Resumo: Este artigo traz uma reflexão sobre situações de impedimento, restrição de acesso aos babaçuais e de resistência de quebradeiras de coco babaçu que têm assegurado a sua existência frente às ações desestabilizadoras ocasionadas por investimentos econômicos privados e de infraestrutura na “região ecológica do babaçu”. O trabalho de construção de uma nova cartografia social, realizado entre 2012 e 2015, identifica quebradeiras de coco que enfrentam os efeitos de desmatamento e de degradação, a convivência de babaçuais mais densos com outros mais rarefeitos, em face da tentativa de sua eliminação por agentes vin- culados à pecuária e à agroindústria e a relação das mulheres com o Estado por meio de políticas compensatórias. A cartografia realizada privilegia a representação das mulheres acerca das mencionadas situações.
Palavras-chave:EstratégiasEstratégias, quebradeiras de coco babaçu quebradeiras de coco babaçu, resistência resistência.
Abstract: The article brings up a reflexion about the situation of impediment, restriction of access to babassu forest and resistance of Coconut breakers that have ensured their existence in the face of destabilizing actions caused by private economic investments and infrastructure in the “ecological region of babassu”. Indeed, the process to create a New Social Cartography, fulfilled between 2012 to 2015 identifies Coconut breakers that face the effects of deforestation and degradation, the coexistence of dense babassu forest with other more rarefied, in regard to the attempt to eliminate them by agents linked to livestock and agribusiness, and the relationship between women and the state through compensatory policies. Insofar, the New Social Cartography process privileges the representation of women about the aforementioned situations
Keywords: Strategies, babassu coconut breakers, resistance.
Mesas temáticas coordenadas
MEGAEMPREENDIMENTOS, AGROESTRATÉGIAS E POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS: a resistência das quebradeiras de coco babaçu
Recepção: 02 Março 2018
Aprovação: 09 Maio 2018
Este trabalho, realizado no âmbito da pesquisa Cartografia Social dos Babaçuais: mapeamento social da região ecológica do babaçu (2015-2018), apresenta uma reflexão sobre estratégias de resistência constituídas por mulheres quebradeiras de coco babaçu que têm assegurado a sua existência - em situações de impedimento e restrição de acesso e uso dos babaçuais - frente a diferentes agentes sociais, da iniciativa privada e do poder público, que, nas últimas quatro décadas, investem na agroindústria e em projetos de infraestrutura, na chamada região agroecológica dos babaçuais1.
Identifica-se, em trabalhos de pesquisa que se realiza com quebradeiras de coco nos estados do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins, a existência de um conjunto diversificado de formas organizativas atinentes a práticas econômicas e participação política inscritas em formas de resistências às ameaças à sua reprodução. As mulheres quebradeiras de coco articulam-se para constituir suas organizações e, ainda, para o acesso a programas governamentais, tais como Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa de Garantia do Preço Mínimo (PGPM).
O desenvolvimento deste estudo aponta para a complexidade das ações que envolvem a pecuária, a indústria, o agronegócio, que implicam um conglomerado de negócios, com ramificações diferenciadas resultando e ampliando as situações de conflitos socioambientais em que as famílias das mulheres quebradeiras de coco estão envolvidas. (ARAUJO; NOVAES; MARIN, 2015).
O mapeamento social desses conflitos vem sendo realizado e difundido, por pesquisadores, agentes sociais e movimentos sociais desde o início dos anos 1990, quando essas mulheres, a partir de eventos e ações coletivas se articularam do ponto de vista político organizativo no Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)2. Esse movimento surgiu a partir de uma rede de organizações, entre elas: associações, clubes de mães, comissões, grupos de mulheres e cooperativas. Desde seu I Encontro, realizado em setembro de 1991, essas agentes sociais incluem em suas reivindicações a preservação dos babaçuais, garantia da terra para as quebradeiras, políticas governamentais voltadas para o agroextrativismo, livre acesso aos babaçuais e equidade de gênero.
Essa articulação envolve agentes sociais, entidades confessionais, organizações não governamentais, órgãos de cooperação nacionais e internacionais e pesquisadores, o que tem proporcionado a produção de trabalhos de diversos gêneros, nas últimas duas décadas, dando visibilidade às causas e às lutas das quebradeiras de coco. Uma das estratégias de organização política em face da interlocução com o Estado foi a sua institucionalização, nos anos 2000, na Associação Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (AMIQCB) e na Cooperativa Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (CMIQCB). A partir dessa experiência de organização política, outras emergiram formalizadas ou não, entre elas: associações de mulheres, grupos de mulheres, cooperativas, unidades produtivas3.
Outra via de ações coletivas está inscrita em mobilizações de protesto e denúncia, por meio de bloqueios de estradas; participação em grandes eventos e manifestações públicas, como a Marcha das Margaridas e o Grito da Terra; audiências com órgãos dos governos estadual e federal, onde elas apresentam suas pautas reivindicatórias, formalizam suas denúncias de queimadas e derrubadas ou outro tipo de violência praticada na região dos babaçuais, e cobram do poder público, intervenção nas áreas de conflito e políticas públicas voltadas para esse grupo. Tais formas de resistência que se expressam no que Scott (2004) chamaria de micropolítica articulam dimensões econômica, política, cultural e ambiental.
É assim que, como fruto dessa conjugação, as quebradeiras inventam e apresentam formas diferenciadas de política e, muitas vezes, vestidas de Encantadeiras apresentam-se em eventos, divulgam seus cantos de trabalho, denunciam sua realidade, comunicam sua cultura, comercializam seus produtos, propõem políticas públicas, difundem, reivindicam e defendem a Lei Babaçu Livre4.
O presente artigo estrutura-se em dois itens, além da introdução e das considerações finais. No primeiro item aborda as situações de conflito em que grupos de quebradeiras de coco, em diferentes regiões, se encontram envolvidas, tendo como interlocutores megaempreendimentos agroindustriais e projetos de infraestrutura financiados pelo Estado brasileiro. No segundo item, traz uma reflexão acerca das experiências desses grupos na interlocução com o Estado, por meio do acesso a programas governamentais, o que implica novos desafios em seus processos organizativos para o enfrentamento com a burocracia governamental.
A cartografia realizada no estado do Maranhão – regiões Oeste e dos Cocais identifica diferentes situações em que as quebradeiras de coco e famílias que vivem do extrativismo do babaçu se veem confrontadas com a expansão de conglomerados de negócios, com ênfase para o comércio e com investimentos no agronegócio, na pecuária, na mineração, na infraestrutura como duplicação de estradas e ferrovias, produção de carvão para siderúrgicas, plantio de monoculturas de eucalipto para a produção de celulose e de cana de açúcar.
A expansão dessas ações corporativas é resultante de questões fundiárias estruturais analisadas por ampla literatura, entre elas: Luna (1984), Asselin (2009), Velho (2013), Sá Silva (2012), Araujo (2001; 2012), Almeida (1994; 1998, Almeida e outros (2001) e Mesquita (2011), cujas reflexões evidenciam a dinâmica do capital na Amazônia e os efeitos da disputa por recursos naturais necessários à existência dos povos e comunidades tradicionais e de grupos camponeses que habitam a região.
Os conflitos atuais decorrem de cercamentos, envenenamento e queimada dos babaçuais, derrubadas de palmeiras, deslocamentos de famílias que viviam por muitas décadas nas terras e que passam a ser expulsas. Um dos direitos ameaçados amplamente, denunciados pelas mulheres em seus espaços públicos, diz respeito à saúde, tendo em vista que as técnicas agrícolas de monoculturas, como as de eucalipto, soja e cana de açúcar, implicam aplicação de agrotóxicos por avião, afetando toda a flora, a fauna, bem como rios e córregos.
O processo de degradação resultante dessas práticas tem apresentado efeitos sobre modos de vida seculares. Sobre o termo degradação, Almeida (2008) relativiza a ideia de natureza ou de quadro físico implícito no termo e alerta para a necessidade de pensá-lo enquanto construção social, observando-se o campo de disputa que o envolve, bem como os sujeitos da ação ambiental. O que se verifica na região agroecológica dos babaçuais é um conjunto de ações e dos agentes sociais que provocam a devastação, bem como daqueles que, apesar das condições adversas, preservam o ambiente, atraindo para si novos campos de disputa pelos recursos ainda disponíveis.
Na denominada região dos cocais, há uma diversidade no formato das organizações que disputam não somente o acesso aos babaçuais, como também o acesso aos programas governamentais voltados para extrativistas e agricultores familiares. As diferentes formas organizativas econômicas e políticas são imbricadas e estão associadas às redes de relações estabelecidas pelas quebradeiras.
Essa rede de relações está referida à rede interna às próprias quebradeiras através da venda da amêndoa diretamente às associações ou cooperativas; às externas através da venda no comércio local aos compradores individuais. Nesses dois campos, se coloca o acesso aos babaçuais, que se faz tanto nas terras onde vivem, ou de forma permitida nas terras sob controle de fazendeiros, industriais ou detentores de terras como reserva de valor, nas quais não há desenvolvimento de pecuária, ou projetos industriais. Destaca-se, ainda, a comercialização junto a órgãos governamentais ao se credenciarem em programas de aquisição de alimento do governo federal, engendrados pelas prefeituras municipais.
Na disputa pelo acesso ao recurso natural as mulheres enfrentam situações de venda de coco inteiro, cujo preço, na região dos cocais chega a R$ 2,00 por 10 kg de coco inteiro5. As empresas que compram - FC Oliveira, Fábrica Nassau e o Grupo Maratá – responsáveis pelo desmatamento e derrubada das palmeiras, pegam o coco para torrar para fazer o carvão e usar nos fornos, o que tem gerado temor nas mulheres de que o coco seja extinto, na medida em que o desmatamento avança, também, para o plantio de capim, eucalipto e cana-de-açúcar.
No oeste do Maranhão, os investimentos implicam a devastação de grandes áreas, a contaminação das bacias dos principais rios do estado, com o uso de agrotóxicos (pesticidas e inseticidas) e de adubos químicos e a consequente desertificação dos solos, causando o que Almeida (2005, p. 27) chama de processo predatório, caracterizado por relações sociais e conflitos, que compõem o processo de devastação (idem), particularmente na região dos babaçuais.
O eixo que compreende os municípios de Monção, Santa Inês, Pindaré, Bom Jardim, Açailândia, Cidelândia e Imperatriz configura-se como uma extensa área impactada, desertificada, pelos grandes empreendimentos que formam o conglomerado de negócios do Projeto Grande Carajás6. O conglomerado de negócios compreende projetos agrícolas, agroindustriais e de infraestrutura (transporte e energia elétrica), para o processamento de minérios, agropecuária, exploração madeireira e monoculturas de cana de açúcar, de soja e de eucalipto para a produção de celulose. Tais investimentos pressionam os recursos naturais preservados por povos e comunidades tradicionais que habitam a região, entre eles: quilombolas, pescadores, quebradeiras de coco babaçu, trabalhadores rurais, agricultores e povos indígenas.
Na microrregião de Imperatriz, grupos que se autodenominam assentados, quebradeiras de coco babaçu, agricultores familiares, trabalhadores rurais e moradores de comunidades da conhecida Estrada do Arroz se confrontam com a implantação do empreendimento da Suzano S.A, cujas estratégias têm resultado em imobilização da força de trabalho, atualmente sujeita a deslocamentos compulsórios e acordos, com a empresa, que limitam o acesso aos recursos naturais ainda disponíveis.
Cabe ressaltar que a Estrada do Arroz é assim denominada, em função de um fenômeno apresentado na década de 1960, quando o município de Imperatriz consolida-se como polo econômico regional, sobretudo, na produção do arroz. A denominada estrada do arroz, ocupada por nordestinos desde os anos 1950, facilitava o escoamento da produção de Imperatriz para outras regiões. (FRANKLIN, 2008).
Um investimento de R$ 6 bilhões, com capacidade de produção de 1,5 milhão de toneladas de celulose por ano para exportação, a fábrica tem por meta alcançar uma área de 167 mil hectares no estado do Maranhão, para o plantio de eucalipto. Toda a produção é escoada via ferrovias Norte-Sul e Carajás para o Porto de Itaqui, em São Luís, capital do Maranhão, de onde segue para os Estados Unidos e Europa. Instalada em uma vicinal a 2 km da Estrada do Arroz, a fábrica vem causando impactos diretos e indiretos nos modos de vida das famílias que residem nos povoados situados ao longo da rodovia MA 125, quais sejam: Esperantina 1, Esperantina 2, Nova Bacaba, São José da Matança, São Francisco do Açaizal, Altamira, Olho D’agua dos Martins, Coquelândia, São Félix e Petrolina, além dos acampamentos Viva Deus e Eldorado. Os mais afetados são as famílias que não têm terra e que moram às margens da Rodovia, entre as cercas de arame que demarcam as propriedades das empresas/ fazendas e a estrada. Para a instalação da fábrica de celulose, o governo brasileiro garantiu a infraestrutura, financiando a construção da estrada ligando a BR 010 à fábrica de celulose e ampliando a linha de ferro também interligando a fábrica7.
Tal estratégia empresarial se realiza pela empresa com vistas à instalação do seu parque industrial, desde a compra de terras ao redor das comunidades, interferência nas relações de trabalho que as famílias mantinham com os antigos proprietários das fazendas; contratação pela empresa de profissionais liberais formados na militância junto aos movimentos sociais para realizar estudos sociais e para mediar a sua relação com as comunidades, ignorando as formas organizativas existentes e suas formas tradicionais de mediação. Para Acserald (2014), essas práticas empresariais visam criar facilidades na mediação da relação empresa/comunidade; além de dissimular um tipo de negociação com as comunidades deslocadas compulsoriamente, sem oferecer condições de opção para os moradores.
Acselrad (2014) considera tratar-se de confluências autoritárias entre estratégias empresariais e militares de controle de território. Avalia ainda que tais procedimentos trazem em si ou se inspiram em uma inteligência corporativa para fins de obtenção de informações sobre comunidades, movimentos sociais e lideranças locais.
A dinâmica econômica resulta em questões ambientais associadas aos projetos agroindustriais e suas ramificações de comércio - polo siderúrgico, mineração, plantações homogêneas com fins industriais (soja e eucalipto) - e outros ligados mais às questões urbanas, a exemplo dos lixões (ALMEIDA, A. W. B. de.; FARIAS JÚNIOR, 2014). As áreas de incidência de babaçuais evidenciadas têm sido apreendidas como áreas desmatadas e degradadas, resultado de uma economia política do babaçu que se desenvolve na região sob um conflito permanente entre empresas e comunidades tradicionais que fazem do uso dos babaçuais o seu meio de vida.
Todos esses investimentos implicam devastação de grandes áreas, na derrubada de babaçuais, nos desmatamentos das florestas ombrófilas e na contaminação das bacias dos principais rios do estado, com o uso de agrotóxicos (pesticidas e inseticidas) e de adubos químicos, e a consequente desertificação dos solos, causando o que Almeida, Martins e Shiraishi Neto (2005, p. 27) chama de processo predatório. A cartografia social do processo de devastação da região ecológica dos babaçuais, realizada em 2005, mapeou as tensões e os conflitos sociais, configurados no processo de destruição desse ecossistema, mostrando os diferentes agentes sociais envolvidos, bem como as especificidades das formas organizativas emergentes. O processo predatório caracteriza-se, assim, por relações sociais e conflitos, que compõem o processo de devastação ambiental.
A devastação se materializa por meio das derrubadas das palmeiras adultas com o uso de tratores, envenenamento das pindovas, aplicação de agrotóxicos com o uso de aviões e queimadas. Como consequência dessas práticas as áreas de coletas estão cada vez mais distantes dos locais de moradia. As mulheres se sentem inseguras no exercício da atividade, porque a distância as colocam em situação de vulnerabilidade, sujeitas a diferentes tipos de violência. Quando têm acesso ao coco e conseguem beneficiá-lo, enfrentam dificuldades em manter uma rede de comercialização dos subprodutos extraídos do babaçu, como: azeite, óleo, farinha do mesocarpo, sabonete e artesanato.
Nessa dinâmica, os investimentos econômicos vêm pressionando, de forma sistemática e acelerada, grupos que fazem uso comum dos recursos naturais e vivem da agricultura, extrativismo e da pesca, com base na produção familiar. Eles disputam os recursos naturais ainda preservados por grupos camponeses, povos e comunidades tradicionais que secularmente habitam a região, entre eles: quilombolas, pescadores, quebradeiras de coco babaçu, povos indígenas.
Essa perspectiva de desenvolvimento, relacionada a esse conglomerado de grandes negócios, alterou de maneira significativa a vida desses povos, inclusive suas formas de se relacionar com a natureza, seus ritos, suas atividades produtivas, festas e muito fortemente suas terapias holísticas e práticas medicinais tradicionais, como a confecção de chás de ervas e outros preparados terapêuticos.
As estratégias de resistência das quebradeiras de coco babaçu se expressam em formas organizativas mais localizadas, e, em outras, com atuação mais ampla, com representação que se estendem para além do local de moradia ou de trabalho, como as comunidades, povoados, estradas ou bairros.
A mobilização política combina, assim, diferentes esferas. A atuação política diversificada das quebradeiras multiplica-se em diferentes associações. Algumas são voltadas para a produção econômica, tendo o coco babaçu como fio condutor de suas atividades e relações políticas; outras buscam estabelecer relações de produção e relações comerciais tendo o poder público como principal articulador.
As quebradeiras de coco entram, também, em outro campo de disputa para ter acesso às políticas públicas relativas ao extrativismo do babaçu e concorrem, entre si, o acesso aos programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)8. Na relação que se estabelece com o Estado para se inserirem como beneficiárias dos programas governamentais, as quebradeiras alteram o modo de atuar politicamente. Ampliam-se as formas organizativas formais perante a burocracia governamental, modificando o poder mobilizatório e de pressão dessas organizações.
Na percepção de algumas lideranças esse novo campo de disputa em que elas estão inseridas produz um fortalecimento político das mulheres que adquirem mais informações e aprendem a se posicionar diante das estratégias do poder político local:
[...] a gente aprendeu saber o que era o PAA aprendeu que nós tinha o valor de 3.500 por ano. Então nós começamos a deslanchar e no Piauí nós elaboremos um projeto entendeu, e o segundo projeto, de 50 famílias e um projeto de 140 mil reais. Então a gente fez esse Projeto com a CONAB, a CONAB foi muito parceira com a gente e conseguiu no ano de 2013 realizar esse Projeto. Terminou esse projeto e concluiu, foi muito bom enquanto durou, tudo muito bem, porque hoje nós sabemos dizer quanto é que nós quer aceitar por ano. Ai a gente já sabe elaborar o projeto, junto com o assessor, então foi muito bom. Só que em 2014 quando a gente foi elaborar outro projeto muito maior do que o que a gente tinha feito em 2013 teve algumas grandes dificuldades (Informação verbal, grifos nossos)9.
Na percepção dessa liderança, a participação no programa dá mais autonomia às mulheres, com possibilidade de ampliação de suas lutas. Entretanto, as mudanças constantes no programa são um obstáculo a mais, pois quando as mesmas começam a ter maior domínio da informação, como a forma de operar o programa, as regras sofrem alteração, exigindo maior investimento na capacitação:
[...] o governo, eles mudam muito as coisas, então a gente não consegue ainda em 2014 acessar o PAA como a gente conseguiu em 2013, a gente tá com essa grande dificuldade ainda por conta da mudança que houve na CONAB, nos governos por conta de alguém que sempre a ela que nós não tem esse direito de fornecer pra merenda escolar, fornecer pra entidades, entendeu? Os governos municipais ao verem a gente fazer isso ficam tudo assustado porque nós somos pessoas esclarecidas, a gente sabe ir lá, sabe como chegar lá em Brasília, lá na Assembleia lá na Prefeitura, lá na câmara. Então é muito difícil os políticos comprar o voto de umas pessoas um grupo que sabe lá onde buscar. Então qual é a estratégia política é eles retirar, são eles que votam nas leis. Então existiram essas mudanças que agem, sabe, de repente e a gente entra em choque e não pode continuar com os programas e precisa criar lei municipal pra poder acertar, então, pois essas dificilmente que a gente encontrou agora pra 2014, pra em 2009, pra 2013, acessar o PAA. Então nós temos essa nossa dificuldade. Esse é um desafio é uma barreira que temos que quebrar e um nó que temos de desatar ai nos governos na CONAB, aonde quer que eles estejam. É mais um nó que temos de desatar e mais outros que vem aí pela frente mas a gente sabe que sozinha não faz nada nós temos que nos unir, temos que nos organizar pra isso poder acontecer. (Informação verbal, grifos nossos)10.
Nota-se, a seguir, que as quebradeiras consideram que o programa exige uma ação política, para além das negociações de compra e venda do produto. Implica estratégias de resistência, de modo a interferir na definição do cardápio escolar e na aceitação dos hábitos alimentares dos grupos dentro das escolas:
Cinco anos atrás eu não sabia disso, agora eu to aqui dizendo isso pra vocês. Então eles são obrigados a comprar então eu chego lá e digo pro prefeito eu sei que você é obrigado a comprar eu digo lá pra secretaria você vai ter que comprar o meu produto porque você é obrigado e eu to com ele aqui. O agricultor não atinge trinta por cento porque a pessoa não tem o produto, não tem o produto e a gente vai lá na reunião e diz na frente de todo mundo e grita, e diz que tem o produto e que eles não compram porque eles não querem. Então eles ficam com medo por eles sabem que a gente vai dizer isso no meio de todo mundo e eles sabe que vão ficar decepcionado.. O prefeito, quando ele era candidato, ele fez foi dizer, que se ele ganhasse, ele não ia comprar massa de coco pra merenda escolar, porque os filhos dos trabalhadores não era porco. Foi o que ele disse, não foi isso companheiros. E isso é um desafio, é uma dificuldade que as quebradeiras estão enfrentando, e eu acredito que não seja só no Piauí, que nos outros estados também existe alguém com esse pensamento. Então companheiros (as) a gente tem muita coisa pra fazer, ainda tem muita luta, a gente ainda tem muito que aprender e tem que criar coragem e tem que se unir pra gente tentar resolver esses problemas que muitos companheiros ainda enfrentam nos seus estados, e muitas vezes as dificuldades é essa, e não pode nem se reunir ainda. (Informação verbal, grifos nossos)11.
Nos últimos anos, as mulheres têm acionado, ainda, o PGPM, implementado por meio do Decreto de Lei nº 79, de 19 de dezembro de 1966, que institui normas para a fixação do preço mínimo e aquisição de produtos agropecuários. Uma de suas lutas tem sido a inserção dos produtos do babaçu na subvenção e, a partir dessa pressão, foi criada a Lei nº 11.775, de 17 de setembro de 2008, permitindo a modalidade de subvenção direta para o extrativista e o recebimento de bônus, caso efetue a venda do seu produto:
[...] a venda por preço inferior ao preço mínimo fixado pelo governo federal. Companheiras ai sabem que nós vivemos do preço da nossa venda, do nosso babaçu era centavos. Tem até companheiras ai que tenho certeza que começaram suas vendas de babaçu a 0,17, 020, centavos, de 0,60, e isso aí foi uma luta sofrida, que é ainda. E hoje ainda, ainda hoje brigamos pela valorização da nossa amêndoa. (Informação verbal)12
Atente-se à revelação de domínio de um discurso que situa as quebradeiras de coco no campo de um conhecimento, que também lhes pauta uma mobilização por direito a preços que consideram minimamente justos e o fato de viverem sob o risco da perda desse recurso extrativo ameaçado. A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) elabora e opera os preços mínimos, a cotação orçamentária por execução da subvenção conta com recurso da política de garantia de preço mínimo, o PGPM. O acesso das quebradeiras a esse programa teve início em 2012, na regional da Baixada Maranhense, com a participação inicial de oito mulheres, conforme relata ainda D. Rosário:
Primeiro iniciou com 8 mulheres e uma comunidade, onde essa comunidade á vinha trabalhando com uma forma de organização, já trabalhava anotações, na produção do azeite e essa comunidade já tinha um controle da sua coleta de amêndoas. Foi bom para elas, porque uma pagou alimentação do filho dela, comprou areia pra arrumar a casa dela. Elas acordaram mais, porque mulheres como a gente chegou a dizer: “nós agora vamos preservar mais as palmeiras”, se vamos preservar as palmeiras deixar derrubar, de onde vamos ter amêndoas para subvenção? E outras mulheres que deram depoimento, que os filhos tinham pedido celular digital e elas conseguiram comprar com o dinheiro que receberam da subvenção (Informação verbal, grifos nossos)13.
O acesso a esses programas funciona como uma espécie de poupança que possibilita às famílias o acesso a serviços, cujo acesso nem sempre é garantido com o recurso das atividades econômicas consideradas principais.
Note-se, na fala acima, que a dimensão econômica se articula com a ambiental, o que denota o caráter dessas organizações e as especificidades dessas estratégias de organização política. Se tomarmos o que nos traz Bourdieu (1987), pode-se afirmar que essas estratégias não podem ser consideradas apenas como inscritas em um cálculo racional enquanto estratégias de reprodução. Trata-se de diferentes práticas das quebradeiras de coco, e que se constituem sem que tenham sido concebidas para um determinado fim. Nesse sentido, tais práticas são forjadas mediante um capital do qual já dispõem, ou o capital possuído.
Apresentamos, neste trabalho, elementos de análise acerca de estratégias de resistência construídas por quebradeiras de coco babaçu e identificadas em processo de mapeamento social realizada na denominada região ecológica dos babaçuais especialmente, no Estado do Maranhão, entendida como uma dinâmica qualificada como guerra. Depreende-se por outro lado, que há certa invisibilidade, ou que as situações dos conflitos em torno dos babaçuais ainda não se fazem perceber pelo Estado, ou enquanto situações específicas em que os babaçuais são contraditoriamente, destruídos, e ao mesmo tempo, florescem a despeito das ações de degradação a que são submetidos.
A realidade empiricamente observada de florestas de babaçu traz, simultaneamente, elementos de realidade que combinam a organização política e um cotidiano em que a quebra de coco babaçu se faz como prática e como bandeira de luta, que se estende para diversos domínios da vida de mulheres organizadas politicamente ou aquelas que, embora assumam um nível de organização no seu cotidiano, não se encontram mobilizadas pela identidade coletiva de quebradeira de coco.
A ação depredatória sobre os babaçuais traz efeitos a todas as mulheres que vivem da quebra de coco babaçu e ameaçam a sua reprodução em unidades familiares que vivem da agricultura, da pesca, da caça e do extrativismo. Contudo, chamam atenção as estratégias engendradas diante das distintas situações que convergem para um sentido de preservação realçado nesta pesquisa, distinto dos padrões usuais de reconhecimento de áreas preservadas, tanto em termos da extensão territorial dos babaçuais que se amplia, enquanto uso desses territórios disputados, como aponta também para uma dimensão político-institucional que não se faz notar em termos desta mesma preservação levada a cabo pelas mulheres quebradeiras de coco.
É nesse sentido que a noção de floresta de babaçu se traduz em dado empírico politica e teoricamente compreendida como condição essencial de reprodução e de reconhecimento de legitimidade de pautas próprias dos movimentos, em contraposição a alternativas em que a existência de quebradeiras de coco prescinde das palmeiras e dos babaçuais. Observa-se ainda uma consciência que antecede a qualquer burocratização de atos em prol da preservação.
As pautas dos movimentos de mulheres quebradeiras de coco são construídas consoante a premência de soluções, e se renovam e se reiteram em seus encontros interestaduais, em reuniões, em confrontação às situações violência e ameaças. Adotam meios diferenciados de veiculação e destinação de suas pautas, como elaboração de cartas aos órgãos governamentais, e reivindicam, dentre outras coisas: desenvolvimento de tecnologias adequadas para a utilização integral do coco babaçu; o acesso das quebradeiras a programas governamentais que lidam com a saúde da mulher; efetiva implantação das reservas extrativistas; garantia do livre acesso aos babaçuais, punição para aqueles que cometem crimes ambientais, devastação dos babaçuais, castanhais e seringais; desapropriação imediata das áreas de conflito que envolvem a quebradeira de coco, formulação e implementação da Lei do Babaçu Livre, anúncio e realização de Campanha pelo Babaçu Livre, dentre outras.
Observa-se uma pauta constituída de conteúdos que traduzem uma reinvenção de suas formas de resistências e, em situações específicas, um deslocamento de suas lutas, atualmente, configuradas dentro e fora do Estado, um importante agente gerador de conflitos. Articulam diferentes dimensões desses conflitos, que conclamam à reflexão, de como as mulheres nos seus processos políticos combinam diferentes dimensões, como a econômica, a social, a cultural e a política e o desafio de que não sejam ungidas a um deslocamento das suas pautas como garantia de sua reprodução.