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Recepção: 12 Fevereiro 2018
Aprovação: 09 Maio 2018
Resumo: Este artigo propõe uma breve reflexão sobre a hegemonia neoliberal tendo como referência teórica o conceito de revolução passiva desenvolvido por Antônio Gramsci para explicar, interpretar processos específicos como o Rissorgimento na Itália (formação do Estado burguês italiano, o fascismo e o americanismo e fordismo nos EUA). .Busca se por outro lado, compreender a ideologia neoliberal no sentido gramsciano - como a conversão de uma ideologia em cimento de um novo bloco histórico.
Palavras-chave: Ideologia neoliberal, revolução passiva, capitalismo.
Abstract: This article proposes a brief reflection on the neoliberal hegemony having as theoretical reference the concept of passive revolution developed by Antonio Gramsci to explain, to interpret specific processes as the Rissorgimento in Italy (formation of the Italian bourgeois state, fascism and Americanism and Fordism in the USA). It seeks, if on the other hand, to understand the neoliberal ideology in the Gramscian sense as the conversion of an ideology into cement of a new historical block
Keywords: Neoliberal ideology, passive revolution, capitalismo.
1 INTRODUÇÃO
Neste artigo, procuro analisar o neoliberalismo como ideologia totalitária do nosso tempo, a luz do conceito de revolução passiva2. Trata-se de compreender de “[...] forma sistemática características essenciais da nossa época, a da globalização, marcada pelo predomínio das políticas neoliberais.” (COUTINHO, 2007).
O conceito de revolução passiva foi utilizado por Gramsci (1991) para analisar o processo de constituição do estado burguês (ou Rissorgimento italiano) também denominado de transformismo. Este conceito também foi utilizado pelo o autor para análise de outras passagens, como o fordismo e o fascismo. Isto é, para se referir a atos de reação do capital numa situação de crise orgânica
Na década de 1980, o neoliberalismo surge sob a bandeira onipotente do mercado e toma a forma de uma ofensiva que atualiza os interesses das classes dominantes numa situação de crise orgânica, período que sintetiza de forma aguda a tendência da queda da taxa de lucro. (GRAMSCI, 1991). Esse processo de crise orgânica, que vinha se gestando durante toda a conjuntura do pós-guerra conforme analisou Braga (1996) se explicitou-se como uma crise de representação no final dos anos 1960, diferenciando-se de uma mera crise econômica.
Mandel (1990) foi um dos primeiros a localizar o que chamou de crise clássica de superprodução. Essa tendência iniciada nos anos 1970 seria um fenômeno produzido pela lógica, própria do sistema capitalista, combinando traços mais gerais, com traços conjunturais específicos3 e que se manifestou globalmente no esgotamento do padrão fordista – keynesiano que havia dado sustentação ao estado burguês do tipo welfare state. Por outro lado, esta crise exigiu por parte das classes dominantes “[...] um processo de ajuste e reordenação entre forças produtivas e aparelhos de hegemonia.” (TUDE DE SOUSA, 1994, p. 30). Implementadas tanto no âmbito das forças produtivas como nas estruturas políticas, as reestruturações e reajustamentos segundo Harvey (1993), indicava a passagem para um novo regime de acumulação flexível marcado pelo confronto com a rigidez do fordismo e apoiado na flexibilidade dos processos de trabalho. A intensa inovação comercial, tecnológica e organizacional com alterações no mercado de trabalho e padrões de consumo, agora, em marcha, configurava se como resposta, a quebra do equilíbrio das relações de forças entre capitalistas e trabalhadores sob o chamado compromisso fordista que vigorou entre 1945 e 1968.
O esgotamento desse relativo equilíbrio no final dos anos 1960 pode ser compreendida, segundo os estudos gramsciano como o momento que reuniu as condições objetivas e subjetivas de um período de crise orgânica, uma situação em que os antagonismos germinados no campo econômico transitam para o campo político, e se explicitam mais profundamente como contradições de todo um período histórico. Nesse sentido, o esgotamento do consenso formado em torno do welfare state, exemplificaria, essa contradição
Cabe sublinhar que desde os anos 1960, as taxas de lucros dos principais países capitalistas começaram a decrescer. Na Alemanha, estagnação e declínio a partir de 1960; na França, 1969; na Grã-Bretanha, a queda foi até 1975, nos Estados Unidos, de 1965 até 1974; no Japão, a queda se estende ao longo dos anos 1960. O processo de crise impedia, do ponto de vista do capital, tanto as condições da produção do valor e da mais-valia quanto as condições de sua realização.
Como desdobramento da crise desenvolveram-se, em todos os países de capitalismo central, o aumento dos custos de produção, a saturação dos mercados, baixa rentabilidade que pressiona a concorrência nacional e internacional e o aumento do número de fusões de empresas que permitem aos poderosos grupos financeiros e industriais coexistirem, enfrentando-se ou se aliando. Do ponto de vista do trabalho, aumentava a recusa aos métodos taylorista/fordistas expressos no trabalho desqualificado, parcelizado e repetitivo, cujo ritmo das linhas de montagem provocava o desgaste, a estafa e o desinteresse pelo trabalho. O próprio processo de internacionalização, tendencialmente concentrador, levou a um aumento da composição orgânica do capital numa conjuntura em que a combatividade da classe operária era alavancada por um ciclo autônomo de lutas e impunha ao capital enormes dificuldades para compensar essa elevação com um aumento continuado de extração de mais valia.
O ponto culminante da crise foi a explosão das greves operárias na França e na Itália (outono quente), mas também, a greve dos colarinhos brancos atingidos pela automação e o absenteísmo.
Somando-se aos tradicionais movimentos operários e estudantis, emergiram manifestações de consumidores, ambientalistas, mulheres, negros, imigrantes, homossexuais, anti nucleares, entre outros.
Esse quadro de inquietação social inaugurava, na Europa, um ciclo ascendente de lutas de classes, marcado por alterações na estrutura social. Tratou-se de um processo em que rompidas as bases do consentimento os grupos dominados se afastaram dos seus pseudo representantes, instaurando um movimento de corrosão das bases que também sustentava a hegemonia dos grupos dominantes. Isso atingiu as condições da produção imediata, precipitando contratendências ou estratégias de grande período, utilizadas pelas classes dominantes para reverter as fraturas em sua capacidade de dominação e direção.
Isso acontece ou porque a classe dirigente faliu em determinado grande empreendimento pelo qual impôs pela força o consentimento das massas ou porque amplas massas [...] passaram de repente da passividade política a certa atividade e apresentaram reivindicações que no seu complexo desorganizado constituem uma revolução. Fala-se de crise de autoridade, mas na realidade, o que se verifica é a crise de hegemonia, ou crise do estado no seu conjunto. (GRAMSCI, 1991, p. 53).
Pode se dizer que a profundidade da crise, que se explicitou na conjuntura do final dos anos 1960, colocou xeque, a relação entre dominantes e dominados, revelando, ao mesmo tempo, as contradições do período de expansão imperialista durante a guerra fria. O contraponto, segundo Braga (1996) foi o avanço do “bloco coletivista de estado (URSS) através da ampliação da perspectiva socialista e do processo de descolonização dos países africanos nos seus diversos movimentos de soberania nacional.
Diante do que foi considerado um risco, os países capitalistas, tendo á frente os EUA, empreenderam uma revolução passiva por meio de uma política de relocalização industrial, com a constituição de novos mercados, novos espaços geográficos, impulsionando nos países de terceiro mundo, processos diferenciados de inserção na dinâmica imperialista. No sudeste asiático, desenvolveram-se regimes de acumulação do capital financeiro e na América latina, longos ciclos de ditaduras militares.
Nos países de capitalismo central, a reestruturação capitalista adotou a estratégia de um Estado burguês do tipo Welfare State, do qual derivou o consenso social democrata. Sob este regime a produtividade fordista foi ampliada para o conjunto dos países desenvolvidos e terceiro mundista, através da instalação de zonas e a diversificação de parques industriais. Isso assegurou “[...] as condições pelas quais foram operacionalizadas a virtuosidade do ciclo de acumulação do capital monopolista.” (TUDE SOUSA, 1994, p. 35) .
Assim, enquanto nos países desenvolvidos a expansão do imperialismo promoveu os anos de prosperidade, nos países do terceiro mundo ampliou-se as desigualdades e exclusão social, porque incluiu apenas alguns segmentos a cidadania burguesa. A própria consolidação da produção fordista baseada no consumo/produtividade, ao excluir grande parte das classes trabalhadoras desencadeou novas formas de lutas. Por outro lado, a composição sócio-ocupacional gerada por essas formas de exclusão foi o terreno a partir do qual germinou novas e novíssimas formas de lutas política. Instaurou-se um espectro de lutas sociais e sindicais, totalmente independentes das suas direções, reivindicando e ou colocando em xeque as bases do consenso até então estabelecido pelo compromisso fordista. Emergia renovadas lutas política até então estranhas ao sindicalismo de base corporativa. Entretanto, na virada dos anos 1960 e inicio dos anos 1970, a classe trabalhadora fora incapaz de impor o seu projeto de classe diante da crise orgânica do capital.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Ofensiva e recomposição da hegemonia burguesa
Nos anos 1980 para atender as exigências do processo e acumulação, as classes dominantes redefiniram o papel do Estado operaram modificações substanciais nas formas de organização da produção e do trabalho, reestruturando ao mesmo tempo, as relações entre as formas mercantis e o aparato estatal que lhe da coerência e sustentação (DIAS, 1997). Face ao quadro marcado pelas experiências do leste europeu (queda do Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética) as abordagens conservadoras se fortaleceram. As respostas do capital a sua crise de valorização, de acordo com Braga (1996) foram consubstanciadas em duas estratégias articuladas: o neoliberalismo, que corresponderia ao processo de passivização no nível do aparelho de Estado e das formas estruturais da intervenção estatal e, do outro, a reestruturação produtiva que encarnaria esse mesmo movimento no âmbito das forças produtivas. (BRAGA, 1996).
A nova ofensiva aperfeiçoou das classes dominantes aperfeiçoou novas formas de controle, definindo grandes linhas de intervenção política na vida social. Um processo de restauração da crise (BRAGA, 1996) em que velhas tendências conservadoras foram sendo atualizadas para mais uma vez integrar passivamente as classes trabalhadoras a ordem do capital. A própria concorrência intercapitalista modificou o rearranjo de forças que havia assegurado o equilíbrio do pós-guerra, sendo colocadas em marcha modificações substanciais nas formas de organização do trabalho.
Para Antunes (1999), a classe trabalhadora se tornou mais fragmentada e mais complexa e em alguns setores houve uma relativa intelectualização do trabalho e, em outros, mais desqualificação e precarização, sem falar da massa de trabalhadores atingida pelo desemprego estrutural. No sentido de evitar a crise política e social a nova reestruturação produtiva impôs um processo de passivização da ordem, reafirmando esse modo, a clássica unidade entre crise e reestruturação tão bem observada por Gramsci.
Assim, se nos 1930, a resposta capitalista assumiu a forma sócio-política, consubstanciada no welfare state/keynesiano, com à compatibilização da dinâmica da acumulação com garantias mínimas de direitos sociais, para uma parte da classe trabalhadora sindicalizada dos países centrais, no final da década de 1970, a nova crise do capital atualizou os antagonismos de classes, dessa vez buscando se livrar das conquistas sociais que havia sido obrigado a conceder, na vigência do welfare state (onde ele existiu).
Por outro lado, as políticas compensatórias desenvolvidas, antes vitais, passam a ser as responsáveis pela crise, sendo, ainda mais, reforçada face ao vazio deixado pelas experiências do leste europeu e da União Soviética em 1989. Este foi o cenário ocasional no qual as classes dominantes puderam lançar a sua ofensiva, através da nova/ velha institucionalidade: o neoliberalismo e a restruturação produtiva. Seguindo a teorização gramsciana, foram estratégias que contribuíram decisivamente para o processo de passivização das lutas sociais, instaurando, um novo conformismo.
2.2 Expressões da atual reestruturação produtiva: coerção e consentimento
Esse processo ideologicamente chamado de reestruturação produtiva reverteu-se na apropriação política e ideológica de um conjunto de técnicas (kanban/just -in-time etc) de gestão da produção. Impulsionaram uma nova subsunção real do trabalho ao capital inspirado no sistema Toyota de organização da produção e do trabalho (toyotismo). Para ara além do chão da fábrica os princípios do toyotismo se converteram em mecanismo norteadores de uma nova subalternidade política ao articular coerção e consentimento.
Desde o seu início as visões apologéticas buscaram, antes de tudo, analisar as possibilidades de transferência do modelo japonês para os países ocidentais com a preocupação essencial de desenvolver o mesmo tipo de relações sociais que no Japão havia possibilitado o envolvimento dos trabalhadores com o objetivo da empresa. Isto é, como constituir a partir de cada realidade nacional, relações sociais capazes de fomentar um mundo harmônico entre o capital e o trabalho, era a grande questão nos anos 1980.
No Brasil, a proposta do modelo japonês nos anos 1990 foi amplamente incorporada por setores do movimento sindical, especialmente, a corrente denominada Sindicalismo de Resultado.4 O lançamento do Plano Collor veio acompanhada de um conjunto de medidas neoliberalizantes, chamadas de diretrizes para a política industrial e comercio exterior (PICE). Tal estratégia abriu caminho a concorrência desregulada e sob o impacto dessas medidas o processo de reestruturação produtiva foi amplamente defendido por representantes do governo, do empresariado e por setores do movimento sindical.
De acordo com Borges (1997), a difusão do modelo japonês no Brasil foi impulsionada por dois movimentos significativos: 1. O sindicalismo de resultado que forjava uma nova concepção sindical de alianças e cooperação ente capitalistas e trabalhadores; 2. O lançamento do Programa de Qualidade e produtividade (PBQP) que depois impulsionaria a privatização de empresas estatais no pais. O PBQP foi importante para a política neoliberal no sentido de envolver trabalhadores e capitalistas no mesmo ideário. O objetivo era, portanto, acelerar a reestruturação produtiva segundo os padrões apresentados pela concorrência internacional. No reforço dessa que seria uma via adaptável as necessidades dos trabalhadores em cada estado nacional, cabe sublinhar, que no auge da discussão sobre os problemas de transferência do modelo japonês aparecem as diversas “versões de esquerda”, disseminadas principalmente por Benjamin Coriat (1993), empenhado em incutir uma visão positiva desses métodos junto aos trabalhadores. A contribuição de Coriat foi muito significativa ao expor por exemplo, o que entendia ser a virtuosidade do modelo japonês com uma via universalizante e adaptável ás exigências da nova fase do processo de acumulação capitalista
Nasceu uma nova dependência que exigia novos investimentos em capital intensivo (inserção de novas tecnologias) e novos padrões de gestão da produção capaz de elevar as empresas brasileiras a um patamar de qualidade e competitividade. Nesse contexto, segundo Almeida (1996), o discurso das classes dominantes insistia na ideia de que em face a globalização os Estados nacionais haviam perdido a capacidade de implementar políticas próprias. O autor insiste na polêmica, mas trazendo para o centro debate a noção de dependência associada a nova fase de transnacionalização do capitalismo.
2.3 Ideologia neoliberal e passivização das lutas sociais
Ao analisar os fundamentos do neoliberalismo Petras (1997) apresenta as diferenças e similaridades entre o liberalismo clássico e o neoliberalismo. Doutrinariamente, sublinha, são semelhantes ambos defendem a deia de mercado, a desregulamentação total, a derrubada das barreiras comerciais, a livre circulação, de bens, de trabalho e de capital. Diferenciam-se, contudo, quanto ao contexto histórico em que surgem e ressurgem. A doutrina neoliberal assinala Petras (1997), combateu, as restrições pré-capitalistas, o neoliberalismo luta contra a ação o sindicalismo no interior do capitalismo.
Entretanto, é importante ressalvar que no século XIX, o liberalismo foi a ideologia dominante na Europa, muito embora tenha entrado em crise, primeiro, com a eclosão da primeira guerra mundial e, posteriormente, com a crise de 1929. Nas décadas seguintes, no entanto, foi gestado, nos marcos do capitalismo democrático como horizonte histórico possível. (DIAS, 1998). Com o final do nazifascismo, a Europa, na sua quase totalidade, passou a viver a era da socialdemocratização, tornada possível pela poderosa intervenção do Plano Marshall. Essa estratégia de passivização contribuiu de um lado, para que a experiência socialista não prosperasse no ocidente, e por outro, foi utilizado pelos Estados Unidos para ampliar o seu domínio como potência emergente e conduzir a estratégia de reconstrução do velho continente dilacerado pela guerra (particularmente a Alemanha e o Japão) viabilizado com capitais de fundo perdido.
O Plano Marshall trouxe para a órbita estadunidense ex-inimigos da velha Europa, ao mesmo tempo, que procurou abortar qualquer aproximação com o chamado eixo do mal. Com isso fortaleceram o poder de atração do liberalismo político, consolidando o predomínio da nova direita tanto na Europa quanto na América do Norte. Cabe, assinalar que, no imediato pós-guerra a relativa igualdade de força entre capital e trabalho produziu o welfare State - ordenamento sócio político que, sob a ordem capitalista visou compatibilizar a dinâmica da acumulação com o máximo de cidadania social.
Outro exemplo clássico que integra as analises gramsciana de revolução passiva foi o americanismo e o fordismo nos Estados Unidos da América. Esta estratégia de passivização no imediato pós-
Outro exemplo clássico que integra as analises gramsciana de revolução passiva foi o americanismo e o fordismo nos Estados Unidos da América. Esta estratégia de passivização no imediato pós-guerra teve como objetivo recompor a unidade entre as relações de produção e as novas exigências de acumulação do capital, situação que nesses países, levou ás classes dominantes a lançar mão da estratégia da guerra de posição contra as classes subalternas por meio de várias intervenções políticas, econômicas e culturais, uma delas foi impulsionar o operariado a se mover no terreno da luta econômico-corporativa.
O americanismo e fordismo, conforme analisa, Gramsci (1991) foi o maior esforço coletivo já realizado para criar, com uma rapidez incrível e uma consciência, do fim, jamais vista na história, um novo tipo de trabalhador e de homem o gorila amestrado. Tratava-se de desenvolver, ao máximo, no trabalhador, atitudes maquinais e automáticas de modo a romper o velho nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, reduzindo as operações produtivas, apenas, ao aspecto físico maquinal. Ou seja, dentro dos marcos institucionais, tanto o nazi-fascismo como o americanismo e fordismo se constituíram como estratégia de passivização das classes subalternas.
Nos anos 1980, a nova estratégia de recomposição da hegemonia burguesa surgiu nas diversas variantes do chamado (por seus defensores e criticos) neoliberalismo. Obviamente, as mudanças econômicas ocorridas no capitalismo foram decisivas para que “[...] os países de capitalismo centrais e depois suas congêneres, desertassem do keynesianismo e da política de bem-estar social para colocar no centro da cena política aquele pequeno grupo de ideólogos (Hayek e seus companheiros) que, durante décadas, haviam pregado no deserto.” (ANDERSON, 1995, p. 10).
A partir daí a crise passou a ser tratada como crise do Estado, na dimensão de suas instituições políticas básicas. Conforme analisa Anderson (1995) o neoliberalismo como ideologia começou a ganhar terreno nas economias centrais com a crise do modelo de desenvolvimento do pós-guerra, foi quando suas propostas se afirmavam como contraponto as bases do Estado de bem-estar social, considerado pelos seus porta-vozes como asfixiantes potencialidades criativas do mercado. Assim favorecido pelo processo de estagnação das economias centrais desde os dois choques do petróleo (1973 e 1979), o receituário neoliberal se tornava a alternativa ao keynesianismo.
Esta nova forma de atuação estatal significou a reversão das políticas de fortalecimento do Estado, pautado nas políticas de nacionalização dos anos 1960 e 1970. Segundo Petras (1997) privatizar seria, agora, a principal palavra de ordem. Desse modo, a lógica que passava a reger a chamada programática neoliberal se transformava no que Boron (1994) denominou de uma cruzada privatista.
Na América Latina a fusão da crise fiscal com o discurso auto-incriminatório do Estado levou os governos, desses países, a adotarem políticas perversas de desmantelamento de empresas estatais, negociadas sem qualquer critério político compatível com os interesses populares, o que significou uma total reversão do fortalecimento do Estado, pautado pelas políticas de nacionalização desenvolvidas nos anos de 1960 e 1970. Os neoliberais retomavam assim, as teses clássicas do liberalismo, e apresentando o mercado como único mecanismo capaz de coordenar e de pôr em marcha as economias capitalistas através da privatização, liberalização, desregulamentação e austeridade fiscal.
Mas como observa Anderson (1995) a hegemonia neoliberal não se afirmou de imediato, ela só foi, plenamente, alcançada no final da década, quando os países capitalistas centrais implementaram o programa neoliberal, começando, oficialmente, pela Inglaterra com a ascensão dos governos Thatcher em 1979. O modelo inglês, teve como ênfase a emissão monetária, a elevação da taxa de juros, desemprego massivo com base numa legislação anti sindical, corte de gastos públicos, além de um amplo programa de privatização.
Nos Estados Unidos a variante neoliberal se distinguiu dos países da OCDE pela quase ausência de um estado de bem-estar nos moldes europeus. A estratégia de Reagan em 1980 se deu basicamente no plano da competição militar com a URSS. Não houve preocupação com a disciplina orçamentária, já que o governo se lançava numa corrida armamentista alimentada por fabulosos gastos militares nunca antes vistos. Segundo Anderson (1995), novo combate ao império do mal terminou por fortalecer o poder de atração do neoliberalismo político, consolidando o predomínio da nova direita na Europa e na América do Norte.
No continente latino americano, os governos neoliberais promoveram uma intervenção de novo tipo do Estado na economia: a) desindexação dos salários dos trabalhadores e estatização da dívida externa, como exigência dos credores internacionais; b) elevação dos níveis de câmbio e juros, por intervenção governamental, para remunerar investimentos nacionais e estrangeiros) para cada crise inflacionaria ou cambial, a necessidade da intervenção estatal para subsidiar bancos em situação de falência. Com base nesta estratégia, desenvolveram esses governos promoveram um amplo programa de privatização (siderurgias, ferrovias energia elétrica, telefonia, etc.) constituindo grandes monopólios privados. Os grupos industriais beneficiaram-se, simultaneamente, desse quadro e puderam reorganizar as modalidades de internacionalização, ao mesmo tempo, em que modificavam suas relações com a classe trabalhadora, particularmente no setor industrial.
No Brasil, no início da década de 1990, a vitória do neoliberal Fernando Collor, pelo inexpressivo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), marcou uma nova fase do o capitalismo brasileiro: a fase neoliberal, caracterizada pelas políticas de ajustes, privatização, desregulamentação e flexibilização das leis trabalhistas. A política neoliberal impunha novos padrões de concorrência capitalista, em decorrência da liberalização comercial que, ao impor a epidemia da competitividade, obrigava as empresas brasileiras, especialmente, as do setor automotivo, a se reestruturarem para competir no mercado desregulado.
Nesse contexto, o discurso da ineficiência do Estado na resolução da crise fortaleceu as políticas de liberalização. A reforma do Estado implementada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) a partir de 1994, foi a resposta ao que foi denominado de debilidade econômica dos anos anteriores. Os porta-vozes do governo eram explícitos em sua afirmação de que aqueles que não se integrassem à terceira revolução industrial seriam incapazes de concorrer no mercado capitalista global.
Assim, na década de 1990, os governos Collor e Cardoso, cada um ao seu estilo, tanto os governos Collor e Cardoso, advogaram a tese de que o Estado fora incapaz de promover o desenvolvimento. Esse discurso avançou na defesa de uma nova forma de inserção do capitalismo brasileiro na chamada globalização. A onda neoliberal efetivamente chegava ao Brasil. A própria expressão servia para designar o caráter festivo e colorido desse acontecimento que repentinamente apaixonou segmentos de cidadãos pelo privado, pela competitividade e pelo moderno, na mesma medida, do desprezo as atividades públicas geridas pelo capital estatal.
O intervencionismo estatal passava a ser sumariamente julgado, na mesma medida em que era ocultado o verdadeiro caráter da crise capitalista. Reforçava-se, assim, a ideia do mercado como instituição soberana. Essa concepção amplamente disseminada caracterizou-se na vertente conservadora da teoria da governabilidade ao advogar que a origem da crise não está na relação capital/trabalho, mas nos dispositivos institucionais da democracia representativa.
Estabelecido um novo consenso e pelo próprio grau de eficácia no plano político e ideológico, pode-se dizer que o neoliberalismo assumiu o caráter de uma revolução passiva entendida, aqui, entendida como um conjunto de modificações moleculares que na realidade modificou progressivamente a composição precedente das forças sociais em luta. A caracterização essencial desta estratégia de passivização foi, exatamente, o poder de restauração/ atualização, que de forma atomizada procurou (re) inserir as classes subalternas no projeto do capital, mediante um novo conformismo.
É bom ressaltar que a visão marxista das revoluções tecnológicas ajuda a compreender que, no interior do capitalismo, as inovações tecnológicas (desde a revolução industrial) buscam tão somente o controle patronal e o consequente aumento da produtividade do trabalho. Portanto, com a automação microeletrônica, apenas se alteraram os meios utilizados para intensificar o ritmo do trabalho. Essa tendência já fora antecipada por Marx, no Manifesto do Partido Comunista (1948): “[...] a burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção, portanto todo o conjunto das relações sociais.” (MARX; ENGELS, 1998, p. 69).
A processualidade desenvolvida a partir da automação flexível tende a reafirmar a oposição taylorista caracterizada pelas atividades intelectuais dos escritórios, que orientam as atividades realizadas na fábrica. No interior desse quadro, surge uma nova composição da classe trabalhadora com tendência de mais fragmentação na sua base social e política.
A atual subsunção real do trabalho ao capital em curso atua na construção de uma nova eficácia capitalista, que se funda em técnicas de gestão do capital sobre a força de trabalho (Círculos de Controle de Qualidade, kanban just-in time, kanban etc). Os trabalhadores são diretamente chamados a se associarem ao capital, a “vestir a camisa” da empresa. O trabalhador de que o capital necessita é aquele que é capaz de dar resposta, pronta e adequada às situações que possam ocorrer no ato produtivo. Requer-se, portanto, o trabalhador polivalente. (DIAS, 1997, p. 114).
As novas formas de gestão, inspiradas no modelo japonês, transformam na nova via para integrar a classe trabalhadora naquela estrutura flexível, designada de taylorismo informático. Ou seja, num processo em que a sequência despótica dos ritmos e movimentos implantados por Taylor se desenvolvem mediante sofisticados sistemas computadorizados. (KATZ, 1996). Expande-se, neste contexto, o trabalho em tempo parcial, temporário, emprego casual, ou por conta própria, além de diversas modalidades de desemprego estrutural. Objetivamente trata-se de uma composição da força de trabalho mais adequada às atuais necessidades do capital.
Um dos aspectos mais marcantes da automação flexível segundo Bihr (1998), é a criação das condições para o estabelecimento da nova ordem produtiva, sob a qual se desenvolvem: a flexibilidade funcional, o trabalho multifuncional que se define pelo trabalho multifuncional; a flexibilidade numérica, que submete os trabalhadores às regras impostas pelos diversos tipos de trabalho precário; a flexibilidade financeira, expressa pela redução dos custos; e, finalmente, a flexibilidade espacial, que acentua a desconcentração territorial do trabalho. Os contornos desta ofensiva centrada na desconcentração da produção, consubstanciam o que o autor designa como sendo:
1. A fábrica difusa, pela qual o processo produtivo é invertido. Ao invés de concentrar em grandes unidades, a produção é espalhada, exteriorizada. Isso supõe uma unidade central que coordena e planifica a produção de toda uma rede de unidades periféricas, tendo em vista a desconcentração/desaglomeração das grandes unidades produtivas e do seu processo de gestão - cujo controle pela matriz é feito por uma rede informatizada. Através desse movimento, disseminam-se os processos de terceirização, o trabalho por encomenda, o trabalho em domicílio, e toda uma rede de subcontratação de serviços precários.
2. A fábrica fluida, que busca a realização da produção a partir de um fluxo contínuo. Os ganhos de produtividade resultam de uma intensa produtividade do trabalho, mediante uma gestão informatizada dos fluxos produtivos. O objetivo é otimizar a combinação de espaço e tempo, de modo a eliminar os tempos mortos. Mas, para tirar proveito das potencialidades da automação, é necessário modificar radicalmente as formas de organização no interior do processo produtivo: a divisão social do trabalho, os sistema de máquina, o trabalho em equipe, as formas de controle, a polivalência de funções, pois a fluidez do processo de trabalho requer a própria reorganização do trabalho, pautada no abandono dos postos fixos e especializados.
Esse processo tende a substituir a singularidade das oficinas fordistas tradicionais pela produção automatizada, por habilidades e tarefas mínimas (às vezes, reduzidas à leitura e interpretação de dados formalizados). A diferença em relação ao fordismo é que a fábrica fluida exige a rotação de tarefas, ou seja, a desespecialização.
A acumulação flexível alerta, o autor, já estaria promovendo a superação do taylorismo (mesmo em termos relativos), pois, em torno do núcleo de trabalhadores altamente qualificados e estáveis (responsável pelas atividades de programação e manutenção), formam-se cadeias produtivas de trabalhadores precarizados, vinculadas a uma rede de pequenas empresas subcontratadas. Isto é, uma massa de operários instáveis, sujeitos aos contratos temporários e em total regime de coação, reafirmando a divisão taylorista entre o trabalho intelectual e os de execução, ainda que sob novas bases.
3. Finalmente, a fábrica flexível se vincula à exigência de flexibilidade que, face à saturação das normas de consumo fordista no curso das décadas de 1960 e 1970, promove uma demanda flutuante e diversificada, e exige a introdução de meios de trabalho mais adequados ao ajustamento da capacidade produtiva a essa demanda variável.
Neste sentido, as tecnologias de automação (auto programáveis) foram de fundamental importância para a adaptação de demandas aos imprevistos do processo de circulação. Isso significa que a flexibilidade do processo de trabalho requer, simultaneamente, uma organização flexível do trabalho e uma pretensa capacidade do trabalhador para ocupar diferentes postos e intervir em diferentes situações de modo a integrar qualidade e produtividade. Flexibilidade exige, ainda mais desregulamentação das relações trabalhistas, para que sejam postas em prática as diversas formas de trabalho precário como o contrato temporário e as demissões sumárias. No Brasil, um bom exemplo disso, foi a adoção do Plano de Demissão Voluntária (PDV). Através de um conjunto de medidas, as empresas puderam reduzir seus custos, flexibilizando os contratos trabalhistas, reduzindo salários e retirando grande parte dos direitos sociais.
A nova ordem produtiva vem, portanto, apontando para uma tendência de aprofundamento das divisões e segmentações da classe trabalhadora. Cada vez mais fragmentada e complexa, intensifica a diferenciação entre qualificados/desqualificados, formais/informais, homens/mulheres, estáveis/instáveis, permanentes/temporários, jovens/velhos, imigrantes/nacionais. Frente a esta nova realidade, o maior desafio para as organizações sindicais talvez seja o de restabelecer, aos diversos segmentos sociais, a idéia de pertencimento de classes.
3 UM PALAVRA CONCLUSIVA
Esse processo de passivização, gestado na década de 1990 na América latina e no Brasil, não significou, no entanto, ausência de resistência das classes subalternas, reações vieram de toda parte. No caso do Brasil a resistência veio, principalmente, do Movimento dos Sem Terra (MST).
A política neoliberal do governo Cardoso contribuiu para criar as condições macroeconômicas propícias para um novo (e instável) ciclo de acumulação no Brasil. Entretanto, no período compreendido entre 2003 a 2014 houve durante os governos do PT, a implementação de uma política neonacional desenvolvimentista que recebeu um progressivo apoio, claro, que diferenciado de um extraordinário leque de classes e frações de classesdesde o semi-proletariado a setores da grande burguesia internacional, passando pela baixa classe média e a grande burguesia interna; de trabalhadores sindicalizados a lideranças agro negocistas ao movimento dos trabalhadores sem terras. (ALMEIDA, 2012).
Por outro lado, a recomposição da ofensiva burguesa se movimenta. Nesse exato, momento no continente latino americano, sucedem-se golpes de Estado, com a tomada do poder político para as reestruturações de direitos trabalhistas, a ampliação da centralização de capitais e o aprofundamento das desigualdades econômicas. O Brasil vivencia a imposição constitucional de uma Reforma Trabalhista de caráter excludente, de repressão e eliminação de direitos sociais, novamente apresentada como única solução para a crise política e econômica, pela mesma classe política que articulou o golpe de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016.
De acordo com Boaventura de Sousa Santos (2017), “Será preciso defender a democracia brasileira com luta nas ruas”. Nessa mesma direção entendo ser necessário insistir na perspectiva de Gramsci de que a guerra de posição é a estratégia a ser lançada pela movimentação ativo das massas.
REFERÊNCIAS
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Notas