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Recepción: 28 Marzo 2018
Aprobación: 05 Julio 2018
Resumo: Este texto trata do desenvolvimento agrário, a partir da realidade da Microrregião de Chapadinha no estado do Maranhão. O foco é a expansão da monocultura de soja enquanto expressão do capital sobre o território historicamente ocupado por camponeses e a participação da política nacional de Reforma Agrária no enfrentamento das questões fundiárias, desenvolvimento local e fortalecimento da agricultura camponesa e agroecológica.
Palavras-chave: Desenvolvimento, agronegócio, reforma agrária.
Abstract: This text deals with agrarian development, starting from the reality of the Microregion of Chapadinha in Maranhão state. The focus is the expanse of the monoculture of soya, while capital expression, over the territory occupied by peasents, and the participation of Agrarian Reform nacional politic in the facing of fundiary questions, local development and fortification of the peasent and agroecological agriculture.
Keywords: Development, agribusiness, agrarian reform.
1 INTRODUÇÃO
A comunicação tem como foco os assentamentos de Reforma Agrária em um contexto de expansão do capital e descontinuidade de políticas estruturantes para o campo, o que faz modificar as relações sociais de trabalho. Neste sentido, destacamos a falta de isonomia no tratamento aos principais setores no campo: os camponeses e as empresas do agronegócio.
Para abordagem deste tema a Microrregião Homogênea de Chapadinha (MRH), localizada na mesorregião Leste maranhense, assim como outras regiões do país expressam fortemente o referido contexto, e destacando a forma de participação do Estado, cujos princípios como o da igualdade (edificados deste a antiga Grécia, fundante na Revolução Francesa e presente na Constituição da República Brasileira, de 1988) é inexistente.
Nessa perspectiva, os Desafios da reforma agrária, no contexto do desenvolvimento dependente no estado do Maranhão, foi o tema da dissertação no mestrado em agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2015, sendo a MRH de Chapadinha o lócus da pesquisa de campo, cujos depoimentos, imagens e demais registros aparecem como elemento para compreendermos o modelo de desenvolvimento nas regiões de fronteiras agrícolas, particularizada na MRH. Nesta comunicação, o recorte é como aparece a política nacional de reforma agrária (PNRA), enquanto presença do Estado no fortalecimento dos camponeses.
O Maranhão tem se configurado como um estado de grandes potencialidades produtivas e, de forma particular, na agricultura. Historicamente, o estado tem cumprido importante papel na divisão nacional e internacional do trabalho, seja na exploração colonial portuguesa, com a produção de cana-de-açúcar e arroz, especialmente; seja na produção de gêneros para compor a barata cesta básica por ocasião do operariado industrial brasileiro ou; como agora, na intensa e ampla produção de commodities agrícolas, tal como a soja, o eucalipto e o bambu.
Tais produções, associadas à exploração de minério, ouro e gás, apresentam alguns elementos comuns, como a grande demanda por terras, o uso de alta tecnologia e a pouca utilização de força de trabalho. Como demandam grandes extensões territoriais, usam estratégias que implicam em conflitos com populações camponesas, como quilombolas, indígenas, acampadas, assentadas, ribeirinhas e extrativistas.
Tal contexto faz o estado ter, de forma constante, posição de destaque no ranking de conflitos e violência no campo. Com o avanço de grandes empreendimentos econômicos em todas as regiões, há intenso processo de expropriação de meios e condições de trabalho das famílias camponesas. Sem terra e sem trabalho, às famílias resta seguir para a migração ou organizar-se para resistência e luta. Desta luta resultam milhares de assentamentos que foram conquistados, o que faz do estado o com maior número de assentamentos.
Destaco, portando, aspectos da realidade dos assentamentos, a produção de commodities agrícola na região e os desafios para a reforma agrária na Microrregião em questão, a partir deste texto, organizados em três partes. A primeira traz alguns elementos de atualização da questão agrária e o papel do Estado no contexto de avanço da economia do agronegócio. Uma segunda parte dedico à discussão do modelo de desenvolvimento na MRH a partir da consolidação do complexo soja, e, por fim, os principais desafios para os assentamentos de reforma agrária.
2 ATUALIDADE DA QUESTÃO AGRÁRIA NA MRH DE CHAPADINHA - MA
Marcada pelo conflito, a questão agrária maranhense tem como principal problema resolver a regularização fundiária, razão pela qual, povos do campo, camponeses sem terras, indígenas e quilombolas são as principais vítimas de violência desde sempre, agravada pela dinâmica de expansão do capital na agricultura. Mesmo não sendo uma exclusividade, a concentração da propriedade da terra neste espaço, manteve-se inalterada e preservada a reprodução das relações consideradas mais arcaicas, incluindo o trabalho análogo à escravidão.
Nesse sentido, destaco que embora as estatísticas indiquem mudanças no segmento classificado como minifúndios, que faz aumentar os proprietários de terras com área superior a 10 e menor que 100 hectares, tendência que se observa nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no período de 1996-2006, estas mudanças não alteram a estrutura fundiária. No entanto, é neste mesmo período que se registra o maior número de assentamentos, sendo o ano de 2005 o ápice com assentamento de 16.437 famílias, a partir de desapropriação de latifúndios. Até 1994 o Maranhão teve apenas 1.460 famílias assentadas,
Os assentamentos aparecem como contradição importante na dinâmica agrária, estando em evidência as grandes plantações de soja, cana e eucalipto na MRH de Chapadinha, reproduzindo os moldes do Sul do Maranhão e demais regiões. Este processo decorre das políticas traçadas desde a década de 1970, ou seja, do fomento à expansão da fronteira agrícola para aumentar a taxa de lucro das empresas capitalistas na agricultura. Acerca da participação do Estado neste processo, a maioria dos autores destaca a forma de atuação direta do Estado brasileiro, atuando principalmente na regulamentação do mercado de terras e incentivos fiscais para atrair investidores.
Para Picoli (2012, p. 42), referindo-se principalmente à Amazônia, os investimentos de capitalistas resultaram em “[...] um grande complexo de exploração dos recursos naturais, destacando-se os de exploração de minérios, agropecuários e industriais, principalmente de transformação de madeiras”. Destaca o autor, que cerca de 4.618.000 (quatro milhões, seiscentos e dezoito mil) hectares de terras foram entregues a oito empresas multinacionais, tendo o Projeto Jari sozinho 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) hectares. E os demais distribuídos entre as empresas: Suiá-Missu, Codeara, Georgia Pacific, Bruynzee, Robim Mac Glolm, Toyamnka e Volkswagem.
No Maranhão, este processo se materializa com várias produções organizadas em todas as regiões, alterando as relações sociais e de trabalho, tanto por adotar práticas precarizadas quanto práticas irracionais dos recursos naturais. Neste sentido, as consequências para o estado são rios e lençóis freáticos contaminados, solos desertificados, matas desmatadas, mas também empobrecimento e dificuldade de acesso aos serviços e políticas públicas no campo.
Os dados mais recentes da economia maranhense corroboram com o que definiu Picoli, uma vez que o Maranhão segue tendo lugar de destaque no ranking de Valor Bruto da Produção agropecuária (VBP) nordestina, um crescimento superior a 10% em 2014 em relação ao ano anterior, segundo informações do Jornal do Estado do Maranhão (MA..., 2015), destacando a soja como maior participação. Ilustraremos esse quadro tomando como referência os dados de exportação conforme segue.
Mesquita (2011, p. 33), analisando um período mais largo 1990/1995 e 2000/2004, observou um crescimento de 2,8% para 10% ao ano. Um crescimento maior que o da indústria e serviços que beneficia um seguimento apenas. Ou seja, as políticas de desenvolvimento implantadas no Maranhão não cumpriram o objetivo de desenvolver a economia, “[...] ao contrário, aumentou as desigualdades e liquidou segmentos produtivos socialmente importantes dentro e fora da agricultura.” (MESQUISTA, 2011, p. 32).
Os dados de importação em 2014 legitimam a tese destacada por Mesquita (2011), trazendo a participação da rizicultura maranhense, desenvolvida no passado recente pelas pequenas e médias propriedades quando o estado se destacava como maior produtor nacional da cultura. Na atualidade, ela aparece estagnada, e já é o segundo item que mais pesa na pauta de importação. (BRASIL, 2014 apud ARAÚJO, 2015).
Percebe-se a partir dos dados, a primarização e a relação de dependência da economia maranhense. Exportam-se grãos de milho e importam-se derivados, assim como importa-se arroz polido e parboilizado.
Para Sousa (2010, p. 208), as propostas dos dirigentes locais visando a inserção do Maranhão na economia nacional “[...] são baseadas em grandes projetos enclavistas, os quais são apresentados como a redenção e o passaporte para o futuro”, a exemplo da Companhia Vale, Suzano Papel e Celulose, em Imperatriz - MA, o complexo soja, a pecuária de corte, dentre outros, inclusive os que não passaram do canteiro de obra como polo têxtil de Rosário - MA, e mais recentemente a Refinaria Premium em Bacabeira - MA. A retórica foi sempre a mesma, o crescimento, atração de capital externo e geração de emprego sempre ofereceram ao Maranhão a perspectiva de superação do atraso.
Esse raciocínio é compartilhado por Azar (2013, p. 42), quando diz que no Maranhão predomina uma relação histórica de supervalorização das necessidades de acumulação do capital em detrimento das necessidades internas:
[...] em todo o seu processo histórico, o estado teve sua inserção na dinâmica econômica nacional e internacional de forma subalternizada, negligenciando-se a si mesmo, negando-se a responsabilidade de si, da necessidade de olhar para si, de defender-se das investidas e interesses externos. A primazia dada pela economia estadual foi ao atendimento das necessidades para a acumulação do capital, negligenciando no processo, as necessidades da sociedade.
Diante desses aspectos, que perspectivas teriam os camponeses e os assentamentos de reforma agrária?
Tanto os grandes empreendimentos mencionados por Sousa (2010), como a dinâmica que beneficia grupos e segmentos de forma pontual restritas aos projetos intensivos em capital, destacado por Mesquita (2011), e as características de negligência mencionada por Azar (2013), reforçam a tese de planejamento voltado para os interesses externos.
Esta fase atual de desenvolvimento do capital na agricultura, também denominado economia do agronegócio1, vai inserir o Maranhão como importante fornecedor primário. A MRH de Chapadinha pode vir a ser o paradoxo deste modelo, pela sua perspectiva enclavista, e a ausência de políticas para o campo amplia o perfil de subsistência dos camponeses e demais seguimentos da população do modelo em curso.
3 IMPACTO DA SOJICULTORA EM “TERRAS LIVRES” NO MARANHÃO
Neste item, trato da incursão da soja até o Leste maranhense, e seu impacto nas áreas de campesinato. Este processo decorre da dinâmica de concentração de renda, aumento da especulação imobiliária e alterações importantes nos sistemas de produção da agropecuária regional.
As bases dessa dinâmica foram criadas ao longo do período que estivemos sob o manto da modernização conservadora conferindo ao Maranhão as condições para a agricultura em grande escala. Com isso, o estado passa a receber grandes investimentos, com destaque para o Projeto Grande Carajás (PGC) no início dos anos de 1980. Na agricultura maranhense, o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) chegou a incorporar, no período, 350.000 hectares de área cultivada no cerrado. (ARAUJO, 2008).
A primeira safra de soja registrada ocorre no Sul do Maranhão em 1978, por produtores migrantes do Rio Grande do Sul. Nos anos 1990, a cultura ganha maior expressão e alcança as regiões Centro e Leste maranhense. (CARNEIRO, 2008).
No cerrado Leste maranhense, e mais precisamente na MRH de Chapadinha, o monocultivo de soja se dá a partir do início dos anos 1990, quando a cultura se desloca motivada pela oferta de terras livres. E durante dez anos, sobrevive marginalmente até o ano de 2000, quando ocorre crescimento exponencial do cultivo. Apesar de apresentar-se pequena em relação ao Sul maranhense, a produção no Leste se destaca pelo curto espaço de tempo em que atinge status de grande produção. Ela passa a ter alguma expressão em 1998 com 249 toneladas de grãos produzidos, e em 1999 eleva-se para 2.324.
O crescimento de lavouras de soja demonstrado na MRH se dá sobre as áreas de chapadas, em um sistema que articula a retirada da cobertura nativa para produção de carvão e implantação de lavouras de soja na sequência. No entanto, a pesquisa mostrou que o eucalipto na região é inerente ao modelo, ocupando parte das áreas antes cultivadas com soja.
Os assentamentos na MRH antecedem a grande lavoura comercial, são constituídos de famílias já estabelecidas como posseiros quilombolas e agricultores Sem Terra que cultivam pequenas roças itinerantes. Os laços históricos das famílias pesquisadas no território são percebidos nas entrevistas,
[...] eu nasci e me criei numa comunidade bem aí. Da Barrica, era, é, era de 7 km daqui lá... Sempre na roça. Eu com oito anos de idade, eu me alembro, que minha mãe já me botava na roça e de lá pra cá [...] na roça todo tempo. (Informação verbal)2.
A possibilidade de permanência no campo e sempre na roça como descreve o Sr José João, é limitada pelo conflito direto com empresas que se instalaram na região para mocultivo de Cana-de-açúcar, Bambu, soja e eucalipto. Desta forma, a história de vida da maioria dos assentados da MRH é a memória viva do conflito, conforme descreve a assentada do PE Belém em Buriti/MA,
[...] o dono foi que vendeu a gente aqui. Vendeu o lugar pode dizer que vendeu a agente, que não participou pra ninguém, né? Quando a gente se espantou foi o noticiário de que já tinham vendido. A gente não acreditava muito, depois já foi o pessoal da firma já querendo pra gente desocupar a terra. E daí começou a “perseguição” e não foi desse mundo não. [...] Coisa que eu nunca imaginei foi esse negócio de luta de terra, mas só que nesse tempo a gente, quando a gente não conhece das coisas a gente é assim até inocente, né? [...] A gente passou fome, a gente passou muitos dias sem nada mesmo, sem nada, porque a primeira coisa que a gente ficou foi sem casa e a gente sem a casa da gente, não tem nada, né? [...] (Informação verbal)3.
Vários dos depoimentos poderiam ser aqui mencionados, para enfatizar a história de vida de milhares de camponeses e camponesas que não conhecem uma outra relação com os grandes proprietários que não a do conflito, em um território historicamente em disputa desde as chamadas frente de expansão pioneira do Maranhão, que descreve o historiador e geógrafo Manoel Correia de Andrade (1998, p. 214), para quem:
Os caboclos nordestinos migravam para o Maranhão a procura de terras virgens de mata. Ao encontrarem as mesmas, faziam um rancho, roçavam parte da mata e ateavam o fogo, preparando as terras para a cultura. No solo cheio de cinzas e de troncos semeavam o arroz, sendo financiados pelos donos de usinas beneficiadoras, a quem pagavam juros altos e se comprometiam a vender a produção [...].
Nesse contexto, o território do Maranhão vai sendo ocupado, transformado e reestruturado em sua feição agropecuária com um processo de ocupação privada das terras, numa dinâmica que o torna centro de um processo mais geral de abertura de frentes de expansão agrícola sobre as terras já trabalhadas pelos camponeses. Atualmente, a realidade incorpora a ameaça trazida pela expansão das lavouras de soja e eucalipto.
Constituída de 97,89% de estabelecimentos agropecuários familiares e de 2,11% não familiares (IBGE/2006) a MRH em estudo, não deixa dúvidas sobre a presença camponesa acima mencionada.
Os dados mostram que a MRH reproduz a característica de concentração da questão agrária brasileira, em níveis mais elevados que da média nacional. Nesse contexto, a presença das grandes fazendas e dos demais investimentos do grande capital impacta sobre a perspectiva de territorialização dos camponeses. Para Fernandes e Welch (2008, p. 298), “O capital tem o poder de territorializar-se mais rapidamente por causa das desigualdades geradas pelo modo de produção capitalista, que expropria o campesinato de seus territórios”.
Para Almeida (2008, p. 308) 4, “[...] falar em campesinato é remeter a uma classe social que possui caráter dúplice no processo social: é ao mesmo tempo proprietária de terra e dona da força de trabalho.”, a ponto de que, para entender sua existência, é necessário compreender as contradições do modo de produção em que está inserido.
Portanto, para entender sua (re) criação, é preciso considerar que o desenvolvimento do capitalismo no campo, ao mesmo tempo em que cria as relações capitalistas de produção. Cria e recria, contraditoriamente, relações não capitalistas de produção aqui exemplificadas pelo campesinato. Logo, o campesinato se apresenta como condição oposta ao agronegócio, este entendido como expressão máxima da terra de negócio enquanto oposição a terra de trabalho camponês. (PAULINO; FABRINI, 2008, p. 308).
Nessa perspectiva, as novas formas de relações podem levar à destruição da unidade de produção camponesa como ocorrera no caso de camponeses europeus em regiões de maior incidência do desenvolvimento industrial, que instaura uma dinâmica de dependência. (KAUTSKY, 2010).
O campesinato maranhense, obviamente em outro contexto, também está diante de novas possibilidades, novas relações sociais de produção nas quais alteram a sua forma de permanecer no campo.
O policultivo com lavouras itinerantes de milho, arroz, feijão, mandioca, que descrevera Manoel Correia de Andrade, já não condiz com as atuais formas de uso da terra. Assim como a combinação deste com o extrativismo e criação de pequenos animais confronta-se com a lavoura de soja instalada nas áreas de chapada, restringindo-se a cultivar apenas nos baixões.
Dessa maneira, o assentamento de reforma agrária deixa de ser a única forma de superação do velho latifúndio e da lavoura itinerante de corte-queima. As empresas do agronegócio aparecem como uma perspectiva de geração de valor e surge como alternativa moderna para o sistema arcaico regional, integrando-o ao mercado nacional de terras a partir dos grandes investimentos, e no complexo de produção agromineral pensado para a grande região de fronteira do capital.
O itinerário completo desta dinâmica foi possível ser conferido em trabalho de campo, a partir de entrevistas com informantes chaves e registros fotográficos os quais passamos a discorrer.
Depoimentos de assentados referem-se à soja como uma atividade de pouco retorno para a região, geradora de impacto para o funcionamento das unidades de produção camponesa local, conforme explica um entrevistado: “[...] eles trouxeram mais um pouco assim de emprego. Nem todo mundo, mas uns poucos trabalha. A desvantagem é porque mexem muito produto que com esses negócios de veneno, essas coisas aí, e futuramente talvez isso aí alguém vai prejudicar.” (Informação verbal)5.
Essa opinião é compartilhada por outros assentados que atribuem à soja, o surgimento de problemas de redução de produtividade, e o surgimento de insetos até então desconhecidos, a exemplo do percevejo na cultura do arroz.
Também se atribuem à soja, problemas relacionados com a redução dos rebanhos de pequenos animais, principalmente de suínos e caprinos, dizimados por estarem em áreas próximas às lavouras de soja.
Os depoimentos dos entrevistados têm concordância com outras fontes de informações. E mais uma vez recorremos ao IBGE, onde os dados de produção de lavoura temporária na MRH nos dão um quadro que ajuda a pensar nas mudanças do perfil da produção agropecuária local.
A cultura de arroz influencia nas estatísticas de lavoura temporária em maior escala no período 1995 a 2000, reduzindo nos períodos subsequentes em todos os municípios pesquisados, por ser uma cultura de abertura de novas áreas. Confirmam, assim, depoimentos como de José Orlando, assentado no assentamento Belém,para quem “O arroz só é primeiro ano, quando eles abre o campo. Aí, depois é a soja.” (Informação verbal)6.
O eucalipto não aparece nos depoimentos com a mesma força que a soja. Talvez por este ser mais recente e representar apenas a continuidade de uma mesma lógica. É apenas mais um do mesmo para a realidade local. O objetivo principal é a produção de pasta de celulose, com modificações que fizeram reduzir o teor de lignina e ampliar o de celulose. A transgenia está sendo utilizada para obter maior aceleração no processo de crescimento das fibras de celulose, para acelerar o metabolismo da árvore, implicando maior consumo de água até os sete anos de crescimento, com possibilidades de cortes aos 5 anos, seguido de novos plantios no mesmo lugar.
A mesma preocupação ocorre com as culturas anuais desenvolvidas pelo agronegócio, principalmente a soja transgênica. Estudiosos denunciam que está em processo a aprovação na Coordenação-Geral da Comissão técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio), a liberação de outros tipos de sementes de soja, milho e algodão tolerantes ao 2,4-D. (MELGAREJO, 2015).
Os assentamentos pesquisados na totalidade estiveram à margem das políticas de investimentos no setor agrícola. Identificamos 1.657 famílias assentadas em 51.180,51/há, incluindo assentamentos (federais e estaduais), reserva extrativista e comunidades quilombolas. Em nenhum dos assentamentos havia assistência técnica, e, decorrente disso, não se registrou ali a presença de agentes de créditos.
4 CONCLUSÃO
Os impactos negativos do atual modelo de agricultura seriam atenuados com a ampliação da ação do Estado, fortalecendo políticas públicas como as desapropriações para eliminar os conflitos pela posse da terra, desenvolvendo políticas de inclusão produtiva e comercialização para o fortalecimento dos assentados enquanto importantes agentes de produção para economia local, e, consequentemente, fortalecendo-o para as relações sociais no território em disputa.
Os resultados positivos identificados na região foram a criação de assentamentos beneficiando 1.657 famílias. No entanto, a ausência de assistência técnica fragiliza a relação dos assentados frente aos setores do agronegócio. Por outro lado, impede à Reforma agrária desempenhar sua principal função, que é desenvolver a economia nos municípios e entorno das áreas reformadas.
Os municípios deixaram de movimentar por falta de instrumentos como ATER e, consequentemente, de acesso ao crédito próximo de 45 milhões via Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) para produção de alimento, ou 13.250 000 reais de Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Frustrada essa perspectiva econômica, o que vimos é que as conquistas obtidas se reduzem em importância, pois limitam as possibilidades de superar as formas de produção já esgotadas, e as alternativas de superação vão sendo viabilizadas fora dos assentamentos. Nesta perspectiva, é sintomático que, exceto o aspecto do acesso à terra e o fim do conflito, são as habitações nos assentamentos que aparecem como conquista mais significativa, seguida da água e da energia (programa luz para todos). Ou seja, não está na esfera da produção o grau de satisfação das famílias assentadas.
No PA Árvores Verdes, são mais expressivas as atividades como a apicultura, hortifrutigranjeiros e animais de pequeno porte, uma presença da agroecologia que registra a rápida passagem do Programa de ATER e posteriormente das ações dos programas de assentamentos verdes.
O PRONAF, o PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são vistos como sonho na MRH de Chapadinha. A Ideia de território esquecido da política pública fica explicita durante a pesquisa sobre a situação econômica das famílias, ao mesmo tempo um espaço que passa a ser ocupado por agentes externos, favorecido pela descontinuidade nas ações de assessoria técnica.
Por outro lado, percebe-se que o modelo da monocultura demanda novas áreas para expandir os monocultivos de soja e eucalipto; com isso, os assentamentos são potencialmente áreas de expansão do modelo. Em um cenário de longo período de ausência de políticas para reforma agrária esta é uma perspectiva que deixa de ser remota.
O PRONAF, principal instrumento planejado para o segmento familiar, é bastante simbólico para uma nota de conclusão. Na prática, seu acesso é negado aos assentados da MRH. E mesmo aos demais agricultores no Maranhão e nos demais estados do Nordeste se resume ao status de microcrédito. Dados do banco central têm revelado que o valor médio de financiamento por mutuário do PRONAF foi de R$13.453,38 (Treze mil, quatrocentos e cinquenta e três reais e trinta e oito centavos). Analisando o país sem a região Nordeste, a média alcança R$ 20. 980,80 (Vinte mil, novecentos e oitenta reais e oitenta centavos). No processo inverso, a média do Nordeste cai para R$ 4.195, 20 (quatro mil, cento e noventa cinco reais e vinte centavos).
Assim, a negação ou descontinuidade das políticas, ou apenas a execução de programas compensatórios e de microcréditos, não possibilita aos camponeses consolidarem novas alternativas aos atuais sistemas de produção. Ao contrário, assistiremos à continuidade da desestruturação do sistema de produção de origem da agricultura, responsável pela oferta dos principais alimentos básicos locais. Assim, suspende-se a possibilidade de soberania alimentar de um povo acostumado a produzir seu próprio alimento.
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Notas