Mesas temáticas coordenadas
Recepção: 05 Março 2018
Aprovação: 23 Maio 2018
Resumo: Este trabalho apresenta como objetivo debater, a partir de fundamentos marxistas o direito à cidade, à saúde e à questão socioambiental em cenário de crise estrutural do capital. A investigação configura-se por uma pesquisa bibliográfica. Debate o cenário de barbárie pelas macrodeterminações do capital, as quais configuram expressões de miserabilidade, adoecimento em massa e condições socioambientais insustentáveis tendo as cidades como centro das desigualdades. Constata que os embates de classe e urbanos atravessam um Estado classista com o direcionamento das políticas sociais (re)definido por interesses mercantis e movimentos de resistência. Enfim, as conclusões apontam que as lutas pelo direito à saúde e à habitação devem apresentar bandeira anticapitalista.
Palavras-chave: Saúde, Cidade, questão socioambiental.
Abstract: This paper presents as objective discussing the right to the city, health and the social and environmental issue on the basis of Marxist foundations on the structural crisis of capital. The research is made up of a bibliographical research. The scenario of barbarism is debated by the macrodeterminations of capital, which represent expressions of miserableness, mass sickness and unsustainable social and environmental conditions with cities as the center of inequalities. It can be seen that class and urban clashes cross a class state with the direction of social policies defined by mercantile interests and resistance movements. Finally, the conclusions point out that the struggles for the right to health and housing must present an anti-capitalist banner
Keywords: Health, City, social and environmental issues.
1 INTRODUÇÃO
Em tempos temerosos, as reivindicações históricas da classe trabalhadora, configuradaas por direitos sociais, são destituídas em prol de um projeto societário burguês em cenário de crise estrutural. Os ataques do capital reafirmam seu caráter insalubre e de depreciação da vida humana e planetária configurada e denominada de barbárie ecológica e social1.
Dentro do debate crítico do campo de conhecimento do serviço social, corroboramos com o tema da campanha do dia do/a assistente social do conjunto Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)/Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) de 2017: Na luta de classes não há empates. Ou seja, o antagonismo de classes (burguesia X classe-que-vive-do-trabalho) impõe processos de mobilização e luta em confrontos cotidianos para materialização de políticas sociais com apreensão da lógica selvagem e predatória de acumulação do capital e, assim, apresentando movimentos sociais e populares com essência revolucionária e bandeira anticapitalista.
Para embasamento de tal posicionamento ético-político, expomos barbarização da vida social contemporânea por exprimir a desumanização, a selvageria, o não civilizado. Esta se evidencia em situações de terror, de atentados, guerras, aumento crescente de refugiados, (re)emergência de doenças, miserabilidade de grandes massas da humanidades, promovendo uma verdadeira crise humanitária, em um contexto de contradições com profundas desigualdades sociais, intensificando a luta de classes. Nesta interpretação, revela-se a constituição da questão socioambiental ao apresentar a unidade do individuo e restante da natureza pela subsunção do trabalho ao capital, processo acompanhado pela rebeldia da classe-que-vive-do-trabalho.
Os rumos impostos pela continuidade do modelo de produção capitalista revelam-se incapazes de garantir o direito à vida, sequer assegurando condições mínimas de dignidade humana. Ademais, as estruturas socioeconômicas de produção social do capital contemporâneo obstaculatizam a materialização e os rumos das políticas sociais universais por um duplo movimento, coexistentes entre si, promovendo, assim, a radicalização das expressões da questão socioambiental e pelo desfinanciamento, tendências de seletividade e de capitalização nas políticas sociais.
Nessa perspectiva, o capital configura espaços de reprodução da força de trabalho com a acentuação da exploração tanto dos indivíduos como do restante da natureza, constituindo, dessa forma, o adoecimento das massas. Nessas dinâmicas destacaremos em nossa investigação os lócus das cidades onde se concentram as populações que serão atendidas e necessitam das políticas sociais para a garantia de sua sobrevivência e condições dignas de vida diante das ameaças do capital.
A partir desses fundamentos, debatemos a radicalização da questão socioambiental e os impactos no direito à saúde nas grandes cidades. Principalmente, para fomentar o debate a partir das apreensões críticas da política de saúde intrinsecamente associada ao direito à cidade e suas condições socioambientais. Apresentamos, também uma análise da saúde e do direito à cidade como questão socioambiental no que tange a expressões de resistência e de desigualdade.
2 QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL, DIREITO À CIDADE E SAÚDE: percursos de aproximações
O capital imputa a perda da vida em sua complexidade e plenitude. Expressões da barbárie, o flagelo de doenças e o não acesso à cidade dizimam e põem em sofrimento a humanidade. Resgatamos a politização da saúde ao correlacionar que o direito à cidade envolve a garantia de serviços e direitos sociais básicos como saneamento, educação, moradia, transporte, lazer, trabalho entre outros.
Em cena atual, tais direitos são corrompidos pelo processo de crise do capital no qual este investe em setores estratégicos que lhes darão retorno financeiro imediato em prol de projetos individuais, subvertendo a materialização de projetos coletivos (IAMAMOTO, 2010).
Nessa perspectiva, ressaltamos que o capital ao mesmo tempo em que elabora cenários de destruição das suas forças produtivas2, necessita elaborar mecanismos para sua manutenção e reprodução, formando, assim, uma de suas contradições estruturais. Nas sábias palavra de Mészáros (2003, p. 105-106): “[...] o capital depende absolutamente do trabalho, e de sua exploração permanente-, a dependência do trabalho em relação ao capital é relativa, historicamente criada e historicamente superável”.
Aliás, a insalubridade das macrodeterminações do capital é regida por suas contradições estruturais. A extrema concentração das riquezas socialmente produzidas pelos monopólios/oligopólios é configurada a partir da combinação de modelos de gestão ditos modernos, processo típico do capitalismo selvagem de extração da mais-valia.
Sendo assim, o capital é uma organização socialeconômica fundamentada pela apropriação privada dos meios de produção, o qual tem como objetivo gerar lucro para a burguesia a partir da força de trabalho e da natureza, ambas transformadas em mercadorias. A classe-que-vive-do-trabalho torna-se uma ferramenta:
Através da redução e degradação dos seres humanos ao status de meros “custos de produção” como “força de trabalho necessária”, o capital pode tratar o trabalho vivo homogêneo como nada mais do que uma “mercadoria comercializável”, da mesma forma que qualquer outra, sujeitando-a às determinações desumanizadoras da compulsão econômica (MÉSZÁROS, 2000, p. 8).
Nessa perspectiva, para a classe trabalhadora, a exploração se expressa por o valor gerado na atividade laboral ser superior ao da sua reprodução (salário), ou seja, a força de trabalho gera um valor maior ao que custa (mais-valia) (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).
E a lógica do capital para natureza impõe a construção de um meio ambiente fomentado pela destruição da natureza ao buscar satisfazer interesses mercantis, (em) contrapondo-se às necessidades sociais. Nas palavras de Coutinho (2009, p. 23-24):
O metabolismo estabelecido pelo capital em sua relação com o meio ambiente pressupõe riscos ambientais crescentes, inerentes a um modo de produção que necessita destruir a natureza para transformá-la em mercadoria. A água, o solo, a vegetação, entre outros elementos, a partir do momento em que são contaminados, poluídos e degradados, justificam sua transformação em bens destinados ao mercado.
A sociabilidade capitalista, ao impor o lucro via geração da mais-valia, transforma tudo em mercadoria passível de compra e venda como a força de trabalho e a natureza e “[...] resulta, necessariamente, no esgotamento dos recursos naturais, na devastação indiscriminada da natureza e nas mil formas de agressão e destruição da própria vida humana.” (TONET, 2015, p. 8).
Assim, o capital apresenta-se com caráter explorador tanto ao indivíduo como à natureza, para a obtenção de lucro, o qual se acumula nas mãos de uma pequena parcela da população. “E esse despotismo é tanto mais mesquinho, mais odioso e mais exasperador quanto mais abertamente proclama o lucro como sua finalidade exclusiva” (MARX; ENGELS, 1998, p. 46).
No tempo corrente, o cenário de crise estrutural do capital3 promove a intensificação da exploração e da mercantilização da vida em que a crise ambiental é evidência. Em horizonte acrítico e apolítico a crise ambiental é resultado da contradição: finitude dos recursos naturais e população crescente apartando a dimensão social do debate.
Temos como evidências históricas da insustentabilidade do capital: o diagrama da economia de materiais que desde a extração dos recursos, passa pela produção com químicos tóxicos e vai até a produção, com uma destinação inadequada dos, como também pelas engrenagens do desperdício através da obsolescência planejada (HISTORIA DAS COISAS, 2007; LOWY; KOVEL, 2003).
Nesse sentido, o capital apresenta engrenagens do desperdício através da obsolescência planejada e perceptiva as quais se relacionam com a proliferação de doenças, visto o crescimento de produção de resíduos sólidos e rejeitos. Aliás, as engrenagens do desperdício desmascaram uma suposta preocupação ou compromisso ambiental das estruturas do capitalismo. Desmistificando, portanto, a sustentabilidade que dentro deste modelo civilizatória vigente é uma ideologia burguesa cujo intento é ocultar que a cadeia de produção estrutura-se através de oferta de mercadorias com vida útil cada vez menor (obsolescência planejada) e pelos incentivos pela compra (consumismo), por exemplo. Ademais, segundo o vídeo História das coisas (2007), a obsolescência perceptiva envolve o estimulo pela compra de coisas novas apesar de termos uma anterior funcionando tendo como aliada a publicidade, no ápice do ter sobre o ser. (COUTINHO, 2009).
E nessa perspectiva que é necessário apreender a configuração da questão socioambiental sendo a depreciação da vida e do meio ambiente como algo genético do capital. Dessa forma, a questão ambiental dentro da questão social apresenta a mesma raiz: o capital.
Vejamos a seguir:
Fome e epidemias afligem a população excluída de suas mais elementares necessidades devido à incapacidade de transformar essas necessidades imediatas em demandas monetárias dando origem a “exclusão”, cuja natureza é econômica, produto desse regime de acumulação com predominância financeira (IAMAMOTO, 2010,p. 123, grifo nosso).
A partir dessa reflexão, entendemos a fome e as epidemias como exemplos de expressões da questão socioambiental, e não meramente um fenômeno natural-biológico, pois apresentam uma determinação social configurada na dinâmica do capital.
Neste debate, as políticas sociais, dentro da questão socioambiental, buscam manutenção da força de trabalho como respostas às lutas, mas também minimizar as desigualdades sociais, sendo essas oriundas da lógica do capital. Logo, é necessário forjar caminhos de superação de dada realidade.
Destarte, advogamos a questão socioambiental como a politização da miserabilidade, ou seja, é o questionamento das desigualdades sociais pela classe trabalhadora; em outras palavras, além das expressões das mazelas, é também resistência. Assim, “Foi a partir da perspectiva efetiva de uma eversão da ordem burguesa que o pauperismo designou-se como ‘questão social’.” (PAULO NETTO, 2004, p.43). Nessa perspectiva, temos a definição de Iamamoto e Carvalho (1983, p. 77):
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação,no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia [...].
Para organização da classe trabalhadora em situação de crise política e do acirramento capital X trabalho, torna-se central, para as pesquisas contemporâneas, pensar estratégias de resistência. E para tal, configuramos como adesão teórica o termo questão socioambiental por apreendermos o indissociáveis a exploração da natureza e nela incluído o indivíduo.
Correlacionam-se a questão social e a questão ambiental por entender que a relação do indivíduo com o restante da natureza torna-se emblemática a partir da impregnação da lógica do capital, a qual configura uma suposta desarmonia entre a unidade indivíduo-natureza expressa pelo cenário atual de crise ambiental.
Aliás, a unidade indivíduo-natureza fica clara na afirmação de Marx (1968) nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 (apud ANDRIOLI, 2007, p. 1):
O ser humano vive da natureza significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele precisa estar em processo contínuo para não morrer. Que a vida física e espiritual do ser humano está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza.
A relação do indivíduo com a natureza, a qual possibilitava a subsistência da humanidade, é o trabalho. De tal forma, a categoria trabalho é a relação mediada do indivíduo com a natureza para a satisfação material da primeira. (PAULO NETTO; BRAZ, 2007).
Ademais, as condições de existência para a humanidade é garantida pela construção do meio ambiente, seja para alimentar-se, locomover-se, vestir-se, beber água, ações de sobrevivência do ser social. Entretanto, mesmo garantidas nas legislações como direitos básicos, são violadas cotidianamente na vida de grande parte da classe trabalhadora: “Milhões de pessoas são obrigadas a viver em condições subumanas porque não têm acesso ou tem um acesso precaríssimo à alimentação, à saúde, à habitação, ao vestuário, ao saneamento, ao transporte etc.” (TONET, 2009, p. 3-4).
Nesse direcionamento, o debate intrinsecamente correlaciona-se com o direito à cidade. E, principalmente, no que diz respeito ao acesso ao saneamento ambiental, entendido nessa análise como condições socioambientais. Compartilhamos a cidade como:
[...] lócus das diferentes formas de desigualdadessocial, econômica e política. Essas diferentes formas de desigualdade estão expressas no desemprego, nos baixos salários, no aumento da pobreza, no analfabetismo, nas crianças e nas famílias vivendo nas ruas, nos doentes sem tratamento, nas moradias precárias, na falta de terra para os/as trabalhadores/as, na violência e insegurança urbana. A luta pela cidade é a luta pelos direitos para todos/as ao trabalho, à educação, ao lazer, à saúde, à habitação, à participação política e tantos outros direitos. (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2016, p. 8).
As grandes periferias urbanas brasileiras apresentam serviços públicos precários para atender as demandas da população como a falta de abastecimento de água e da coleta de lixo (GUBLER, 1998). Destacamos que:
A intensificação da urbanização decorreu principalmente do avanço da industrialização, que atraiu grandes fluxos de mão-de-obra do campo, associada ao crescimento vegetativo da população urbana; no último meio século (XX) a urbanização brasileira caracterizou-se predominantemente por uma dinâmica desordenada e sem infra-estrutura adequada, com grandes contingentes populacionais em condições de pobreza e miserabilidade (MENDONÇA et. al., 2009, p. 259).
Nessa análise, ponderamos que as condições socioambientais insustentáveis estão associadas a diversas enfermidades, trazendo a determinação social da saúde. Tauil (2001) sintetiza tal premissa afirmando que a precariedade das condições socioambientais são potencializadoras e facilitadoras da disseminação de vetores. Assim, fica nítido que o desenvolvimento desordenado das cidades promove a carência do saneamento ambiental e esse está atrelado ao armazenamento de água de forma precária. Tal dinâmica, por exemplo, uma greve problemática da saúde, como o dengue, por serem criadouros potenciais do mosquito.
Ratificamos que o cenário de barbárie socioambiental agrava a problemática de proliferação de doenças, sendo, na sua complexidade, resultado de um processo profundo de depreciação da vida imputada pelo capital. O movimento do capital contemporâneo suscita-se no cotidiano da população pela degradação ambiental nas cidades; está atrelada às desigualdades sociais e ao aprofundamento da miserabilidade. Aliás, as doenças relacionadas à questão socioambiental apresentam-se em áreas mais pobres das cidades que concentrarem um saneamento ambiental inadequado, apreendidos como os principais responsáveis pelo cenário de crise sanitária com aumentos de epidemias. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA, 2016).
A raiz do capital em tais problemáticas de saúde aprofunda-se por este alerta: a população mundial ainda sofre por falta de comida, quando, na verdade, há alimentos para satisfação de toda a humanidade. Enquanto os Estados direcionam seus orçamentos para o capital financeiro, a classe trabalhadora sofre com doenças por que estão intimamente correlacionadas ao precário acesso à água potável, ou falta, desse direito básico.
Ao longo desta discussão, podemos refletir que em relação dialética com a dinâmica rural, a cidade é expressão do caráter insustentável do capital por não seguir a prerrogativa de atender as necessidades dos indivíduos e configurar relações desarmônicas com o restante da natureza. Sendo, portanto, um lugar promotor de processos de adoecimentos ao invés de vitalidades.
E , nessaperspectiva, ressaltamos a apreensão da questão socioambiental como parte constitutiva das relações capitalistas. e por tal, impõe respostas para as necessidades coletivas dos trabalhadores, que perpassam na afirmação da responsabilidade do Estado com políticas sociais, embora tomemos como realidade a crise que fragiliza e promove a retirada do Estado para a questão socioambiental, abrindo caminho para a mercantilização dos direitos e para políticas sociais pontuais e seletivas. (IAMAMOTO, 2010).
Na parte a seguir, apontaremos como a cena de radicalização da questão socioambiental interfere na garantia do direito à saúde e direito à cidade em um Estado classista. Ademais, expomos o acirramento de lutas de classes.
3 (RE) POLITIZAÇÃO DA SAÚDE E DA CIDADE E LUTAS SOCIAIS: imposição à classe trabalhadora em frente à barbárie
A luta de classes acirra-se, as políticas sociais, como a da saúde, materializa-se à mercê de interesses mercantis, embora exista resistência dos movimentos contra-hegemônicos. Este último precisa fortalecer-se, adensar-se, ocupar seu lugar, visto a tendência de mercantilização e medicalização da vida. A saúde é reduzida em atendimentos biológicos enfatizados em remédios e/ou em situações doenças, descaracterizando a saúde em seu conceito ampliado.
Nessa perspectiva, a garantia do direito à saúde está diretamente associada à infraestrutura das cidades e seus serviços (essências) essenciais à população, como abastecimento seguro e intermitente de água e coleta e tratamento de efluentes, sendo assim, (as) expressões da questão socioambiental. Destarte, temos a centralidade do modelo de produção social como promovedor de adoecimento das massas por ser um padrão sanitário insalubre e insustentável visto “[...] sua necessidade de produção em escala crescente para sustentar a acumulação de riquezas dos grupos econômicos hegemônicos e a finitude dos recursos naturais, necessários à sustentação deste modelo.” (MIRANDA; CASTRO; AUGUSTO, 2009, p. 1962).
Torna-se necessário, portanto, adensar a reflexão da inseparabilidade da degradação da natureza com a exploração do ser social. Essa se revela, por exemplo, na redução dos peixes, resultado da crise ambiental, que promove a realização de viagens mais longas e para partes mais profundas do oceano pelos trabalhadores. Expondo-os a maiores riscos e maior grau de exploração de sua força do trabalho, pelo fato de o tráfico de pessoas estar associado ao esgotamento da indústria da pesca, visto a venda de homens para barcos pesqueiros. (SAMPEDRO, 2014). Como expressa esse exemplo, o capital impõe a exploração da complexidade da natureza na qual a humanidade é integrante, aliás, essa lógica de extração da mais-valia exacerba-se em cenário de crise, como já debatido.
Assim concebida, a barbárie socioambiental é produto de uma profunda crise do capital contemporâneo. Apreendemos a atual crise “[...] endêmica, cumulativa, crônica e permanente” (MESZAROS, 2011, p.12) como planetária, ou seja, engloba todas as esferas da vida: a cultura, a economia, a produção de alimentos e o meio ambiente e está em todos os países. A plenitude da vida e da natureza está em decadência sem precedente e com um ineditismo histórico apesar de as crises serem orgânicas ao capital. E é essa estrutura de barbárie que precisa ser apreendida para análise de direito à cidade e à saúde, ou seja, considerar os determinantes e multideterminações da realidade social.
No caso, por exemplo, de um aumento considerável de números de diarreias em uma cidade. Esta problemática de saúde não pode ser só analisada pelas autoridades e profissionais responsáveis somente no enfoque biológico-médico, pois a situação doença se estabelece através de múltiplas determinações e determinantes socioambientais como: a falta de saneamento desta localidade, a renda da população, a desnutrição das crianças, a socialização de informações sobre higiene, condições de trabalho, a história de luta da comunidade entre outras expressões. Essas são apenas algumas questões que podem demonstrar a amplitude de intervenções para garantir o direito à saúde. (TEIXEIRA, 2012).
Assim, (re) politizamos a saúde através da análise de um quadro socioambiental alarmante que reitera a atualidade de uma das bandeiras da Reforma Sanitária, a superação da organização social do capital, ou seja, a luta pela saúde com horizonte anticapitalista. Nessa perspectiva, os ataques do capital à vida em sua plenitude e complexidade intimam a classe trabalhadora, pesquisadores e profissionais de saúde à apreensão do movimento do real em sua totalidade aliado a um árduo caminho investigativo por explicitar “[...] as necessidades históricas de transformação.” (BREILH; GRANDA, 1989, p. 10).
Defendemos, então, a consolidação do direito à saúde como a Constituição Federal (CF) de 1988 propõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (BRASIL, 1988).
Logo, o Estado está diretamente correlacionado com o direito à saúde e os direcionamentos das políticas públicas. O aparelho estatal é atravessado por lutas urbanas a partir das reivindicações da classe trabalhadora por acesso a bens sociais. Em um Estado classista, favorável aos interesses da burguesia, o mesmo é tensionado pela categoria analítica da contradição trilhada por caminhos de avanços e retrocessos. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Em nossa compreensão, as políticas públicas devem ser analisadas em seus limites e possibilidades.
Nesse panorama, não se pode pensar na questão socioambiental sem considerar um Estado ampliado, que necessita ser permeável às demandas dos/as trabalhadores/as para a reprodução do capital. Por exemplo, as políticas sociais são uma forma de respostas à questão socioambiental. Ponderamos que essas não foram fomentadas simplesmente pelo interesse dos trabalhadores diante de suas péssimas condições de vida, mas também por medidas anticrises. Por tal, temos um Estado de natureza burguesa, todavia é tensionado pelas classes. Apesar da constatação de um Estado neoliberal4 com a destituição de direito, em tempo coetâneo.
Nesse cenário de satanização do Estado e desestatização, a classe trabalhadora sofre com a maior precarização de suas condições de vida através do desmonte do mundo trabalho. (THERBORN, 1995; BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Assim, há a predominância do interesse do capital que obstaculiza a concretude plena de projetos a favor da classe trabalhadora com horizonte de transformações estruturais como a política de saúde nos ideários do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira e de democratização do acesso à cidade. Tal processo é nítido pelo prejuízo orçamentário para as políticas sociais públicas.
Dessa forma, o cenário atual é incompatível com o direito à saúde em seu conceito politizado e amplo, o qual está intimamente relacionado com as condições de vida e com o conjunto dos direitos sociais, ambos depreciados na cena do capital. Entender, nessa perspectiva, que para consolidar o direito à saúde no sentido ampliado é indiscutivelmente investir nas condições de vida população e por tal, envolve a defesa do meio ambiente e o direito à cidade.
Ademais, a política de habitação e a política de saúde se convergem nos percursos históricos na realidade brasileira. Ambas apresentam a ponderação de interesses mercantis. A localização dos trabalhadores em parte das cidades segregadas com ineficiência de serviços de coleta de esgoto e de água fomentaram grandes e graves problemas de saúde. E as resposta do Estado eram legislações com direção higienista: o autoritarismo sanitário com enfoque de padrão de comportamentos. (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2016).
Com discurso e prática higienista5 voltados para modernizar o país e limpar o Brasil de doenças e epidemias, a população sofria com o braço coercitivo do Estado, que não abria espaços para diálogos ou esclarecimentos sobre suas ações.Todavia, esses processos de respostas às expressões da questão socioambiental com autoritarismo não aconteciam, tendo em vista a passividade total dos trabalhadores.Nos dias atuais, apesar de um cenário adverso, os/as trabalhadores (as) resistem, discutem, propõem, ocupam lugares de controle social, não estão silenciados e paralisados, logo, movimentam-se, demonstrando que o capital não é o fim na história. Aliás, o acirramento das contradições em período de crise demonstra a incapacidade do capital de atender um caráter progressista. Conforme aponta Antunes (2005), sobre a rebeldia da classe trabalhadora, no cenário atual não há pacificação dos conflitos sociais.
Para o mesmo autor, os trabalhadores recuperam, isso sim, aquela que talvez seja a batalha central da humanidade hoje: a busca de uma vida cheia de sentido dentro e fora do trabalho. O que mostra, em nosso entendimento, a força e a centralidade contemporânea do trabalho. (ANTUNES, 2005).
As greves recentes e explosões sociais articulam a luta social no seio do mundo do trabalho, com luta de gênero, com a luta ecológica, com luta étnica, partindo de uma concepção ampliada do seu trabalho. Ou seja, uma luta por outra sociabilidade.
4 CONCLUSÃO
O estágio contemporâneo do capital em crise estrutural promove reações burguesas como minimização da garantia de direitos fundamentais e injúria da natureza. Defendemos ao longo do debate que a relação harmônica da unidade indivíduo-natureza apresenta incompatibilidade com a dinâmica do capital pela supremacia do lucro e subsunção do trabalho ao capital. Assim, a exacerbação da questão socioambiental tem raiz no capital.
Em uma sociedade de classes, a não garantia de direitos como acesso a água potável se contrapõe à extrema concentração das riquezas. Assim, o cenário é de profundas desigualdades que são orquestradas pelo capital, e pelo mesmo, são tratadas por políticas sociais. Viabilizadas por um Estado mínimo para expressões da questão socioambiental, as cidades são palcos de lutas sociais e retrato de não acesso e/ou precário de serviços básicos, resultado de uma urbanização fomentada por interesses mercantis que configuram cidades com as massas doentes.
Enfim, apreendemos a reafirmação da associação do Projeto da Reforma Sanitária e o direito à cidade à luta anticapitalista, ou seja, a luta por uma sociedade justa, sem classes sociais e com pacto harmônico do indivíduo com o restante da natureza.
REFERÊNCIAS
ANDRIOLI, A. I. A atualidade de Marx para o debate ambiental. In: COLÓQUIO MARX E ENGELS, 5., 2007, São Paulo. Anais...São Paulo: UNICAMP, 2007. Disponível em:http://www. unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/ comunicacoes/gt2/sessao3/Antonio_Andrioli.pdf. Acesso em: 14 fev. 2017.
ANTUNES, R. O caracol e Concha : ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Nota técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas – fumacê. [S. I.], 2016. Disponível em:https://www.abrasco.org.br/site/2016/02/nota-tecnica- sobre-microcefalia-e-doencas-vetoriais-relacionadas-ao- aedes-aegypti-os-perigos-das-abordagens-com-larvicidas-e- nebulizacoes-quimicas-fumace/. Acesso em: 10 fev. 2018.
BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: Fundamentos e História. São Paulo: Cortez, 2006. (Biblioteca básica de Serviço Social; v. 2).
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
BREILH, J.; GRANDA, E. Investigação da saúde na sociedade: guia pedagógico sobre um novo enfoque do método epidemiológico. Tradução José da Rocha Carvalheiro et. al.2 ed. São Paulo: Cortez: Instituto de Saúde; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 1989.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Atuação de assistentes sociais na Política Urbana: subsídios para reflexão. Brasília, DF, 2016. (Série Trabalho e Projeto profissional nas políticas sociais).
COUTINHO, R. “Crise ambiental” e desenvolvimento insustentável: a mitologia da sustentabilidade e a utopia da humanização do capitalismo “selvagem”. Praia Vermelha, Rio de Janeiro, v. 19, p. 21-36, 2009.
GUBLER, D. J. Dengue and Dengue Hemorrhagic Fever. Public Health, [S. l.], v. 11, n. 3, p. 480-496, 1998.
HISTÓRIA DAS COISAS. Documentário de animação, EUA, 20min.; Color.Lançamento: ano de 2007.
IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1983.
IASI, M. O caminho da emancipação humana. Natal, 2016. Aula inaugural do Programa de Pós– Graduação em Serviço Social da UFRN de 2016.1.
LOWY, M.; KOVEL, J. Manifesto Ecossocialista Internacional. [S. l.: s. n.], 2003. Disponível em: http://www.terrazul.m2014. net/IMG/pdf/manifesto_ecosoc_int.pdf . Acesso em: 12 jan. 2018.
MARINS, P. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras. In: SEVCHENKO, N. História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3.
MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1998.
MENDONÇA, F. A. et al. Saúde pública, urbanização e dengue no Brasil. Sociedade e Natureza (Online), Uberlândia, v. 21, n. 3, p. 257-269, dec. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?pid=S1982-45132009000300003&script=sci_arttext. Acesso em: 23 jan. 2017.
MÉSZÁROS, I. A crise estrutural do capital. Revista Outubro, [S. l.], ed. 4, 2000. Disponível em:http://outubrorevista. com.br/wp-content/uploads/2015/02/Revista-Outubro- Edic%CC%A7a%CC%83o-4-Artigo-02.pdf. Acesso em: 23 jan. 2018.
MÉSZÁROS, I.. A crise estrutural do capital. Tradução Francisco Raul Cornejo... et.al. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Boitempo, 2011.
MÉSZÁROS, I.. O século XXI: socialismo ou barbárie? Tradução: Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2003.
MIRANDA, A. C.; CASTRO, H. A. AUGUSTO, L. G. S. Saúde ambiental e territórios sustentáveis. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 6, p. 1962-1963, 2009.
PAULO NETTO, J. Cinco notas a propósito da “questão social”. Temporalis, Brasília, DF, ano II, n. 3, 2004.
PAULO NETTO, J; BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2007. (Biblioteca Básica, v. 1).
SAMPEDRO, J. Oserhumanoprovocaasextaextinçãoemmassado planeta. Elpaís, Madri, 24jul. 2014. Disponível em:http://brasil.elpais. com/brasil/2014/07/24/sociedad/1406224017_140906.html. Acesso em: 3 dez. 2017.
TAUIL, P. L. Urbanização e ecologia do dengue. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 17, supl., p. 99-102, 2001.
TEIXEIRA, J. C.; Saúde ambiental. [S. l.: s. n.], 2012. Apostila do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade. Disponível em: http://www.ufjf.br/engsanitariaeambiental/ files/2012/09/ApostilaSa%C3%BAdeAmbiental-E11.pdf.
THERBORN, G. A crise e o futuro do capitalismo. In: SADER, E.; GENTILI, P. (Org.). Pós-Neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
TONET, I. Educação e Meio ambiente. Rebela: Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos, Florianópolis, v. 5, n. 3, p. 479- 491, 2015. Disponível em:http://ivotonet.xpg.uol.com.br/.Acesso em: 10 fev. 2018.
TONET, I. Expressões socioculturais da crise capitalista na atualidade. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL; ASSOSCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Serviço Social: direitos e competências profissionais. Brasília, DF, 2009.
Notas