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TRABALHO E PRECARIZAÇÃO SOCIAL NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: dilemas e resistência do movimento organizado de trabalhadores

Inez Stampa
Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil - Memórias Reveladas, Brasil
Ana Lole
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, Brasil

TRABALHO E PRECARIZAÇÃO SOCIAL NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: dilemas e resistência do movimento organizado de trabalhadores

Revista de Políticas Públicas, vol. 22, pp. 277-304, 2018

Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 19 Fevereiro 2018

Aprovação: 09 Maio 2018

Resumo: A reflexão, baseada em revisão bibliográfica e fontes documentais, toma o trabalho como categoria chave da compreensão da história, bem como indica dilemas sobre a ação sindical em um contexto de restrição de direitos e de ações coletivas. Ao considerar a importância da ampliação de espaços da luta coletiva para a dinâmica do movimento organizado de trabalhadores, no Brasil atual, busca enfatizar que tal movimento não pode ser pensado apenas no espaço do mundo do trabalho ou mesmo no espaço institucional das relações profissionais. A ampliação do campo de ação se impõe, pois a ação tradicional do sindicalismo se mostra insuficiente para enfrentar a multiplicidade dos terrenos, das disputas e das lutas que devem ser conduzidas fora do trabalho, as quais são tão numerosas e complexas que nenhuma organização pode pretender assumi-las sozinha em tempos de intensificação do neoliberalismo.

Palavras-chave: Trabalho, Capitalismo contemporâneo, regressão de direitos, movimento sindical.

Abstract: This reflection is based on a bibliographical review and in documentary sources. It takes work as a key category of historical understanding, indicating some dilemmas about union action in a context of restriction of rights and collective actions. Considering the importance to expand spaces for collective struggle in the dynamics of the organized workers movement in Brazil, it seeks to emphasize that such a movement can’t be thought only in the space of the world of work or even in the institutional space of professional relations. The extension of the field of action imposes itself, since the traditional action of trade unionism is insufficient to face the multiplicity of grounds, disputes and struggles that must be conducted outside of work, which are so numerous and complex that no organization can claim to assume them alone in times of intensification of neoliberalism.

Keywords: Work, Contemporary capitalism, regression of rights, union action.

1 INTRODUÇÃO

Desde 2008 estamos experimentando mais uma crise cíclica do capital. Crise financeira, quebra de bancos e empresas, diminuição do ritmo de crescimento e desemprego são temas em destaque na imprensa nacional e internacional.

Apesar de os Estados, em escala mundial, terem gasto cerca de 34 trilhões de dólares para salvar grandes empresas e bancos, tentando recompor a economia quando as grandes corporações financeiras, comerciais e industriais receberam um valor correspondente a três vezes o Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina em 2008, as condições de vida dos trabalhadores ao redor do globo não melhoraram na mesma relação, nem se retirou do horizonte da grande maioria dos trabalhadores dos países pobres as ameaças de desemprego e miséria, que persistem e se agravam.

É preciso, portanto, compreender a crise em uma perspectiva histórica, analisando os seus fundamentos e seu impacto na vida dos trabalhadores. O debate se torna necessário, sobretudo, diante de esclarecimentos que são diluídos por grupos que detêm o controle da mídia e que, em seu viés conservador e afinado com os interesses dos grandes conglomerados financeiros, industriais e comerciais, procuram disseminar a ideia de que o pior já passou.

Nesse sentido, a proposta deste artigo é abordar as repercussões da crise estrutural do capitalismo contemporâneo no mundo do trabalho1, tendo como referência os ciclos de acumulação e as tendências de médio e longo prazos no modo de produção capitalista, apresentando um panorama sobre o impacto desse processo para as organizações dos trabalhadores, ao longo dos anos 1990 e início dos 2000. Nessa direção, a análise sobre a centralidade do trabalho na sociedade atual, identificando as mudanças conceituais sobre o trabalho a partir da reorganização contemporânea da produção capitalista, é o eixo articulador do debate. Ela traz questões acerca das mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, problema fundamental para a compreensão da questão social2 na atualidade.

Percebe-se uma radicalização das desigualdades sociais, advindas, sobretudo, das mudanças nas esferas do trabalho e da produção. As contradições estão mais visíveis em consequência das novas formas de organizar e gerir a força de trabalho. A expressão maior da questão social, portanto, centra-se na precarização das relações de trabalho e no desemprego, fazendo parte deste quadro o aviltamento das condições de vida e a redução do Estado e, consequentemente, dos serviços públicos.

Pode-se afirmar que a radicalidade da questão social passa, agora, por nova configuração histórica, oriunda das mudanças na esfera do trabalho e da relação entre Estado e sociedade civil. É possível, também, observar que as mudanças significativas que se verificam no mundo do trabalho, no Brasil recente, estão moldando um novo contorno à questão social. As contradições estão mais visíveis em consequência das novas formas de organizar a produção e a gestão do trabalho.

Percebe-se que a recomposição do capital, ao mesmo tempo em que determina um conjunto de mudanças na organização da produção e na gestão do trabalho, provoca, também, mudanças nas relações sociais que se estabelecem na sociedade. Dessa forma, é possível afirmar que as demandas postas ao Serviço Social são, igualmente, impactadas por tais mudanças, tendo em vista a particularidade da profissão, organicamente vinculada às configurações estruturais e conjunturais da questão social e às formas históricas de seu enfrentamento, que são permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado. Para que se avance nesse entendimento é requerida uma explicitação dos processos de radicalização da questão social neste início de século. Note-se que a questão social é aqui entendida como desigualdade e rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a elas resistem e se opõem.

Atualmente, além das mudanças substanciais que se dão no mundo do trabalho, observam-se, igualmente, modificações nas análises sobre ele e sobre as expressões políticas que daí se origina ou lhe são direcionadas.

Todavia, a crise que vem atingindo o mundo do trabalho é de proporções ainda não de todo assimiladas. Não foram apenas as práticas dos agentes sociais e os projetos políticos a eles relacionados os vitimados pela desestabilização. A teoria social, voltada para a compreensão daquelas práticas e projetos, também não ficou imune. Percebem-se, hoje, claramente, os limites conceituais das formulações explicativas para o entendimento do quadro em curso e a necessidade de se construir elementos analíticos mais adequados. Ainda que, nesse cenário, a incerteza seja a condição mais sustentável, devem ser buscadas reflexões a partir das quais sejam criadas condições para a crítica, onde, em algum ponto, a política possa existir como pensamento e como ação, pelo fato de a recomposição do capital se dar no sentido de fragilizar, objetivamente e subjetivamente, as resistências da classe trabalhadora para garantir a hegemonia para o seu projeto social. Os desafios que o mundo do trabalho impõe para o movimento organizado de trabalhadores exigem reflexões sobre as transformações recentes neste contexto e suas consequências para os trabalhadores e para os sindicatos.

Elementos como desemprego estrutural e diversidade de situações de trabalho têm modificado as bases da solidariedade sindical, trazendo graves consequências para a organização da classe trabalhadora. A presente reflexão assenta-se no exame da centralidade da categoria trabalho, tendo como foco a sociedade brasileira atual, numa conjuntura histórica em que convivem velhos e novos padrões de gestão e de trabalho, e cujas implicações têm, também, se refletido sobre a perda de direitos e de identidades coletivas em função de um processo de fragmentação, individualização e descartabilidade de trabalhadores e de suas qualificações. (DRUCK, 2011).

Retomando a questão das condições de vida e trabalho na sociedade brasileira atual, observa-se que esse quadro afeta, gravemente, as condições subjetivas dos trabalhadores e se reflete na fragilização dos laços sociais, rompendo com formas elementares de solidariedade social e de ação coletiva. Diante de tal contexto, pode-se falar na construção de uma nova sociabilidade. Contudo, parece que, não obstante as dificuldades enfrentadas, os trabalhadores e suas organizações continuam atuantes, trazendo para o centro de suas lutas e do debate novas pautas e formas de atuação, ainda que a grande mídia não as reconheçam ou divulguem. Ao longo dos anos 1990, pesquisadores e sindicalistas foram tomados pela ideia de crise do trabalho e, correlatamente, de declínio do sindicalismo. Passada essa década, percebe-se, já com o distanciamento necessário, que esse processo de transformação se deu de forma distinta da que originalmente foi pensada, e que os trabalhadores vêm buscando, embora com muitas dificuldades, dar conta da realidade que lhes foi imposta.

A revisão da literatura especializada sobre o tema mostra que muito se tem discutido a respeito das debilidades do sindicalismo. Porém, alguns autores, na contracorrente dos que defendem essa postura, vêm demonstrando que o ritmo e a intensidade do refluxo sindical3 variam de acordo com o setor econômico e o país em análise. Nesse sentido, torna-se clara a necessidade de superar a discussão da crise stricto sensu e avançar no entendimento de uma possível recuperação do movimento organizado dos trabalhadores.

Tal tarefa requer, além de uma análise rigorosa da tão propalada crise, uma postura não restritiva quanto ao estudo das transformações econômicas mais recentes. Nesta fase, cabe adotar uma postura de recusa tanto do caminho economicista, que exclui as lutas de classe e as esferas da política e da ideologia, como do caminho politicista, que rejeita a esfera da economia política e o mundo da materialidade. Considera-se que esses caminhos, verdadeiros atalhos intelectuais, não permitem a compreensão do complexo de fenômenos que compõem tanto a crise quanto a possibilidade de recuperação do movimento organizado de trabalhadores.

Nesse sentido, é pertinente um conceito de trabalho que resgata o sujeito na história, o sujeito que as discussões ditas neoliberais e pós-modernas extinguiram. Não há discussão do trabalho sem discussão do sujeito, porque não há trabalho sem sujeito. Seja o sujeito hegemônico, que é o capital, o capitalismo, o capitalista, seja o sujeito realizador efetivo do trabalho, que é o trabalhador.

Assim, discutir trabalho, na perspectiva do movimento social, é resgatar um conjunto de elementos que se tinha deixado para trás, como, por exemplo, recuperar o trabalho como categoria chave da compreensão da história, e restabelecer o primado do sujeito na teoria social, bem como resgatar o papel e o projeto da classe trabalhadora como sujeito da história. Essa compreensão é fundamental para que se possa repensar o mundo do trabalho, que não é mais somente o mundo da fábrica. Nessa esteira, pode-se indagar: quem é o trabalhador hoje, o que é a classe trabalhadora hoje?

2 A CENTRALIDADE DO TRABALHO

O principal argumento norteador dessa proposta reporta-se à centralidade do trabalho, rechaçando a tese contemporânea da perda da mesma, contida em estudos como os do filósofo francês André Gorz (1982, 1998, 2003, 2005a, 2005b) e do sociólogo alemão Claus Offe (1989a, 1989b, 1989c), apenas para citar dois exemplos4.

Gorz (1998) associa a tendência à redução do emprego à insatisfação dos trabalhadores com o seu trabalho, enquanto assalariados. Daí resultaria uma busca de alternativas (o mutualismo5, por exemplo), circunstância que reduziria o velho trabalho assalariado a uma mera subsistência fantasmagórica (Le travail fantôme). A tese parece interessante à primeira vista, mas falta-lhe realidade, já que os mutualistas, conforme seu exemplo, não poderiam viver fora da coação exercida pelo mercado mundial. Por outro lado, nesse ideário não está considerada a situação de trabalhadores já descartados do mercado. Assim, o movimento que ele propõe não se configura como uma fuga livre dos assalariados ao jugo do capital, mas, antes, um mergulho nas relações capitalistas, sempre capazes de criar novas formas de exploração.

Contudo, há que se atentar para os trabalhos mais recentes do autor6, cujas ideias principais demonstram que a flexibilização (HARVEY, 1996) posta pelo capitalismo pós-fordista traz “[...] o germe da superação do capitalismo” (GORZ, 2005a, p. 54), pois poderia permitir a rearticulação da relação entre valor, capital e saber, a partir do momento em que o valor for vinculado ao saber imaterial. (GORZ, 2003). O saber imaterial só pode ser sintetizado por quem tem tempo livre e, para tanto, a luta deve ser direcionada não para o pleno emprego, mas para uma renda de existência incondicional paga diretamente pelo Estado, que seria uma espécie de salário não mais vinculado ao emprego. Nessa perspectiva, segundo Gorz (1998, p. 37), “[...] proclamar a centralidade do emprego faz parte da estratégia de dominação do patronato”. Assim, o fim do trabalho assalariado poderia vir a permitir a superação do próprio sistema capitalista.

Não obstante a novidade de tais ideias e a afirmação de princípios marxistas que ela carrega, não se pode deixar de avaliar qual seria a viabilidade de tal proposta, sobretudo nos países onde o Estado de Bem-Estar Social não se efetivou, e nem se pode esquecer as suas obras antecedentes. No presente texto, interessa, particularmente, a produção teórica realizada por Gorz a partir do final da década de 1970, mais especificamente a que vai da obra Adeus ao proletariado (publicado em 1980 na França) em diante7. Esse livro reflete uma importante inflexão no pensamento de Gorz, razão pela qual é considerado um divisor de águas na sua produção teórica, onde o tema do trabalho tem sido uma constante. Gorz foi militante de esquerda e sempre refletiu tendo o socialismo como horizonte. Mas, por conta da sua concepção de trabalho e o lugar deste na sociedade, Gorz passou a desafiar a esquerda tradicional a repensar o socialismo. O autor não acreditava mais na possibilidade da classe operária se liberar no trabalho, e tornou-se um ardoroso defensor da libertação do trabalho.

Apesar da natural dificuldade de compreender a libertação da classe operária fora do trabalho, buscaram-se, na reflexão de Gorz, contribuições para uma nova compreensão do trabalho. Em que reside a ousadia do seu pensamento? Pode-se dizer que está fundada, basicamente, em três grandes razões.

A primeira razão diz respeito à leitura que Gorz faz da crise da sociedade salarial. Uma revolução tecnológica, a revolução informacional, está na base das transformações ocorridas, principalmente no último quartel do século XX. Ele chama a atenção para a diferença dessas tecnologias em relação àquelas que proporcionaram o surgimento da revolução industrial. A revolução informacional é, ao mesmo tempo, poupadora de trabalho, de tempo de produção, e maximizadora da produtividade. E isso faz toda a diferença, quando são apropriadas unilateralmente pelo capital. A sociedade do pleno emprego acabou e não voltará mais. Para Gorz, não se trata de lamentar as chances e oportunidades perdidas, mas aproveitar-se das chances ainda não realizadas.

Por trás da crise do emprego há algo mais. Esta forma particular de trabalho, o emprego, é uma invenção da modernidade, ou seja, o emprego é contemporâneo da indústria, do capitalismo industrial.

Por trás da crise do emprego, Gorz enxerga a necessidade de se diferenciar, conceitualmente, as noções de emprego e de trabalho. Aí está a segunda razão. O que, para ele, está, de fato, em crise, é uma determinada forma de trabalho, o trabalho entendido como emprego, isto é, aquilo que foi submetido à racionalidade econômica. O trabalho guarda uma riqueza que não pode ser confundida com o emprego. Resgatar essa diferença torna-se crucial para uma melhor compreensão dessa realidade, ao mesmo tempo em que aponta para as consequências políticas e sociais oriundas desse rigor conceitual.

Gorz defende a limitação da racionalidade econômica. Para ele é preciso arrancar do domínio do capital o máximo de tempo das pessoas e não buscar que, na tentativa de solucionar o problema do desemprego, mais atividades não remuneradas sejam incorporadas ao campo das atividades remuneradas, uma vez que a criação de novos empregos significa, muito frequentemente, trabalho mais precário, mal remunerado e mal protegido.

Terceira razão. A crise do emprego e a diferenciação conceitual estabelecida entre as noções de emprego e de trabalho abrem um vasto leque de possibilidades para que se possa pensar uma sociedade não mais organizada principalmente sobre o trabalho. Uma sociedade de multiatividades pode ser fonte de uma densa rede de relações, de proximidades, de entreajudas (para o autor, é neste ponto que o mutualismo pode ser considerado como alternativa), capaz de desenvolver as potencialidades presentes em cada pessoa. Não há mais a preocupação em desenvolver somente aquelas potencialidades requeridas e úteis às empresas.

Gorz desenvolve algumas propostas que acredita tornar possível o êxodo da sociedade salarial ou do trabalho: a redução do tempo de trabalho e a renda de cidadania, universal e suficiente. Ambas devem ser tomadas em conjunto. Isoladamente, correm o risco de se transformarem em medidas pontuais e, portanto, fadadas ao fracasso.

O pensamento do autor é extremamente instigante e desafiador. Suas reflexões denotam uma firme convicção de que se vive um momento crucial da história e de que o trabalho pode contribuir, decisivamente, para uma nova organização das nossas sociedades, o que poderá ajudar a escolher entre mais mercado ou mais sociedade.

Não obstante as contribuições para se repensar o mundo do trabalho, defender a desaparição do trabalho e, consequentemente, das ações resultantes das forças sociais dele oriundas, é uma desconstrução equivocada, já que o trabalho permanece relevante, mesmo sofrendo alterações e transformações ou, como afirma Antunes (2006), que apresente uma nova morfologia como elemento central para o entendimento do mundo contemporâneo.

Quanto a Claus Offe (1989a), seu principal argumento consiste em destacar a segmentação do trabalho na sociedade atual, a sua fragmentação em formas heterogêneas, cuja principal manifestação é a que distingue o trabalho produtor de bens materiais do trabalho sob a forma de serviços. O que se observa, contudo, é uma tendência contemporânea contrária ao que ele enfatiza, ou seja, há uma crescente interdependência entre as diversas formas de trabalho, em decorrência do movimento de internacionalização da produção. Nota-se uma tendência a uma semelhança crescente entre o trabalho industrial e os serviços. A fragmentação das lutas e manifestações desses segmentos é outro problema que se pode apontar. Assim, quando Offe estabelece uma relação direta entre a fragmentação dos trabalhos concretos e a fragmentação das ações das respectivas classes ou frações de classe, demonstra um determinismo entre o lugar ocupado pelos trabalhadores na produção, esse fragmentado, o que implicaria, também, na fragmentação da sua consciência e ação política. Embora seja necessário reconhecer que essa fragmentação dificulta a formação de classe e a construção de identidades, não se pode concordar com esse determinismo econômico implícito na sua tese, por considerar que ele vê a fragmentação de forma unilateral, desconsiderando o aspecto político necessário à análise.

Outro argumento de Offe é o de que há, hoje, outras preocupações no contexto da vida dos que trabalham, inclusive culturais, que estariam ganhando mais espaço que o próprio trabalho. Isso não parece ter consistência, uma vez que as atividades culturais já fazem parte da preocupação dos trabalhadores desde muito tempo, como demonstrou Thompson em A formação da classe operária inglesa. Além disso, na atualidade, os trabalhadores se veem forçados a ocuparem o tempo pós-jornada com outras atividades remuneradas para complementação do salário ou, em outros casos, investindo em cursos de especialização, reciclagem etc., para estarem mais aptos a permanecer em seus empregos/ocupações. Observa-se, assim, que os trabalhadores estão mais fortemente subordinados à opressão do capital, que lhes bloqueia o tempo livre. Ademais, também se criam e recriam, atualmente, formas de organização operárias, dentro e fora das fábricas, mostrando que o cenário no qual Offe só enxerga morte, continua bem vivo.

O que ocorreu, na verdade, é que, no contexto de mudanças implementadas pelo capital, no cenário mundial, a classe trabalhadora ficou mais complexa, fragmentada e heterogênea. (ANTUNES, 1999). Em alguns setores, tornou-se mais qualificada; em outros, desqualificada e precária. Constituiu-se, de um lado, um contingente reduzido de trabalhadores polivalentes e multifuncionais e, de outro lado, uma grande massa precarizada de trabalhadores sem qualificação (subempregados e informalizados) atingida pelo desemprego estrutural.

A partir dessas considerações, e dada a amplitude que adquiriu a noção de classe trabalhadora, nos dias atuais, não é possível concordar com a tese do fim do trabalho ou da centralidade do trabalho a partir de um segmento dessa classe: o operariado assalariado fabril. Este está, contraditoriamente, sendo suplantado, em escala mundial, pelo proletariado precarizado (ALVES, 2000). Assim, o fim do papel central do trabalho (e da classe trabalhadora) não está determinado. Acredita-se que, por mais difícil que seja enfrentar o desafio de aglutinar forças nesse cenário de metamorfoses do trabalho (ANTUNES, 1999), ainda é possível resgatar, em relação aos trabalhadores, o sentido de pertencimento de classe que o capital e suas formas de dominação tentam ocultar com as mais perversas estratégias.

Diante desses elementos, parece que, dentre outros equívocos, Gorz e Offe confundem-se na análise da crise do movimento operário, definindo-a como crise do trabalho, o que acaba por tornar ainda mais obscuras as causas e as consequências da ofensiva neoliberal para os trabalhadores, o que, por si só, já contribui para despolitizar e encobrir o acirramento da luta de classes na atualidade, se considerada a relação social fundamental entre capital e trabalho. Este último aspecto, na verdade, deve nos levar a dar uma maior atenção às transformações que o ideário neoliberal ocasionou às relações de classe no Brasil, o que supõe, também, uma reflexão sobre o impacto do neoliberalismo8 para as camadas populares no país. Cabe lembrar, porém, que isso não faz com que sejam relegados a um segundo plano, nesta análise, os espaços tradicionais de negociação e alianças do movimento sindical de trabalhadores, assim como os espaços de negociação direta entre trabalhadores e patrões, que foram conquistados pela organização sindical nos locais de trabalho e que vêm sendo solapados pelas duras investidas neoliberais sobre a classe trabalhadora pelo menos desde a década de 1990 (STAMPA, 2011), sendo agora agravadas pela intensificação dos processos de neoliberalização em curso no Brasil, o que marca um momento singular da luta de classes no tempo presente: a burguesia quer manter altos lucros a qualquer custo.

3 PRECARIZAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO NO CONTEXTO BRASILEIRO9

Leda Paulani (2006) resgata que o projeto neoliberal, implementado a partir da década de 1990 no contexto brasileiro, teve uma dinâmica e impasses particulares. Desde a eleição de Fernando Collor de Mello (1990-1992) tentam imprimir a lógica da redução do Estado, da privatização do que é público, de controle dos gastos estatais, da abertura da economia, entre outras medidas, no intuito de tornar o Brasil um país mais competitivo. Porém, a autora chama a atenção para ideia de que o Estado não se tornou fraco, ao contrário, ele é forte para atender às demandas do grande capital, no limite até violento na condução do processo10. O que instaura a militarização do Estado nas respostas às expressões da questão social contemporânea.

Os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) trouxeram um sentimento prolixo de emergência financeira. Assim, tudo acontece e é justificado sob o decreto de um estado de exceção econômica, em nome dos antídotos necessários para evitar ora o retorno da inflação, ora a perda da credibilidade no mercado internacional. Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) o estado de emergência transforma-se em necessidade, ou seja, trata-

-se de salvar a sociedade do eterno perigo da inflação e do inaceitável pecado da perda de credibilidade. O que se manteve nos governos Dilma Rousseff (2011-2016) e se intensifica no governo de Michel Temer (2016-atual), após o golpe de 2016.

Sobre o estado de exceção, que é o oposto do estado de direito, Paulani (2006, p. 96) alerta que:

Sob seus auspícios [do estado de exceção], uma espécie de vale-tudo toma o lugar do espaço marcado por regras, normas e direitos.Trata-se da suspensão da normalidade, da suspensão da ‘racionalidade’. São puras medidas de força justificadas pelo estado de emergência e pela necessidade de ‘salvar’ a sociedade [...]. A armação do estado de emergência econômico que presenciamos foi, assim, condição de possibilidade para que nossa relação com o centro passasse da dependência tecnológica típica da acumulação industrial à subserviência financeira típica do capitalismo rentista.

Com base nessa afirmação de Paulani (2006), pode-se remeter à Gramsci quando o mesmo coloca que a crise não acontece somente pelo viés da dinâmica econômica, fruto das relações contraditórias da acumulação capitalista; mas se dá através de um processo mais amplo, ou seja, através de uma crise orgânica ou de uma crise de hegemonia, como o filósofo registrou nos Cadernos.

Em tempos de irracionalismo pós-moderno é imprescindível o debate sobre o conservadorismo no Brasil. A crescente bancada evangélica e as tantas pautas políticas conservadoras postas em votação e/ou implementadas nos últimos anos leva a acreditar que, realmente, vivencia-se um estado de exceção, expresso mediante aprofundamento da ofensiva contra a classe subalterna e “[...] tende cada vez mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea.” (AGAMBEN, 2014, p. 13).

O capitalismo contemporâneo se apresenta com um forte poder ideológico, enfraquecendo as lutas de classes, focalizando as políticas sociais, privatizando o que ainda resta de público, enfim, contribuindo para a construção de uma esquerda liberal. Para Liguori (2006, p. 4), as esquerdas nos dias atuais são pressionadas a abandonarem o conceito de classe devido: “[...] a crise dos modelos hiperestatistas e autoritários do socialismo real e com os limites de gestão governamental apresentados pelos países socialdemocratas do Welfare State. A cultura da política da direita tornou-se preponderante, em forma e conteúdo, sobre a esquerda”.

As percepções incorporadas pelas esquerdas são, assim, de origens liberais, cujo interesse é “[...] a supremacia da sociedade civil sobre o Estado; a superioridade do econômico sobre o político; do privado sobre o público; do mercado sobre a programação estatal. E podemos dizer ainda, conjuntamente com Marx, do burguês sobre o cidadão.” (LIGUORI, 2006, p. 4). A ideia de cidadania passou a substituir o conceito de classe social para essa esquerda liberal, essa noção não mais compactua com a realidade dos fatos, uma vez que o indivíduo, o cidadão, “[...] está afastado de toda possibilidade de fazer parte de uma subjetividade coletiva – que, frequentemente, aparece privada de todas as defesas e dos direitos provindos dos últimos duzentos anos de luta de classe.” (LIGUORI, 2006, p. 4).

A ofensiva neoliberal, a propósito, representa uma etapa fundamental para a fragmentação pós-moderna11, bem como uma forma de explicitar essa investida. A fragmentação é um desafio para todos, por compor o nosso tempo histórico e, simultaneamente, viabilizar uma inconcebível gestão da barbárie.

As políticas sociais pautadas pelo padrão de ambições governamentais de converter o Brasil em potência emergente (os famosos BRICS12), através de um processo de desenvolvimento conduzido pelo Estado, o qual vem desde a década de 1930, e que na atual conjuntura denominou-se de neodesenvolvimentismo, não estão desagregadas das influências internacionais hegemônicas (PEREIRA, 2012).

No campo dos direitos, a trajetória brasileira tem sido muito peculiar. Segundo Couto (2008), desde a independência falta à formalidade jurídica a habilidade para lidar com o modo pelo qual se relacionam Estados, elites brasileiras e o povo. Essa relação, que é permeada por paternalismos, clientelismos e patrimonialismos, tem retardado a possibilidade de criar condições para o exercício de direitos, sobretudo os sociais. Nesse cenário, os governos ditatoriais valeram-se, muitas vezes, dos direitos sociais como forma de garantir governabilidade, fato esse que marcou significativamente os programas assistenciais, que se tornaram assistencialistas. Com a abertura democrática que culminou na Constituição Federal (CF) de 1988, o país se depara com uma legislação que impõe a responsabilidade do Estado com relação às políticas sociais.

Contudo, as políticas sociais brasileiras têm na Constituição de 1988 o seu grande marco de expansão, pois a mesma criou o sistema de seguridade social – formado pelas políticas de previdência social, saúde e assistência social – e garantiu em lei fontes de financiamento. Porém, os compromissos econômicos acenavam para o contrário, ou seja, acenavam para a retirada da intervenção do Estado no social.

A trajetória da Seguridade Social brasileira [permite] entender as razões que impediram os governos pós-ditadura militar de instituir no Brasil um Estado social de direito, tal como já experimentado por outros países capitalistas. Afinal, com a Constituição de 1988 não se estava propondo nada radical, que sugerisse a passagem do capitalismo para o socialismo, mas tão somente a entrada retardatária do Brasil num processo civilizatório próprio das chamadas democracias burguesas. Entretanto, nem assim as forças conservadoras que se mantiveram ativas [...] absorveram os avanços constitucionais. E, desde então, deu-se início [à] “contrarreforma” conservadora às reformas institucionais. (PEREIRA, 2012, p. 740).

Os resultados revelam a “[...] destruição das frágeis conquistas democráticas consignadas na Constituição, praticada pelo Estado ou com o seu aval.” (PEREIRA, 2012, p. 740), principalmente na não implementação da seguridade social. Colocando em xeque duas importantes estratégias progressistas que envolveram a reivindicação de um orçamento próprio para a seguridade social e a garantia do controle democrático sobre os investimentos nas políticas sociais, evitando-se seus desvios para a área econômica. Ou seja, as contrarreformas trabalhista13 e da previdência14, em curso, associadas ao ajuste do Brasil ao capitalismo financeirizado15 no contexto da crise do capitalismo vem acarretando o desmonte da seguridade social.

Desse modo, referenda-se a afirmação de que historicamente o Estado brasileiro se caracteriza como um Estado mínimo no social, ao orientar as políticas sociais para o atendimento quase que exclusivo à população em extrema pobreza. Os critérios que são estabelecidos para o acesso aos direitos sociais não consistem no conceito de necessidades humanas básicas, mas naquilo que é mínimo para a sobrevivência.

Os programas sociais vão além de seus objetivos anunciados, eles se inscrevem, segundo Wacquant (1999, p. 12), na “[...] internalização da penalização da miséria.”, ocupando um lugar de subalternidade e de dependência dentro das estruturas de poder. Esta lógica punitiva oriunda da lógica penal passa, então, a orientar os objetivos e dispositivos dirigidos ao campo social.

De acordo com Pastorini (2007, p. 73), existe uma real desigualdade em relação à redistribuição de renda, pois, “[...] a redistribuição por via das políticas sociais não é suficiente sequer para compensar as desigualdades socioeconômicas e políticas geradas inicialmente no mercado ou na esfera produtiva”. Desse modo, nos países onde as políticas sociais se desenvolveram menos, ou fragmentariamente, ou foram interrompidas por mudanças políticas (como é o caso da América Latina), foram os lugares nos quais mais se expandiram os investimentos sociais particularizados e centrados em medidas de combate à pobreza. Dado associado ao mesmo período em que, na Europa, recoloca as prioridades acerca da função do Welfare State.

Para Saraceno (2013), as contradições atribuídas ao Welfare State referem-se às dualidades: universalidade versus seletividade e universal versus classista. A autora advoga a favor da perspectiva da universalidade na contribuição das políticas de Welfare, porque por meio dela se promovem transferências de renda sem comprovação ou gradação das necessidades individuais/familiares, realizando também condutas e políticas sociais menos estigmatizantes e mais legítimas. Por isso, sustenta que é imprescindível ultrapassar essa dualidade simplista (universalidade versus seletividade) por quatro motivos essenciais: 1) todos acessam independente da história laboral e há cobertura obrigatória para previdência e saúde; 2) coparticipação, ou a ideia de universalismo seletivo, porque todos participam do financiamento, direta ou indiretamente (impostos); 3) maior capacidade de cobertura de necessidades particulares aos diferentes perfis de indivíduos e classes, sempre com cobertura integral e de maneira eficaz; 4) a ideia de seletividade pode dar sustentação às políticas universalistas, complementando a provisão de modo a elevar a capacidade de acesso e de bem-estar/cuidado àqueles histórica e geracionalmente em desvantagem.

Nesse sentido, os sistemas de proteção social na atualidade oscilam entre diferentes formatos de transferência de renda ou de bens e serviços. Muitas vezes, no momento de executar as políticas sociais, mesclam a transferência de renda direta com a indireta via bens e serviços. De acordo com Saraceno (2013), todas as experiências oscilam ainda entre o Welfare State ideal e o Welfare State real.

A origem das políticas sociais deu-se de forma gradativa e distinta entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora e do grau de desenvolvimento das forças produtivas e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. Resta compreender suas configurações no contexto do capitalismo contemporâneo.

No momento atual, no Brasil, vivencia-se o desmonte dos direitos sociais previstos na CF em 1988: a redução/congelamento dos gastos com políticas sociais (Emenda Constitucional – EC nº 95, 15 de dezembro de 2016) e maior redirecionamento do fundo público aos interesses do capital; o retorno ao primeiro damismo e a intenção de deslocamento da política de assistência social para o campo do não direito; a indicação das contrarreformas da previdência social, da educação e do trabalho; a destruição da universalidade e gratuidade do Sistema Único de Saúde (SUS); entre outras atrocidades. Esses são alguns dos retrocessos que marcam a realidade brasileira desde 2016 e seguem em 2018, retrocessos que se tornam mais contundentes num contexto de crescimento do desemprego e, ao mesmo tempo, pela intensificação da exploração da força de trabalho. São processos que se retroalimentam.

Observa-se, no percurso da história, que o país viveu e vive uma ditadura da burguesia, pois o medo da elite burguesa na perda do poder (político, econômico e social) faz com que se utilize de armas cruéis, como violência, para manter-se com o status quo inalterado. Portanto, o “[...] conservadorismo é, e sempre será, alimento imprescindível da reprodução do capital, e por isso nunca sai de cena. Ou seja, é um elemento central para conservar a sociedade capitalista e sempre estará a seu dispor.” (BOSCHETTI, 2015, p. 639). Nesse aspecto, as condições de trabalho impostas, incluindo a atual ofensiva e regressão de direitos do trabalho, são elementos fundamentais para compreender o movimento da burguesia na manutenção da hegemonia, bem como para apreender os dilemas e possibilidades de resistência da classe trabalhadora.

4 NOVAS CARACTERÍSTICAS DA CLASSE TRABALHADORA, DILEMAS E RESISTÊNCIA DO MOVIMENTO ORGANIZADO DE TRABALHADORES

Para entender melhor o que vem ocorrendo com o trabalho e o movimento organizado de trabalhadores no Brasil, torna-se necessário voltar brevemente no tempo. Se durante os anos 1980 a forte presença sindical no chão de fábrica garantia um poder de barganha importante aos representantes sindicais de categorias chaves de trabalhadores brasileiros, a partir da década de 1990, com a ofensiva neoliberal iniciada com o governo Collor, isso começou a se modificar. Novas políticas de reestruturação produtiva levaram à redução do trabalho vivo nas empresas, acarretando uma diminuição do nível de emprego nos setores econômicos onde havia uma maior penetração do chamado novo sindicalismo16, tornando mais difícil o processo de mobilização operária. Contudo, o reconhecimento dessa realidade não significa apontar para o fim da luta sindical, mas antes verificar que há um deslocamento, na sociedade brasileira atual, do espaço da luta sindical, o qual não se restringe mais apenas ao chão da fábrica’, ou seja, o movimento organizado de trabalhadores não está sujeito primordialmente às mudanças econômicas, mas, também, aos aspectos políticos e sociais que resultam das relações sociais.

Cumpre esclarecer, neste ponto, do que se está tratando ao fazer-se referência à reestruturação produtiva. Concordando com Ramalho e Santana (2003, p. 14) que o termo se refere a uma diversidade de processos e, muitas vezes, acaba por não servir como categoria explicativa, sobretudo se não se considerar que o conjunto de mudanças a que se refere adquire características próprias em função das “[...] realidades, históricas e conjunturas às quais estão associadas”, entende-se como reestruturação produtiva o conjunto dos processos e mudanças ocorridos no interior do mundo do trabalho, como as práticas de terceirização/subcontratação, implantação de círculos de controle de qualidade, por exemplo, associadas ao emprego intenso da microeletrônica e da automação e de grandes investimentos em tecnologia, que são a expressão das transformações econômicas por que passa o mundo contemporâneo. Além disso, e com base nas reflexões de Mota (1998), a reestruturação produtiva é aqui concebida como mais uma estratégia do capital para responder às suas crises. “Para fazer-lhes frente é absolutamente vital ao capital [...] redesenhar não apenas a reestruturação econômica, mas, sobretudo, reconstruir permanentemente a relação entre as formas mercantis e o aparato estatal que lhes dá coerência e sustentação [...]” (DIAS, 1997, p. 14). Nesse aspecto, as medidas que contribuem para intensificar a precarização social17 do trabalho são ingredientes imprescindíveis.

Dias (1998) trata a reestruturação produtiva como forma atual da luta de classes, à medida que, para criar as condições desta nova face da dominação capitalista, é preciso liquidar as antigas identidades de classe e as vigentes relações de trabalho, tarefa que a tal reestruturação, no sentido que aqui está sendo tratada, desempenha muito bem. Segundo o citado autor, “[...] trata-se de uma brutal luta ideológica, travestida de modernidade capitalista. Esta luta visa a negar a possibilidade de uma identidade classista do trabalhador, negar suas formas de sociabilidade e subjetividade.” (DIAS, 1998, p. 5).

A literatura especializada mostra que, embora haja consenso a respeito dos efeitos dessas mudanças sobre os sindicatos, não existe concordância quanto aos impactos ocasionados, ou seja, se eles ocasionariam o fim do sindicato como instância de representação dos trabalhadores:

Uns alegam que há uma crise mundial de sindicalização; outros, qualificando diferentemente os números, apontam o relativismo de tal afirmação. Uns indicam que o legado dos sindicatos como elemento central da representação dos interesses dos trabalhadores está acabado, dando lugar a outras formas identitárias e de representação mais parciais; outros, aceitando, em parte, tal indicação, continuam apontando a importância dos sindicatos na conquista e manutenção dos direitos para a classe trabalhadora. (SANTANA, 2005, p.15).

É bom lembrar, ainda, que a luta dos trabalhadores se dá historicamente, razão pela qual está sujeita a crises e instabilidades, como qualquer outra empresa humana que busca se adequar no tempo e no espaço. Neste contexto, o movimento sindical de trabalhadores passou a buscar alternativas para as suas formas de estruturação e intervenção. Não existiriam saídas, num contexto de precarização do trabalho, conforme já visto, somente se a organização sindical não alterasse algumas de suas premissas, já que as mudanças trazem novas questões a serem enfrentadas. Este é outro aspecto que a literatura mostra: os sindicatos vêm assumindo novas configurações e maneiras de agir. Ainda de acordo com Santana (2005), no caso brasileiro, a busca de alternativas tem apontado, a exemplo de outros países, para diversas direções, embora ainda não seja possível avaliar, com profundidade, os resultados desses esforços. O que já é possível assinalar é o desenvolvimento de experiências múltiplas e variadas, nos diversos setores que compõem o movimento sindical brasileiro.

Aqui cabe esclarecer que, não obstante as limitações impostas, a década de 1990 não representou um período de abstenção para os sindicatos. Prova isto os vários movimentos de resistência à ofensiva neoliberal sobre o trabalho, sejam na forma de greves (ainda que com estratégias diferenciadas das duas décadas anteriores), ou na tentativa de articulação com outros movimentos18. Historicamente, esta articulação já acontecia, mas protagonizada pelos sindicatos. A novidade recai na recriação dessa articulação com os movimentos sociais19, que se dá de forma diferenciada. A esse respeito Rodrigues (2004, p. 3) chama a atenção para o fato de que há uma nova pauta sindical, onde um dos temas cruciais é a manutenção do emprego, e outro, “[...] a capacidade de transitar com desenvoltura do interior da empresa à comunidade, da sociedade civil às instituições políticas, enfim, do local e/ou regional ao nacional e/ou global”.

A análise empreendida tem que levar em conta, como um dos seus eixos principais, a discussão sobre a própria crise que vive o sindicato20 e a maneira como a enfrenta, sobretudo no que se refere aos aspectos de dissolução do individualismo, que é um traço marcante da sociabilidade capitalista. Neste cenário, a regeneração da solidariedade de classe21 comparece como estratégia fundamental para um projeto de retomada do sindicalismo que possa responder às características desses novos tempos, quando a desarticulação, para a classe trabalhadora, tornou-se um imperativo. Aí se encontra outro aspecto fundamental para este estudo, que é a perda de referências coletivas, mesmo num movimento onde a ação coletiva é (ou deveria ser) o mote principal, sendo esta outra questão subjacente ao problema abordado. É nesse sentido que a constituição de espaços ampliados de luta e novas formas de gestão públicas, abertas à participação, são de vital importância. Em meio ao aprofundamento do processo de neoliberalização torna-se imprescindível pensar perspectivas para além dos desmontes e retrocessos.

Nesta ordem de ideias, é importante não perder de vista as novas características do trabalho, bem como o modo de ser da classe trabalhadora na atualidade. Outros elementos de importância para a compreensão dessas questões são as mudanças na legislação sindical e trabalhista. Ademais, a relação do movimento sindical com o Estado é elemento subjacente a esta abordagem, sobretudo na conjuntura atual, onde se observa o aprofundamento da regressão de direitos dos trabalhadores pelo atual governo, em estreita consonância com os interesses da classe dominante do país incrustrados nos poderes Legislativo e Judiciário.

Dessa forma, a compreensão do tema passa, necessariamente, não somente pela avaliação da necessidade histórica de fortalecimento do aparato sindical, mas, sobretudo, de sua razão de ser. Nessa perspectiva, a questão social refere-se não só ao resultado da contradição na relação entre capital e trabalho, mas, além disso, à resistência ao próprio processo de exploração vivenciado pela classe-que-vive-do-trabalho. (ANTUNES, 2006).

5 CONCLUSÃO

Vive-se um momento obscuro da história brasileira, em que a exceção se transformou, de fato, em paradigma de governo. O Brasil vem enfrentando graves regressões políticas impostas por um governo federal ilegítimo e golpista. Seja por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 55/2016, seja através da imposição de reformas – como a do ensino médio, da previdência social e a trabalhista. Contudo, sabe-se que mesmo diante do pessimismo da análise há de prevalecer o otimismo da vontade. A despeito do absoluto descaso da grande mídia, relevantes lutas e resistência também se fazem presentes.

O otimismo da vontade indica que a ampliação do campo de ação sindical se torna interessante, para além do que se passa da esfera do trabalho e das empresas, pois a ação tradicional do sindicalismo se mostra insuficiente para enfrentar a multiplicidade das especificidades dos terrenos, das disputas e das lutas que devem ser conduzidas fora do trabalho, as quais são tão numerosas e complexas que nenhuma organização pode pretender assumi-las sozinha. Nesse confronto, a constituição de novos espaços de luta é uma estratégia que pode reinventar o debate, descentrando-o da oposição estatal-privado, tão em voga e tão conveniente à operação ideológica liberal.

Contudo, o pessimismo da razão alerta para o fato de que a nova estratégia adotada traz em si outros desafios ao movimento organizado de trabalhadores. Como estabelecer alianças que ultrapassem os limites do local de trabalho, no sentido de aumentar sua capacidade de organização e mobilização sem, com isso, afastar-se do seu papel histórico, num momento de grave ofensiva a direitos básicos dos trabalhadores?

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Notas

1 A expressão mundo do trabalho se refere aos processos sociais que vêm levando às mais diversas formas sociais e técnicas de organização do trabalho desde o fim do século XX e neste início do século XXI, pautando-se na submissão cada vez maior do processo de trabalho e da produção aos movimentos do capital em todo o mundo compreendendo a questão social e o movimento da classe trabalhadora. (STAMPA, 2012). Sobre o tema ver Ianni (1994).
2 De acordo com Iamamoto (1998, p. 27), a questão social revela “[...] o conjunto das expressões das contradições da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.
3 Embora o termo também seja usado para uma tese muito difundida, a “[...] cooptação ou silêncio dos intelectuais de esquerda e dos movimentos sociais.” (O SILÊNCIO..., 2005), neste trabalho o termo refluxo foi empregado, confira Boito Jr. (2003). O autor defende o termo por entender que o correto é caracterizar o recuo atual como uma fase de crise temporária. Lojkine (1999), também, aponta para esta direção.
4 Na tradição marxista, a sociedade e sua dinâmica constituem a sociedade do trabalho. Deste modo, o trabalho é considerado uma categoria central. No entanto, frente às transformações desencadeadas no mundo do trabalho, várias são as pesquisas que apontam para o fim do trabalho ou para a perda da centralidade do trabalho (é possível verificarmos isso em autores como Offe, Gorz e Habermas, por exemplo).
5 O mutualismo é uma teoria econômica que propõe que volumes iguais de trabalho devem receber pagamento igual. Seu autor foi Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865, França), que escreveu a Filosofia da miséria (1846), contra a qual Marx antepôs a Miséria da filosofia: crítica da filosofia da miséria de Proudhon (1847). O mutualismo pregava uma associação de trabalhadores livres de posse de seus próprios recursos para a produção. Para tanto, apontava a necessidade de organização dos trabalhadores em cooperativas e a criação de um banco especial para eles. Ver Wilson (1986).
6 Ver Gorz (2003, 2005).
7 Dados bibliográficos completos das respectivas obras encontram-se nas referências deste artigo.
8 O termo neoliberalismo está sendo usado em referência às tentativas de recuperação do liberalismo, cujas consequências podem ser resumidas à fragilização do Estado nacional (na medida em que o setor público represente limites à irrestrita integração dos países à lógica financeira e especulativa), bem como à destruição das mais variadas expressões dos movimentos populares de resistência política aos propósitos dos mercados e da economia desregulada (nesse aspecto, em particular, os movimentos organizados de trabalhadores).
9 Para a construção deste item utilizou-se parte dos estudos realizados para o doutoramento, confira Lole (2014).
10 Pode ser citada, aqui, a forma violenta como o Estado reagiu diante das manifestações ocorridas em junho de 2013. Para maiores informações sobre os eventos de junho de 2013, ver: Maricato e outros (2013) e Lima (2017). Sobre o golpe de 2016, ver: Souza (2016), Mattos e outros (2016) e Demier (2017).
11 A fragmentação pós-moderna provoca um mal-estar nas lutas coletivas. O paradigma pós-moderno impede a consistência das lutas sociais, a busca de um sentido coletivo, ou seja, de uma unidade orgânica de acordo com o pensamento gramsciano. Ellen M. Wood (1999,p. 14) afirma que as concepções pós-modernas: “[...] negam a existência de estruturas e conexões estruturais, bem como a própria possibilidade de ‘análise causal’. Estruturas e causas foram substituídas por fragmentos e contingências. Não há um sistema social (como, por exemplo, o sistema capitalista), com unidade sistêmica e ‘leis dinâmicas’ próprias; há apenas muitos e diferentes tipos de poder, opressão, identidade e ‘discurso’”. Importa dizer que no modo de produção do capitalismo tardio tudo se tornou mercadoria, ou seja, “[...] o pós-modernismo caracterizou-se pelo consumo da própria produção de mercadorias.” (JAMESON, 2007, p.14). Sobre o fetichismo da mercadoria cabe dizer que “[...] o caráter misterioso da mercadoria não provém do seu valor-de-uso, nem tampouco dos fatores determinantes do valor.” (MARX, 2010, p. 93), mas pelo processo de reificação das coisas pelos produtores que, no capitalismo tardio, alcança o aspecto de mercadoria.
12 BRICS é um acrônimo para designar o grupo de países integrado por Brasil, Rússia, Índia e China, e o que se agregou recentemente, a África do Sul, caracterizados como economias emergentes destinadas a ocupar posição de crescente relevância na economia mundial. (REIS, 2013).
13 Da qual a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, é exemplo claro. Ela altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, nº 8.036, de 11 de maio de 1990 e nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.
14 A PEC 2872016 tramita no Congresso Nacional e está pronta para pauta no plenário, conforme dados da Câmara dos Deputados, ainda que represente imensos prejuízos para os trabalhadores, pois, se aprovada, vai alterar vários artigos da Constituição para dispor sobre a seguridade social.
15 Dentre outras iniciativas, destaca-se a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 (PEC nº 55/2016), também chamada de PEC do fim do mundo, altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para instituir o novo regime fiscal que congela as despesas do governo federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos. Esta medida é exemplo de como a lógica fiscal adquire preponderância sobre os direitos sociais. A política de austeridade não toca nos interesses do capital, ao contrário, os preservam e os garantem no âmbito do Estado.
16 Importante deixar claro que, embora haja controvérsias quanto à ocorrência de rupturas em relação ao velho sindicalismo (refere-se ao sindicalismo estatal-corporativista, inaugurado na era Vargas), o termo será aqui utilizado para destacar o movimento sindical brasileiro do final da década de 1970 até o final da década de 1980.
17 Druck (2011) define a precarização social do trabalho a partir dos seguintes processos: 1) pela vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais; 2) pela intensificação do trabalho e terceirização; 3) pela insegurança e saúde no trabalho; 4) pelas perdas das identidades individual e coletiva; 5) na fragilização da organização dos trabalhadores e 6) pela condenação e descarte dos direitos do trabalho.
18 As ofensivas iniciadas no governo Collor, que deu ampla difusão à ideologia neoliberal e aumentou o desemprego estrutural, fizeram, contraditoriamente, crescer ou mesmo deram origem a outros movimentos sociais, chamados por Mouriaux (2002) de movimentos de urgência, pelo fato de serem movimentos que lutam por condições mínimas e urgentes para assegurar a simples sobrevivência física de seus membros (como exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e o Movimento dos Trabalhadores Desempregados).
19 Cumpre esclarecer que a contribuição dos movimentos sociais para a democratização difere da que cabe aos sindicatos ou aos partidos políticos, pois os movimentos sociais apresentam perfis de organização próprios, além de uma inserção específica na sociedade e articulações particulares com a estrutura político-institucional, razão pela qual se tornam mais promissores para a construção da democracia, sobretudo no Brasil, país marcado por práticas autoritárias e clientelistas. A esse respeito vide Martins (1994) e Costa (1997).
20 A crise do movimento sindical ocorre não só nos países capitalistas mais desenvolvidos, mas, também, nos polos mais modernos da economia capitalista dependente, que é o espaço em que se trava a luta política no país e do qual depende, estrategicamente, o sucesso dos demais movimentos sociais.
21 Necessário frisar que, ao apontar a regeneração da solidariedade de classe, propugna-se a recusa da individualização exacerbada que a nova lógica privatista quer impor como regra de vida. Assim, a solidariedade se refere à vontade de reconstituir um mínimo de comunidade humana diante das relações capitalistas. (BIHR, 1998). Seria ingênuo não reconhecer a diversidade de experiências e de finalidades almejadas pelos sindicatos. A solidariedade de classe é colocada como um valor que possa balizar um projeto de resistência a essa tendência.
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