Mesas temáticas coordenadas
Recepção: 20 Janeiro 2017
Aprovação: 15 Abril 2018
Resumo: O artigo resgata o processo político que resultou no golpe contra a democracia brasileira ao afastar a presidente Dilma Rousseff sem que tenha cometido crime de responsabilidade. Apresenta os principais eixos da agenda conservadora encaminhada pelo governo Michel Temer e aprovada pelo Congresso Nacional. Analisa a resistência e as mobilizações dos trabalhadores à destruição dos direitos sociais. Nesse processo o Estado de Exceção avança atingindo os trabalhadores e garantindo os interesses do capital.
Palavras-chave: Estado, lutas sociais, democracia.
Abstract: The article rescues the political process that resulted in the coup against Brazilian democracy by removing President Dilma Rousseff without having committed a crime of responsibility. It presents the main axes of the conservative agenda forwarded by the Michel Temer government and approved by the National Congress. It analyzes the resistance and mobilizations of workers to the destruction of social rights. In this process, the State of Exception advances by striking the workers and securing the interests of capital.
Keywords: State, social struggles, democracy.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil sofreu, nos últimos anos, uma série de abalos políticos que afetou mortalmente a sua frágil democracia e consequentemente o Estado democrático de Direito, conforme escrevi em artigos anteriores (SILVA, 2012, 2014, 2015, 2016). Embora a característica autoritária seja a marca do Estado brasileiro e termos na nossa curta história de vida republicana dois períodos de ditadura, mas o Golpe de 2016, em que os representantes da classe dominante no parlamento cassaram o mandato da presidente Dilma Rousseff, representa o período de maior ataque a democracia e aos direitos dos trabalhadores desde 1985 quando ocorreu a transição controlada da ditatura militar para um regime democrático.
O movimento das peças do tabuleiro que resultaram no Golpe de 2016 ficou mais nítido e agressivo quando a classe dominante foi às ruas para disputar a direção política das manifestações em junho de 2013 e impor a sua pauta conservadora.
Essa ofensiva vem crescendo desde 2013 quando a direita disputou a direção das manifestações de junho de 2013 e, com o apoio da grande mídia, conseguiu neutralizar a visibilidade da pauta pela ampliação de políticas sociais e colocou em seu lugar a bandeira de combate a corrupção. Em 2015 se sentiu fortalecida para convocar grandes manifestações contra o governo Dilma Rousseff e assumir a bandeira do impeachment da presidente (SILVA, 2016, p. 146).
A estratégia da classe dominante foi vitoriosa, e com o apoio de seus representantes na grande mídia e no judiciário aprovaram no Congresso Nacional no dia 31 de agosto de 2016, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, eleita nas eleições de 2014 com 51,54% dos votos, apesar de ficar claro que a presidente da república não havia praticado nenhum crime de responsabilidade.
O processo do impeachment foi uma estratégia audaciosa para garantir a implantação da agenda conservadora de ataque aos direitos trabalhistas, aos direitos de jovens, homossexuais, negros, indígenas e mulheres. Foi necessário afastar e neutralizar as forças que se colocavam em oposição à agenda conservadora para garantir as condições ideais de aprovação do projeto. No legislativo1, a presença de 221 parlamentares do setor empresarial, 109 ruralistas, 22 do setor de segurança e 75 ligados às Igrejas Evangélicas permitiu a aprovação com folga das reformas que compõe a agenda conservadora. O campo dos sindicalistas, com apenas 51 deputados e 09 senadores, foi facilmente neutralizado nas votações, embora no âmbito do debate político e ideológico esses parlamentares conseguiram transpor as barreiras impostas pela grande mídia e impedir o triunfo do discurso único.
2 A OFENSIVA DOS REPRESENTANTES DO CAPITAL
A face conservadora do governo Temer ficou clara desde as suas primeiras medidas de governo quando assumiu a presidência no dia 12 de maio de 2016, após o golpe à presidente Dilma Rousseff. Seu ministério não contemplou nenhuma mulher e suas ações atingiram diretamente a área dos direitos humanos na mesma medida em que reforçou o aparelho repressor. A Medida Provisória (MP) nº 726, de 12 de maio de 2016 extinguiu as secretarias especiais das mulheres e da igualdade racial, assim como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o da Cultura (MinC). Para manter o apoio às irregularidades constitucionais das reformas encaminhadas ao Congresso Nacional concedeu aumento aos servidores do judiciário e negociou bilhões de reais com os deputados e senadores através da liberação de emendas parlamentares e cargos públicos. Nas palavras de Avritzer (2016)
O fato que o governo se ancora no Congresso e no mercado para realizar uma mudança que não foi sancionada eleitoralmente e provavelmente não o será, marca, assim, o final de um período de convergência entre o Congresso, o judiciário, os partidos e a sociedade civil sobre uma pauta progressista de ampliação de direitos e governo democrático. Abre-se, no Brasil, um longo período de disputa política visando restaurar a tradição de soberania e de direitos que o governo Temer parece decidido a botar fim.
A agenda conservadora é ampla e reconfigura a relação de forças entre capital/trabalho ao impor, por um lado, à classe trabalhadora um retrocesso às conquistas mais elementares de proteção social à ação predatória do capital. Por outro lado, o capital através dos seus representantes no Congresso Nacional e no Judiciário, garante o marco legal necessário para ampliar seus domínios e sua lucratividade. Dado a amplitude da agenda conservadora e os objetivos desse artigo destacamos apenas alguns exemplos que consideramos mais representativos da ação da classe dominante frente a necessidade de realização de seus interesses materiais e políticos.
No campo da política agrária e fundiária o capital avança sobre as terras indígenas, dos quilombolas e dos trabalhadores rurais, na mesma medida que cresce os assassinatos de lideranças. As terras indígenas estão ameaçadas, dentre outras, pela Proposta de Emenda a Constituição (PEC) n. 215 18 de março de 2000 que modifica o processo de demarcação, uma vez que transfere do Executivo para o Congresso a prerrogativa de definir a demarcação das terras, além de impor uma série de barreiras para o reconhecimento do direito às terras pelas comunidades indígenas.
A MP n. 759/2016 de forma inconstitucional modifica os termos da regularização fundiária rural, regularização fundiária urbana, regularização no âmbito da Amazônia Legal e o regime sobre os imóveis da União. Os trabalhadores do campo também estão ameaçados pelas propostas que flexibilizam a relação de trabalho, como, por exemplo, os termos que definem o trabalho escravo.
O trabalho escravo no Brasil é uma chaga que vinha sendo combatido pelos governos do PT, mas com o golpe de 2016 a pressão dos ruralistas se intensificou e a perspectiva é aumentar o número de trabalhadores em situação de escravidão. A proposta dos ruralistas no Congresso Nacional para evitar a desapropriação de suas propriedades para reforma agrária é modificar o conceito de trabalho escravo de modo a não contemplar as condições degradantes e a jornada de trabalho degradante2.
Na área da educação e da saúde as medidas de privatização avançam. O governo Temer reduziu os recursos financeiros de modo a inviabilizar o funcionamento das universidades e dos hospitais. Programas dos governos anteriores foram extintos como o Ciência sem Fronteiras e a Farmácia Popular. O tamanho do desmonte pode ser medido pela declaração do ministro da saúde, Ricardo Barros, em entrevista a Folha de São Paulo, ao afirmar que a universalidade do sistema de saúde não será garantida pelo governo. (COLLUCCI, 2016). Na mesma direção, o Ministério da Educação (MEC) promove o controle ideológico dos professores ao promover o projeto da Escola sem Partido3.
No campo dos direitos dos trabalhadores, o ajuste fiscal, a reforma trabalhista e a reforma da previdência (PEC n. 287, de 13 de março de 2016) são representativos do retrocesso que o capital impõe aos trabalhadores. Essas reformas não têm encontrado barreiras para serem aprovadas, de modo acelerado, em um Congresso Nacional de maioria parlamentar alinhada aos interesses do mercado e investigada por crimes de corrupção. Para Avritzer (2016) esse processo marca o encerramento do período caracterizado pela Nova República em que foi possível, pela aliança entre centro e a esquerda, a ampliação dos direitos sociais contemplados no texto constitucional de 1988. O que temos nesse momento é a “[...] re-oligarquização da política brasileira com uma agenda política e econômica de exclusão social”. (AVRITZER, 2016).
A PEC n. 55/20164, do teto dos gastos, foi aprovada no Senado em 13 de dezembro de 2016 como a pedra fundamental para o equilíbrio e a retomada da economia nacional. Embora o então presidente do Senado, Renan Calheiros, afirmasse que a aprovação da PEC
n. 55/2016 fosse uma vitória do país5, o seu propósito de congelar as despesas públicas à inflação do exercício anterior por 20 anos indicava que todas as politicas sociais estavam ameaçadas no seu processo de execução. Soma-se à PEC n. 55/2016, a PEC n. 31/2016 que autorizou o governo a elevar de 20% para 30% o mecanismo de desvinculação de receitas. Com essa medida o governo tem mais recursos para direcionar receitas, que seriam destinadas às políticas sociais, para o pagamento dos juros da dívida pública. O ajuste fiscal desencadeou uma série de medidas em direção a privatização dos serviços públicos, colocando em risco o funcionário público concursado, ao admitir redução do quadro para cumprir a meta fiscal, proibir a realização de concursos públicos e os gastos com saúde e educação serão adequados ao ajuste fiscal em 2018, dentre outras.
A reforma trabalhista6 atingiu diretamente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)7 ao alterar mais de 100 artigos. Representa um retrocesso de cerca de 74 anos e, guardadas as devidas proporções, um retorno ao período anterior a Era Vargas em que o trabalhador estava completamente desprotegido dos riscos da exploração do capital. Cria um ambiente institucional que libera o capital de qualquer barreira para a exploração desumana do trabalhador ao legalizar jornadas de 12 horas de trabalho e jornadas intermitentes, o parcelamento das férias e ao permitir que mulheres grávidas trabalhem em ambientes insalubres, dentre outras atrocidades.
O outro pilar do desmonte dos direitos dos trabalhadores é a reforma da previdência ou PEC n. 287/2016. A forte propaganda do governo em afirmar que a previdência social apresentava um déficit que ameaçava futuras aposentadorias não foi suficiente para legitimar a reforma que até no site do PMDB foi rejeitada por 96% de cerca de 41.000 pessoas que participaram da enquete. A PEC n. 287/2016 estabelece como idade mínima para a aposentadoria 65 anos para homens e mulheres tanto do setor privado quanto do público. Para que o trabalhador consiga se aposentar com o valor integral será necessário que tenha contribuído por 49 anos, os trabalhadores rurais passariam a contribuir para a previdência e os valores do Benefício de Prestação Continuada (BPC) serão desvinculados dos reajustes do Salário Mínimo, além de muitas outras mudanças.
A manipulação dos números pelo governo Temer foi desmascarada por várias entidades sindicais. Enquanto o governo federal justificou a reforma da previdência divulgando um déficit R$ 149,73 bilhões em 2016, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) afirmou que o governo manipulava os números ao não apresentar o superávit, em 2015, da Seguridade Social de R$ 11,17 bilhões, dentro do qual a Previdência Social faz parte. A ANFIP (2017) denunciou, no entanto, que o governo federal deixou de arrecadar, em 2016, R$ 69 bilhões em renúncias previdenciárias de setores como o agronegócio e as chamadas empresas filantrópicas da área de saúde, dentre outros. Os estudos das entidades sindicais apontaram que um dos objetivos da proposta do governo Temer foi, por um lado, liberar mais recursos para o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública que já alcançava 42,04% do orçamento federal e, por outro lado, dinamizar o mercado do setor da previdência privada.
3 A RESISTÊNCIA POPULAR: o desafio da unidade
A luta de resistência dos trabalhadores contra os ataques aos direitos sociais e trabalhistas da agenda conservadora tem o desafio de encontrar o caminho da unificação política das diversas entidades do movimento popular, sindical e partidário. A polarização política da sociedade brasileira assumiu um caráter mais ofensivo a partir de 2013 quando os movimentos do campo da direita e extrema direita disputaram a pauta e a direção das manifestações de junho de 2013. (SILVA, 2015).
A formação da Frente Brasil Popular8 e da Frente Povo Sem Medo9 foi fundamental para o processo de unificação e dinamização das mobilizações de luta contra as reformas em todo o Brasil, entretanto, expõe a dificuldade de uma unidade em torno de um programa de governo para o país. Os pontos de divergência entre as frentes giravam em torno do caráter do governo da presidente Dilma Rousseff e da extensão da crítica às suas políticas. A Frente Povo Sem Medo, embora contra o impeachment, tecia severas críticas a política de ajuste fiscal do governo do PT que, naquele momento, avançava contra alguns dos direitos dos trabalhadores.
Desde então, as mobilizações organizadas pelas duas Frentes cresceram em volume e representação, entretanto, até o momento, não conseguiram bloquear o ritmo acelerado das reformas no Congresso Nacional. Apesar da correlação de forças pender para a classe dominante, as mobilizações alcançaram uma grande vitória ao ultrapassar o cerco da mídia de blindagem do governo federal e ampliar o debate para o interior da classe trabalhadora.
Após o impeachement da presidente Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016, as mobilizações se intensificaram, novos setores se engajaram e a bandeira da greve geral entrou em pauta como forma de luta contra as reformas do governo Temer.
O ano de 2017 se iniciou com o reforço à convocatória da greve geral. As Centrais Sindicais mantiveram uma mobilização permanente de Atos em todo o país. Destes, podemos destacar o Dia Internacional da Mulher, 08 de Março, em que as mulheres assumiram o protagonismo na luta contra os retrocessos do governo Temer em relação ao sistema de proteção social, aos direitos humanos e aos direitos das mulheres. No dia 31 de março foi convocado o Dia Nacional de Mobilização contra o desmonte da aposentaria e da CLT em preparação a greve geral do dia 28 de abril. Na avaliação das Centrais Sindicais a Greve Geral do dia 28 de abril foi um sucesso, uma vez que contou com a adesão de cerca de 35 milhões de trabalhadores que foram às ruas contra as reformas do governo, paralisando setores importantes da economia nacional.
O sucesso da greve geral de 28 de abril e as denúncias de envolvimento do presidente Temer na corrupção do grupo JBS e no processo de garantia do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, no dia 17 de maio, potencializaram as ações seguintes e colocaram a bandeira das Diretas Já como eixo unificador de amplos seguimentos do campo a esquerda10. A denúncia da JBS contra o presidente desencadeou imediatamente uma série de atos nas principais cidades do país pedindo o impeachment de Temer e eleições Diretas Já. Contudo, em pronunciamento na TV, o presidente Temer11 afirmou que não renunciaria e apesar dos inúmeros pedidos de impeachment protocolados na Câmara dos Deputados, as reformas do governo prosseguiram em caráter de urgência.
O ato do #OcupaBrasília no dia 24 de maio, teve a participação de mais de 150 mil pessoas que sentiram no corpo o braço armado do governo golpista. A manifestação foi duramente reprimida, não devendo nada aos tempos da ditadura militar. O governo Temer infiltrou policiais para iniciar as depredações ao patrimônio público e justificar o avanço da violência contra os trabalhadores. A força policial, além do tradicional arsenal de combate, utilizou também armas de fogo, atingindo gravemente e matando manifestantes. Por fim, o governo Temer chamou as forças armadas e instalou o Estado de Sítio, que foi revogado no dia seguinte, após sofrer duras críticas.
As lutas sociais contra o golpe e contra as reformas do governo Temer estão avançando para uma consolidação da unidade de ação e de programa. As atividades foram de permanente mobilização nacional e contou com uma programação extensa cujo ponto de maior força, até então, foi a convocatória da segunda greve geral para o dia 30 de junho. No dia 28 de maio, no Rio de Janeiro, o Ato por Diretas Já convocado por diversos artistas reunindo cerca de 100 mil pessoas na praia de Copacabana e contou com artistas como Caetano Veloso, Milton Nascimento, Wagner Moura, dentre muitos outros12.
A Frente Brasil Popular lançou no dia 29 de maio de 2017, em São Paulo, o Plano Popular de Emergência “[...] para romper com o modelo de capitalismo dependente” em que apresenta os eixos de emergência para o enfrentamento da crise política e econômica do país. Os eixos são: democratização do Estado; política de desenvolvimento, emprego e renda; reforma agrária e agricultura popular; reforma tributária; direitos sociais e trabalhistas; direita à saúde, à educação, à cultura e a à moradia; segurança pública; direitos humanos e cidadania; defesa do meio-ambiente e política externa soberana. A proposta da Frente foi submeter o Plano às diversas entidades e movimentos sociais para construir um programa que fosse capaz de unificar a luta dos trabalhadores.
4 CONSIDERAÇÕES INCONCLUSAS
A conjuntura brasileira está extremamente dinâmica e complexa, não sendo possível neste momento apresentar algo conclusivo. A luta de classes tende a ficar mais acirrada e o impasse cresce à medida que a classe trabalhadora se fortalece no processo de luta. Por um lado, as denúncias e as provas de envolvimento da cúpula do PMDB, inclusive do presidente Temer, e do PSDB no processo de corrupção, obrigaram a classe dominante a rever suas estratégias e a descartar lideranças para manter o rumo das reformas exigidas pelo mercado.
A grande mídia, como porta voz de um setor das classes dominantes, exigiu a renúncia do presidente Temer e pautado a bandeira da eleição indireta, desde que se mantenha a equipe econômica. Um outro setor, que insiste na manutenção do presidente apesar das denúncias, encontrou sustentação no judiciário e na base de apoio no Congresso Nacional. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)13 de absolver a chapa Dilma/Temer da acusação de abuso de poder econômico na campanha eleitoral de 2014 permitiu uma sobrevida do mandato de Temer e forneceu mais lenha às críticas ao papel do judiciário na sustentação do governo golpista.
Quanto ao campo da esquerda e do movimento popular e sindical, a luta contra as reformas alcançou um novo patamar após a greve geral do dia 28 de abril e do #OcupaBrasília, no dia 24 de maio. As Centrais Sindicais unificaram suas ações na convocação de nova Greve Geral para o dia 30 de abril, mas não unificaram na proposta de Diretas Já e Eleições Gerais Já.
Nesse processo, a bandeira das Diretas Já tomou um curso próprio com convocação de Atos/shows em várias capitais do país, promovido, principalmente, por artistas e entidades do movimento popular. Com potencial de unificar amplos setores da sociedade, no dia 05 de junho foi lançada a Frente Ampla pelas Diretas Já de iniciativa de cerca de 60 entidades dos movimentos populares e sindicais, de intelectuais, artistas, partidos políticos e as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Para os organizadores, a inspiração veio da luta pelas Diretas Já, em 1984, cuja mobilização foi fundamental na campanha pela redemocratização do país e contra a ditadura militar. O Ato pelas Diretas Já, no dia 11 de junho, em São Paulo, Recife, Porto Alegre e Salvador reuniu cerca de 200 mil pessoas no coro de Fora Temer e Diretas Já.
Entretanto, apesar do lançamento da Frente Parlamentar Suprapartidária por Eleições Diretas para garantir a aprovação da emenda constitucional para realização de eleições diretas na situação de vacância do cargo de presidente da república em até um ano antes do encerramento do mandato, o movimento foi perdendo força diante da ofensiva da classe dominante e o presidente Temer, mesmo mergulhado na instabilidade política, vai se mantendo no poder com a blindagem do Judiciário, do Legislativo e da grande mídia.
De modo que, a despeito das denúncias de envolvimento do presidente Temer nos esquemas de corrupção e da total falta de apoio popular às reformas neoliberais, o presidente vai se mantendo no poder à custa do uso do dinheiro público14 seja na compra de votos para a aprovação das reformas no Congresso Nacional, seja nos acordos de renúncia fiscal. Para Boito Jr (2017) a instabilidade política decorre da resistência popular mas também da insatisfação da base de apoio do governo, localizada na burguesia interna, na ação sistema de justiça e no capital internacional
Dito de outro modo, o que está desestabilizando o governo Michel Temer é que a força dirigente do golpe do impeachment perdeu o controle da sua base de massa. O capital internacional e a burguesia associada, que, após atrair grande parte da burguesia interna e estimular a mobilização da alta classe média, chegaram ao poder com Michel Temer, perderam o controle da base de apoio do golpe. A frente golpista rachou e o estabelecimento de uma nova hegemonia ficou comprometido.
Mergulhado na instabilidade política, o governo assume cada vez mais sua face de exceção e mira em toda e qualquer forma de resistência. A politização do carnaval de 2018 com o coro Fora Temer ecoando em todos os estados e com as duas escolas campeãs do carnaval do Rio de Janeiro apresentando versões diferentes da conjuntura brasileira ascendeu a luz vermelha para o governo e sua base de apoio. Enquanto a escola campeã, Beijar-Flor, apresentou na avenida a versão da Lava Jato e da mídia e marcou a corrupção como a responsável pela crise brasileira, a vice-campeã, Paraíso do Tuiuti, encantou a todos ao som do samba-enredo Meus Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?. Escancarou para milhões de telespectadores, e constrangeu os repórteres, que as raízes da crise política estão na origem de nossa formação sócio-histórica, em que a classe dominante brasileira não admite qualquer mudança na estrutura social. Problemas estruturais continuam sem ser superados como a escravidão, o racismo e a falta de proteção social. Entretanto, o que mais incomodou a classe dominante e seu governo ilegítimo foram as Alas dos manifestantes fantoches, manipulados pela mídia, dos trabalhadores com a carteira de trabalho rasgada e a apoteose do Vampiro Neoliberal com a faixa de presidente. Campeã no coração do brasileiro, a mídia boicotou a transmissão do desfile da Paraíso do Tuiuti e o governo proibiu que no desfile das campeãs o Vampiro Neoliberal usasse a faixa presidencial.
O carnaval foi a senha para o governo federal fazer a intervenção militar no Rio de Janeiro sob o argumento de combater o crime organizado. Em 16 de fevereiro, o presidente Michel Temer (MAZUI; CARAM; CASTILHOS, 2018) assinou o decreto presidencial de intervenção na Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro afirmando que tomaria medidas duras e firmes para restabelecer a ordem. O general do Exército Walter Sousa Braga Netto, interventor federal na Segurança Pública no Rio de Janeiro, afirmou em entrevista que a intervenção “[...] é um laboratório para o Brasil” (COELHO; MARTINS, 2018), deixando claro que essa medida será estendida para o resto do país. Nesses primeiros meses de 2018, as medidas de exceção indicam que o processo golpista toma novos rumos cada vez mais ameaçadores para o que resta da democracia brasileira. No dia 27 de fevereiro o Governo Federal criou o Ministério Extraordinário da Segurança Pública (PEDUZZI, 2018) indicando o aprofundamento das medidas de exceção.
Pelo exposto, a crise política no Brasil se aprofunda, está longe de ser resolvida e o futuro da democracia brasileira torna-se cada vez mais sombrio. Há muitas incertezas no cenário político, principalmente considerando que 2018 é um ano eleitoral e os candidatos à presidência da República lançados pelos partidos políticos que orquestraram o Golpe de 2016 estão com índices muito baixos nas pesquisas de opinião, enquanto o ex-presidente Lula se mantem na liderança das intenções de votos, mesmo sob a ameaça de ser preso, sem provas, pela operação Lava Jato. A classe dominante assumiu a militarização da questão política e busca a legitimação das massas pelo viés do combate ao crime organizado e à corrupção. Transforma toda e qualquer resistência em uma ameaça à ordem e enquadra as lideranças políticas de esquerda na lei de combate ao terrorismo e organização criminosa.
Os desdobramentos desse processo são extremamente perigosos para a resistência e soberania popular. A memória recente da ditadura militar nos faz prever o pior dos cenários e nos interrogar se as entidades e partidos políticos de esquerda terão condições de restaurar a democracia no Brasil em curto período de tempo.
REFERÊNCIAS
A REFORMA trabalhista foi aprovada na Câmara, veja como votou cada deputado. Pragmatismo Político, [S. l.], 2017. Disponível em:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/04/as-principais-mudancas-da-reforma-trabalhista-e-como-votou-cada-deputado.html. Acesso em: 20 maio 2017.
APROVAÇÃO da PEC do Teto mostra apoio do Congresso ao ajuste fiscal. Senado Notícias, Brasília, DF, 2016. Disponível em:http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/28/ aprovacao-da-pec-do-teto-mostra-apoio-do-congresso-ao-ajuste-fiscal. Acesso em: 20 maio 2017.
ARAGÃO, É. Frente Povo Sem Medo engrossa luta contra o retrocesso. São Paulo: CUT, 2015. Disponível em:http://www. cut.org.br/noticias/frente-povo-sem-medo-engrossa-luta-contra-o-retrocesso-8b8f/. Acesso em: 20 maio 2017.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. PEC 287/16 - Reforma da Previdência. Brasília, DF, 2017. Disponível em:https://www.anfip.org.br/doc/publicacoes/ Documentos_13_04_2017_13_06_21.pdf. Acesso em: 20 maio 2016.
AULER, M. Ato pelas Diretas Já reúne multidão em Copacabana. Carta Capital, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em:https://www. cartacapital.com.br/sociedade/ato-pelas-diretas-ja-reune-multidao-em-copacabana. Acesso em: 1 jun. 2017.
BOITO JR, A. O Governo Temer, a crise de hegemonia e a instabilidade política. Brasil de Fato, [S. l.], 2017. Não paginado. https://www.brasildefato.com.br/2017/05/20/o-governo-temer- a-crise-de-hegemonia-e-a-instabilidade-politica/. Acesso em: 28 fev. 2018.
BOLDRINI, A. Maioria dos brasileiros reprova emenda dos gastos, diz Datafolha. Folha de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/ poder/2016/12/1840825-maioria-dos-brasileiros-repro
COLLUCCI, C. Tamanho do SUS precisa ser revisto, diz novo ministro da Saúde. Folha de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/ cotidiano/2016/05/1771901-tamanho-do-sus-precisa-ser- revisto-diz-novo-ministro-da-saude.shtml. Acesso em: 19 jun. 2017.
EDITORIAL: A renúncia do presidente. O Globo, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em:https://oglobo.globo.com/ opiniao/editorial-renuncia-do-presidente-21365443. Acesso em: 20 maio 2017.
FRENTE BRASIL POPULAR. Plano Popular de Emergência. São Paulo, 2017. Disponível em:http://frentebrasilpopular.org.br/system/uploads/action_file_version/ b9769c87753c384b277f1f828ac7721d/file/ppe.pdf. Acesso em: 1 jun. 2017.
MAIS de 100 mil em São Paulo pedem diretas já. São Paulo: CUT, 2017. Disponível em: http://www.cut.org.br/noticias/ mais-de-100-mil-em-sao-paulo-pedem-diretas-ja-e-enaltecem-a-importancia-das-ruas-4332/. Acesso em: 6 jun. 2017.
MAZUI, G.; CARAM, B.; CASTILHOS, R. Temer assinadecretode intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. G1, Brasília, DF, 2018. Disponível em:https://g1.globo.com/politica/noticia/temer-assina-decreto-de-intervencao-federal-na-seguranca-do-rio-de-janeiro.ghtml. Acesso em: 3 mar. 2018.
PEDUZZI, P. Governo publica MP que cria o Ministério Extraordinário da Segurança Pública. Agência Brasil, Brasília, DF, 2018. Disponível em:http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/ noticia/2018-02/governo-publica-mp-que-cria-ministerio-extraordinario-da-seguranca-publica. Acesso em: 3 mar. 2018
PRONUNCIAMENTO de Temer traz dúvidas e omissões. Folha de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/05/1885887-leia-a-integra-do-pronunciamento-do-presidente-michel-temer-deste-sabado. shtml. Acesso em: 20 maio 2017.
SILVA, I. G. A agenda conservadora assume o centro da cena política no Brasil. Lutas Sociais, São Paulo, v. 20, n. 36, p. 140-150, jan./jun. 2016.
SILVA, I. G. Democracia e criminalização dos movimentos sociais no Brasil: as manifestações de junho de 2013. Revista de Politicas Publicas, São Luís, v. 19, n. 2, p.393-402, jul./dez. 2015.
SILVA, I. G. Estado Ideologia e criminalização dos movimentos sociais no Brasil. Revista de Politicas Publicas, São Luís, v. 18, n. especial, p.189-194, 2014.
SILVA, I. G. O Estado Burguês no Brasil sob Suspeita: democracia e participação política no momento atual. Revista de Politicas Publicas, São Luís, v. 14, n. esp., p.191-196, 2012.
VEJA os votos dos ministros do TSE no julgamento da chapa Dilma-Temer. O Globo, São Paulo, 2017. Disponível em:http://g1.globo. com/politica/noticia/veja-os-votos-dos-ministros-do-tse-no-julgamento-da-chapa-dilma-temer.ghtml. Acesso em: 12 jun. 2017.
Notas