um lado; e, do outro, implicam a exploração econômica (generalidade), a dominação política (particularidade) e a humilhação social (singularidade), cujos conteúdos, ritmos e movimentos são desiguais. Por isso, no seu enfrentamento revolucionário à ideologia da classe dominante, o proletariado só consegue potencializar sua consciência de classe para si através de instituições externas à sua existência em si, específicas e apropriadas à sua hegemonia e à luta para si, contra a opressão econômica, política e social capitalista no seu país, no seu continente e no mundo.
Percebe-se, agora, que a formação capitalista tardia experimenta uma grande transformação social e histórica, evoluindo do momento da internacionalização ao momento da mundialização, com o advento das superpotências continentais e da hiperpotência planetária, bem como a permanência da forma de existência das potências nacionais. Em suma, o sistema de potências, que a visão estruturalista preserva como uma herança natural das revoluções inglesa, francesa e russa, está sendo superado, no início do século XXI. Atualmente, há uma totalização concreta cada vez mais ampla e profunda, que se exprime pelo silogismo histórico do imperialismo global (FARIAS, 2013a; 2013b) implicando novas opressões de classes e, portanto, atualização da consciência de classe do proletariado diante da reificação burguesa do mercado global, livre e eterno. Aliás, a crítica do imperialismo global se coaduna com a aspiração de Lukács (2001, p. 25), que “[...] exigia o desenvolvimento de uma consciência anticapitalista a partir do tecido muito diferenciado e muito heterogêneo das sociedades modernas, deplorando, no fim de sua vida, a ausência de uma verdadeira análise marxista dessas novas estruturas”. Na situação de crise global, a consciência anticapitalista proletária experimenta agora relações antagonistas com a falsa consciência de uma reificação burguesa, sob a designação vulgar de Império, uma ideologia que tenta inculcar a eternização fatalista do imperialismo global. (FARIAS, 2015).
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Notas