Resumo: O presente artigo traz uma discussão do processo de implementação do SUAS referenciada em resultados de pesquisa avaliativa realizada em estados brasilei- ros das regiões norte e nordeste. Apresenta inicialmente uma reflexão crítica da Política de Assistência Social como processo, social e historicamente construído, em seguida, desenvolve uma análise da visão dos gestores, técnicos, conselheiros e usuários sobre a Política e como essa visão se traduz na sua implementação nos municípios pesquisados no Maranhão. Destaca determinações decorrentes de fatores internos e externos, conjunturais e estruturais oriundos do processo de formação da sociedade brasileira e do contexto da sociedade capitalista atual. Conclui destacando avanços e desafios a partir dos elementos centrais da percepção dos sujeitos e seus rebatimentos sobre a implementação da Política no contexto do SUAS.
Palavras-chave:Política de Assistência SocialPolítica de Assistência Social, SUAS SUAS.
Abstract: This article presents a discussion of the implementation process of SUAS referenced in evaluative research results carried out in brazilian states of the north and northeast regions. It initially presents a critical reflection of the Social Assistance Policy as a process, socially and historically constructed, and then develops an analysis of the vision of managers, technicians, counselors and users about the Policy and how this vision translates into its implementation in the municipalities surveyed in the Maranhão. It highlights determinations due to internal and external factors, conjunctural and structural originated from the process of formation of brazilian society and the context of current capitalist society. It concludes by highlighting advances and challenges from the central elements of the subjects’ perception and their refutations about the implementation of the Policy in the SUAS context.
Keywords: Social Assistance Policy, SUAS.
Mesas temáticas coordenadas
A REALIDADE EMPÍRICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: a atualidade de sua implementação no estado do Maranhão
Recepção: 01 Março 2018
Aprovação: 09 Maio 2018
O presente artigo se propõe a desenvolver algumas reflexões críticas sobre a Política de Assistência Social (PAS), no Estado do Maranhão, tomando como referência dados e informações coletadas em alguns municípios maranhenses no contexto da pesquisa Avaliando a implementação do Sistema Único de Assistência Social na Região Norte e Nordeste: significado do SUAS1. Entendemos que discutir a PAS implica, dentre outros aspectos, em reconhecer a Política como um processo em construção, bem como as concepções dos sujeitos sociais que a constroem. Considera-se que a inserção desses sujeitos, expressa, não apenas o lugar que ocupam no processo da Política, mas as determinações sociais, políticas, econômicas e culturais, bem como as contradições que fundamentam o contexto em que essa Política é concebida e implementada.
Nesse sentido, partimos da compreensão de que a concepção de Assistência Social integra o processo de construção histórica da proteção social brasileira. O padrão brasileiro de intervenção estatal no âmbito da proteção social apresenta uma trajetória marcada por contradições e limites que moldaram e sustentaram um padrão caracterizado por respostas fragmentadas às diversas formas de demandas sociais, pautado no princípio do mérito a partir da posição ocupacional e de renda no âmbito da estrutura produtiva, e incipiente no que diz respeito à abrangência e cobertura da sua população. Essa caracterização expressa a forma de enfrentamento da questão social em um contexto marcado por especificidades estruturais e conjunturais históricas típicas do desenvolvimento econômico e político de uma sociedade de capitalismo periférico e tardio.
Destaca-se, ainda, no sistema de proteção social brasileiro o controle sobre os movimentos sociais no sentido de inibir a constituição de sujeitos organizados que politizam suas necessidades sociais no espaço público. Em decorrência direitos foram inscritos no campo das concessões e a cidadania estratificada a partir da inserção no sistema produtivo, de forma que eram considerados não cidadãos os trabalhadores e trabalhadoras pobres, sobretudo aqueles(as) que desenvolviam atividades não reconhecidas pela legislação trabalhista. O sistema de proteção social brasileiro se desenvolveu, portanto, com traços paternalistas, conservadores, configurando-se insuficiente, incompleto ou até mesmo perverso, demonstrando as debilidades e fragilidades tanto do processo econômico, quanto organizativo, marcado pela cultura do autoritarismo e do favor na medida em que a relação entre a sociedade e a burocracia estatal era fortemente mediada pelo clientelismo presente até os dias atuais na sociedade brasileira.
Pode-se afirmar, portanto, que a intervenção social no Brasil emerge e se consolida com uma baixa perspectiva de inclusão social, dissociada da lógica do direito e forte caráter assistencialista-filantrópico e clientelista. Desse modo, apesar dos avanços em certos indicadores sociais como expectativa de vida ou mortalidade infantil, verificou-se que este padrão de intervenção social pouco contribuiu em termos mais gerais para superação dos níveis de desigualdade no país e melhoria das graves condições de vida e trabalho da maioria da população.
A consolidação da proteção social do Estado, a partir da década de 1930, privilegiou a regulação do trabalho formal, referenciada na lógica do sistema bismarkiano, via constituição de caixas de seguro social, organizadas por setor econômico, financiadas e geridas por empregados, empregadores e pelo Estado, visando proteger os trabalhadores e seus familiares de certos riscos e contingências coletivas. Essa forma de enfrentamento da questão social deixava de fora amplos segmentos populacionais que não eram participantes do mercado formal de trabalho. Enquanto isso, a proteção social a essas populações vulneráveis e excluídas do mercado de trabalho assalariado era viabilizada pela assistência social como ação privilegiada no trato “[...] compensatório e filantrópico da pobreza” conforme assevera Teixeira (2007, p. 51).
A assistência social constituía uma ação paralela ao sistema de seguros. Sua relação histórica com a filantropia não sofre rupturas ao ser assumida pelo Estado que passa a regular essa relação dando seguimento a lógica de gestão filantrópica da pobreza mediante ações configuradas como ajuda, vinculadas ao mérito da carência. Ademais, essa lógica de gestão se ancorava num vasto esquema de instituições privadas com repasse de financiamento público, evidenciando um traço específico da proteção social brasileira que é a estreita vinculação público e privado nas provisões sociais. Emerge então uma rede de ajuda e assistência aos pobres, pautada no enfoque caritativo e na benemerência praticamente dissociadas das ações de regulação do Estado e da responsabilidade pública.
Na década de 1980 foram efetuadas amplas reformulações nas diferentes áreas das Políticas Sociais, com alterações significativas na forma de organização do padrão de intervenção social brasileiro. Uma agenda de reformas de cunho progressista foi impulsionada, de um lado, pelo movimento político de redemocratização do país, em torno do qual amplos setores sociais se articularam e reorganizaram demandas sociais reprimidas desde a instalação do regime militar. De outro lado, a crise do modelo econômico se explicitava, expondo os seus limites no que se refere à dinâmica de inclusão dos setores mais empobrecidos contribuindo para a legitimação de um novo projeto social a ser incorporado na agenda constituinte.
Assim, a Constituição Federal (CF) de 1988 expressa os ideais universalistas articulados a uma ideia ampliada de cidadania, em busca da expansão da cobertura de políticas sociais no que diz respeito ao usufruto de bens e serviços socialmente produzidos, garantias de renda e equalização de oportunidades na perspectiva de superar um sistema excludente e não distributivo marcado pelo autofinanciamento buscando assim ampliar à noção de Proteção Social. Desse modo, o Sistema de Proteção Social brasileiro ganha contornos diferenciados (pelo menos no aspecto formal-legal) mediante a introdução de dispositivos de cunho democrático, buscando alterar o princípio organizativo, até então vigente, que era fundado no mérito individual e no status ocupacional de caráter excludente e segmentador, por outro, orientado pela lógica da universalização vinculada à ideia de cidadania universal e, portanto, de direitos inscritos num código de pertencimento à nação, inserindo a noção de direitos sociais e de responsabilidade pública a partir da instituição da Seguridade Social composta por um tripé de composição mista (securitária/universal) integrando a Previdência: política contributiva; a Saúde: política universal; e a Assistência Social: política não contributiva direcionada a quem dela necessitar.
É essa concepção de proteção social e os pressupostos subjacentes na Carta de 1988 que vai se expressar na PAS a partir da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS - Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993) e da sua inserção no campo da Seguridade Social. Desse modo, a partir da Seguridade Social,
A Assistência Social passa a ser enfatizada, não como um mecanismo de enfrentamento moral das desigualdades sociais, nem como solução para combater a pobreza. Ao contrário, em sua dimensão imediata, ela é vista como espaço de resposta às necessidades e aos carecimentos de segmentos sociais de trabalhadores os quais não vêm tendo respeitadas as suas condições de cidadania plena. Mas, ainda nessa mesma perspectiva ela é, e pode se constituir em possível espaço de ampliação da consciência das contradições sociais tendo como horizonte a emancipação social e humana. (BATTINI, 2007, p. 11).
Na década de 1990, destaca-se como um ganho importante a aprovação da LOAS (Lei nº 8.742/1993) que impulsiona uma trajetória de construção da gestão pública e participativa da assistência social. Nessa construção destaca-se, em 2004, a edição da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a instituição do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que estabelece novo modelo de gestão. Além desses marcos regulatórios registram-se normas operacionais básicas voltadas para orientar o processo de implementação da Política em todo o território nacional, com a hierarquia, dos vínculos das responsabilidades do sistema de serviços, benefícios e ações de assistência social. Essa Política, segundo Couto e Silva (2009, p. 34-35),
[...] tem a tarefa de trazer para a arena política as demandas de grande parcela da população brasileira e o faz na condição de direito social, desmercadorizável e universal. Reconhece que há necessidade de um pacto social, onde os direitos da população mais pobre devam ser garantidos, que o Estado deva ter primazia na condução dessa política e que haja um compartilhamento das decisões a serem tomadas entre sociedade civil e Estado.
O SUAS enquanto modelo de organização e gestão confere nova institucionalidade a PAS como Política de Seguridade Social ao especificar serviços, benefícios e ações que podem ter caráter permanente ou eventual. Em ambos os casos, são executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério universal e lógica de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil. Caracteriza-se como um sistema articulador e provedor de ações de proteção social básica e especial, afiançador de seguranças sociais próprias da PAS.
É incontestável que o SUAS inova na construção de um novo desenho institucional para a PAS ao reafirmar a articulação entre econômico e social e com outras políticas públicas (intersetorialidade); o Controle Social da sociedade na formulação, gestão, execução e avaliação da Política; o Comando Único; a Centralidade na Família e aqui ressaltamos a busca de superação da visão fragmentadora, embora, contraditoriamente expresse uma visão repressora, conservadora, moralizadora e de responsabilização da família; o protagonismo dos usuários como sujeitos de direitos; a Garantia de financiamento compartilhada pelos três níveis de Governo; as Garantias de Proteção Social dentre outros aspectos.
No entanto, observamos que a história recente da PAS vem expressando os efeitos dos determinantes estruturais e conjunturais impostos pelo contexto ideopolítico neoliberal que rebatem na implementação das políticas públicas em geral, e na assistência social em particular. Os atuais processos de regulação do capital sob a orientação neoliberal, as prerrogativas para as políticas sociais em países como o Brasil, norteadas, em grande parte, por organismos internacionais, seguem na direção do que Soares (2000) assinala como uma crescente fragmentação da gestão do social, bem como um movimento de restrição e retrocesso das políticas sociais, dado o seu caráter cada vez mais focal e emergencial direcionado a situações extremas de pobreza.
A compreensão dos diferentes sujeitos sociais envolvidos no processo de implementação do SUAS: gestores(as), técnicos(as), conselheiros(as) e usuários(as) se constitui aspecto importante para uma avaliação da PAS, porque expressa o entendimento de sujeitos com níveis de inserção, experiências e envolvimento diferenciados no âmbito dessa Política e do seu sistema de gestão.
Importa ressaltar que as diferentes percepções aqui expostas e analisadas foram obtidas mediante entrevistas2 com gestores(as) e grupos focais com usuários(as), técnicos(as) e conselheiros(as), além de observações registradas em diário de campo no âmbito da pesquisa já informada nesse artigo. As entrevistas e grupos focais foram orientadas pelas seguintes questões: O que é a PAS e o SUAS para os diferentes sujeitos? Quais as percepções sobre o processo de implementação do SUAS? As respostas foram gravadas em áudio com a permissão dos participantes, sendo posteriormente transcritas e sistematizadas conforme os eixos elencados na pesquisa.
As percepções do conjunto dos sujeitos denotam que há contraposição entre o desenho da política e sua implementação bem como um avanço lento do SUAS expresso, principalmente, na secundarização da Política de Assistência Social no âmbito dos municípios o que se reflete na estrutura precarizada do SUAS e, principalmente, na distribuição insuficiente dos recursos e, em decorrência, dos serviços.
Dentre os(as) gestores(as) e técnicos(as) participantes, a maioria demonstra conhecer a PAS e a forma de gestão através do SUAS como sistema afiançador de direitos. Contudo, o conhecimento se restringe aos enunciados e normas regulatórias. Matérias como orçamento e financiamento da Política foram destacadas como um limite em termos de compreensão ou mesmo acesso às informações. Foi constatada, por exemplo, a ausência de conhecimento, por parte dos(das) técnicos(as), em relação ao orçamento da PAS. Nesse aspecto, identificamos, neste grupo de sujeitos questionamentos acerca dos recursos financeiros, sua visibilidade e distribuição, para garantir a realização das ações nos equipamentos.
Foram poucos os sujeitos que se destacaram pela reflexão crítica dos impasses na execução da política de proteção social em meio a um sistema de produção que gera riscos e vulnerabilidades de forma permanente, ou seja, a partir da sistematização das reflexões das suas intervenções, estudos e discussões que participam. No geral, constatamos entre gestores(as) e técnicos(as) dificuldade em compreender a PAS no contexto da Seguridade Social, as tensões e contradições enfrentadas por essa Política para assegurar direitos em uma conjuntura adversa, de prevalência de programas reducionistas, da continuidade do ranço assistencialista, da escassez de recursos e da dificuldade na garantia de direitos sociais.
Parte significativa dos participantes demonstra o não reconhecimento da Assistência Social como direito, sobretudo, os(as) usuários(as) entre os(as) quais predomina a compreensão da Assistência Social como ajuda reiterando a histórica lógica do favor e da gratidão (cultura assistencialista). Além disso, muitos(as) usuários(as) também associam a PAS ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), aos serviços e algumas ações específicas, o que também denota conhecimento restrito.
A expressão Política de Assistência Social causou em alguns(umas) usuários(as) confusão entre política partidária e política pública de forma que precisaram dissociar os termos política e assistência social, esta última materializada nos serviços socioassistenciais. Neste sentido afirmaram não entender da política, mas que a assistência social materializada nos serviços e benefícios, se constitui uma coisa boa para os que precisam. Verificamos que este segmento tem dificuldade em estabelecer relação entre os serviços que acessa e a PAS desconhecendo, por exemplo, que o acolhimento, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) se constituem serviços da PAS.
Para os(as) usuários(as), em geral, violados(as) em seus direitos fundamentais, as respostas em relação a percepção da assistência social são direcionadas para as dificuldades vivenciadas em suas trajetórias pessoais, suas apreensões em relação a um futuro incerto, ausência de perspectivas e a possibilidade iminente de perda da segurança que os serviços e benefícios representam. Suas expectativas giram em torno das questões mais imediatas como a melhoria da alimentação, a urgência no repasse do aluguel social, o recebimento da cesta básica, a obtenção da passagem para retorno ao local de origem dentre outras ações de caráter emergencial.
A discussão que se desenrolou com os(as) usuários(as), mostrou que estes(as) geralmente, possuem trajetórias marcadas por adversidades difíceis de serem superadas, de imediato, no contexto de suas condições objetivas de existência. Tais adversidades culminaram com a redução de suas perspectivas, horizontes e desejos de forma que demonstram satisfação e conformidade com o que recebem, conforme expressou um usuário: “[...] eu não posso dizer que precisa melhorar [...] só a comida, né? De resto tá muito bom, muito bom, nós num tem nada mermo, num temo pra onde ir. Tá bom demais [...] não precisa melhorar nada, não.” (Informação verbal)3.
Depoimentos de técnicos apontam que a troca de favores no contexto da implementação da política ainda é uma prática rotineira da qual os próprios políticos se aproveitam. Constatamos também que parte significativa de gestores(as) e técnicos(as) expressam entendimento confuso sobre a PAS e o SUAS como direito, demonstrando as vezes um conhecimento genérico, pouco consistente, impregnado de pré-concepções. Verificamos a necessidade de debates e reflexões críticas sobre os conceitos que fundamentam a PAS a exemplo de pobreza, território e família no sentido de confrontar esses conceitos com a compreensão de gestores(as) e técnicos(as), em geral, eivadas de estigmas que se reproduzem na relação com os(as) usuários(as), sob a forma de julgamentos sociais e morais que comprometem a concepção do(da) usuário(a) como inserido(a) em um contexto sócio-histórico de desigualdades e injustiças sociais que inviabilizam sua visão enquanto sujeito de direitos.
Os depoimentos evidenciam ainda que a maioria dos conselheiros também não demonstra protagonismo que expresse conhecimento da Política Municipal de Assistência Social (PMAS), embora alguns a entendam como direito, em especial os conselheiros da capital, São Luís, que demonstraram ter mais conhecimento sobre a PAS. Contudo, foi expressiva a fragilidade na participação da sociedade civil, que, no geral, mantém uma relação de subalternidade em relação ao poder público, bem como a dificuldade de estratégias de viabilização da participação dos usuários restrita a uma formalidade burocrática no âmbito dos Conselhos ante a ausência de conhecimento sobre a Política e a inexistência de embates entre os diferentes segmentos que compõem o Conselho. Sendo o Conselho um espaço político composto por diferentes sujeitos com racionalidades, concepções e propostas divergentes as dissenções deveriam fazer parte. Os conselheiros apontaram a responsabilidade e a dimensão de envolvimento que o controle exige e as condições concretas para sua efetivação. Isto evidencia uma questão nodal: a estruturação das instâncias de controle como exigência formal burocrática, uma vez que o controle efetivamente não ocorre.
Outra questão refere-se às relações políticas, considerando-se que os Conselhos são espaços de embate, de dissenções e de poder. A presença do(da) gestor(a) nesse espaço, em geral, como membro ou dirigente tende a inibir confrontos e questionamentos tanto por parte de conselheiros da sociedade civil quanto do poder público.
No que se refere à compreensão sobre a Implementação do SUAS, parte dos gestores(as) e técnicos(as) destacou que com o SUAS houve melhor apreensão do que é a PAS, em termos da definição das suas atribuições e competências. Todavia, há o reconhecimento de que a PAS não vem sendo executada plenamente de acordo com as determinações do SUAS. Os entrevistados disseram que há uma organização da PAS no formato do SUAS apenas no plano formal, mas, não se materializa no âmbito dos municípios.
A pesquisa também mostrou que a inserção e alocação dos trabalhadores do SUAS ainda se faz em condições precárias – vínculos instáveis, poucos trabalhadores concursados, salários baixos, inexistência de Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) em observância a NOB-RH/SUAS 2006. O número de profissionais é insuficiente para desenvolver as ações compatíveis com o desenho da Política. Ademais, também foram pontuadas outras dificuldades que também rebatem no trabalho, como, por exemplo: as estruturas físicas dos equipamentos onde funcionam as ações da política; o tempo de horas de trabalho que a equipe técnica disponibiliza para a execução das ações; a concentração do trabalho dos técnicos em dias ou horários previamente definidos – desconsiderando as demandas dos territórios; a precarização das relações de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do SUAS; a ausência ou insuficiência de equipamentos (computador, impressora;) e a ausência ou insuficiência de internet, telefone, carro, combustível, etc.
Constatamos que o eixo da vigilância socioassistencial não vem assumindo centralidade na dinâmica de trabalho dos equipamentos, isto se expressa, principalmente, pela ausência de banco de dados e de um diagnóstico amplo e analítico acerca das condições de pobreza nos municípios que possam nortear e configurar o universo dos(das) usuários(as) e suas demandas.
A oferta de serviços na proteção social especial, de alta complexidade, como os abrigos, enfrenta cotidianamente as dificuldades com as demandas apresentadas por outros municípios. Este fato indica, claramente, o descumprimento das responsabilidades dos entes federados União, Estados e municípios, pactuadas nacionalmente, no que se refere a sua organização regionalizada, evitando a sobrecarga de atendimento que fragiliza a gestão da PAS nos municípios cuja estruturação vem buscando avançar no sentido de garantir os serviços ante o aumento crescente das demandas.
As condições estruturais, de prédios, para funcionamento dos serviços indicam que é preciso avançar nessa área. Observamos, por ocasião da realização das visitas e dos grupos focais, estruturas prediais que não garantem, por exemplo, acessibilidade aos usuários e usuárias. Na estruturação dos equipamentos CRAS, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros POP), há prevalência de estruturas alugadas e adaptadas, em geral, precarizadas e inadequadas dificultando o acesso, por exemplo a pessoas idosas e pessoas com deficiência.
Os trabalhadores e trabalhadoras situados no campo da Assistência Social ainda que busquem balizar suas ações de acordo com as normativas da Política, confrontam-se com vieses como o clientelismo, o patrimonialismo, o paternalismo, o mandonismo, a apropriação privada da coisa pública, o que se reflete em Benefícios a exemplo dos eventuais, amplamente utilizados por prefeitos, gestores, primeiras damas e lideranças políticas para fins eleitoreiros, numa visível reiteração dos traços históricos definidores da cultura conservadora e privatista brasileira e que se contrapõem à concepção de democracia, de cidadania e de direito. A maioria dos técnicos expressa a discrepância entre a arquitetura do SUAS e sua operacionalização e o esforço despendido para superar os obstáculos presentes no cotidiano da política.
Além disso, enfatizamos que esse conjunto de fatores estruturais e conjunturais, aliados à frágil apreensão dos conteúdos teóricos, conceituais e mesmo metodológicos do trabalho que a PAS e o SUAS preconizam, tem rebatimentos, sobretudo no trabalho da equipe técnica e das(dos) e gestores(as). Destaca-se que a limitada compreensão crítica sobre as bases materiais fundantes da sociedade capitalista se expressam na percepção desses sujeitos. Desse modo, o trabalho socioassistencial planejado e desenvolvido se volta para ações que tem o caráter mais de disciplinamento e moralização dos trabalhadores pobres e quase ou nenhum enfoque político pedagógico e organizativo, ou seja, são ações que reiteram a condição de subalternidade dos sujeitos demandatários da Política.
Como aproximações conclusivas ainda parciais podemos afirmar que no atual contexto de crise a intervenção do Estado brasileiro tem se direcionado para a despolitização da questão social tomando a pobreza na sua expressão mais absoluta. A assistência social apesar de vir assumindo, nesses termos, a condição estratégica de principal política de proteção social, faz isto de forma tímida e precária, tanto no que diz respeito às estruturas físicas, materiais e tecnológicas disponibilizadas para a sua implementação, quanto no tocante à questão de pessoal técnico contratado para o desenvolvimento das ações.
Nesse sentido, podemos afirmar que a PAS, no Maranhão, tem apresentado avanços significativos quanto a sua institucionalidade, o que se pode constatar no esforço de ordenamento legal dos órgãos gestores, no aprimoramento e regulação dos Benefícios Eventuais, no cumprimento da tipificação dos serviços socioassistenciais e no esforço, também de romper com o assistencialismo na perspectiva de tornar os serviços direitos reclamáveis. No entanto, ainda constatamos limites de caráter conceitual, estruturais e conjunturais incidindo sobremaneira na a Política e sua materialização como direito.
Há fragilidade na efetividade da rede socioassistencial, o que coloca a necessidade de definição de responsabilidades e criação de estratégias para o fortalecimento e efetividade do trabalho em rede, no Estado. Tal efetividade requer integração de serviços das diferentes políticas públicas, necessárias para a garantia da proteção integral. Ressaltamos que a integração da rede, para se consolidar, prescinde da construção de conhecimentos interdisciplinares acerca das temáticas que incorporam os diferentes níveis de proteção social do SUAS.
Também foi expressiva a fragilidade na participação da sociedade civil no Conselho, enquanto instância de controle social. Ademais, não foram identificadas estratégias de fortalecimento de qualificação dessa participação, visando a efetividade do controle social da PAS em São Luís.
No conjunto dos sujeitos foram poucos os destaques com percepções que revelassem domínio da concepção da PAS e dos desafios que estão postos à gestão da PAS no âmbito municipal. Ressaltamos que o conhecimento sobre a PAS facilita as parcerias, a articulação com as demais políticas públicas, legislativo e iniciativa privada na redução dos limites e potencialização de possibilidades, isto contribui para o avanço na implantação dos serviços e ampliação do atendimento. Neste sentido, o inverso, ou seja, o desconhecimento ou conhecimento restrito e equivocado reduz as possiblidades de afirmação do SUAS enquanto sistema de gestão e garantia de direitos.
Na compreensão da PAS, por parte dos sujeitos foi constatada a dificuldade de sua contextualização em âmbito nacional, estadual e municipal, bem como, a discussão da Política como processo e produto de relações históricas, sociais, políticas. A discussão, em geral, isola e restringe a PAS aos seus aspectos legais, normativos e operacionais, expondo a necessidade de aprofundamento de conhecimentos, saberes, bem como adoção de instrumentos apropriados para a qualificação do atendimento aos usuários, do exercício da vigilância socioassistencial e desenvolvimento das ações de caráter preventivo e protetivo.
Nesse aspecto destacamos que a cultura clientelista e assistencialista é expressiva nas concepções de gestores(as), técnicos(as), conselheiros(as) e usuários(as), sendo que os serviços prestados ainda são utilizados como moeda de troca. Ademais, a política partidária local, ainda de cariz conservador, autoritário, clientelista e, portanto, antidemocrático, impõe dificuldades a ruptura com essas concepções tão persistentes na assistência social, de forma que a lógica de acesso aos serviços socioassistenciais, como direito, considerando as desigualdades sociais, não vem sendo percebida ou incorporada pelos sujeitos.
A concepção da assistência social como direito inscrito no campo da cidadania constitui um desafio a ser construído pelos sujeitos que vivenciam a Política de Assistência Social no Maranhão. Sabemos que as marcas históricas das ações clientelistas, paternalistas pautadas no caráter de benesse não se superam de uma hora para outra, pelo contrário, assistência social como direito e como benesse ainda se misturam e se conflitam nas concepções e ações cotidianas de gestores(as), técnicos(as), conselheiros(as) e usuários(as). Neste sentido, urge o desafio de discutir a dimensão conservadora que historicamente permeia a assistência social mediante reflexões críticas e questionamentos, que tenham como foco os(as) usuários(as) dos serviços e benefícios da Política de Assistência Social. Isto, considerando que a cultura assistencialista consolidou práticas tuteladoras que dificultam a compreensão dos(das) usuários(as) acerca dos serviços sociais a que têm direito e, em decorrência, sua emancipação como sujeitos sociais e políticos.
Os usuários e usuárias dos serviços socioassistenciais têm dificuldade em associar os equipamentos CRAS, CREAS e Centro Pop, e os serviços e benefícios neles ofertados com a PAS. Focam mais nos benefícios que acessam e na acolhida e atenção disponibilizada pelas equipes, naquilo que materializa, de fato, o atendimento social para este público. Ademais, ainda associam os serviços e benefícios que acessam, como ajuda, reiterando a histórica e persistente relação da assistência social com o favor.
Ressalta-se, referindo aos usuários e usuárias a necessidade de discussão sobre a forma como estes sujeitos foram e ainda são reconhecidos e caracterizados pela assistência social, sob as marcas da herança conservadora que forjou nos(nas) usuários(as) pobres a identidade do(da) submisso(a) e obediente. Expressões contrárias como reinvindicações, questionamentos e contestações configuram o que pode ser definido como pobre ou usuário(a) não merecedor(a), reforçando, portanto, dimensões moralizadoras e estigmatizadoras que prescrevem condutas sob novas formas de meritocracia.
É incontestável que a LOAS e o SUAS avançam no reconhecimento dos(das) usuários(as) como sujeitos de direitos, contudo esse reconhecimento não é suficiente. É necessário que se tornem efetivamente sujeitos de direitos, incluindo-se o direito de lutar por seus direitos. Assim, devem ser construídas estratégias que possibilitem aos usuários(as) o envolvimento em ações coletivas visando novas sociabilidades pautadas em ideais democráticos, igualitários e solidários.
Contribui para uma concepção restrita da assistência social, embora não seja o seu principal determinante, a reduzida capacitação dos(das) conselheiros(as), gestores e técnicos(as) acerca da Política no sentido de viabilizar debates e reflexões acerca da PAS como processo de produto de relações históricas, sociais e políticas. Os depoimentos dão conta de que, no cotidiano de trabalho no âmbito da assistência social muitos saberes são necessários para a qualificação do atendimento e melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do SUAS, contudo a ausência de espaços compartilhados de discussão para debater e refletir criticamente os processos de trabalho em que estão inseridas as equipes impõe limites para que o cotidiano de trabalho se torne um espaço de aprendizagem.
Além da sobreposição da rotina de atividades, o saber mais disseminado entre as equipes acaba por se restringir ao saber institucional representado pelas normas e orientações técnicas. Os serviços socioassistenciais, particularmente os serviços de média e alta complexidade, exigem a constituição de equipes multidisciplinares compostas por profissionais com elevado grau de especialização nas temáticas que envolvem os serviços prestados. Entendemos que se trata de uma especialização que excede os manuais normativos e se constrói na problematização coletiva fundamentada em reflexões, debates e estudos críticos sobre as temáticas trabalhadas.
E, por fim apontamos como um dos agravantes para a implementação da PAS no Maranhão a quase ausência da esfera estadual no cofinanciamento da PAS, revelando o descumprimento das responsabilidades dos entes federados, pactuadas nacionalmente, e que fragiliza a gestão da PAS, mediante a lógica do SUAS nos municípios. Considerando que o cofinanciamento pelo Estado é, praticamente, inexistente, o termo cofinanciamento, como co-responsabilidade dos três entes federados, torna-se questionável, visto que o município é que entra com maior financiamento para a PAS. Na capital, São Luís, por exemplo, foi destacado que os custos com os serviços de acolhimento são elevados e que para uma metrópole, onde o fluxo de usuários de municípios vizinhos é intenso, o cofinanciamento federal também está aquém das condições de uma oferta qualificada dos serviços.
A pesquisa reafirma que o SUAS, como um processo em construção, sinaliza uma possibilidade histórica de consolidação da proteção social. No entanto essa consolidação, depende, por um lado, de recursos e investimentos públicos que potencializem sua estruturação como sistema afiançador de direitos; e por outro, de um compromisso político com a superação do ranço conservador que tem marcado historicamente a assistência social. Isto coloca a necessidade permanente de discutir e refletir criticamente as possibilidades de ruptura com relações clientelistas, paternalistas e patrimonialistas constitutivas das formas históricas de enfrentamento as manifestações da questão social no Brasil.