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NOTAS PARA ANÁLISE DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO A PARTIR DE LÊNIN E CHESNAIS
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, pp. 691-706, 2018
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepção: 03 Março 2018

Aprovação: 09 Maio 2018

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar as transformações que o capitalismo monopolista vem atravessando desde o final do século XIX, como forma de enfrentamento às crises que lhes são inerentes. A partir da relação entre capital produtivo e capital financeiro, o modo como o capital vem se organizando e reorganizando para valorização da riqueza socialmente produzida. Faz essa análise a partir de dois autores: Lênin e Chesnais, tendo como referência as elaborações de Marx. Estes viveram em contextos diferentes do acirramento da tendência de concentração e centralização de capitais, tendo como consequência a superexploração do trabalho e das nações imperialistas sobre as demais. Por fim, registra a importância e interesse pelo estudo para a compreensão do capitalismo contemporâneo e possibilidades de combatê-lo.

Palavras-chave: Imperialismo, mundialização, Capitalismo Contemporâneo.

Abstract: This article aims to analyze the transformations that monopoly capitalism has been going through since the end of the 19th century as a way of coping with the crises that are inherent to them. From the relation between productive capital and financial capital, the way in which capital has been organizing and reorganizing for the valorization of socially produced wealth. We make this analysis from two authors: Lenin and Chesnais, having as reference the elaborations of Marx. They lived in different contexts of the intensification of the tendency of concentration and centralization of capitals, resulting in the overexploitation of labor and imperialist nations over the others. Finally, it notes the importance and interest in studying for the understanding of contemporary capitalism and the possibilities of combating it.

Keywords: Imperialism, globalization, Contemporary Capitalism.

1 INTRODUÇÃO

Uma das tendências do capitalismo apontadas por Marx é a concentração e centralização de capitais. Apesar de indicar essa tendência, na época em que Marx viveu não foi possível o seu pleno desenvolvimento muito em função das circunstâncias históricas nas quais o autor fez a sua profunda investigação sobre o modo de produção do capital, além de uma crítica contundente ao seu funcionamento. De tal maneira que, já estava nos apontamentos de Marx a necessidade de expansão do capitalismo para as mais distantes localidades do globo, como forma de exportar capitais. Ao final do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, o sistema enfrentou fortes crises que levaram os capitalistas a buscarem alternativas de enfrentamento, chegando inclusive a duas grandes guerras mundiais.

Coube a Lênin analisar tal processo, avançando a partir das contribuições de Marx para análise das condições objetivas do capitalismo em sua fase de expansão mundial e fortalecimento associativo, que caracterizou como a fase Imperialista. A fase dos trustes, dos cartéis, dos monopólios; da partilha do mundo a partir de uma luta feroz entre os capitalistas sempre na tentativa de garantir espaços para a produção de mais valor; da fusão do capital bancário com o capital industrial, que resultou no capital financeiro, com todas as consequências para as classes trabalhadoras em todo o mundo capitalista.

No final do século XX, mais precisamente na década de 1970, o sistema enfrentará uma nova e profunda crise que exigirá um novo salto no seu enfrentamento pelos capitalistas, que redefinirão as estratégias de acumulação do ponto de vista da organização e gestão do trabalho, reorganização do papel do Estado, num ambiente de grande salto tecnológico que propiciou o surgimento de novas tecnologias e da chamada globalização, mundialização do capital. Neste artigo, busca-se analisar esses fenômenos a partir das análises de Lênin e Chesnais, e ao mesmo tempo fazer compreender minimamente a importância do desenvolvimento de uma permanente investigação em torno do modo de produção do capital e suas consequências na vida real das pessoas e do planeta.

2 IMPERIALISMO E FINANCEIRIZAÇÃO

No Manifesto Comunista, Marx e Engels (1998, p. 43) afirmam que: “A burguesia só pode existir com as condições de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais”. Essa é uma condição essencial desse modo de produção que o leva a contradições insolúveis. Para Marx, o desenvolvimento do capitalismo levaria a uma crescente concentração de riquezas e uma disputa entre os burgueses pelo espaço, a fim de dominar território para desenvolver o mercado que é elemento fundamental do processo de construção do capital. Não por acaso, Marx em sua crítica da economia política, reconhece que no modo de produção capitalista tudo tenderia a se transformar em mercadorias, sobretudo no período de crises de superprodução. Assim, no mesmo ritmo em que amplia as desigualdades econômicas entre os trabalhadores e os burgueses, também se ampliam as diferenças econômicas entre nações e corporações do capital. Esse processo foi analisado por Lênin, no famoso Imperialismo: fase superior do capitalismo, publicado pela primeira vez em 1917.

Lênin (2000) demarca a história dos monopólios:

1) Décadas de 1860 e 1870 – desenvolvimento da livre concorrência. Elementos praticamente imperceptíveis de monopólios;

2) Posterior à crise de 1873 – extenso período de desenvolvimento dos cartéis, mas ainda não generalizado;

3) Final do século XIX e crise de 1900 a 1903: “[...] os cartéis passam a ser uma das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo.”

O capitalismo no final do século XIX viveu, após a crise de 1873, uma situação de crescimento econômico que possibilitou a implantação de algumas reformas que permitiram melhorias nas condições de trabalho e salário da classe trabalhadora. No entanto, logo em seguida, a concentração de capitais no controle de poucas empresas monopolistas e transnacionais conduziu o sistema a uma forte crise estrutural, que abriria caminho para um processo de destruição de forças produtivas, incluindo uma grande guerra. Esse processo foi sendo construído pelas opções e alternativas encontradas pelo capital em face das suas contradições que exacerbarão a sua tendência de concentração e centralização de capital. Nas ideias de Lênin (1979): no final do século XIX aparece uma crise com uma profunda contradição: ao mesmo tempo em que se desenvolvem as grandes corporações empresariais de proporções gigantescas em vários ramos industriais, também se inicia o enfraquecimento dos pequenos negócios até então praticado na indústria arcaica existente à época. Tal fenômeno é a base para que o capitalismo dê um salto no seu desenvolvimento. Isso levará à ampliação da concentração de riqueza por um lado, assim como abriu possibilidade de reformas em base ao aparecimento de um forte capital e um modelo de grande empresa que jamais permitiria a sobrevivência de empresas que, em função de sua pouca produção não teriam condições de concorrência com o novo formato de empresa a transnacional ou de grande escala espacial em um território nacional.

Contudo, esse processo não ficará imune às crises e também sua expressão ganhará tamanhos proporcionais aos do capital. Como consequência disto, a crise de 1900 determinou a concentração da indústria em proporções incomparavelmente maiores que a de 1873, que tinha efetuado também certa seleção das melhores empresas. Se bem que, dado o nível técnico de então, esta seleção não tivesse podido conduzir ao monopólio as empresas que tinham conseguido sair-se vitoriosas da crise. É precisamente desse monopólio persistente e em alto grau que gozam as empresas das indústrias siderúrgica e elétrica, graças ao seu equipamento técnico muito complexo, à sua extensa organização e ao poder do seu capital. Depois, em menor grau, as empresas de construção de maquinaria, de determinados ramos da indústria metalúrgica, das vias de comunicação, etc.

A livre concorrência permanece formalmente reconhecida. Porém, os cartéis através de acordos firmados entre si determinam: as condições de venda, os prazos de pagamento, os preços, etc., dividem os mercados de venda, determinando inclusive a quantidade de produtos a fabricar. Por fim, partilham os lucros entre as diferentes empresas. A produção continua social, a apropriação permanece privada, os meios sociais de produção continuam a ser propriedade privada de um punhado de pessoas os monopolistas, que impõem um pesado sacrifício, muito mais duro e insensível, sendo mesmo insuportável à maioria da população.

Esse quadro leva ao aparecimento de uma nova fase do capital: a fase dos monopólios e da fusão do capital bancário e industrial, assim com o aparecimento do capital portador de juros que empresta o dinheiro ao seu sócio industrial, ou comercial. Este tem como objetivo adquirir a valorização da sua mercadoria dinheiro que, enquanto tal na forma papel ou mesmo moeda não se valoriza sem o trabalho humano. Nesse sentido, o dinheiro vai ao capitalista produtivo de mais-valia e depois parte dessa mais-valia é transferida para o capitalista bancário em forma de juros.

Na análise de Lênin, o crescimento da riqueza do banqueiro depende da quantidade de dinheiro transformado em novas mercadorias, ampliando a produção de mais-valia. Vale destacar que, esse capital dinheiro já é produto do capital-mercadoria que já foi construído de mais-valia. Então, conclui-se que o capital bancário é uma equação elevada da exploração dos trabalhadores. Essa forma de capital leva à ampliação da divisão do trabalho, pois logo se constitui uma burguesia parasitária que passa a viver de emprestar dinheiro e colher depósitos para o crescimento do capital. Uma camada de sócios dos emprestadores de dinheiro para buscar mais lucros com a realização de mais-valia.

À medida que vão aumentando as operações bancárias e se concentram num número reduzido de estabelecimentos, os bancos convertem-se de modestos intermediários que eram antes, em monopolistas onipotentes, que dispõe de quase todo capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos patrões, bem como da maior parte dos meios de produção e das matérias primas de um ou de muitos países. Esta transformação dos numerosos modestos intermediaries num punhado de monopolistas constitui um dos processos fundamentais da transformação do capitalismo em imperialismo capitalista, [...] (LÊNIN, 1979. p. 597).

Esse novo sistema de negócio ficou conhecido como sistema monetário e é a base do conforto dos capitalistas e a segurança do capital enquanto forma econômica de produção de mercadorias. Uma burguesia que vive de fazer nascer novos burgueses e novos mecanismos de ampliação da exploração do trabalho. Os banqueiros transformam-se em representantes gerais dos burgueses e centralizam todos os excedentes de mais-valia para o sistema financeiro; também são intermediários na alocação de dinheiro, assim facilita o domínio do mundo pelo capital. Mas, isso não significa que o sistema financeiro substitui o sistema produtivo, pois se assim fosse, destruiria a origem do sistema do capital e, consequentemente, o seu próprio funcionamento. Marx (1988, p. 225) já apontava:

Os movimentos puramente técnicos que o dinheiro realiza no processo de circulação do capital industrial e, como podemos acrescentar agora, do capital de comércio de mercadorias (já que este assume parte do movimento de circulação do capital industrial como seu movimento próprio e particular) esses movimentos autonomizados como função de um capital específico que os executa, e só eles como operações que lhes são peculiares, transformam esse capital em comércio de dinheiro. Parte do capital industrial, e mais exatamente também do capital de comércio de mercadorias, não só existiria continuamente em forma dinheiro como capital monetário em geral, mas como capital monetário que está envolvido nessas funções teóricas.

O capitalismo moderno fez uso de recursos da época mercantil, seguindo o exemplo da Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1602, para juntar recursos na exploração dos negócios de navegações em busca de matérias-primas, especiarias e novos territórios para colonizar. Então, criaram as bolsas de valores para venda e compra de ações de empresas capitalistas com o objetivo de adquirir capital inicial, ou para produzir mais capital e mais-valia. Essa prática nada mais é que um processo especulativo que se faz por meio das negociações nas bolsas de valores uma forma de fortalecer os lucros dos capitalistas e até seguradoras são construídas para garantir outras formas de lucros nas especulações.

A grande concentração de capitais em forma de títulos, ações e outros contratos financeiros criam as condições para a especulação por meio desse capital, que Marx definia como capital fictício, em função de não ter o seu retorno para a formação de capital produtivo. Uma das crises do capital é a grande quantidade de dinheiro circulando e a pouca produção de mercadoria para oferecer ao mercado. Esta situação leva a uma alta constante dos preços das mercadorias para que as mesmas se valorizem diante do dinheiro. Então, existe um desequilíbrio permanente entre os preços das mercadorias e a valorização do dinheiro que gera uma crise permanente no sistema monetário.

Ao fazer sua investigação sobre o modo de produção do capital, Marx entendeu a existência de 3 formas de capital: 1) capital industrial, ou produtivo, ou mesmo chamado de ativo, onde inicia toda a produção de mais-valia e pode-se dizer que é o coração do capitalismo; 2) o capital comercial, onde se faz a circulação e distribuição das mercadorias conforme o poder de compra das pessoas; 3) o capital bancário ou monetário, da qual seria os intermediários no processo de financiamento de novos capitalistas e parte da revalorização da mais-valia.

Assim, comprovou que durante os ciclos econômicos existiriam duas tendências do capital: a primeira seria a concentração de riquezas nas mãos dos capitalistas por meio do processo de concentração de mais-valia, pois assim também faria da classe trabalhadora um sujeito social pauperizado e parte da classe viveria em condições de miséria absoluta; a segunda tendência seria o surgimento dos monopólios por meio da concorrência onde passariam a existir fusões e compra de empresas menos favorecidas por aquelas que mais acumulavam riquezas. Dessa forma, teriam empresas cada vez maiores, com maior concentração de capital e controle da economia global, ampliando a massa geral de acumulação de mais-valia.

Marx depositava grandiosas esperanças na revolução proletária, entendia que a burguesia não seria capaz de deixar de usar o Estado como estrutura policial para manter os negócios dos capitalistas. Então, coube a outros intelectuais do campo marxista dar continuidade às pesquisas iniciadas por ele sobre o processo de monopolização do capital. Então, Hilferding (1985 apud LÊNIN, 1979) em 1910 produz uma literatura conhecida como capital financeiro e define esse como sendo a fusão do capital monetário, bancário com o capital industrial por meio de empréstimos adquiridos por capitalistas industriais para montar seu negócio inicial, ou ampliar o já existente. Assim, ele deduz que o capitalismo passa a ser organizado, centralizado e entra na sua fase madura.

O capital financeiro, o capital bancário que se converte em capital industrial, uma parte cada vez maior do capital não pertence aos industriais que utilizam. Podem dispor do capital unicamente por intermédio dos bancos, que representa para eles os proprietários desse capital. Por outro lado, os bancos se veem obrigados a destinar uma parte cada vez maior desse capital para a indústria, pois assim esse capital se converte em proporções crescentes de capital e extração de mais-valia.

Lênin (1979) avança nos estudos do sistema monetário e apresenta as seguintes conclusões: 1) esse processo é uma verdadeira internacionalização do capital; 2) um novo formato de capitalismo imperialista baseado nos monopólios como uma estrutura diferenciada no capital concorrencial. Ou seja, uma fase superior do capitalismo.

Essa fase é marcada pela centralização do capital em mãos de um número cada vez mais reduzido de banqueiros que concentram quase toda riqueza em dinheiro dos capitalistas industriais e de pequenos capitalistas, até mesmo de muitos dos meios de produção e de matérias primas em diversos países. Os banqueiros passam a ser uma espécie de Deus todo poderoso na sociedade burguesa. As indústrias são incorporadas por um processo de fusão e compra de ações pelos bancos, pois assim a produção fica centralizada nas decisões dos bancos e dos industriais. São obrigados a ter uma união pessoal entre os banqueiros e os industriais. Este processo se dá em vários ramos econômicos e de forma cada vez mais global.

O capital financeiro passa a controlar as grandes empresas industriais e todo o comércio e a ter um maior peso no Estado, tendo o domínio da sociedade burguesa. Então, nasce uma burguesia superiormente parasitária e cada vez mais afastada do chão da produção e escondida nos gabinetes ou ilhas, sendo uma classe social invisível ao mundo do trabalho. O capital financeiro inova a estrutura de negócios, diferente dos trustes e cartéis, ele cria uma associação de empresas-mães, filhas e netas, mas o controle fica sempre na empresa-mãe que centraliza todas as decisões do funcionamento, e concentra também toda a riqueza produzida. Outro aspecto é que o capital financeiro passa a gozar de direitos sobre os demais por meio da cobrança de juros que vai ser destinado a uma minoria de banqueiros, constituindo uma oligarquia financeira.

É relevante entender que, se no capitalismo moderno existia uma exportação de mercadorias como define Lênin (1979), na fase superior do capitalismo imperialista passam a exportar capitais, fruto da acumulação de capital nas grandes potências econômicas. Então, assim cria uma rede de países dependentes destes capitais e dos países investidores. O excedente de mais-valia dos países economicamente desenvolvidos é transferido para outros países de economias pobres com o objetivo de se revalorizar por meio da exploração econômica destas nações.

A exportação de capitais para os países ditos atrasados têm como objetivo conquistar novos mercados em face da estagnação dos mercados das grandes potências econômicas. Portanto, o capital necessita de novos espaços para sua reprodução e manutenção, pois o bicho cresce e não pode ser sufocado em seu próprio território.

As nações econômicas por meio de acordos territoriais e comerciais dividiram o mundo para impor seus negócios e usar as importações de capitais, máquinas e técnicas de produção. Contudo, a utilização do capital financeiro como forma de desenvolvimento do capital em outras regiões já era um fenômeno existente e as crescentes sociedades dos monopólios capitalistas cartéis, associações e os trusts nascem como uma força nacional que inicialmente controla os mercados internos, com o total controle da economia no plano do país. Entretanto, essa é só a base para que as grandes nações econômicas possam levar o seu domínio a outras regiões do globo, por meio de suas empresas transnacionais. Então, essa é uma forma de avançar na demanda para o capitalismo que necessariamente rompe as barreiras nacionais e constrói o mercado internacional. De tal maneira que, o crescimento do mercado mundial levou aos acordos entre as corporações econômicas, fazendo uso das importações de mercadorias e máquinas para o trabalho, à constituição de cartéis internacionais. (LÊNIN, 1979).

Assim, também surgem as semicolônias que não necessitam ser controladas militarmente; pela dependência financeira já deixa esse domínio explícito. O capitalismo nessa fase de domínio absoluto do capital financeiro é para Lênin um capitalismo totalmente diferente do concorrencial e não mais desenvolve as forças produtivas, mas entra em uma fase de destruição das forças produtivas por meios de guerras, crises permanentes e alargando sua crise estrutural.

Em síntese, Lênin (1979) define cinco traços fundamentais do Imperialismo: 1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse capital financeiro da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância à exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.

Na atualidade há um grande debate entre intelectuais e ativistas em torno da configuração do capitalismo e suas crises, com as consequências diretas na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras. Aqui, vamos expor algumas ideias trabalhadas por François Chesnais (2005) sobre a mundialização do capital e das finanças, assim como do papel do capital rentista, ou do capital que rende juros.

Para compreender esse fenômeno de ampliação da riqueza por meio de operações financeiras em uma escala grandiosa a ponto de alguns até pregarem mundo afora que não existe mais classe operária e que o setor produtivo perdeu o seu papel de base do sistema do capital. “Esse capital busca ‘fazer dinheiro’ sem sair da esfera financeira, sobre a forma de juros de empréstimos, de dividendos e outros pagamentos recebidos a título de posse de ações e, enfim, de lucros nascidos da especulação bem-sucedida.” (CHESNAIS, 2005, p. 35).

Incontestavelmente um dos novos fenômenos que marcaram o capitalismo contemporâneo é essa enorme liberdade de capital, a autonomia financeira com o crescimento excessivo do parasitismo. Para Chesnais (1998, p. 11) a financeirização foi “[...] um dos fatos mais espetaculares dos anos 1980 e marcou os anos 1990, sendo a esfera financeira a ponta de lança do movimento de mundialização da economia”. É neste espaço que as operações do capital envolvem as quantias mais elevadas e a mobilidade é mais elevada.

O fenômeno surgiu entre 1979 e 1987, a partir da desregulamentação e liberalização iniciada pelos Estados Unidos e Inglaterra, seguidos posteriormente pelos demais países centrais. Implicou a abertura externa e interna dos sistemas nacionais com interligações entre os sistemas monetários e os mercados financeiros dos países que propiciaram o surgimento de um espaço financeiro mundial. O autor ressalta que os mercados nacionais não desapareceram, mas foi formado um mercado mundial fortemente hierarquizado e dominado pelos Estados Unidos, que não possui nenhum mecanismo de controle e supervisão, cuja unidade é dada pelos operadores financeiros. (CHESNAIS 1998).

Acerca do papel da tecnologia nesse processo, Chesnais (1998) considera como um equívoco atribuir unidade financeira dos mercados essencialmente às tecnologias. Estas efetivamente asseguram a interligação dos sistemas financeiros. Mas, ressalta o sentido essencial dessa interligação que nasce das operações que transformam uma virtualidade técnica em fato econômico.

A integração internacional dos mercados financeiros nacionais tornou-se possível a partir de sua abertura regulamentar e de sua interligação em tempo real. Mas o efetivo contexto dessa integração decorre, de forma concreta, das decisões tomadas e das operações efetuadas pelos gestores das carteiras mais importantes e mais internacionalizadas. (CHESNAIS, 1998, p. 12).

Para Chesnais (1998) a financeirização, juntamente com o novo regime salarial, com a repartição de rendas entre os países e no interior de cada um deles, o ressurgimento de rendimentos rentistas significativos, a distribuição da poupança mundial entre os investimentos e aplicações financeiras, constituem traços característicos da acumulação capitalista atual. Para o autor, a ascensão do setor financeiro foi consequência de, pelo menos, três processos: 1) do movimento de relativa autonomização da esfera financeira em relação à produção e, sobretudo, em relação à capacidade de intervenção das autoridades monetárias. 2) do ‘fetichismo’ (ressaltado por Marx e Keynes) das formas de valorização do capital de natureza especificamente financeira. 3) do fato de que são operadores que delimitam os traços da mundialização financeira e que decidem quais os agentes econômicos, de quais países e para quais tipos de transação, que participarão desta.

No tocante ao primeiro aspecto, Chesnais (1998) diz para ter-se cautela com a utilização dos termos autonomia e autonomização, pois se é verdade que uma parcela extremamente elevada das transações financeiras, a exemplo dos cerca de 1,4 trilhão de dólares que circulam diariamente no mercado de câmbio, sem nenhuma contrapartida em investimentos, não significa dizer que não existam vínculos fortes entre a esfera da produção e comércio internacional e a das finanças.

A esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo investimento e pela mobilização de certa força de trabalho de múltiplas qualificações. Os capitais que os operadores financeiros põem para valorizar, através de suas aplicações financeiras e das arbitragens entre diversos tipos de ativos, nasceram invariavelmente do setor produtivo e começaram por assumir a forma de rendimentos que se constituíram na produção e intercâmbio de bens e serviços. Uma parcela desses rendimentos – hoje em dia, uma parcela elevada – é captada ou canalizada em benefício da esfera financeira, e transferida para esta. Só depois dessa transferência é que podem se dar, dentro do campo fechado da esfera financeira, vários processos, em boa parte fictícios, de valorização, que fazem inchar ainda mais o montante nominal dos ativos financeiros. (CHESNAIS, 1998, p. 15).

Esse processo tem a ver diretamente com o endividamento do chamado Terceiro Mundo. Os créditos concedidos aos chamados países em desenvolvimento foram o início de uma imensa transferência de riquezas, no período recente, gerada pela crise aberta nos anos 1974/1975, com o choque do petróleo e elevação dos insumos básicos. A reciclagem dos petrodólares, realizada pela OCDE, permitiu que estes países superassem sua recessão, aumentando suas exportações. Por outro lado, tal reciclagem originou a dívida externa dos países latino-americanos, que representa a maior sangria para esses povos.

Essa reciclagem deu origem a essa dívida externa esmagadora que tantos países do terceiro mundo carregam, há vinte anos, como uma bola de ferro à qual vivem acorrentados. Sucessivamente, as transferências para as instituições financeiras dos países avançados, dos juros que foram pagos pela obtenção de créditos bancários de consórcios desses países, fizeram com que a esfera financeira se consolidasse ainda mais. Embora alguns grandes bancos tenham ficado enfraquecidos com o aumento de seus créditos duvidosos, o processo de transferência de riquezas não se interrompeu quando eclodiu a crise da dívida, em 1982. pelo contrário, a partir de meados da década de 80, assistiu-se à inversão dos fluxos de capital entre o Sul e o Norte. (CHESNAIS, 1998, p. 15).

É importante registrar a contribuição dos salários e benefícios sociais, para o crescimento da esfera financeira, como impostos apropriados pelo Estado, e posteriormente transferidos para o sistema financeiro, como pagamento de juros da dívida pública. (CHESNAIS, 1998).

Analisando a origem da mundialização financeira, Chesnais (1998) destaca que esta se desenvolveu progressivamente, num período muito curto, principalmente após o fim do sistema de Bretton Woods (1966-1971) e periodiza esse processo:

1960 a 1979 existência de sistemas monetários e financeiros isolados, marcados por um sistema de finanças administradas e uma internacionalização financeira limitada. Esta etapa foi propiciada pelo desvio do mercado de eurodólares, que se formou paralelamente aos sistemas financeiros nacionais. Nesse período ocorreu a expansão acelerada do mercado de eurodólares, reciclagem dos petrodólares, empréstimos bancários tomados de consórcios; internacionalização acelerada dos bancos americanos; início do endividamento do terceiro mundo; surgimento de mercados de derivados sobre moedas e as taxas de juros. Aqui os bancos ainda eram as instituições financeiras hegemônicas nacional e internacionalmente.

1980 a 1985 passagem para as finanças de mercado e para a interligação dos sistemas nacionais pela liberalização financeira: início do monetarismo nos EUA e Reino Unido; liberalização dos movimentos de capitais; securitização da dívida pública; rápida expansão do mercado de bônus; início da desintermediação da demanda privada de liquidez dos grupos industriais e das instituições financeiras; expansão internacional dos fundos de pensão e dos mutual funds, etc.

1986 a 1995 - acentuação da interligação, extensão de arbitragem e incorporação dos ‘mercados emergentes’ do terceiro mundo: abertura e desregulamentação dos mercados de ações; explosão das transações dos mercados de câmbio; abertura e desregulamentação dos mercados de matérias-primas; explosão dos derivativos; aceleração do crescimento dos mercados de bônus; abertura e desregulamentação dos mercados de bônus e acionário dos NPI e de países do terceiro mundo a partir de 1991; expansão para além da zona da OCDE do regime das finanças diretas e da securitização da dívida pública; discussões sobre o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI, 1995), após a crise mexicana.

No regime de finanças, as instituições dominantes não são mais os bancos, e sim, os mercados financeiros e as organizações financeiras não-bancárias. Os bancos sofrem precisamente a concorrência dessas formas recentes de centralização e concentração de um capital que atua quase exclusivamente na esfera financeira: os fundos de pensão e sociedades de investimento coletivo, perto das quais os bancos parecem nanicos. (CHESNAIS, 1998, p. 28).

Sobre esse aspecto, cabe ressaltar a importância dos fundos de pensão, que surgem como filão para o grande capital financeiro. Conforme adverte Chesnais (1998) a caracterização econômica desses fundos é complexa, sendo resultado acumulado de contribuições sobre os salários e benefícios dos trabalhadores, tendo por fim garantir-lhes aposentadoria e pensão regular e estável.

São, portanto, formas institucionais de centralização de poupança, muitas vezes nascidas de regimes empresariais privados, obrigatórios, tendo como fonte inicial os rendimentos salariais”. Quando excedem um determinado limite de poupança acumulada, tornam--se instituições financeiras não-bancárias, “tendo a função de fazer frutificar um montante elevado de capital monetário, preservando a liquidez e a máxima rentabilidade deste. Com isto, muda a natureza dos fundos, e já não se pode escamotear o alcance e as consequências dessa mudança. Passam a ser instituições centrais do capital financeiro, e encabeçam as ‘finanças especulativas’.” (CHESNAIS,1998, p. 28).

Tal elemento nada mais é que formas de fortalecer a reprodução do capital em tempos de crises, sendo o capital financeiro aparentemente dominante na economia em função das formas associativas e ideológicas em um mundo que o dinheiro ganhou um significado superior a todas as mercadorias, não só por ser a representação das demais, porém também por ser o elemento iniciante em qualquer ramo econômico.

3 CONCLUSÃO

O modo de produção do capital é um sistema que produz riqueza socialmente, mas o resultado da produção termina por transformá-la em capital, na medida em que um setor da sociedade se apropria privadamente dessa riqueza. É inegável que as contribuições de Marx nos faz entender essa lógica de funcionamento do capital, nos oferece as bases para uma análise crítica do sistema. Todavia, é Lênin que consegue aprofundar a análise do capitalismo posterior a Marx, identificando outros aspectos do capitalismo já na fase monopolista. Lênin que vive no tempo do desenvolvimento do imperialismo, onde as empresas pequenas e médias são engolidas por grandes empresas; o capital passa a ter uma estrutura mais global e se faz uso da exportação de capitais para os países ditos periféricos em uma escala superior, porém como forma de destravar as crises de superprodução com a escassez de demanda.

A fusão do capital bancário com o capital industrial e a predominância do sistema monetário sobre o sistema produtivo levou alguns intelectuais até a produzirem ideias de que existiria uma autonomia desse setor sobre o capital produtivo. Importante destacar que François Chesnais nos traz importantes apontamentos para compreensão do capitalismo contemporâneo. Essa enorme liberdade de capital, a autonomia financeira com o crescimento excessivo do parasitismo, em detrimento dos investimentos produtivos, a financeirização como um dos principais fenômenos da atualidade, tão importante que por vezes alguns autores afirmam que existe uma autonomia do setor em relação ao capital produtivo, afirmando inclusive um afastamento das elaborações marxistas.

O importante é destacar que o modo de produção capitalista usa o setor financeiro como forma de reduzir a queda da taxa de lucros e ao mesmo tempo transforma a moeda em uma das mais importantes e caras das mercadorias existentes nos mercados. Não por acaso hoje existe uma associação de acionistas que compra as ações financeiras de empresas como forma de conquistar vantagens no dito mercado de capitais.

Tal situação tem sido objeto de estudos e pesquisas sobre o capital e suas crises que influenciam no funcionamento direto da economia e os impactos no dia a dia das pessoas que precisam produzir para sobreviver, e num mundo cada vez mais complexo, onde o trabalho é cada vez mais social, com o uso mais intenso de modos de financiamento como elemento impulsionador de formatos para a extração e reprodução de mais valor para o capital. Portanto, tal referência tem sido perseguida por diversos campos de pensamento, entre eles o do marxismo. O uso mais privilegiado do capital financeiro como dominante na economia tem propiciado criticas em função do caráter gerador de riqueza por meio da exploração e da venda do dinheiro enquanto mercadoria, sendo uma das mais caras e que colabora com o aumento da concentração de riquezas em frações cada vez menores de grupos e pessoas da classe burguesa.

Neste artigo tentou-se expor as principais ideias sobre o capital na sua fase imperialista. Entendemos que essa é a fase dos monopólios e da máxima concentração de riqueza resultante da mais-valia retirada do conjunto dos trabalhadores do globo planetário da forma mais perversa possível. E, certamente os autores aqui mencionados deixam suas contribuições para a compreensão de tal fenômeno que não é meramente econômico, mas também ideológico com o objetivo de fortalecer a sociedade produtora de exploração da força de trabalho seja ela física, ou intelectual, onde o que vale é a manutenção da sociedade de mercado, a sociedade produtora de trabalho cada vez mais abstrato, distante de formas sociais e econômicas com o padrão de igualdade, fraternidade e liberdade.

REFERÊNCIAS

CHESNAIS, F. A finança mundializada. São Paulo. Boitempo, 2005.

CHESNAIS, F. (Coord.). A mundialização financeira: gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1998.

LÊNIN, V. I. O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. São Paulo: Centauro Editora, 2000.

LÊNIN, V. I. O imperialismo, fase superior do capitalismo: ensaio popular. In: LÊNIN, V. I. Obras escolhidas - Tomo 1. São Paulo: Alfa- ômega, 1979. p. 575-671.

MARX, K. O Capital: crítica a economia política - o processo global da produção capitalista. São Paulo. Nova cultural, 1988.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Organização e Introdução Osvaldo Coggiola. São Paulo: Editorial Boitempo, 1998.



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