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POVOS TRADICIONAIS E INDÍGENAS NO MARANHÃO: violência, fronteiras territoriais e margens da normatização
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, pp. 1387-1406, 2018
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepção: 05 Março 2018

Aprovação: 23 Maio 2018

Resumo: O trabalho sintetiza aspectos de dois conflitos socioambientais emblemáticos no Maranhão e seus respectivos processos de resistência e confronto político: os casos do povo indígena Ka´apor e das famílias da Comunidade Cajueiro. Ambos os povos são abalados por projetos desenvolvimentistas e por uma tecnologia de poderes violentos. O objetivo do trabalho é levantar e analisar alguns dispositivos de poder empregados nesses casos, a fim de compreender como estes repercutem na desconsideração dos direitos e na expropriação dos territórios. A hipótese é de que estamos vivenciando um sistema de exploração colonial e colonialista e o exercício de um necropoder contra povos indígenas e tradicionais. O exercício de poderes por agentes em rede e em diversas instâncias caracteriza um governo privado indireto de práticas administrativas coloniais nos territórios. Isso retroalimenta formas de normatização e de governabilidade marcadas pela fluidez e entrelaçamento, de um lado, da violência e do Direito e, de outro, da exceção e soberania.

Palavras-chave: Conflito socioambiental, normas, margens, governo privado indireto, necropolítica.

Abstract: The paper synthesizes aspects of two emblematic socioenvironmental conflicts in Maranhão and their respective processes of resistance and political confrontation. One refers to the Ka’apor indigenous people and another to the families of the Cajueiro Community. Both groups are shaken by developmentalist projects and by a technology of violent powers. The objective of this work is to analyze and analyze some mechanisms of power used in these cases, in order to understand how they affect the disregard of rights and the expropriation of territories. The hypothesis is that we are experiencing a system of colonial and colonial exploitation and the exercise of a necropower against indigenous and traditional peoples. The exercise of powers by agents in networks and in various instances characterizes an indirect private government of colonial administrative practices in the territories. This feedbacks forms of normatization and governability marked by the fluidity and interweaving, on the one hand, of violence and law and, on the other, of the exception and sovereignty.

Keywords: Socio-environmental conflict, standards, margins, indirect private government, necropolitics.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo procura recuperar e cotejar os trabalhos1 das autoras (SANTOS, 2017; PEDRO, 2017a, 2017b, 2017c) (i) destacando aspectos da tese que discutiu2 a judicialização política dos conflitos ambientais instaurados na Comunidade3 do Cajueiro diante da pretensão de uma empreendedora, que se apresentou como WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda. (WPR), de instalar um terminal portuário de uso privado e de logística na região; e (ii) abordando os conflitos socioambientais enfrentados e da experiência de autogestão e resistência do Conselho de Proteção Territorial do povo indígena Ka´apor contra a invasão do território e extração ilegal de madeira da Terra Indígena4.

O povo indígena Ka´apor e as famílias de povos tradicionais da Comunidade do Cajueiro têm em comum em sua história a acentuação de conflitos socioambientais decorrentes do Projeto Grande Carajás5. As práticas de invasão territorial, exploração da natureza e violência contra os povos indígenas e tradicionais perduram há mais de 30 anos no Maranhão, tendo se intensificado desde a implantação do Programa Grande Carajás (PGC), nos anos de 1980.

Mesmo com a declaração oficial de sua extinção, em 1991, os efeitos deste programa transformaram a vida dos povos e de seus territórios, deixando impactos ambientais irreversíveis em biomas e paisagens, bem como profundos impactos sociais, econômicos e culturais (SANT´ANA JÙNIOR, 2013).

Em especial quanto aos povos indígenas do Maranhão, o PGC ignorava as especificidades e as diferenças culturais dos povos indígenas, desrespeitava seus territórios tradicionais e processos de demarcação das terras indígenas. Ademais, o Programa tinha uma perspectiva integracionista em relação aos indígenas, forçando lógicas de produção e mercantilização capitalista com a implantação de roças mecanizadas e projetos de criação de gados, por exemplo, como políticas compensatórias por seus impactos. Vencido esse prazo, o Programa não conseguiu arrastar os indígenas na esteira dos seus problemas, no entanto, deixou marcas profundas no modo de produção indígena. As formas próprias de subsistência dos povos, baseadas na produção de alimentos como farinha, milho, abóbora, na pesca e na caça e, o sistema de reciprocidade nas relações sociais foram afetadas pela introdução do pagamento de compensação. Com isso, alguns indígenas, em sua minoria, acabaram aceitando o aliciamento de madeireiros e entraram no comércio ilegal de madeira e de outros recursos naturais, como folha de jaborandi e arrendamento de terras para terem acesso ao recurso financeiro. A entrada de dinheiro nas comunidades, que tinham outro sistema de troca e produção, gerou uma mudança significativa nas relações sociais desses povos com o Estado, com a empresa e com os moradores dos povoados limítrofes aos territórios indígenas.

No caso da Comunidade do Cajueiro, o PGC impulsionou a instalação de diversos empreendimentos industriais e projetos de infraestrutura nas proximidades da área do Cajueiro. A ideia do PGC era desenvolver na região uma infraestrutura para facilitar a produção e escoamento do minério explorado pelo Projeto Ferro Carajás e por atividades econômicas decorrentes do Programa. Conforme esclarece Sant´Ana Júnior (2013), foi criada uma infraestrutura com o sistema mina-ferrovia-porto que ultrapassava os objetivos da exploração do minério do ferro e siderurgia, objetivando atuar como catalisador de desenvolvimento regional em áreas que compreendem parte da Amazônia oriental, o sudeste do Pará, o norte do Tocantins e o sudoeste do Maranhão.

Desde então, os territórios e as vidas destes povos estão crescentemente abalados por projetos desenvolvimentistas e por uma tecnologia de poderes violenta que leva à desconsideração de direitos.

O objetivo do trabalho é levantar e analisar alguns dispositivos de poder empregados nesses casos, a fim de compreender como estes repercutem na desconsideração dos direitos e na expropriação dos territórios.

A hipótese é de que estamos vivenciando um sistema de exploração colonial e colonialista e o exercício de um necropoder contra povos indígenas e tradicionais. Constroem-se factoides sobre territórios vocacionados para determinada atividade econômica ou exploratória, empregam-se discursos racistas e que procuram transmitir a imagem pública de que os povos seriam atrasados e que seriam inimigos do desenvolvimento do Estado. Há um sistema de normatização e permeabilidade de normas no sentido foucaultiano do termo (FOUCAULT, 1979) e de naturalização de um racismo ambiental. (ACSELRAD, 2010; PACHECO, 2008). Aos poucos, parece-nos que esse tipo de normatização está sendo absorvida pelo Direito e por decisões jurídicas oficiais ou quase oficiais, por um complexo sistema de jurisdição exercida por agentes híbridos, em diversas instâncias e que tentam impor seu domínio sob certos territórios. Sob os povos destes territórios tradicionais – convertidos em zonas de sacrifício ou em colônias de exploração. Nesse artigo buscamos compreender esse sistema de governabilidade de populações que as afasta do merecimento de proteção jurídica, ou seja, que embasa processos de desconsideração de direitos, de identidades e até mesmo de vidas, sob o pretexto de se garantir projetos desenvolvimentistas e/ou de infra-estrutura, muitos deles relacionados à exportação de comodities.

2 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E CONFRONTOS POLÍTICOS

2.1 A ameaça à Comunidade do Cajueiro por um terminal portuário privado

Os conflitos socioambientais que envolvem o Cajueiro, desde o final da década de 1970, foram impulsionados pela concepção desenvolvimentista que baseou o Programa Grande Carajás e sustenta, até hoje, o direcionamento político por parte dos governos estaduais e locais para a região. Essa concepção contribui para propagar, discursiva, técnica e politicamente, o violento factóide econômico de que a área onde se situa o território do Cajueiro, no qual vivem algumas famílias ancestrais, estaria vocacionada para grandes projetos industriais e para o apoio à exportação dos comodities do Estado. Ao mesmo tempo, parece haver a naturalização do sacrifício das famílias da Comunidade em favor da manutenção dos fluxos dos sistemas capitalistas. As famílias vivenciam formas exploratórias e expropriatórias cada vez mais violentas e que parecem concidir com processos descritos por Harvey (2004) e Woof (2014) como novo imperalismo.

Quando a empresa WPR – e outros empreendedores e agentes interessados no terminal portuário – chegou ao Cajueiro, havia poucas informações para os moradores. O que eles sabiam tinham a ver com a transformação da paisagem e do cotidiano da Comunidade, com os anúncios – por placas, escombros e jagunços – de morte dos direitos das famílias. Tinha-se a imagem da sobreposição de um porto sobre a paisagem do Cajueiro e de um clima de terror que levavam algumas famílias à negociação das suas casas e território. Não se sabia como a empresa havia adquirido aquele poder sobre o local. Dois papéis apresentavam como legitimadores do poder, um aparente título de propriedade e uma notificação do Ministério Público, com timbre da Justiça. A violência e os papéis geravam medo, confundiam os moradores sobre suas próprias condições, direitos e incertezas de futuro, mas havia a noção entre os moradores de que tinham direitos ameaçados.

A memória de pessoas pelo Cajueiro, sobre as práticas, propostas e discursos, fazia os moradores cogitar que a WPR era parte de um mecanismo e que as investidas para o domínio e pilhagem do território começaram, anos ou décadas atrás, por outros agentes, empresas e instituições. Há uma névoa que tornava impossível discerner naquele espaço local de exercício de poderes o que é público ou privado. As medições, levantamentos eram – e ainda são – acionados como instrumentos estatais com objetivos não anunciados e, ainda, alguns agentes privados que atuam na Comunidade apresentam-se como públicos e fazem crer que são portadores de um benefício do Estado. Conforme observou o Sr. Antônio (morador com nome fictício), foi assim, com clandestinidade, abuso de confiança e mentira, que os agentes conseguiram o espaço para entrar na Comunidade.

Primeiramente, moradores se lembram de que chegaram pessoas que se apresentavam como advogados. Em seguida, vieram representantes da empresa Suzano Papel e Celulose. Em seguida, alguns se apresentaram como funcionários de uma consultoria ambiental chamada Urbaniza Engenharia. Porém, a partir de 2014, chegaram pessoas que alegavam ser representantes do Estado, responsáveis por levantar dados das famílias que seriam beneficiadas por uma ação de governo. Aos poucos, a partir do mês de junho daquele ano, os agentes revelaram ser representantes uma empresa, chamada WPR. Essa empresa anunciava ser a nova proprietária de uma área de aproximadamente dois milhões e um metros quadrados, o que incluiria o território da comunidade e seu povoado de Parnauaçu, no Cajueiro.

Os seguranças contratados pela WPR coagiam os moradores à venda de suas casas, tentando impedi-los de transitar e proibindo a pesca, roça, criação de animais e construções na área. A empresa terceirizada contratada para fazer a segurança não tinha autorização na polícia federal para atual como tal, nem os tais seguranças possuíam porte de armas. A partir de então, vários moradores do Cajueiro passaram a denominá-los como jagunços. As ameaças e os boatos espalhados pelos jagunços causavam medo aos moradores, levando muitos a abandonarem suas terras ou a desistir de lutar pela manutenção delas, sem qualquer indenização, ou, ainda, a entregá-las a qualquer preço.

No Cajueiro, formavam-se espaços para a atuação e imposição de normas relacionadas à jurisdição (poder de dizer o direito) e poder de poder de polícia. Os micropoderes (FOUCAULT, 1987) eram exercidos por parte dos interessados no projeto de terminal portuário por intermédio de diversas instituições, como empresa de segurança, escola pública de ensino fundamental local, audiências públicas, igrejas, associações etc., para instaurar e reforçar o medo entre os moradores.

Na esfera local da Comunidade, as atuações e informações apresentadas pela WPR (a empresa que então se apresentava como empreendedora oficial do porto) eram classificadas como mentiras.

Até mesmo as casas não vendidas ou não negociadas estavam sendo plaqueadas como sendo propriedade da empresa. O anúncio de propriedade em frente às casas não vendidas intimidava os moradores, quebrava coalisões comunitárias, dava a aparência de que aqueles que estavam na luta já haviam se rendido à negociação:

Em 18.12.2014, às vésperas do Natal, a empresa WPR alegou ter uma ordem judicial que a autorizaria demolir casas. Na manhã deste dia, a empresa saiu demolindo, com um trator, 21 (vinte e uma) casas de moradores locais. A empresa não tinha qualquer ordem judicial para tanto6 e, ainda, descumpriu uma decisão judicial então vigente7 - uma liminar, que fora concedida em 14.10.2014 e que protegia a posse, o modo de vida e o direito de construção das famílias do Cajueiro.

Nesse dia, no meio da manhã, um homem, acompanhado por um policial militar, apresentou-se como oficial de justiça à Dona Lúcia, tesoureira da União dos Moradores Proteção d Jesus do Cajueiro, e indagou se ela sabia de alguma ordem judicial para a derrubada de casas. Ela negou. O suposto oficial, sem ler a decisão, entregou a ela um documento com timbre da justiça. Naquele momento, Dona Lúcia não pôde compreender o teor da decisão que, depois, fora identificado, pela advogada da União dos Moradores e pelos advogados do movimento social do Cajueiro, como um interdito proibitório para futuras construções (sem o comando ou poder de afetar construções pré-existentes).

Mesmo assim, esse interdito para futuras construções era juridicamente nulo8, pois, como aludido, contrariava liminar judicial anterior, e, também, porque fora deferido por juiz incompetente para o ato. A decisão fora proferida, em 05.12.2014, por José Eulálio Figueiredo de Almeida, Juiz de Direito, Titular do Juizado Especial de Trânsito, o qual fora nomeado para responder junto à 8ª Vara Cível somente nos dias 01 e 02 de dezembro. Assim, segundo a Portaria CGJ nº 4711, de 3 de dezembro de 2014, o Juiz de Direito José Eulálio Figueiredo de Almeida, titular do Juizado Especial do Trânsito teria sido designado para responder cumulativamente pela 8ª Vara Cível da Comarca de São Luís, “[...] durante o afastamento do Juiz de Direito LUIZ GONZAGA ALMEIDA FILHO, no período de 01.12.2014 a 02.12.2014”. Assim, ao conceder a liminar do interdito proibitório em favor da WPR, em 05.12.2014 – três dias após o prazo de sua designação –, o Juiz de Trânsito já não tinha jurisdição sob a 8ª Vara Civil. Em outras palavras, tratava-se de uma decisão nula, que tentava alterar matéria já julgada, e era concedida por juiz absolutamente incompetente para essa finalidade. Por fim, é importante dizer que a ação de interdito proibitório contra novas construções tinha como parte (Requerida) apenas a União de Moradores Bom Jesus do Cajueiro e não todas as 21 famílias abaladas pelas demolições.

Apesar disso, um dos sócios da WPR chegou à Comunidade, acompanhado de um operador do trator e lançaram a máquina por cima de casas e de mulheres e crianças que tentavam se colocar à frente. Segundo relatos, a derrubada da primeira casa teve a escolta de um carro do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Estado, mas, em seguida, a viatura não foi mais vista pelos moradores.

Já na primeira reunião em que se tentava entender o que estava acontecendo, o Sr. César, liderança local, classificou esse sistema amplo como uma grilagem promovida por uma cadeia de pessoas da qual o Estado também faria parte como grileiro, pois estaria invalidando o título condominial coletivo que ele mesmo concedera para as famílias do Cajueiro, em anos anteriores, época em que ainda não se falava em projeto de porto privado. Terceiros eram colocados à frente da fraude de títulos de propriedade para que aquele estado em ação pudesse ou tentasse consumar o deslocamento compulsório das famílias e, por conseguinte, tentasse abrir o espaço e o domínio territorial necessário à implantação do porto privado sobre a Comunidade.

Na perspectiva de Foucault, a normatização não se esgota no Direito, isto é, não se refere apenas às normas jurídicas, mas, sim, às normas ontologicamente consideradas9. E, no caso, o que os moradores vivenciavam em seu cotidiano, em seus corpos e casas mostrava que, no território, a empresa WPR ganhava espaço para a atuação e imposição de normas relacionadas à jurisdição (poder de impor regras de circulação, acesso e uso de áreas e proibição, até mesmo, de atividades de subsistência, como pesca e plantio), os meios de punição (demolição de casas, fome, agressão por jagunços, incêndio em casas compradas no Cajueiro, corte de cercas, criminalização) e as formas de exercício da violência, por intermédio de agentes privados armados.

Como forma de resistência e defesa de seus modos de vida e moradia, além de judicializar os conflitos, alguns moradores sentiam-se obrigados a um combate e enfrentamento direto desses agentes, colocando-se em risco de “[...] sair morto ou preso do combate” (Informação verbal)10 ou “[...] dando uma de doidos” (Informação verbal)11, como descreveu D. Lúcia, para buscar socorro e tentar garantir seus direitos. Sem encontrar respaldo nos espaços oficiais e diante da perda da confiança do Estado, “[...] já não tendo para quem falar” (Informação verbal)12, conforme observou Sr. César, as lideranças e famílias da Comunidade buscavam os seus direitos, também, com interrupção da rodovia federal, ocupação de prédios públicos, enfrentamento de jagunços, criação de um sistema de vigilância comunitária, organização de audiências populares, ou seja, por sistemas informais e situados às margens da oficialidade. Nessa batalha, tanto idosos quanto as crianças e mulheres eram obrigados a atuar como soldados de frente, num limiar muito tênue entre o risco de morte ou a morte efetiva.

A polícia é sentida como aquela que criminaliza moradores e não desautoriza a permanência violenta de jagunços e da empresa mandante no território. Ao contrário, em certos episódios emblemáticos, alguns moradores contavam “Eu vi que o cara da WPR estava dentro da viatura” (Informação verbal)13. A presença da polícia, ao lado da empresa, ajudava a blindá-la, legitimando-a com a aparência de oficialidade, compartilhando poderes ou mesmo, dando a impressão de que a WPR comandava o serviço de policiamento prestado em seu em favor. O Cajueiro passava a ser uma zona sitiada, militarizada tanto pela polícia quanto por jagunços. Para a instalação do cenário de guerra e terror coloniais no Cajueiro, os agentes ligados à empresa que pretende construir o portuário usavam o medo como dispositivo de poder.

As tentativas de imposição de domínio, por mecanismos da violência e dos boatos, vão impregnando a realidade. Têm efeitos de criação de norma, jurisdição, penalização, morte ou desconstituição, criminalização, afetando, até mesmo, as questões que estão sob litígio, os saberes, capacidade interpretativa e a (con)formação de sujeitos envolvidos no conflito socioambiental.

A mentira, como categoria denunciada a todo o tempo entre as lideranças do Cajueiro, mostra um clamor por sentido no caso e pelo direito de constituírem a verdade por eles vivenciada; mostra que as ontologias do Estado e do Direito em ação nessa guerra ganha outros significados, as instituições e funcionalidades parece estar fora do eixo. A mentira exposta pelos moradores enquanto categoria reúne em si, também, o repúdio ao arbitrário, a revolta contra a não aceitação das razões da Comunidade, dos fatos vivenciados pelas famílias e experimentados em seus corpos. (MBEMBE, 2015).

2.2 Os conflitos e enfrentamentos do povo indígena Ka´apor

A exploração e o comércio ilegal de madeira têm sido uma prática recorrente nos territórios dos povos indígenas do Maranhão. Essa prática, além de se constituir num crime ambiental, uma vez que a Terra Indígena é uma área protegida pela União cujo usufruto exclusivo pertence aos povos indígenas que nela habitam, impede os povos em usufruir de seu território a partir de suas próprias lógicas. Esta prática contribui para criar, em alguns indígenas, uma relação de comercialização dos bens comuns como se fossem mercadoria, gerando uma relação de dependência e conflitos internos. Essa prática contribui para o agravamento de conflitos, com consequências graves, como ameaças, invasão de aldeias, assassinato e criminalização. Pior: sem que as ações de fiscalização pela polícia federal e órgãos ambientais tenham o efeito de conter a expansão dos crimes praticados contra o povo indígena e seu território tradicional.

A prática de extração ilegal de madeira em área protegida vem gerando uma crescente violência contra o povo Ka’apor e o seu território no Alto Turiaçu14 e impulsiona mecanismos de desconsideração de direitos. Os próprios agentes que fazem a extração e comercialização são beneficiados pela falta ou precariedade na fiscalização ambiental por parte dos órgãos do Estado. Por sua vez, num sistema de normatização local ditado pelo domínio de madeireiros, as ontologias se invertem e resvalam no Direito oficial, sendo que o próprio povo Ka´apor acaba sendo quando empreende mecanismos próprios de auto proteção.

O agravamento da exploração ilegal de madeira nos territórios indígenas, em geral, e no Alto Turiaçu, em particular, teve início nos anos finais de 1980 como consequência da implantação do PGC e da abertura da rodovia BR 316, conhecida como a rodovia Belém – Brasília. Nos primeiros anos, o povo Ka’apor conseguiu frear a exploração ilegal fazendo a vigilância no território e expulsando os invasores. Nos finais dos anos 1990, a situação de invasão se intensificou, juntamente com a criação de fazendas e roças dentro da terra. O acesso ao território começou, primeiro, sem a permissão dos indígenas. No final dos anos 1990, quando o comércio ilegal de madeira já estava consolidado na terra indígena Araribóia, sudoeste do Maranhão, se intensificou nos territórios Alto Turiaçú, Caru, Awa e Reserva Biológica do Gurupi. Os madeireiros foram ampliando a área de exploração, um grupo que vinha das cidades de Buriticupu e Zé Doca, explorando parte da terra do lado da BR 316 e outro grupo, vindo de Paragominas - PA, explorava ao lado dos rios Gurupi e Turizinho. A exploração ilegal de madeira iniciou da ponta para o centro da terra e, enquanto estava distante da zona de caça e roça dos indígenas, não havia a necessidade de aliciar os mesmos. Mas essa ocupação e a relação dos madeireiros com os indígenas foi se alterando ao longo desse tempo, quando as práticas de aliciamento e de ameaças começaram a aparecer e aumentar o conflito.

Nos depoimentos dos indígenas do Conselho de Gestão Ka’apor ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e ao Programa de Defensores de Direitos Humanos, ocorrido no dia 16/01/2017, em Zé Doca, eles identificaram que, a partir dos anos 2000, a exploração ilegal de madeira ganhou um novo contorno e que tornou mais difícil a fiscalização da terra. O novo contorno foi a intervenção de agentes do Estado incentivando o envolvimento dos indígenas na venda da madeira mediante a justificativa da falta de orçamento para atender às populações e alegando que no território havia uma reserva boa de madeira e os convencendo a negociar a venda para atender suas necessidades como transporte, roupas, calçados entre outros.

O envolvimento dos indígenas, autorizando a venda da madeira para os madeireiros, possibilitou que a exploração avançasse para as áreas mais próximas às aldeias para as zonas de caça, afetando as fontes de alimentação dos indígenas. Uma realidade que começou em uma aldeia e em pouco tempo se espalhou para as demais aldeias no território. Situação que uma liderança do Conselho de Gestão Ka´apor, expressou: “[...] os madeireiros já estavam mandando dentro do nosso território, não tínhamos mais liberdade para andar dentro da terra.” (Informação verbal)15. Com isso, os madeireiros instituíam normas, poder de controle e de polícia, exerciam violência, expropriavam recursos naturais sem legalidade e nem autorização ambiental oficial e ditavam as formas como os indígenas deveriam viver. A entrada de dinheiro desse comércio começou a afetar internamente as relações sociais, culturais e comunitárias entre os indígenas; especialmente no momento da divisão do recurso oriundo desse comércio, quase sempre regado a muita bebida alcóolica, patrocinada pelos madeireiros, com incitação de desunião comunitária e brigas entre os indígenas. Os conflitos internos aumentavam à medida que os madeireiros também avançavam para o interior da terra.

O envolvimento de indígenas nesse comércio ilegal já estava fora de controle. E quando os indígenas se recusavam a negociar madeira eram ameaçados e agredidos. A violência foi se intensificando e, em 2010, Hubinet Ka’apor foi assassinado16. Em 2014, dois jovens da Guarda Florestal Ka’apor foram alvejados dentro do seu território quando faziam a fiscalização da área e encontraram com invasores retirando madeira. No mesmo ano, a jovem Pakuriró Ka’apor17 foi encontrada morta no município de Paragominas, Pará e, em janeiro de 2015, um grupo de 20 homens armados e encapuzados invadiu o acampamento dos guerreiros Ka’apor que faziam a desintrusão do território. O grupo humilhou homens, mulheres e crianças, levaram um trator jerico que os Ka’apor tinham apreendido na ação de proteção. No dia 26/04/15, o agente indígena de saneamento Eusébio Ka’apor, 42 anos, da aldeia Xiborendá, foi assassinado com um tiro nas costas quando retornava para a sua aldeia. (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, 2014, 2015). Todos esses casos foram denunciados pelos indígenas e entidades de apoio, nenhuma providência foi tomada e permanecem impunes. Nessa grave situação, parecia haver uma omissão do Estado e Judiciário em fazer alguma coisa para parar o comércio, pois, quando madeireiros eram acionados por meio de denúncias dos indígenas e de entidades de direitos humanos, justificavam que eram os próprios indígenas os responsáveis.

Mesmo diante da omissão e até da criminalização do Estado, os indígenas Ka’apor, compreendendo a gravidade da situação, continuaram levando denúncias ao MPF. Segundo uma liderança do Conselho de Gestão Ka’apor, “[...] entre 2010 a 2012 entregamos mais de nove documentos denúncias nos órgãos de fiscalização e ao Ministério Público.” (Informação verbal)18, porém poucos foram os resultados obtidos. As Operações de Fiscalização, organizadas pelos órgãos públicos responsáveis pela questão ambiental e indígena formados por agentes da FUNAI, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Polícia Federal não surtiam os efeitos esperados. Além de esbarrarem questões complexas de competência jurídica ou policial, as operações dificilmente conseguiam flagrar os madeireiros dentro do território.

Diante da situação de abandono por parte das instituições do Estado, da violência, dos conflitos internos e da degradação ambiental, foram as mulheres indígenas que, juntamente com alguns homens, tomaram a frente na organização e desencadearam ações coletivas para frear esse comércio da natureza em seu território. Em 2013, com o apoio de um colaborador (pedagogo e antropólogo) não indígena, empreenderam um processo de organização interna, com vistas a fortalecer o projeto de vida do povo, tendo como foco realizar uma ação interna para barrar a venda de madeira.

Mesmo enfrentando resistência dentro do próprio órgão indigenista, os Ka’apor conseguiram o projeto e criaram seu grupo de Guardas Florestais para coibir a exploração de madeira: em quatro anos conseguiram fechar 14 ramais abertos por madeireiros para retirar madeira. (SANTANA, 2017). Toda essa luta de proteção territorial foi acompanhada de uma revitalização da cultura, discussão e implementação de uma educação escolar contextualizada; elaboração de acordo de convivência e criação do Conselho de Gestão Ka’apor. Os membros do Conselho de Gestão Ka’apor se expressavam dizendo que se sentem fortes, que não querem voltar para trás na proteção da terra, para não voltar ao tempo dos madeireiros que, apesar de toda as ameaças que sofrem e com o assassinato do Eusébio Ka’apor, vão continuar tomando suas decisões de forma autônoma para que o seu território seja respeitado.

2.3 Violência, fronteiras de territórios e margens de direitos

Tanto o território do Cajueiro quanto o do povo indígena Ka´apor foram se constituindo em situações de exploração colonial19, em situações de margem, fronteiras elásticas e movediças para os direitos dos seus moradores.

Em ambos os casos são totalmente borradas as fronteiras do público e do privado, sendo múltiplos e ocultos os agentes que exercem a soberania específica do necropoder locais (MBEMBE, 2012). Estes agentes formam um governo privado indireto, pois interferem por múltiplas formas livremente coercitivas na realidade social e suas repercussões jurídicas e políticas para os povos. São agentes e intuições com micropoderes judiciário que ditam o que será criado, aceito, legitimado e ratificado como verdade, como justo e têm o poder de decidir o que deve ser expulso ou sacrificado perante toda a Comunidade.

O necropoder, segundo Mbembe (2011, 2012), é observável em realidades e conflitos ocorridos em localidades nas quais as populações vivem em um estado de absoluta precariedade, ocupando as margens da sociedade, em um mundo globalizado, em um capitalismo sem precedentes e cada vez mais hostil. Nesse contexto, o autor observou o contrário do que ocorre no biopoder. (FOUCAULT, 1987). Nesse contexto, o autor observou o contrário do que ocorre no biopoder (FOUCAULT, 1987). Enquanto, nos estados capitalistas (europeus) examinados por Foucault (2008), o Estado Moderno exerceria um biopoder legitimado pela escolha do que se faz viver e deixa-se morrer, nos contextos de locais e nos países coloniais alguns grupos sociais estariam sob o domínio de uma “expressão máxima da soberania”, uma “necropolítica” que decide quem deverá morrer e quem deixará viver, ou seja, “[...] faz morrer – ou mata – para deixar viver.” (MBEMBE, 2011, p. 135).

Nesse processo, tanto a iniciativa privada quanto os governos exercem o necropoder (MBEMBE, 2012) ao escolhem para seus empreendimentos algumas zonas de sacrifício (ACSELRAD, 2005), ou seja, áreas ocupadas por populações que, por falta de poder político, econômico ou por suas etnias são escolhidas como as sacrificadas pelo processo de atividades econômicas e pelo desenvolvimento, num processo de racismo e injustiça ambiental (ACSELRAD, 2010).

A necropolítica e suas novas formas de apropriação da violência por dispositivos de poder que coexistem no Direito e nos processos de judicialização política marcados por exceções (AGAMBEN, 2004), sendo estas regidas por uma atuação de agentes em rede que formam o governo privado indireto. A questão aqui do Direito atuante nessa forma colonial de governo, agravada pela violência liberal das grandes corporações, é como os processos de judicialização se colocam para lidar com cidadãos justamente para negar-lhes a cidadania, de colocar as formas jurídicas ou quase jurídicas a serviço de um racismo ambiental e da eliminação da vida de pessoas tratadas como perigosos selvagens coloniais culpados pelo atraso desenvolvimentista de um país.

Sob esse prisma, os povos tradicionais seriam obstáculos a serem combatidos pelo explorador. Assim como nas colônias, também no Cajueiro e na TI Ka´apor, a regência do governo tenta impor condições, regras e normas que fazem com que não haja distinção entre inimigos e criminosos (MEMBE, 2012). Há um cenário de guerra no qual grupos instalam novos modelos de controle militarizado sobre a população civil, por meio de agentes e grupos auxiliares do seu império.

3 CONCLUSÃO

Estamos diante de situações de margens, interstícios, inovações de violência, repercussões e questionamentos desafiadores, que precisam ser compreendidos por futuros estudos, pois estamos diante de um estado e de um governo novo, forjados no bojo, também, de um capitalismo sem precedentes históricos, pela sustentação do sistema de compulsões econômicas, do sistema de propriedade e da operação dos mercados um movimento amplo de expropriação da terra, inclusive por governos locais.

O governo indireto era uma prática de administração colonial inglesa cujo formato é retomado por Mbembe (2011, 2012), a partir dos países africanos, e contribui para pensarmos situações coloniais. O autor revela a atuação em rede de agentes privados por práticas e mecanismos de poder quase estatais, quase jurídicos, mostrando o quanto são fluidos e entrelaçados, por um lado, violência e direito e, por outro lado, exceção e soberania (MACGREGOR, 2013). Mbembe (2011, 2012) ainda acrescenta que, esse governo privado indireto em ação, assim como as práticas judiciárias decorrentes dele exercem, contemporaneamente, uma necropolítica que se refere à “[...] destruição material dos corpos e populações humanos julgados como descartáveis e supérfluos.” (MBEMBE, 2012, p. 135).

No bojo do governo privado indireto, acompanhamos o nascimento de novos poderes coercitivos e normativos capitalizados e o esfacelamento do que compreendíamos por comunidade política.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p.103-119, 2010.

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Notas

1 Parte dos debates deste artigo e de suas confluências interpretativas também decorreu da Mesa apresentada durante a VIII Jornada Internacional de Políticas Públicas, denominada Projetos de desenvolvimento e comunidades tradicionais e indígenas no Maranhão: fronteiras territoriais, lutas sociais e equacionamento de conflitos, e que teve como debatedores as autoras Viviane Vazzi Pedro, Rosimeire Diniz, bem como a coordenadora Cindia Brustolin, Anacleta Pires da Silva e Igor Thiago Silva de Souza.
2 Tese intitulada Quem não pode com a formiga não assanha o cajueiro: necropoder, margens e interstícios da judicialização do conflito socioambiental na Comunidade do Cajueiro, em São Luís - MA (PEDRO, 2017a, 2017b);
3 A noção de comunidade é utilizada pelos próprios moradores tradicionais do povoado do Cajueiro, de forma auto-referenciada. Esta pode ser entendida como agrupamento de pessoas que habitam o mesmo lugar, que partilham, autonomamente, atividades similares e tomam decisões pertinentes à defesa do território. Todavia, a não ser que esteja empregado no sentido auto-referenciado dado pelos moradores tradicionais da área, segundo as minhas impressões durante a pesquisa, e pela análise do contexto de luta do Cajueiro, o sentido de Comunidade passou a ser cada vez mais amplo, e não se constitui como mera soma de lideranças, grupos, moradores e instituições que nela atuam, mas também é composta por sua rede de intermediários ou mediadores, refletindo relações de disputa – internas e externas – e certo nível de integração na luta. Inclusive, são muito fortes as redes de influência internas e externas ao território, ligadas às relações interpessoais, parentescos, vinculação de lideranças com movimentos sociais de atuação nacional e internacional, ligados à pesca e ao extrativismo, e as conexões e interrelações sociais, ambientais, culturais e políticas com as Vilas adjacentes, outras comunidades locais da zona rural de São Luís e com grupos acadêmicos, artísticos e outros, do município de São Luís.
4 O qual foi apresentado, na forma do artigo intitulado Mecanismos de desconsideração de direitos indígenas: conflito socioambiental no Território Indígena Alto Turiaçú – Maranhão (DINIZ, 2017).
5 Segundo Sant´Ana Júnior (2013), o PGC foi concebido como desdobramento do Projeto Ferro Carajás que visava, principalmente, fornecer infraestrutura para a exploração e transporte de jazidas de minério de ferro do sudeste do Pará, realizadas pela então estatal Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale, transnacional, hoje, privatizada). Entre os grandes projetos de infraestrutura instalados no local, destacam-se a Estrada de Ferro Carajás, que liga Carajás – PA a São Luís - MA; a instalação ou ampliação do sistema portuário; a utilização dos corredores de exportação de Carajás; as obras e instalações de hidrovias com capacidade para transporte de grandes massas e outros sistemas e equipamentos de transporte. Além disso, o Programa Grande Carajás previa o aproveitamento de fontes energéticas e do potencial hidrelétrico das bacias hidrográficas; a priorização da agricultura, pecuária, pesca e agroindústria, bem como outras atividades econômicas consideradas de importância para o desenvolvimento da região, como o beneficiamento e industrialização de madeira. (SANT´ANA JÚNIOR, 2013).
6 Em abril de 2016, descumprindo sentença judicial, a WPR, por intermédio de seus jagunços, voltou a demolir mais 3 casas, durante a noite, na Comunidade.
7 Em 14.10.2014 fora concedida, parcialmente, pelo Juiz Titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos, uma liminar em favor da proteção da posse dos moradores do Cajueiro, garantindo-lhes o livre exercício do direito de ir e vir, de trânsito e manutenção das atividades e modos de vida, incluindo realizar construções, pescar, plantar, ter livre acesso à praia etc., nos autos da ação cautelar nº 46221-97.2014.8.10.0001. Requerente: DPE. Requeridos: WPR e Estado do Maranhão. A medida fora confirmada pela sentença da ação principal, Ação Civil Pública n.º 46221-97.2014.8.10.0001, distribuída à Vara de Interesses Difusos de São Luís.
8 Nulo porque tentava, clandestinamente, obstar ou impedir os efeitos de um ato ou decisão judicial anterior sem se valer dos meios recursais previstos em lei, mas sim, por manobra que intenta obter decisão divergente por parte de outro juiz. Isto viola o princípio jurídico, que garante a estabilidade jurídica de direitos e a segurança jurídica das relações firmadas sob a égide da decisão anterior, o que é considerado ilegal e ilegítimo.
9 A produção de normas é uma característica do próprio poder disciplinar, que tem por escopo a domesticação e submissão dos corpos, de modo a torná-los dóceis e governáveis. Nesse sentido, a norma para Foucault remete ao normal. Significa o estabelecimento de um paradigma de conduta que norteará o exame daqueles que se enquadram na norma, os normais, e aqueles que se desviam da norma, os anormais. É por isso que uma das principais características do poder disciplinar são os processos de normalização social
10 Depoimento retirado da gravação e transcrição de áudio da fala de um morador do Cajueiro não identificado por mim, durante a reunião realizada na União de Moradores, após a demolição das 21 casas na Comunidade pela WPR, em 22.12.2014, grifos meus.
11 Depoimento retirado da fala de Dona Lúcia, nome fictício, moradora do Cajueiro – gravação e transcrição parcial de áudio da reunião realizada na DPE, em 19.04.2017.
12 Depoimento retirado da transcrição de áudio do diálogo entre alguns participantes da reunião realizada no ITERMA, em 13.10.2015. Uso de nomes fictícios para os moradores do Cajueiro. Grifos meus.
13 Depoimento retirado da fala do Sr. César, anotações em caderno de campo da reunião que aconteceu na União de Moradores do Cajueiro, em 18.8.2015.
14 A Terra Indígena (T.I.) Alto Turiaçú foi demarcada em 1978 e homologada, em 1982, com 530.525 mil hectares, sendo de uso exclusivo do Povo Ka’apor e do povo Awa. Está localizada nos municípios de Zé Doca, Nova Olinda, Santa Luzia do Paruá, Centro Novo, Newton Belo. Essa Terra, somada à Reserva Biológica do Gurupi e às Terras Indígenas Awa e Caru,forma uma grande área de preservação ambiental na região da Amazônia Maranhense, habitada por povos indígenas e outras comunidades tradicionais.
15 Depoimento retirada da fala de uma liderança do Conselho de Gestão Ka’apor.
16 Hubinet Ka’apor foi assassinado no dia 16/05/2010 a caminho da cidade de Centro do Guilherme, onde se localizava o foco mais forte de invasão. Ele foi espancado até a morte. (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, 2010).
17 Pakuriró Ka’apor foi encontrada morta no município de Paragominas, Pará. No seu corpo foram encontrados sinais de estupro e várias perfurações de faca, seu órgão genital foi retirado e seus olhos arrancados. (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, 2014).
18 Depoimento retirado da entrevista realizada no dia 16/01/2017.
19 As colônias são locais de fronteira criadas pelos soberanos, reforçadas por mecanismos de zoneamento – oficiais ou não – que distinguem e classificam pessoas e grupos sociais, realizando-se não apenas o controle físico e geográfico, mas de subjetividades, modos de vida alterados, restrições ao uso da terra e proibição de propriedades, produção de imaginários culturais, alterações sociais e espaciais (MBEMBE, 2011).


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