Mesas redondas
Recepção: 28 Setembro 2017
Aprovação: 09 Maio 2018
Resumo: O texto reflete sobre as perspectivas possíveis para a construção de uma sociedade socialista capaz de superar a barbárie resultante das relações sociais de produção capitalistas. Entende que uma educação crítica que permita compreender a gênese e a historicidade desse modo de produção pode contribuir para a desconstrução dos fetiches próprios do capitalismo.
Palavras-chave: Capitalismo, socialismo, barbárie, educação.
Abstract: The text reflects on the possible perspectives for the construction of a socialist society able to overcome the barbarism resulting from the capitalist social relations of production. It understands that a critical education that can understand the genesis and historicity of this mode of production can contribute to the deconstruction of the fetishes proper to capitalism.
Keywords: Capitalism, socialism, barbarism, education.
1 INTRODUÇÃO
Início minha reflexão mencionando uma frase de Florestan Fernandes (1989, p. 264): “O objetivo último da educação escolarizada não está em ‘fazer a cabeça do estudante’, mas em inventar e reinventar a civilização sem barbárie”. Demarco que a realização da VIII Jornada Internacional de Políticas Públicas (JOINPP), no contexto de desconstrução de políticas sociais no Brasil, inclusive a educação pública, sugere priorizar questionamentos que me parecem pertinentes para uma reflexão sobre a nossa condição de sujeitos da história. Sujeitos com capacidade para intervir no cenário presente, a partir de ações individuais e coletivas, ao mesmo tempo enfrentando a barbárie e construindo fundamentos teórico-práticos, necessários à concepção de uma sociedade pós-capitalista, que poderá ser uma sociedade socialista, a depender de muitas condicionalidades históricas.
Como se pode construir perspectivas para uma sociedade socialista, superando, em grande medida, a barbárie produzida pelas relações sociais de produção capitalistas, numa época em que se esgarçam as teias da sociedade industrial, portanto se modificam substancialmente os nexos entre capital e trabalho, desorganizando as práticas de luta e resistência?
2 PLANOS DE ANÁLISE DA REALIDADE CONCRETA
No atual contexto histórico os nexos entre capital e trabalho e a organização das práticas de luta e resistência podem ser pensados com base em dois planos de análise que nunca se dissociam, embora raramente estejam articulados, do ponto de vista empírico e teórico, de modo coordenado.
Esses planos da subjetividade e da objetividade constitutivas da realidade em que vivemos, na qual produzimos e nos constituímos como seres humanos merecem análises históricas e filosóficas, portanto, possibilita-nos adotar categorias, por meio das quais se apreende a articulação contraditória entre a barbárie e as perspectivas de construção do socialismo.
Em primeiro lugar, precisamos reconhecer na materialidade palpável do cotidiano, que vivemos em uma sociedade desigual, hierárquica e totalitária. Portanto, dissolve-se o mito da sociedade e do Estado democrático, bem como de relações harmônicas entre classes e intraclasses. É imperativo desvendar-se a lógica do empresariamento e da mercantilização que define os mecanismos de funcionamento do mercado e também a própria constituição da humanidade no século XXI, cujos corpos e mentes são condicionados pelas formas de realização do valor derivado do capitalismo produtivo e improdutivo.
Essa materialidade pode ser apreendida na nossa vivência diária, tanto pelo que nos atinge em termos de sobrevivência, como pelo que conhecemos acerca das formas de vida das classes subalternizadas, alienadas e exploradas no processo produtivo ou, por outro lado, desempregadas, desesperadas e ansiosas para conseguirem postos de trabalho, ainda que seja para se submeterem à condição de trabalhadores e trabalhadoras escravizados.
Há décadas, têm sido divulgadas as notícias e as estatísticas sobre os casos de pessoas capturadas pelos capatazes e levadas ao trabalho análogo à escravidão, nas fazendas e empresas em diversas regiões do país. “Em vinte anos de atuação, equipes móveis e auditores das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego realizaram 2.020 operações, inspecionando 4.303 estabelecimentos e libertando 49.816 pessoas em situação análoga à escravidão”. (DADOS..., [2017]). O período de vinte anos corresponde aos anos de 1995 a 2015.
Mais recentemente, têm sido denunciados os processos de exploração do trabalho de imigrantes das Filipinas, mulheres contratadas como babás em condomínios de luxo do Rio e São Paulo, submetidas a 16 horas de jornadas de trabalho sem pagamento de horas extras e sem terem direito sequer à alimentação regular. (LOCATELLI, 2017).
As evidências e o dimensionamento desse quadro se traduzem em dados estarrecedores do que se reconhece como as diferentes manifestações da barbárie no século XXI. De acordo com pesquisa do economista Siddharth Kara1, da Universidade de Harvard, publicada sob o título Modern Slavery2 (A escravidão moderna), cujo lançamento será em outubro, nos Estados Unidos, o lucro total anual do processo de exploração de pessoas, submetidas à escravidão moderna, chega a US$ 150 bilhões (equivalentes a R$ 467 bilhões de reais). A média anual de lucro gerado por um escravo, a seu explorador, equivale a US$ 3.978 que corresponde a R$ 12.447,00. No caso da escravidão para a exploração sexual o lucro anual é muito maior, atingindo uma média de US$ 36 mil, que equivale a R$ 112.651 mil reais. (ESCRAVIDÃO..., 2017).
Do ponto de vista de outro economista, Ladislau Dowbor, que também está lançando em setembro, seu último livro, A Era do Capitalismo Improdutivo, pode-se evidenciar a barbárie em três dimensões: ambiental, social e financeira.
Na dimensão ambiental, os dados divulgados por Dowbor indicam o elevado grau de devastação da natureza, em todo o planeta. Constata-se a elevação das temperaturas e se comprova a tese do aquecimento global, embora cientistas americanos desprezem os argumentos sobre esse fenômeno resultante da emissão de gases e da destruição das florestas responsáveis pela produção de oxigênio.
Evidências do desequilíbrio climático e geográfico do planeta podem ser verificadas no caso da plataforma de gelo Larsen C, localizada ao norte da Antártida. Recente notícia divulgada sobre o iceberg mostra que uma imensa rachadura na plataforma de gelo Larsen C cresceu de tal forma, em dezembro, que agora, apenas 20 km de gelo impedem o imenso bloco de 5 mil km² (o equivalente a 500 mil campos de futebol ou à área do Distrito Federal), de se soltar. (McGRATH, 2017).
A perda da biodiversidade e da fauna, já destruída, foi calculada em torno de 52%, entre os anos de 1970 e 2010, conforme dados do WWF. O esgotamento das reservas de água potável e de recursos minerais, a poluição do ar e a contaminação dos alimentos pelos agrotóxicos, além dos hábitos nocivos de consumo disseminados pela indústria alimentícia e farmacológica, tornam ainda mais vulnerável a nossa sobrevivência, sobretudo porque se sabe que os recursos existentes, cada vez mais escassos, vão sendo apropriados pelas grandes corporações que dominam o sistema-mundo capitalista. O exemplo das movimentações existentes no território da Amazônia, que vem sendo apropriado pelas empresas multinacionais e pelos grandes bancos, mostra o quanto ambicionam apropriarem-se da natureza, como propriedade privada para seu consumo exclusivo.
Na dimensão social, destaca-se a existência de 8 famílias proprietárias de um patrimônio que ultrapassa tudo que possuem os pobres, sendo esses a metade da população mundial. Isso quer dizer que 1% dos ricos possui mais patrimônio do que os 99% restantes da população mundial. Essa população equivale a 7,45 bilhões de pessoas no mundo, e 80 milhões a mais a cada ano. Desse total, entre dois e três bilhões encontram-se na situação de miséria que se estampa no rosto de milhões de habitantes da África, da Ásia, da América e da Europa.
A essas dimensões ambiental e social, acrescenta-se a dimensão financeira. Porém essa, segundo Dowbor Ladislau (2017), não está afetada pela ausência de recursos, pois a rigor, produz-se anualmente 80 trilhões de reais de bens e serviços, em todo o planeta, o equivalente a 11 mil reais por mês, por família de quatro pessoas,
o que poderia garantir uma condição de vida digna para os seres humanos, ainda que não se alcançasse a situação de plena igualdade entre todos. Entretanto, o acúmulo de capital no mercado financeiro retira da esfera produtiva a hegemonia do processo de produção de valor. Logo, quem tem capital privilegia o investimento em papéis e não no setor industrial. Predominam, desse modo, o capital improdutivo sendo expandido de modo incalculável e o setor produtivo sendo transformado pelo uso das tecnologias, que podem dispensar a força de trabalho em muitos setores da produção industrial.
Historicamente, vai se desfazendo a ideologia do Estado (Leviatã), ao se constatar que predomina a hegemonia das corporações que controlam o funcionamento do estado em todas as suas instâncias: executivo, legislativo e judiciário. Não existe, do ponto de vista material, um poder soberano que faça a gestão de um contrato social, em defesa dos interesses das maiorias. A distorção dos princípios, dos valores e das normas constitucionais, permite que se conheçam as entranhas do Estado neoliberal. Na sua prática diária, revela-se uma equação perversa: aos que tudo possuem, tudo lhes será sempre assegurado e aos que são despossuídos, tudo lhes será subtraído e negado.
Assim sendo, a realidade concreta de bilhões de seres humanos, sem poder e sem nenhum controle sobre o Estado, diz respeito ao nosso próprio modo de existir, na sociedade brasileira, na atualidade, e à maioria dos seres humanos em todo o planeta. Em outras palavras, metaforicamente, pode-se dizer que a voracidade de Cronos se materializa na forma como opera o capitalismo financeiro. Não existe limite para a sua ação devastadora, em termos ambientais, sociais e financeiros, produzindo a miséria e a tragédia humana em escala global.
A partir dessas constatações, pode-se passar a dimensionar também o grau de consciência histórica e crítica das classes sociais em relação a esse contexto devastador e ameaçador para todas as espécies vivas do planeta. De que modo se constitui essa consciência, considerando as categorias mercado, fetiche, alienação e catarse?
Sabe-se que não existiu no Brasil, em nenhuma universidade, em nenhuma escola, a hegemonia do pensamento crítico, portanto, pode-se afirmar que, em primeiro lugar, é preciso analisar de que modo, por que meios e a partir de que perspectivas se constroem as visões de mundo circulantes na sociedade brasileira.
Tomando-se como ponto de partida o mercado, constituído historicamente pelos homens e mulheres que, ao longo dos séculos, usaram esse espaço para efetivar trocas de bens materiais e simbólicos, por meio da aquisição de mercadorias compradas com a moeda circulante, é preciso identificar que nesse espaço essas trocas não se fazem entre bens equivalentes, avaliados como tendo o mesmo valor, desde que foi desvelado por Marx, o enigma da produção do valor de uso, do valor de troca e do valor.
O mercado, desde a instauração da sociedade industrial e até o presente, foi transformado numa abstração com conteúdo e força mítica, capaz de tudo definir na nossa existência e no processo de desenvolvimento do país. Assim, quando se referem ao mercado, os jornalistas da imprensa da ordem do capital, relatam como o mercado reage, ficando calmo ou nervoso, conforme o movimento de compra e venda de ações nas bolsas de valores. Logo, a supremacia do mercado define o jogo no qual os trabalhadores são sempre, historicamente, perdedores.
3 EDUCAR PARA UMA CIVILIZAÇÃO SEM BARBÁRIE
O que quer dizer isso, se se pretende construir fundamentos teórico-práticos para o projeto de uma sociedade socialista? Que é preciso reagir aos imperativos do mercado na dimensão material e simbólica. De que modo? Realizando uma prática de desconstrução dos fetiches que foram internalizados durante a nossa formação, enquanto seres humanos nascidos num país colonizado e em processo de recolonização, como resultado da política imperialista que atinge o território nacional, a América Latina, e os países dos territórios periféricos, produzindo efeitos destrutivos.
Ora, esse processo de desconstrução dos fetiches passa necessariamente pela compreensão de como se realiza o processo de alienação não apenas no trabalho fabril, mas no trabalho improdutivo e imaterial que se relaciona à produção e disseminação do conhecimento. A partir de qual abordagem teórica pode-se conceber uma educação como processo catártico, que permita compreender a gênese e a historicidade da formação econômica, social e cultural do Brasil, favorável à constituição das bases teórico-práticas de perspectivas de superação positiva do capitalismo em direção a novas formas de organização econômica e social?
Um processo de educação favorável à construção de perspectivas teórico-práticas direcionadas ao socialismo precisa se expandir em todas as frentes nas quais os profissionais, militantes de esquerda, possam atuar. Por essa razão, torna-se imprescindível que se faça a superação das teorias liberais que tem se reproduzido em nossos processos formativos. Educar para uma civilização sem barbárie, eis o princípio a se colocar em prática em todos os espaços públicos e privados. Para tanto, é necessário reconhecer que se confrontam fundamentos científicos distintos referentes ao ideário liberal e ao ideário socialista.
O positivismo exalta a ciência e a técnica, a ordem burguesa da sociedade e seus mitos [...], nutre-se de mentalidade laica e valoriza os saberes experimentais: é a ideologia de uma classe produtiva na época do seu triunfo, que sanciona seu domínio e fortalece sua visão do mundo. O socialismo é a posição teórica [...] da classe antagonista, que remete aos valores “negados” pela ideologia burguesa (a solidariedade e a igualdade, a participação popular no governo da sociedade) e delineia estratégias de conquista do poder que insistem sobre as contradições insanáveis da sociedade burguesa (principalmente entre capital e trabalho), delineando uma sociedade “sem classes”. Também a pedagogia se caracteriza segundo estes dois modelos. (CAMBI, 1999, p. 466, grifo do autor).
O conteúdo histórico e crítico sobre o modo de produção e circulação das ideias dos educadores liberais, neoliberais e pós-modernos precisa ser priorizado, como também a análise da política educacional articulada à análise da política econômica, de tal forma que, partindo dos contextos de produção das concepções e das práticas concretas, os educadores do ensino fundamental, ensino médio e ensino superior possam contribuir para que novos conhecimentos resultem desse exercício teórico-prático.
Sem esse tratamento metodológico, nenhum conteúdo especifico de geografia, ciências, língua portuguesa ou matemática poderá ser apreendido, a partir do seu significado histórico e social e com possibilidades de se constituírem em elementos capazes de impulsionar experiências de trabalho coletivo na perspectiva transformadora. Por exemplo, de que modo um professor de geografia tratará o conteúdo acerca dos territórios indígenas e quilombolas, se não tiver uma visão crítica sobre a questão da terra e do latifúndio nas diversas regiões do Brasil?
Naturalmente, não se pode negar a existência real dos educadores que chegam às escolas públicas oriundos das classes subalternas e, portanto, vítimas do processo de proletarização dos trabalhadores da educação. Sabe-se, por meio de pesquisas realizadas por docentes de diversas universidades brasileiras, entre outros, Malanchen (2007, 2016), Oliveira (2003), que o trabalho docente no Brasil passou por um processo de desvalorização em diversos aspectos, desde a formação docente, as condições de trabalho, a subalternização da carreira do magistério, as dificuldades do ensino e do processo avaliativo. Essa realidade tem atingido, principalmente, professores oriundos das classes populares empobrecidas, formados em cursos de licenciaturas e cursos de pedagogia, em que se reproduziram muitas lacunas, comprometendo sua formação teórico-metodológica, em nível superior, indispensável para garantir a qualidade do trabalho docente, desde que as políticas de educação sejam também materializadas em favor da educação pública em sua totalidade.
Em pesquisa internacional realizada pelo Banco Mundial (BM), esse quadro se mostra muito expandido nos países da América Latina e Caribe, reiterando as evidências e as consequências desse processo de formação aligeirada e das dificuldades existentes para o exercício do magistério com domínio de conteúdos, metodologias de ensino e práticas de pesquisa.3
Quem são os professores da América Latina e do Caribe? O que sabemos sobre as características e desempenho dos professores na América Latina? Os dados disponíveis apresentam um cenário desolador. A maioria do sexo feminino, com status socioeconômico relativamente baixo. Cerca de 75% dos professores da América Latina são mulheres, mas isso varia de apenas 62% no México a 82% no Uruguai, Brasil e Chile. Os professores também são mais pobres do que o conjunto global de estudantes universitários. Os dados de ingresso na universidade mostram que os estudantes que se graduam em pedagogia têm um status socioeconômico mais baixo e maior probabilidade de serem estudantes universitários de primeira geração do que os ingressam em outros campos; os dados assinalam um conjunto de estudantes cuja vida lhes tenha concedido experiência limitada em outras profissões e, por conseguinte, aspirações acadêmicas mais limitadas. Além disso, na maioria dos países latino-americanos o corpo docente está envelhecendo. No Peru, Panamá e Uruguai o professor médio tem mais de 40 anos de idade; em Honduras e Nicarágua o conjunto mais jovem da região tem, em média, 35 anos. (BRUNS; LUQUE, 2014, p. 7).
Naturalmente, esses achados dos pesquisadores do BM nem de longe se articulam com uma análise profunda do modo pelo qual esses professores proveem de classes pobres, porque, de acordo com o mainstream estabelecido, não há espaço para se indagar sobre como se produz e reproduz a desigualdade social. Nas conclusões enumeradas pelos autores do relatório da pesquisa, destaca-se de modo particular a última, que deixa clara a intenção das políticas elaboradas para a América Latina e o Caribe. A sexta conclusão explicita o viés político a ser difundido. Diz o texto do relatório: “O maior desafio para elevar a qualidade dos professores não é fiscal nem técnico, mas político, porque os sindicatos dos professores em todos os países da América Latina são grandes e politicamente ativos; entretanto, um número crescente de casos bem-sucedidos de reformas está produzindo lições que podem ajudar outros países.” (BRUNS; LUQUE, 2014, p. 2).
Diante dessa análise do BM, resta uma única alternativa: compreender que não virão dos órgãos internacionais dos países hegemônicos do sistema capitalista mundial, das classes dominantes, nacional e internacional, dos órgãos governamentais e não governamentais alinhados ao programa neoliberal, nem dos intelectuais orgânicos do sistema de reprodução da ideologia dominante, as chaves para a construção das perspectivas revolucionárias. Elas não pertencem aos dominadores.
Historicamente, elas sempre foram confeccionadas e utilizadas pelos movimentos insurgentes capazes de dar sentido à luta pela emancipação humana. Assim, ocorreu em todos os países da África, da Ásia, da Europa Oriental, da América Central, da América Latina e Caribe, quando se realizaram processos revolucionários inspirados nas lições da Revolução Russa, e sufocados pelo poderio bélico e ideológico acionado pelo imperialismo, com a contribuição, nos anos 1980, dos próprios dirigentes da União Soviética, em aliança indisfarçável de poderes articulados pelo governo Reagan, Gorbachev e pelo Vaticano, no período anterior ao atual.
Se essas experiências revolucionárias da segunda metade do século XX desmoronaram, é necessário fazer perguntas à história e refletir sobre os elementos que ela nos apresenta, de modo que seja possível encontrar novas chaves desencadeadoras de outros processos revolucionários mais potentes para o enfrentamento, em nível global, da hegemonia do capital financeiro. Talvez, seja fundamental conceder espaço a outras perguntas também importantes, de ordem mais subjetiva, para concluir, com Gramsci, que não se fará a revolução sem que se instaurem, simultaneamente, as condições para subverter os processos culturais e educacionais que assegurem a formação científica e política das massas.
Nessa perspectiva, tomar a referência de Marx, para balizar o trabalho de formação em qualquer área do conhecimento, poder-se-ia afirmar que é um passo inadiável, para que se construam as bases teórico-práticas do socialismo. Como afirmava Marx (1977), é necessário compreender os fundamentos da produção social da existência, para que possamos alcançar a consciência crítica que emerge de um processo de elevação do grau de compreensão da realidade, como uma totalidade articulada. Suas reflexões no Prefácio da Crítica a Economia Política indicam a direção a seguir:
A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim: na produção social da existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alterações é necessário sempre distinguir entre a alteração material – que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa – das condições econômicas de produção, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência desse conflito, levando-o às suas últimas consequências. Assim como não se julga um indivíduo pela ideia que ele tem de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção [...] (MARX, 1977, p. 23-24).
4 CONCLUSÃO
De tudo o que aqui foi refletido, concluo que a realidade demonstra a atualidade da disputa entre o pensamento conservador e o pensamento crítico. Do mesmo modo como o liberalismo se rearticula, também o socialismo adquire historicamente maior efetividade ideológica. O socialismo contemporâneo já superou o seu conteúdo originalmente burguês e utópico, no entanto, não alcançou a penetração maciça no seio das massas, o que permite ao liberalismo se manter como ideologia dominante.
São as condições concretas de luta entre a burguesia e o proletariado, no âmbito do capitalismo financeiro e do imperialismo, que impõem os avanços e recuos nas lutas ideológicas. No entanto, as indicações teóricas de Marx, Lênin e Gramsci não deixam dúvidas sobre o conteúdo de um programa de ação revolucionária, que vai desde a educação política das massas à organização e prática dos partidos revolucionários; das guerras de posição às guerras de movimento, a partir de análises históricas e práticas que indiquem o grau de correlação das forças sociais, políticas e militares de um país.
Para enfrentar esse desafio, na condição de educadores comprometidos com a superação do capitalismo, é necessário assimilar o método do materialismo histórico ou da filosofia da práxis, que no dizer de Gramsci (1981, p. 1) “[...] se realiza no estudo concreto da história e na atividade atual da criação de uma nova história”.
REFERÊNCIAS
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Notas