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CONTRARREFORMAS EM TEMPOS DE INCERTEZAS: como Þ ca a vida das mulheres?
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, pp. 793-814, 2018
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepção: 21 Fevereiro 2018

Aprovação: 09 Maio 2018

Resumo: O artigo tece considerações sobre a contrarreforma trabalhista e da Seguridade Social, no contexto do neoliberalismo com vistas à apreensão de seus impactos na vida das mulheres. Com base em aportes teóricos e documentais, pontua a lógica contida na proposição de alguns Projetos de Emendas Constitucionais e Projetos de Leis no atual momento político do país, com vistas à desconstrução de garantias históricas, da Consolidação das Leis Trabalhistas, Previdência Social e Saúde Pública. Aponta retrocessos sociais e políticos que ameaçam a dignidade da classe trabalhadora, com sérios agravantes para as mulheres e que imprimem desafios aos movimentos sociais, como os feministas. Conclui que uma renovação profunda do sentido das ações coletivas, novas estruturas de participação se fazem necessárias para defesa de direitos sociais imprescindíveis à vida humana e como dever do Estado.

Palavras-chave: Contrarreformas, movimentos feministas, direitos sociais, mulheres.

Abstract: The article provides considerations on the labor and Social Security counter-reform, in the context of neoliberalism, with a view to apprehending its impacts on women’s lives. Based on theoretical and documentary contributions, the logic contained in the proposal of some Constitutional Amendment Projects and Law Projects in the current political moment of the country is highlighted, with a view to the deconstruction of historical, universal guarantees in the Consolidation of Labor Laws, social security and public health. Social and political setbacks that threaten the dignity of the working class, with serious aggravation for women and that challenges social movements, such as feminists. It is concluded that a profound renewal of the meaning of collective actions, new structures of participation are necessary for the defense of social rights essential to human life and as a duty of the State.

Keywords: Counter-reforms, feminist movements, social rights, women.

1 INTRODUÇÃO

O presente ensaio se propõe a uma breve reflexão acerca de algumas das contrarreformas1 adotadas na contemporaneidade brasileira sob a égide neoliberal e que seguem na contramão das inovações legais que respaldaram os direitos trabalhistas e a Seguridade Social no país, com o esforço de apreender como impactam na vida das mulheres, mas, sem a pretensão de esgotar a temática que remete aos tais desmontes, ou de traçar os rumos das políticas de corte social no país ou, ainda, emitir respostas totalizantes ante uma realidade dinâmica, contraditória e complexa, como a que hora se vivencia no Brasil.

Vale ressaltar que, em momentos de incertezas, qualquer reflexão sobre a conjuntura e perspectivas se recobre de fragilidades. E, em assim sendo, pensar a realidade brasileira e as contrarreformas políticas processadas se assemelha a um jogo de tabuleiro, com peças movimentadas com o objetivo de capturar e dar xeque-mate ao adversário (trabalhadores e trabalhadoras).

Determinadas pela necessidade do grande capital de liberalização comercial e financeira, políticas de ajustes capitaneadas pororganismos internacionais (Banco Mundial BM, Fundo Monetário Internacional – FMI e demais organismos multilaterais) entraram em cena e foram adotadas pelos governos que se sucederam à promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 no Brasil, provocando a corrosão de conquistas históricas, com impactos negativos para a população de modo geral, e com graves consequências para a vida das mulheres.

Cumpre esclarecer que o neoliberalismo aqui referenciado é entendido como um potente arcabouço ideológico e político de dominação com magnitude distinta em países centrais e periféricos. Como alerta Soares (2000), é muito mais do que um conjunto de medidas de ajustes de natureza econômica. Trata-se da instauração de um novo modelo de acumulação que implica perdas de direitos; restrição da legislação trabalhista, rumo a maior mercantilização/ desproteção da força de trabalho; redefinição do Estado frente às políticas sociais, que se faz aliado da ampliação do assistencialismo. O resultado pode ser sintetizado em recessão, desemprego, desproteção social. Na América Latina, as propostas de ajustes seguiram os ditames do Consenso de Washington centrados na desregulamentação dos mercados, privatização dos serviços públicos, num contexto de mundialização financeira e produtiva.

Com regras preestabelecidas sem anuência dos cidadãos e cidadãs comuns e sob o comando de uma elite política em disputa, o jogo de poder move peças e, a cada nova partida, formula/implementa contrarreformas que ameaçam/extinguem direitos duramente conquistados.

Contrarreformas que se consolidam, dentre outros mecanismos, através de Projetos de Emendas Constitucionais (PEC’s) e Projetos de Leis (PL’s) que atingem a Consolidação das Leis Trabalhistas, Previdência Social, Assistência Social e Saúde/Sistema Único de Saúde. Nesse jogo, onde estão as mulheres? Quais os impactos dessas contrarreformas em suas vidas?

Medidas propostas a partir da década de 1990, intituladas de reformas, (que,) não apenas descumprem compromissos internacionais e regramentos legais que atingem trabalhadoras e trabalhadores, como evidenciam a alteração no papel do Estado com sua correspondente desresponsabilização para com as políticas sociais públicas, e consequente restrição de direitos básicos inscritos na CF vigente.

Mencionadas medidas foram reatualizadas e encaminhadas com maior agilidade pelo atual governo (interino) em 2017, entretanto, se processam paralelo ao crescimento de uma onda conservadora nas instâncias decisórias do país, a exemplo do Congresso Nacional, com a proliferação do ódio, fobia e violência, sob suposto discurso moralizante e de cariz religioso (no interior do Estado laico) com vistas à extinção/contenção de direitos imprescindíveis à promoção da igualdade de gênero, saúde integral, exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, com sérios impactos na saúde, trabalho e vida das mulheres principalmente.

Estudos de Hirata (2002) revelam que o público feminino vem sendo atingido em seus papéis ativos, tanto no setor produtivo como no reprodutivo após avanço de políticas neoliberais. Contexto que deixou as mulheres mais propensas a empregos precários, desemprego, pobreza e indigências.

Ante o exposto, discorre-se inicialmente sobre a trajetória de lutas das mulheres para serem titulares de direitos ao longo dos tempos, com destaque para os movimentos feministas que protagonizaram esse embate com destaque para os frutos dessa batalha no contexto do trabalho formal protegido e da Seguridade Social.

Em seguida, breves considerações são tecidas acerca da contrarreforma trabalhista e da Seguridade Social, com o seu correspondente desfinanciamento, proposição de PECs e PLs que atingem o tripé desta última e, impactos na vida feminina. Para, finalmente, apresentar algumas conclusões.

A pesquisa bibliográfica e a documental foram os procedimentos metodológicos adotados para a fundamentação teórica desta abordagem, essenciais para a compreensão dos retrocessos sociais e políticos que ameaçam direitos constitucionais e humanos, bem como para reafirmar a defesa da proteção social universal, pública, redistributiva no país, como dever do Estado e imprescindível na concretização da cidadania social de mulheres e homens.

2 MOVIMENTOS FEMINISTAS: protagonismos e lutas em prol dos direitos das mulheres

A história das mulheres pode ser definida também como uma história de resistências, lutas, reivindicações por reconhecimento de direitos básicos (educação formal, voto, saúde), por legislações que lhes possibilitassem melhores condições de vida e de trabalho, fim do sexismo, discriminações, preconceitos, subordinações, enclausuramento à esfera doméstica, decorrente da divisão sexual e racial do trabalho. Reações contra um conjunto de desigualdades, por vezes convertidas em violências de gênero e que lhes atingem pelo simples fato de serem mulheres.

Essas violências de gênero que remontam ao patriarcado, remodeladas no e pelo capitalismo, contexto em que estas se aliam à violência estrutural com acréscimos das opressões de raça e classe, conformam um sistema de dominação-exploração que Saffioti (2004) intitula de patriarcado-racismo-capitalismo, responsável por injustiças sociais de várias ordens, como nas relações homem-mulher, entre raças e etnias, classes sociais, em que diferenças biológicas entre os sexos masculino e feminino, convertidas em desigualdades históricas tidas como naturais, foram socialmente construídas com distribuição desigual de poder, prestígios, oportunidades que favorecem mais aos homens do que às mulheres.

Cumpre destacar que, apesar de se fazerem fortemente presentes na sociedade, por muito tempo as mulheres foram invisibilizadas e até silenciadas. A sua atuação sempre contou com parcos registros. Consoante Andrée Michel (1982), muitos dos escritos historiográficos, sociológicos ou etnológicos que abordam as relações sociais, por exemplo, foram influenciados pelo meio que os cerca; no caso do mundo ocidental, uma sociedade sexual e estratificada é influenciada pelo sistema patriarcal, em que o poder é masculino. A abordagem referente à condição das mulheres, quando feita, era numa perspectiva androcêntrica, com reforço ao poder do macho, reprodução do domínio dos homens sobre as mulheres. As atividades laborais realizadas pelas mulheres sequer eram consideradas trabalho. Mas, descritas como vocação, qualidades, aptidões femininas, sem nenhuma relação com a produção de riquezas, e, por isso, desvalorizadas e mal remuneradas.

Mesmo sem serem mensuradas ou mencionadas, mulheres se fizeram presentes em muitos feitos: da descoberta do fogo à produção bélica e no combate nas grandes guerras. Do período neolítico à contemporaneidade, tiveram participação ativa no desenvolvimento social, econômico, político e cultural em muitos países (MICHEL, 1982).

Com os movimentos feministas (trata-se de um movimento plural e com uma diversidade de vertentes em seu interior) em fins do século XIX e início do século XX, a história de suas resistências, injustiças sofridas foi sendo desvendada.

Tais movimentos têm se caracterizado por se afirmar sob outro domínio, ao questionar as relações de poder, articular saberes, interesses, e criar possibilidades.

Desse modo, a marca de sua organização destaca princípios como a descentralização, a multiplicidade e a conexão. Princípios que povoam os ideais das primeiras organizações feministas que surgiram no século XIX e se estenderam até as primeiras décadas do século XX, quando lutavam pelo acesso à instrução e pelo direito ao voto. Caracterizadas como mulheres pioneiras, igualitaristas e sufragistas, essas mulheres criaram um alicerce para o movimento social que nas décadas de 1960 e 1970 iria interferir no pensamento social e político ocidental.

É neste século XX que movimentos feministas em rede professam uma participação igualitária, “[...] como uma voz de resistência e de crítica colocou como centro de seu projeto a multiplicidade, a pluralidade do político.” (BANDEIRA, 2000, p. 15).

As décadas de 1960 e 1970, portanto, foram de muitas mudanças sociais e culturais, e, nesse campo propício, os movimentos feministas, em uma ação mais radical, empreenderam lutas que subverteram a ordem familiar, colocaram em questão valores morais e religiosos. Dessa forma, trouxeram para o debate coisas indizíveis, como sexo e prazer.

São lutas que nos anos 1980 ganharam novas proporções e visibilidade. Acontecimentos como o Ano Internacional da Mulher (1975), a Década da Mulher (1976-1985), as Conferências Mundiais da Mulher, denotam o reconhecimento e legitimidade social em relação às lutas feministas e a emergência desse feminismo heterogêneo e plural. Período em que se consolida como movimento social e emergem os primeiros estudos de gênero.

Nesse sentido, os de Joan Scott (1990), por exemplo, vêm imbuídos dessa inovação quando critica o essencialismo, o esquema tradicional binário, hierárquico, universal, e propõe pensar teorias que contemplem as pluralidades, diversidades, e que desafiem os sistemas de verdade que instituem significações sobre os corpos sexuados.

Assim, categorias explicativas como patriarcado e gênero são difundidas para entender as relações sociais. Vem à tona o teor de ideologias que não só separava o público do privado, mas que dava aos homens a primazia para trilhar no primeiro, e aprisionava as mulheres no segundo, exacerbando a exploração de sua força de trabalho, condição essencial para a ampliação do capital, dada a sua relevância para a recomposição da força humana e por sua gratuidade. As análises recentes querem ir além, quando propõem desvelar realidades múltiplas sobre uma ordem social, o sistema sexo-gênero.

Movimentos feministas foram (e permanecem sendo) importantes protagonistas para o avanço das lutas em prol de direitos econômicos, familiares, políticos e sociais que, gradualmente, foram convertidas em políticas e legislações pró-equidades de gênero, uma vez que, sem as mulheres, o mundo inexiste, Sem as mulheres, os direitos não são humanos2.

No Brasil, esse protagonismo alavanca com o movimento sufragista liderado por Bertha Lutz, cujo auge se efetiva em 1932. Na década de 1970, ele se fez presente na luta política em defesa dos direitos das mulheres, fundamental para a redução, ainda que lenta e inconclusa, das desigualdades sociais. Até então, muitas dos problemas que afetavam as mulheres, sobretudo referentes ao aborto e sexualidade, eram considerados questões menores, privadas, secundárias para um tratamento político, como aduz Teles (2007, p. 11),

A cultura de exclusão dos direitos e da cidadania das mulheres está de tal forma arraigada na mentalidade institucional que não causa nenhuma comoção social ou política o fato das mulheres terem salários mais baixos que os dos homens, mesmo exercendo funções iguais, ou estarem no mercado de trabalho desempenhando atividades profissionais consideradas “femininas” (o que justifica os menores salários), como magistério do ensino fundamental, educação infantil e secretaria. Não há grandes manifestações de protestos em favor das mulheres que morrem de causas evitáveis, como abortos clandestinos ou devido a falta de assistência no parto e no pré-natal. Considera-se natural que as mulheres sejam alvos preferidos das ações masculinas de assédio sexual, estupro, assassinatos e de outros tipos de violência de gênero. Tem-se natural a invisibilidade absurda das mulheres indígenas, presidiárias, profissionais do sexo, assim como as negras.

Ao lado de outros movimentos sociais, os feministas participaram ativamente da luta pela redemocratização do Estado brasileiro, o que resultou na CF de 1988 com a proclamação da igualdade jurídica entre homens e mulheres perante a lei e sem distinção de qualquer natureza; sociedade livre, justa e solidária; com direitos à educação, alimentação, trabalho, segurança, proteção à maternidade e à infância, dentre outros direitos sociais.

A Carta Magna expressou conquistas importantes, ao estabelecer o trabalho como um direito inalienável, imprescindível à sustentação da ordem social; um sistema de Seguridade Social, entendido como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social e que, em muito, favoreceu as mulheres.

Com a Seguridade Social, a saúde passou a ser, também, dever do Estado, direito universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, o que implica atendimento à mulher em todo seu ciclo vital, com equidade e sem nenhum tipo de discriminação. A assistência social, antes ligada à caridade sazonal, ganha estatuto de política e se constitui em direito de quem dela necessitar, realizada com ações planejadas, dentre outras, de proteção à família, maternidade, infância, adolescência e à velhice. A previdência cria um sistema solidário e público que amplia seus segurados, beneficiando trabalhadoras/es rurais. Estabelece o seguro-desemprego; licença à gestante, salário-maternidade, licença-paternidade, licença maternidade em casos de adoção de criança; adicionais pelo exercício de atividades penosas, insalubres e perigosas; assistência aos filhos até seis anos de idade em creches e pré-escolas; proteção ao trabalho de menores de idade;

Princípios como universalidade, equidade na forma de participação e custeio, integralidade, assim como o caráter democrático foram assinalados na Constituição como balizadores de tais garantias, cuja materialização exigia um modelo organizacional e de financiamento progressivo e redistributivo3 que, infelizmente, não se cumpriu. O contexto social, econômico e político em que a mesma foi promulgada não extinguiu correlação de forças e nem a divergência de interesses em pauta. Se de um lado tinha-se clamor por uma ampla reforma democrática do Estado; de outro, havia condições internacionais desfavoráveis às mudanças em curso, que introduziram o neoliberalismo nos anos 1990 no país.

Os Movimentos Feministas em todas suas ondas têm passado por desafios, que criam tensões no interior do movimento, e, nesse período, um desses desafios foi sair do campo de protesto para uma atuação institucional, como, por exemplo, a participação em conselhos, secretarias, coordenadorias, ministérios.

No Brasil, nos anos de 2003 a 2015, tais movimentos experimentaram uma maior aproximação com o Estado.

Nossa revisão da literatura sobre movimentos sociais brasileiros permitiu detectar pelo menos dois padrões adicionais de intersecção entre movimentos sociais e o Estado ao longo das duas últimas décadas: a incorporação de ativistas de movimentos sociais em cargos governamentais e a formação de novos movimentos sociais a partir da interlocução entre ativistas dentro e fora do Estado. (ABERS; VON BULOW, 2011, p. 65).

A eleição do presidente Lula (2003-2010) e da presidenta Dilma (2011-2016), considerados governos democráticos e populares, apesar de não romper com o neoliberalismo, criou certo espaço mais propício ao diálogo entre o Movimento Feminista e o Estado. Na luta histórica por direitos políticos e sociais para mulheres, as ativistas do movimento feminista ocuparam cargos no interior do próprio Estado.

As Conferências de Políticas para Mulheres, a Implementação de políticas públicas para mulheres e a própria Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM) aparecem como conquistas dos Movimentos, embora implique também tensões e críticas. Nesse momento de crise política, golpe de Estado, reformas políticas e administrativas, os movimentos sociais vivem a crise da desmobilização, apontada por alguns críticos como resultado do seu envolvimento com o Estado, embora não se possam negar as conquistas advindas dessa aproximação.

A aprovação da PEC das Domésticas (PEC 72/2013) e da Lei Complementar nº 150 de 2015, trouxe a melhoria da estrutura de proteção social do emprego doméstico. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2016), 92% dos empregados domésticos são mulheres, sendo ocupação de 5,9 milhões de brasileiras. Vários estudos comprovam que as empregadas domésticas, maioria negra, não gozavam dos direitos mínimos, como salário mínimo, carteira assinada, aposentadoria, etc.

A reserva de 20% das vagas em concursos públicos da administração direta e indireta da União (Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014) representa uma política de inclusão para jovens negras e negros no mercado de trabalho.

No campo da educação incluem-se as ações afirmativas para promover a igualdade através da lei de cotas nas universidades federais (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012). Em âmbito acadêmico, surgiram disciplinas, linhas de pesquisas em torno dos estudos de gênero na graduação e pós-graduação. Na Universidade Federal da Bahia (UFBA) temos o primeiro Programa de Pós-Graduação em gênero e um curso de graduação. A discussão de gênero se expande também para diversos espaços de ação política, e, para tanto, a militância política foi muito importante ao levar esse debate para os sindicatos, associações, ONGs, movimentos sociais.

Na sua multiplicidade e heterogeneidade, os movimentos feministas experimentaram tensões e desafios, mas também conquistas, principalmente na primeira década do século XXI, como a criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres em 2003, a elaboração do Plano Nacional de Políticas Públicas para a Mulher, aprovado em 2005, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006), que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher (2006). Para as mulheres do campo, a garantia da titularidade conjunta da terra no caso dos assentamentos rurais.

Contudo, a hegemonia do capital financeiro mundializado acirrou a disputa pelo fundo público, comprometendo os parcos recursos para garantia de políticas sociais, a exemplo do tripé da Seguridade Social4, da educação, segurança pública, dentre outras essenciais à vida humana. Ataques do capital em busca de outras modalidades de extração de superlucros através de mudanças na organização do trabalho, da Previdência, Saúde, com correspondentes retrocessos com relação aos direitos históricos (flexibilização das relações contratuais, desregulamentação das legislações trabalhistas, terceirizações, precarização) que atingem a classe trabalhadora.

A formalização da Desvinculação das Receitas da União (DRU)5 que permite que o governo federal se aproprie de até 20% da arrecadação das contribuições destinadas à Seguridade para fins diversos se soma a esse conjunto de contrarreformas orientadas para o mercado; redefinição do Estado frente às políticas sociais, realçadas através da proposição de PECs e PLs que não levam em consideração muitas das desigualdades vivenciadas especialmente pelas mulheres (em termos espaciais, de classe, raça, etnia, geração).

Cumpre destacar que, mesmo tendo adentrado o mundo do trabalho há mais de cinquenta anos, e responda por 44% do mercado formal, segundo o IPEA (2016), a maioria das mulheres permanece ocupando postos de trabalho precários, com salários menores que os dos homens e são responsáveis pelo cuidado da casa e dos filhos. Dados do IPEA (2016) mostram ainda que mais de 90% delas desenvolvem atividades domésticas, e trabalham mais que os homens, por semana, por acumular atividades domésticas e trabalho remunerado.

Ao se processar cruzamento dos dados gênero e raça, as desigualdades se agravam, pois as mulheres negras têm renda menor que as mulheres brancas e são mais pobres. Possuem taxas mais baixas de remuneração formal e de emprego assalariado, também menor proteção social.

3 CONTRARREFORMA TRABALHISTA E DA SEGURIDADE SOCIAL: impactos na vida das mulheres

A conjuntura que fragiliza o sistema de Seguridade Social e redefine as legislações trabalhistas exige esforço para uma leitura atenta e crítica da realidade brasileira sob a égide neoliberal, além de resistências e lutas rumo à construção de estratégias coletivas frente aos desmontes dos direitos conquistados, negação ou dificuldades de acessos a serviços públicos essenciais e consequente rebatimento na vida e saúde de toda a população, sobretudo das mulheres.

Nesse contexto, as PEC’s que permitem adicionar ou modificar o texto constitucional, propostos ou reeditados pelo Presidente interino, Michel Temer, Câmara dos Deputados Federal ou Senado têm sido, ao lado de PL’s6, alternativas impressas na presente conjuntura para acelerar a desregulamentação de direitos sob a falsa alegação de suas inevitabilidades para o enfrentamento do progressivo desemprego, suposto déficit da Previdência, envelhecimento populacional, com destaque para elevação progressiva das idades para fins de aposentadorias.

PLs e PECs, portanto, que concorrem para o extermínio de um conjunto de leis que remontam às lutas do século XIX, centenárias e marcadas por resistências, prisões, agressões e clamor de justiça social em prol do atendimento de reivindicações básicas, tais como proteção à saúde, trabalho e garantia de condições básicas de vida. Legislações que sobreviveram à Ditadura Militar e que, extintas, agravarão ainda mais as desigualdades de todo porte, uma vez que atingirão pessoas empobrecidas, com baixos salários, comprometerão as futuras gerações que não contarão com proteção social, sem chance de trabalho protegido, saúde pública para todas e todos; aposentadorias integrais, enquanto parlamentares mantêm seus privilégios. Editadas, assim, sem levar em conta a elevação dos índices de desemprego, intensificação da precarização do trabalho, aumento da pobreza, ampliada com trabalhadoras/es recém-excluídos do mercado formal de trabalho7. Situações que fazem crescer o número de pessoas demandantes de políticas públicas, dada à situação de privação material, injustiças, violências, exclusão.

No que se refere à vida das mulheres, convém lembrar que sexismo, capitalismo e racismo se imbricam e dificultam a existência de proteção social para esse público, sobretudo quando pobres e negras são oprimidas severamente por esta tríade. Assim, em que pesem os avanços legais, acordos e declarações internacionais, que revolucionaram a condição jurídica do público feminino, urge o desafio de preservar tais conquistas, impedir que se percam no processo de dispersão, retrocessos (TELES, 2007) e frequentes violações, inclusive pelo Estado.

Gênero e raça têm tanto as dimensões econômicas como as dimensões culturais, como diz Nancy Fraser (2006, p. 234):

[...] contém uma face de economia política, que o insere no âmbito da redistribuição. Mas também uma face cultural-valorativa, que simultaneamente o insere no âmbito do reconhecimento. Naturalmente, as duas faces não são claramente separadas uma da outra. Elas se entrelaçam para se reforçarem entre si dialeticamente porque as normas culturais sexistas e androcêntricas estão institucionalizadas no Estado e na economia e a desvantagem econômica das mulheres restringe a “voz” das mulheres, impedindo a participação igualitária na formação da cultura, nas esferas públicas e na vida cotidiana.

Com relação à raça, a situação de desvantagem social associada ao gênero torna-se mais grave. As mulheres negras são as que possuem a menor taxa de empregabilidade, e quando se trata de cargos de liderança nas grandes empresas, são apenas 3,6%, enquanto das trabalhadoras domésticas 63% são mulheres negras.

Se por um lado mulheres avançaram (voto, educação, trabalho, organismos de políticas públicas para as mulheres, legislações, Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, Pactos...), não há como desconsiderar as conquistas pós 2002, principalmente com políticas públicas para mulheres isentas de princípios religiosos; pautadas pela universalidade, justiça social, participação e controle social. Por outro, tais avanços não alcançaram a todas.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), as mulheres no Brasil representam hoje 51,4% da população, isto é, são 103,5 milhões. Representam, como já assinalado, 44% da População Economicamente Ativa (PEA), mas permanecem sofrendo com a discriminação salarial (ainda é prevalente o pretexto de que os custos com elas são mais altos por conta dos encargos sociais, com destaque para licença maternidade), são as principais empregadas no trabalho precário, sem carteira assinada e sem direitos, além de permanecerem duplamente exploradas, principalmente as mulheres negras. Constatações que corroboram a observação de Teles (2007, p. 60) quando diz que “[...] o reconhecimento das mulheres como titulares de direitos humanos é uma conquista histórica, mas, ainda não consolidada”.

A divisão sexual do trabalho, de cariz patriarcal, criou condições objetivas repletas de desigualdades e que as exclui ou dificulta sua participação nas instâncias decisórias, seja na política, religião, economia. Impôs o trabalho doméstico como de sua responsabilidade, sem a partilha dos homens, nem da sociedade ou do Estado, visíveis nas escassas políticas públicas que garantem equipamentos sociais, como creches públicas, pré-escolas, lavanderias coletivas, restaurantes populares, para aliviar o cansaço, estresse, e oportunizar condições para o enfrentamento de desafios na conciliação de múltiplas atribuições: de mãe, dona de casa, por vezes esposa, trabalhadora, mulher. Desafios que dificultam a igualdade de gênero.

Sob a alegação de correção do deficit previdenciário que, segundo a Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (2016), inexiste, tendo em vista os superavits comprovados nos últimos anos (2014/2015) e que revelam sobra de quase R$ 25 bilhões, uma PEC como a 287/2016, que tramita no Senado, altera vários artigos da Seguridade Social (artigos: 37º, 40º, 109º, 149º, 167º, 195º, 201º e 203º), que tratam da Previdência, com destaque para as regras em relação à idade mínima, tempo de contribuição para aposentaria de homens e mulheres, altera forma de cálculo dos benefícios. Afeta servidores públicos, trabalhadoras/es da iniciativa privada, rurais, professoras/es e policiais civis, que atualmente contam com aposentadorias especiais.

Dessa forma, trata diferente como iguais, uma vez que não leva em conta o modo de vida das pessoas consoante classe, sexo, raça, espaço geográfico e muito menos as expectativas de vida nas diversas regiões e condições objetivas em que o trabalho se realiza. Ou seja, são realidades em que as mulheres são diversas: brancas, negras; pobres, ricas; heterossexuais, homossexuais, bissexuais, transgêneras; com deficiência, sem deficiência; do campo, da cidade e que envelhecem de forma igualmente distinta. Não considera a dupla jornada de trabalho, já pontuada, que muitas trabalhadoras assumem, sobretudo, as de baixa renda, o que resulta em horas a mais de labor. Segundo o IPEA, a partir de um estudo feito com base em séries históricas de 1995 a 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, as mulheres brasileiras trabalham em média 7,5 horas semanais a mais do que os homens:

Mais de 90% das mulheres declaram realizar atividades domésticas, proporção que se mantém quase inalterada ao longo do período (entre 94% e 91%); no caso dos homens, entre 1995 e 2015, passa de 46% para 53% a proporção dos que realizam afazeres domésticos. Quando analisado o número de horas semanais dedicadas a essas atividades, nos últimos vinte anos é possível perceber uma significativa redução na quantidade de horas dedicadas aos afazeres domésticos pelas mulheres (6 horas semanais), mas o tempo médio gasto pelos homens mantém-se estável. Não se pode dizer, portanto, que haja indícios de uma nova divisão das tarefas entre homens e mulheres nos domicílios. (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2015, p. 4).

Essa dupla jornada e sobrecarga, portanto, se eleva quando estas também são chefes de família, realidade crescente no país. De acordo com o IBGE (2011), um total de 51,4% de mulheres, 37,3% são responsáveis pelo sustento das famílias, fato que concorre para complexificar suas vidas, uma vez que faz com que tenham menos descanso; escassez de tempo para cuidarem de si; secundarização da saúde, sem a devida atenção a sinais e sintomas de doenças passíveis de serem evitadas quando diagnosticadas precocemente, tais como o câncer de mama e de útero.

É possível pensar em aposentadoria das mulheres sem considerar a dupla ou tripla jornada apontada em pesquisas oficiais? Ou desconhecer que as mulheres têm taxa de desemprego mais elevadas e salários inferiores aos dos homens? A Reforma da Previdência não será mais um instrumento para reforçar a extrema desigualdade de gênero e raça no mercado de trabalho e no aumento da pobreza das famílias chefiadas por mulheres?

Se, por um lado, a expectativa de vida da ala feminina é maior do que a dos homens, principal argumento utilizado para elevar idade das mulheres e tempo de contribuição para ambos para fins de aposentadoria, por outro, de acordo com o Journal of Women’s Health, esse envelhecimento se processa em piores condições devido a problemas de várias ordens, com destaque paras problemas ósseos, musculares e depressão que resultam em incapacidade física e que estariam, segundo o estudo científico, relacionados às duplas jornadas de trabalho por elas assumidas, dentro e fora de casa. (FLEURY-TEIXEIRA; MENEGHEL, 2015).

PEC, como a em tela, penaliza segmentos mais desprotegidos, tal como os das mulheres, negras, pobres, rurais. Fará com que muitos contribuam, mas não usufruam do benefício da aposentadoria com salário integral, seja pela dificuldade de contribuição por 49 anos ininterruptos num país com elevados índices de desemprego ou rotatividade no emprego (instável), seja pela baixa estimativa de longevidade num contexto de privação material, adoecimentos daí decorrentes (stress, transtornos mentais, obesidade, problemas cardiovasculares) e que se somam às doenças crônico-degenerativas frente a um Sistema de Saúde que não consegue realizar promoção e prevenção da saúde, dada sua privatização progressiva, desconstrução da concepção de saúde para além de ausência de enfermidade que lhe originou. A saúde deriva de boas condições de vida das pessoas, o que exige estreita vinculação desta política com os demais componentes da Seguridade; efetividade da Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher, no lugar de PL’s como o nº 5069, de 27 de fevereiro de 2013, que estabelece o Crime de Indução ao Aborto, com aumento de punição às mulheres que recorrerem a este, sem problematizar a (des) responsabilidade estatal frente à deficiente oferta de Planejamento Familiar, por exemplo; PL nº 478, de 19 de março de 2007 que cria o Estatuto do Nascituro e estabelece proteção integral ao ser humano concebido, mas ainda não nascido e desconsidera gravidez decorrente de estupros.

A Reforma Trabalhista causa profundas alterações na legislação trabalhista e provoca modificação em mais de cem pontos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de 1943. Essa mudança traz consequências para as mulheres, principalmente aquelas que já estão em postos de trabalho precários, terceirizados, a exemplo das mulheres negras. A mudança na jornada de trabalho, alteração quanto ao intervalo de almoço, afeta a vida das mulheres, que já têm uma dupla jornada de trabalho.

Nessa perspectiva, o conjunto de propostas governamentais sem debate e/ou aprovação popular que aniquila a frágil proteção social, acrescida de outras igualmente maléficas, tal como a Medida Provisória nº 726 que oficializou a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, em 12 de maio de 2016, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que passou a ser vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania, são, ao mesmo tempo, propostas que dificultam a promoção da igualdade de gênero, acesso ao trabalho com proteção social, saúde integral e universal e o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.

4 CONCLUSÃO

Historicamente as mulheres lutam para serem vistas como sujeitos socialmente iguais, titulares de direitos que precisam ser efetivados na vida de todas, independentemente de raça, etnia, geração, orientação sexual, condição social ou espaço geográfico em que se encontrem.

O atual momento político coloca novos desafios e embates que apontam para novos formatos dos movimentos, uma renovação profunda do sentido das ações coletivas, novas estruturas de participação.

As rotas dos movimentos se cruzam e se distanciam, e ao, traçar as múltiplas linhas, percebe-se que elas se encontram ou se desencontram no que se refere às questões de gênero, raça, etnia, direitos humanos, sexualidade.

Os Movimentos Feministas em seus encontros e desencontros (conseguiu) conseguiram, durante o século XX, traçar caminhos diversos, construir suas marcas territorializantes, seguir linhas independentes, etrapolar as formas de estruturação clássicas, conectando-se internamente de maneira descentralizada, com estruturas de organização mais horizontalizadas. A partir de suas práticas, princípios e discurso construíram novas linguagens, nova estética e traçaram novos territórios de luta em uma política de conjunto e articulação com outros movimentos sociais.

Nas últimas duas décadas o Movimento Feminista, dentro ou fora do Estado, seguiu processos distintos; em determinadas situações, o Movimento conseguiu criar seus próprios meios de referência, suas próprias cartografias; em outros momentos reproduziu no seu agir político práticas menos autônomas, construiu vitórias.

Com a CF de 1988, essa luta se viu convertida em mais uma possibilidade de garantias legais. Contexto em que a Seguridade Social se apresenta como estratégica para assegurar proteção social à população brasileira e que contempla demandas femininas. Entretanto, apenas inovações formais não foram suficientes para que as políticas constitutivas do seu tripé fossem plenamente implementadas. Na contramão das conquistas, o neoliberalismo que atingiu o Brasil nos anos de 1990, imprimiu dinâmica contrária ao que fora proclamado na Carta Magna, redirecionando as políticas de corte social do âmbito do Estado para o mercado, alvo de medidas de liberalização financeira (SALVADOR, 2010), restritas a financiamentos débeis, com políticas sociais focais, pontuais, seletivas, destinadas aos segmentos mais pobres.

Um conjunto de medidas, distante do ideário de direitos e do aprofundamento da democracia, tal como as impressas por meio das PEC’s e PL’s, vem, paulatinamente, desconstruindo o padrão constitucional das legislações trabalhistas e Seguridade Social, atingindo a toda classe trabalhadora e, com algumas particularidades, as mulheres, com o aprofundamento das desigualdades de gênero e sérias consequências, sobretudo para as idosas, negras, pobres, rurais. Retrocessos visualizados, principalmente nas condições de trabalho, saúde da mulher, predispostas a adoecimentos decorrentes das discriminações nas relações de trabalho, sobrecarga com o trabalho doméstico, desemprego, pobreza. O desmonte em curso, indigna, mas também conclama para a luta, árdua, mas necessária, em defesa de garantias trabalhistas e da Seguridade Social que concretiza direitos sociais imprescindíveis à vida humana, como dever do Estado.

Não se pode perder de vista que em face do dinamismo da realidade, o jogo se materializa num contexto mutante, constituído de estratégias e habilidades ante uma ampla variedade de acontecimentos, o que faz com que seja também símbolo de luta, paisagens em movimentação, ruídos e sons. Nesse momento, a classe dominante até pode deter controle do Estado, dos meios de comunicação, mas não detém o controle de todos os acontecimentos.

Nesse cenário de desestabilização entram em disputa os movimentos sociais, nos quais se incluem os feministas, organizações políticas denominadas Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo, formados por partidos políticos, centrais sindicais que reagem, compondo rotas, caminhos em linhas múltiplas, com elementos heterogêneos, potências singulares, mas, que pode produzir, ou pelo menos almejar, um comum, através de suas conexões. Essa noção de comum não tem relação com unidade, com pensamento único; este comum é aquele que extrapola, que escapa das capturas da máquina capitalística que tudo rotula, molda, serializa.

Ao analisarem os impactos do Movimento Feminista no século XX, diversos estudos concluem que o feminismo é construtor de nova cultura política e cumpre importante papel na alteração do mundo de referência das pessoas, quando propõe um projeto de sociedade que assegure às mulheres condições de liberdade, igualdade de direitos, e plena participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país.

Sua ação política em rede, em articulação com outros movimentos, tem criado novos formatos de protesto e mobilização, como a Marcha Mundial de Mulheres que congrega mulheres camponesas, mulheres negras, mulheres sindicalizadas, mulheres jovens.

Nas ruas, em passeatas, marchas, greves gerais, redes sociais, tecem suas táticas para enfrentar o intolerável que atravessa a sociedade e se concretiza na experiência da exclusão, da exploração, opressão, divisão, preconceito, discriminação, injustiça, desigualdade social.

Potentes adversários, que, mesmo com parca possibilidade de movimentação, reluta. Esse jogo, com seus obstáculos a serem transpostos, desafia os movimentos sociais para voltar a atuar como polos de resistência, rumo à construção de um país mais equânime para todas e todos. Nenhum direito a menos!

REFERÊNCIAS

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Notas

1 Consoante Behring (2003), o termo contrarreforma é o que melhor expressa as transformações ocorridas no seio do Estado brasileiro na conjuntura neoliberal, motivo pelo qual se adota o supracitado termo como referência nesta reflexão, por concordar com a autora de que o processo denominado “reforma” do Estado, largamente utilizado pelo projeto em curso no país a partir dos anos de 1990, se apresenta distinto do que o termo reforma sugere, dado seu caráter e conteúdo conservador e regressivo em relação aos direitos sociais conquistados a partir da atual Carta Magna.
2 Slogan da campanha mundial das mulheres que antecedeu a Conferência Mundial de Direitos Humanos, em 1993, em Viena. Evento que reconheceu, finalmente, como direitos humanos os direitos das mulheres.
3 O artigo 195º da atual carta magna destaca que a “Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios” (BRASIL, 1988).
4 Ferreira e Stein (2000), mostram que o SUS agoniza sem condições de assegurar saúde pública e universal; a Previdência, a partir das contrarreformas, privilegia o seguro privado em detrimento do seguro social, taxou trabalhadores inativos, reintroduziu financiamento por capitalização; a Assistência Social continuou orientada pela lógica da filantropia, por vezes, usada como moeda em troca de apoio político.
5 Os recursos retirados da DRU, foram, segundo dados divulgados pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, R$ 45,9 bilhões em 2010; em 2011, R$ 52,4 bilhões; em 21012, 58,1 bilhões e, em 21013, 63,4 bilhões. Mais detalhes no site da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) (Disponível em:http://www.anfip.org.br/publicacoes/20140903125923_Analise-da- Seguridade-Social-2013_03-09-2014_Anlise-da-SS-2013-ntegra.pdf).
6 Trata-se de proposta normativa submetida à deliberação de um órgão legislativo, com o objetivo de produzir uma lei. Sua entrada em vigor depende da aprovação pelo Poder Executivo.
7 A taxa de desocupação no Brasil por pessoa ficou em 13,7% no trimestre encerrado em março de 2017, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).


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