Resumo: O presente trabalho trata, em linhas gerais, dos processos de reformas educacionais inicicados na década de 1990, enfatizando o lugar ocupado pelos organismos multilaterais, Unesco e Banco Mundial, na organização da Conferência Mundial de Educação Para Todos de 1990. Os efeitos e a aplicação das diretrizes tiradas na Conferência de Jomtien influenciariam a formulação e revisão de toda legislação educacional brasileira, tendo incidência inclusive, e, principalmente, nos processos de formação docente e nos programas, inclusive no PARFOR.
Palavras-chave:PARFORPARFOR, reformas educacionais reformas educacionais, financiamento educacional financiamento educacional, programas de formação docente programas de formação docente.
Abstract: This paper deals, in general, with the educational reform processes initiated in the 1990s, emphasizing the place occupied by the multilateral organizations, Unesco and the World Bank, in the organization of the World Conference on Education for All of 1990. The effects and application Of the guidelines drawn at the Jomtien Conference would influence the formulation and revision of all Brazilian educational legislation, including, especially, in teacher training processes and in programs including PARFOR.
Keywords: PARFOR, Educational reforms, educational funding, teacher training programs.
Mesas temáticas coordenadas
ANÁLISE DO PARFOR NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFRRJ À LUZ DAS REFORMAS EDUCACIONAIS1
Recepção: 08 Março 2018
Aprovação: 09 Maio 2018
O objetivo deste texto é apresentar brevemente o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), tentando demonstrar que desde os anos de 1990, quando foi formulada a maioria dos documentos oficiais que normatizam e regulam a educação no Brasil, a ideia de uma plataforma nacional de formação continuada voltada para os e as docentes da educação básica não havia sido levada a cabo até a criação do programa em 2009.
Além disso, nos dedicaremos a pensar esse programa em um horizonte maior, marcado pelas reformas que incidem sobre a educação a partir da década de 1990, considerando principalmente a relação entre Estado e sociedade civil no processo de formulação tanto dos documentos oficiais quanto das políticas públicas voltadas para a área de educação.
A curiosidade acerca do tema surge, precisamente, durante minha experiência: primeiro como professor, e, depois, como coordenador do curso de Pedagogia SISU/PARFOR da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A experiência inicia em 2011, e permaneço até o momento. O problema que motiva essa reflexão emerge de uma problemática que surge ainda na entrada das primeiras turmas. Na ocasião existia uma distorção geral sobre o processo de entrada dos docentes/ estudantes que ingressavam no curso; tal distorção provocou a capilarização de um discurso tanto entre os estudantes do programa quanto entre os estudantes ingressantes pelo sistema SISU de que o processo de entrada dos estudantes do PARFOR na universidade se dava de modo facilitado. Usando uma expressão bem popular, era como se os mesmos entrassem na UFRRJ pela porta dos fundos, por um processo facilitado, sem legitimidade social, por se tratar supostamente de uma plataforma assistencialista do governo federal.
O desconforto gerado por esse discurso distorcido provocava uma série de conflitos entre os chamados legítimos – estudantes ingressantes pelo sistema SISU – e os ilegítimos – estudantes ingressantes pela plataforma Paulo Freire no PARFOR. Esse discurso equivocado se capilarizava e sedimentava nas falas de estudantes e professores que compreendiam o programa como um programa assistencial simplesmente, sem levar em conta as responsabilidades do poder público em garantir formação continuada aos professores da educação básica, direito esse expresso na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), como meta a ser cumprida na década da educação (1997-2007).
Além disso, não observavam o preenchimento das vagas como uma contrapartida a um vasto grupo de professores e professoras que se dedicavam há anos ou décadas à educação fundamental na periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro. Daí surgem nossas questões: primeiro, do final dos anos de 1990, quando se estabeleceram as metas para a década da educação no Brasil, até agora, que tipo de política nacional de formação continuada foi formulada no Brasil a fim de dar conta das metas de formação assumidas na década da educação? A criação dos FUNDEF e do FUNDEB financiaram grandes projetos de formação de caráter nacional, ou seus recursos foram utilizados para outros fins? Qual o lugar do PARFOR na formação continuada de professores da educação básica? Como o programa se apresenta na UFRRJ?
De fato, a década de 1990 demarca um espaço de tempo importante para pensar as políticas sociais de corte educacional no Brasil. No entanto, essa não é uma particularidade nossa, já que esse mesmo espaço de tempo também define que rumos assumirão as políticas sociais de corte educacional em uma série de outros países, a maioria deles concentrados na periferia do sistema.
[…] reuniu cerca de 1500 participantes, entre eles os delegados de 150 países incluindo especialistas em educação e autoridades nacionais. Além de contar com representantes de organismos intergovernamentais e não-governamentais que examinaram em 48 mesas-redondas e em sessão plenária aspectos sobre a educação. Os textos dos documentos foram revisados e aprovados na sessão plenária de encerramento da Conferência em 9 de março de 1990. (DIAS; LARA, 2008, p. 2).
Esse contexto complexo se dá exatamente por conta da realização na Tailândia, no período entre 5 e 9 de março de 1990, da Conferência Mundial de Educação Para Todos, organizada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI).
A Declaração de Jomtien está em consonância com as diretrizes e objetivos traçados pelos organismos internacionais como o Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Organismos Multilateral de Garantia de Investimento (MIGA) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). (DIAS; LARA, 2008, p. 4).
No evento foi debatido especificamente a ideia de que era preciso que os países confederados firmassem um compromisso no sentido de garantir que seus sistemas educacionais atingissem níveis mínimos de qualidade. Segundo o próprio documento, a garantia de níveis mínimos de qualidade se refere à ideia de que “[...] cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 1990, art. 1º). O termo básica, nesse processo, resume tudo ao domínio da leitura e da escrita em idioma nativo reconhecido pela comunidade internacional, das quatro operações fundamentais da matemática (adição, subtração, multiplicação e divisão) e a construção de valores relativos ao convívio social, como a tolerância aos sistemas sociais e solidariedade internacional em um mundo supostamente interdependente, dentre outros.
Curiosamente as metas estabelecidas nas Conferências não teriam abrangência em toda a educação básica; sua atuação seria dedicada exclusivamente a resolver o problema do acesso apenas ao ensino fundamental, deixando de fora tanto a educação infantil quanto o ensino médio.
O principal sistema de promoção da educação básica fora da esfera familiar é a escola fundamental. A educação fundamental deve ser universal, garantir a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças, e levar em consideração a cultura, as necessidades e as possibilidades da comunidade. Programas complementares alternativos podem ajudar a satisfazer as necessidades de aprendizagem das crianças cujo acesso à escolaridade formal é limitado ou inexistente, desde que observem os mesmos padrões de aprendizagem adotados na escola e disponham de apoio adequado (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 1990, art. 5º).
De fato a aplicação dessas regras seria de responsabilidade dos estados confederados individualmente, enquanto que a fiscalização ficaria a cargo dos organismos multilaterais como a própria UNESCO, mas também, e principalmente, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), já que o não cumprimento dessas regras poderia restringir o fluxo dos investimentos desses organismos nos sistemas educacionais desses países.
No Brasil, a adesão às regras impostas pela conferência é imediata. O primeiro documento a ser formulado à luz das resoluções tiradas em Jomtien foi o nosso Plano Decenal de Educação de 1993. A adesão foi tão profunda que os formuladores não se deram nem ao trabalho de criar um nome mais original, e o documento é apresentado ao público como Plano Decenal de Educação Para Todos. O plágio autorizado não se resumiu apenas ao título do documento, pois o texto se apresenta como uma cópia das diretrizes tiradas na conferência mundial, sem que fossem observadas as particularidades educacionais e sociais do país.
O interessante na formulação do Plano Decenal é que ele vai ser o primeiro documento apresentado em regime de conferência como proposto pela UNESCO. Sua formulação se dividiria em etapas. Na primeira etapa o Ministério da Educação elaborou uma minuta que foi enviada aos Estados e Municípios. Em seguida seriam organizadas discussões em conferências municipais, onde foram reunidos educadores, gestores educacionais e comunidade em geral; nesses encontros o documento base era discutido e as orientações tiradas eram enviadas para as conferências estaduais e depois para a nacional.
A ideia de organizar em sistema de conferência certamente leva em consideração o ambiente político e econômico caótico gerado pela crise da década de 1980 no mundo. No caso brasileiro, por exemplo, a década de 1980 ficou marcada pelo aprofundamento da crise econômica mundial e pelo surgimento de organizações sociais de caráter popular, reativas aos efeitos deletérios da crise. Nas palavras de Eder Sader (2001), o surgimento dessas organizações promoveria o tensionamento políticos junto ao Estado para que ele assumisse as suas funções sociais junto à população com poucos recursos.
O fato é que se o ambiente econômico está mergulhado em uma crise que se aprofunda diariamente, no que se refere à mobilização social; o surgimento de novas organizações políticas tornaram a atmosfera nacional cada vez mais politizada. Se por um lado o nascimento de grandes organizações políticas classistas como o Partido dos Trabalhadores (PT, 1980), a Central Única dos Trabalhadores (CUT, 1983) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST, 1984) buscavam mudanças estruturais na sociedade brasileira, por outro, o movimento comunitário se espalhava pelo país reivindicando uma série de demandas que faziam parte da ordem do dia. (GOHN, 2009).
A multiplicidade de organizações políticas faria com que as demandas também fossem variadas, mas algumas demandas assumiam um lugar de destaque, considerando que os efeitos de sua falta teriam incidência sobre todos os setores da sociedade brasileira. Assim, as reivindicações populares encontravam confluência nas lutas em torno das políticas sociais públicas de saúde e educação.
No caso específico da educação, as demandas se apresentavam de modo variado; de acordo com Maria da Glória Gohn (2009), estavam divididas em dois campos: a) a educação de modo geral e, b) as demandas por educação escolar. No caso específico da educação escolar, a luta girava em torno de: a) uma política nacional de educação infantil com ampliação das vagas na creche e na pré-escola, b) criação de vagas de 1º e 2º grau, com vagas tanto para o ensino regular quanto na Educação de Jovens e Adultos; c) construção de novas universidades e ampliação das vagas no ensino superior noturno; d) além de formulação de um novo conjunto de leis que regulamentassem a educação no país.
Assim, ao que nos parece, a opção pela aprovação do Plano Decenal de Educação Para Todos (1993), em regime de conferência, observava a complexidade do contexto político brasileiro, marcado pelo tensionamento cotidiano de setores da sociedade civil de caráter popular sobre o Estado para que este respondesse a suas demandas e reivindicações em forma de políticas sociais públicas. (MENDONÇA, 2007).
O Plano Decenal de 1993 não foi o único documento que recebeu influência das resoluções tiradas na conferência de Jomtien, em 1990. De acordo com Sheila Dias e Ângela Lara (2008), tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei nº 9.339,de 12 de dezembro de 1996) quanto os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN) apresentam traços significativos da presença das diretrizes tiradas na conferência de 1990. Segundo elas Dias e Lara (2008), já nos objetivos a serem alcançados, a LDB nos mostra essa aproximação, considerando que aponta como primeiro objetivo a ser alcançado o desenvolvimento da capacidade de aprender, pautado no domínio pleno da leitura e da escrita – em idioma oficial, reconhecido pela comunidade internacional – e das quatro operações básicas da matemática. Essa tendência se mostra presente em todo o artigo 32º da LDB (BRASIL 1996), que aponta também para a necessidade de desenvolvimento de uma série de valores compatíveis com os apontados pela comunidade internacional reunida na conferência. A ênfase no ensino fundamental, exposta no artigo 35º da LDB (BRASIL, 1996), orienta toda política educacional nacional, além de priorizar o fluxo de investimento massivamente nessa etapa da educação básica.
No curto espaço de tempo, apenas 2 (dois) anos após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases, o governo publicou a primeira versão dos Parâmetros Nacionais Curriculares (DIAS; LARA, 2008). O argumento utilizado pelo Estado para reformar os currículos vigentes era de que existia uma defasagem deles diante da realidade social e em descompasso com as legislações elaboradas pelos estados e municípios. No entanto, como pano de fundo, o que se esperava era uma adequação dos currículos nacionais aos objetivos expressos, para a educação mundial pela Conferência de Jomtien e nacional pelo Plano Decenal de 1993.
Em 1990 o Brasil participou da Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, convocada pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Dessa conferência, assim como da Declaração de Nova Delhi – assinada pelos nove países em desenvolvimento de maior contingente populacional do mundo –, resultaram posições consensuais na luta pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a educação fundamental e de ampliar as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e adultos (BRASIL, 1997, p. 14).
Essa adequação integral dos documentos oficiais brasileiros aos objetivos traçados pela Conferência Mundial de Educação Para Todos vai impactar necessariamente tanto a educação básica quanto a educação superior, tendo um efeito profundo na formação dos docentes que atuarão no seguimento da educação básica com maior abrangência e efetividade das diretrizes de 1990.
Com a delimitação de uma década voltada a alcançar os objetivos da educação nacional estabelecida no art. 87º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), a década da educação seria definida como o período compreendido entre os anos de 1997 e 2007. Dentre as metas estabelecidas no corpo da lei, a que tem maior impacto na formação de professores no Brasil seria a que estabelece que no período de 10 (dez) anos todos os docentes atuantes na educação básica deveriam ser graduados em alguma licenciatura. Se a formação inicial em nível superior deve ser realizada em instituição própria para esse fim, como está prevista no corpo da lei, a formação continuada não necessariamente segue a mesma regra.
Com foco na educação fundamental, as políticas de financiamento acompanhariam a mesma direção. Esse movimento fica evidente na criação do Fundo de Financiamento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), regulamentado pela Lei nº 9424, de 24 de dezembro de 1996 e pelo Decreto nº 2264, de 27 de junho de 1997. A utilização do fundo era voltada para a remuneração do magistério e para a qualificação docente em serviço, cerca de 60% dos recursos deveriam ser utilizados para este fim. Os outros 40% da receita seriam voltados para a manutenção, aquisição, conservação e desenvolvimento de estruturas e equipamentos necessários à aplicação do ensino.
Se por um lado a criação do FUNDEF aumenta o investimento em educação, tendo como foco o ensino fundamental, por outro, as demais etapas da educação básica seriam excluídas da cobertura do fundo, impedindo inclusive que esses recursos fossem utilizados para qualificação dos demais docentes. Além de não poder utilizar esse recurso para garantir o pagamento dos salários. Isso significa que uma série enumerável de prefeituras e governos estaduais vão utilizar exclusivamente os recursos do fundo para o pagamento de salários, sem se preocupar com os processos de formação dos docentes para além daquele que acontece no seu espaço de atuação profissional. Isso fez com que um dos principais objetivos estabelecidos na década da educação, que era garantir que todos os docentes atuantes no ensino fundamental tivessem concluído o ensino superior em 10 (dez) anos não fosse alcançado.
De fato, a substituição do FUNDEF pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB), criado em 2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007 e pelo Decreto nº 6253, de 13 de novembro do mesmo ano, amplia o investimento na educação básica, abarcando, além do ensino fundamental, a educação infantil e o ensino médio. Se os recursos são estendidos às demais etapas da educação básica, os 60% de seus recursos direcionados à valorização do magistério continuam sendo utilizados para garantir o pagamento dos salários em prefeituras e governos estaduais em crise, e em formações que acontecem quase que exclusivamente em ambiente de serviço, sem se preocupar com a qualificação profissional dos docentes, com a construção de uma plataforma nacional de formação continuada de professores da educação básica em nível superior.
O PARFOR foi criado em 2009 e é regulamentado pelo Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009 e pela Portaria Normativa nº 9, de 29 de janeiro do mesmo ano. Os documentos instituem a Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica fomentada pelos recursos destinados ao programa de formação inicial e continuada. A administração do programa fica sob responsabilidade da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
A criação do programa pelo governo de Luiz Inácio da Silva significa certamente um avanço. No art 2º da lei que versa sobre os princípios que regulam a política nacional de formação, talvez o ponto interessante do documento esteja no fato de que ele trata a formação de professores, seja ela inicial ou continuada, como um compromisso público, algo que até aquele momento ainda não tinha figurado nos documentos oficiais recentes. Nesses princípios, percebe-se, com alguma clareza, a necessidade de articulação entre a garantia de formação de qualidade dos estudantes da educação básica com a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério, apontando inclusive para a necessidade de que essas formações sejam ofertadas em consonância com a realidade profissional desses docentes.
Essa formação poderá, segundo a própria Lei nº 6755/2009, ser ofertada em diferentes modalidades de ensino, seja no ensino presencial ou a distância. A ideia é que o pessoal docente atuante na educação básica e que ainda não possui curso de licenciatura, possa fazê-lo em uma instituição pública de ensino superior. A demanda do número de profissionais nessa condição seria levantada pelo censo escolar, explicitando de modo mais claro o quantitativo de profissionais que necessitam de formação inicial em nível superior, do mesmo modo aqueles que, já tendo o ensino superior, necessitam de formação continuada, que seriam ofertadas em cursos e atividades que seriam pensadas para este fim.
No que se refere ao seu funcionamento, a Portaria Normativa nº 09, de 30 de junho de 2009, do Ministério da Educação, nos mostra que a implementação da política nacional de formação se daria por meio de um acordo de cooperação técnica firmado pelo Ministério da Educação, representado pela CAPES, com as secretarias estaduais de educação. Além disso, seria assinado um termo de adesão pelas secretarias estaduais e municipais para que a formação de seus profissionais fosse realizada dentro das regras do programa. Corroborando essa assinatura, ficaria a cargo das mesmas secretarias a validação das inscrições de seus professores na plataforma Paulo Freire. Assinados os termos de adesão e validadas as inscrições pelas secretarias, significaria que os profissionais estariam aptos a concorrer às vagas para o curso que ele pretende iniciar, bem como obrigaria as secretarias a garantir as condições necessárias para que esses profissionais pudessem frequentar as aulas.
Evidentemente o programa não apresenta somente virtudes. No documento tirado no VIII Encontro Nacional da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), em 7 de março de 2016, a associação constrói uma reflexão profunda sobre a atualidade das políticas de formação profissional voltadas para a carreira do magistério. Nele, uma série de questões é abordada, principalmente os limites da política existente diante da possibilidade do impedimento da presidenta Dilma Rousseff, que ocorreria 10 (dez) dias após o lançamento do documento.
Na sua análise de conjuntura, a associação constrói uma dura crítica aos encaminhamentos dados tanto pelo governo de Luiz Inácio da Silva quanto pela sua sucessora. A primeira delas tenta problematizar sobre por que motivo ambos os governos, eleitos por um eleitorado de base popular, não institucionalizou o programa como política de Estado. O fato da formação docente oferecida pelo PARFOR não ser incluída no campo das políticas de Estado, deixando o status de programa, transforma essa plataforma de formação em um alvo fácil para que governos antipopulares possam lhes tirar progressivamente os recursos. O detalhe: que esses recursos já não são tantos assim.
Além disso, por não ser uma política de Estado com uma plataforma de formação permanente, as universidades públicas, com verbas que ultrapassem os limites do pagamento de bolsas distribuídas e coordenadas por uma agência de fomento, faz com que o programa tenha baixa adesão entre as universidades públicas. Na região sudeste, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que tem atualmente 4 turmas do curso de Pedagogia em um único instituto, é a universidade pública com maior protagonismo no programa. Ao que nos parece, a baixa adesão das universidades públicas federais na região sudeste pode revelar um certo receio por parte delas em assumir um programa de formação cujo ônus financeiro, considerando que a maioria delas estão funcionando com um orçamento bem abaixo do ideal, sofra uma redução ou cortes nas verbas de custeio.
O curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) foi criado em 2005, tendo sua primeira turma ingressado em março de 2006. Segundo pesquisa realizada no sistema acadêmico da universidade, em dezembro de 20171, até aquele momento, havia ingressado no curso de Pedagogia, considerando todas as formas de acesso (Vestibular, SISU, Parfor, etc.), um total de 1173 estudantes. Cabe destacar que se trata de duas entradas anuais, sendo 40 estudantes ingressando no primeiro semestre e 40 no segundo, totalizando a entrada de 80 estudantes, apenas considerando os acessos pelo vestibular até 2008 e pelo SISU (sistema de seleção unificado) pós 2009.
Nesse dado geral de 1173 estudantes ingressantes, então, teríamos 899 ingressando pelo Vestibular/SISU ao longo dos 11 anos de existência do curso. Isso corresponde, segundo os meus cálculos, a mais ou menos 76% de todos os estudantes que ingressaram no curso até aqui. Desse total, foram graduados em licenciatura em pedagogia pelo curso sediado no Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, considerando todas as outras formas de acesso, excluindo apenas o PARFOR, 293 egressos. A taxa média de evasão para o curso, desconsiderando os dados do PARFOR, gira em torno de 38%. É importante destacar que o campus em que o curso está localizado foi construído no município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro com verbas do processo de Reforma Universitária durante o governo do Presidente Luiz Inácio Lula Da Silva. Por estar localizado em um município nuclear na região, o nosso instituto recebe os estudantes de Nova Iguaçu, mas também dos outros municípios da Baixada e da capital do Estado.
O PARFOR é implantado no curso de Pedagogia do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ a partir do primeiro semestre de 2010. Na primeira turma, com seleção realizada via Plataforma Paulo Freire (Disponível em:https://freire2.capes.gov.br), vinculada e administrada pela CAPES, foram selecionados 33 professores / educandos. Curiosamente essa não seria uma média constante, em cada um dos 6 (seis) semestres (2010.1, 2010.2, 2011.1, 2013.2, 2014.2, 2016.1), em relação aos que ingressaram pelo PARFOR, os números variaram de modo absurdo como mostra o gráfico abaixo.
Embora essa oscilação no número de estudantes-professores que ingressaram no curso de Pedagogia da universidade por meio do PARFOR seja preocupante, os dados revelam um dado mais grave, pois se entre os demais estudantes do curso de pedagogia a taxa de evasão gira em torno de 38%, quando consideramos apenas os dados do programa, a taxa sobe consideravelmente, saltando para 46% de um total de 222 estudantes ingressantes pelo programa.
Nesse sentido, os números do programa, no que diz respeito aos índices de evasão, considerando todas as suas formas, não impactam nos números do curso como um todo, pois se sem considerar os dados do PARFOR a taxa média de evasão do curso de Pedagogia gira em torno de 38%; quando considerado os estudantes ingressantes pelo programa, esse número vai variar em mais ou menos 39%. O que preocupa é que se observado de modo isolado, a taxa de evasão do programa no curso de Pedagogia da UFRRJ se aproxima bastante de 50%. Em números absolutos, como mostra nosso gráfico acima, dos 222 estudantes que ingressaram, apenas 48 foram graduados no final do ciclo; em contrapartida, um total de 102 estudantes do programa deixaram o curso pelo meio do caminho. Evidentemente muitas são as explicações para esse processo, mas uma ganha eco no discurso dos professores cursistas matriculados no programa, de que as prefeituras municipais, que autorizaram a matrícula no programa, firmando um termo de colaboração junto à CAPES, não liberam seus docentes para a formação, sendo inflexíveis e insensíveis às necessidades de formação continuada dos seus servidores.
Dito isso, se por um lado é impossível negar que alguma coisa mudou positivamente na formação docente no país, por outro, os problemas que envolvem a dinâmica de funcionamento do programa nas universidades, que no caso na UFRRJ, sempre funcionou em espaços precários, com técnicos terceirizados, sem assento nas esferas colegiadas, com a coordenação sem acesso ao sistema acadêmico, demonstram que as debilidades do programa ainda são inúmeras e que sua forma de inserção na universidade ainda é periférica.
Ainda assim, os problemas encontrados pelo programa não estão apenas na ordem das questões administrativas, mas também, e principalmente, na esfera política. O fato de não possuir assento nos órgãos colegiados impede que suas demandas sejam levadas ao conhecimento da comunidade acadêmica, das coordenações de curso e dos departamentos. Além disso, promove uma divisão no corpo discente dos cursos, já que os estudantes do programa são inseridos no corpo discente dos cursos já existentes de modo marginal, funcionando com secretaria própria e não sendo prontamente atendidos nas secretarias administrativas dos cursos dos quais fazem parte, pois os funcionários públicos se negam a atender esses estudantes, considerando que existem técnicos contratados por empresas prestadoras de serviço para cumprir tal função.
Esses problemas de ordem administrativa ou política seriam facilmente resolvidos com a conversão do programa em uma política permanente de formação. Possibilitando, assim, que esses cursos funcionassem no interior das universidades de forma mais integrada, com técnicos concursados para desempenhar as tarefas administrativas, com espaços físicos definidos, com acesso aos sistemas acadêmicos, com assento nos órgãos colegiados; em suma, com vida política e administrativa orgânica às universidades em que o programa funciona.
Se a terceirização do serviço administrativo preocupa, imagine quando pensamos um programa de formação continuada de professores em que a maior parte do corpo docente que atua no programa segue a mesma lógica. Por exemplo, no período de 2018.1 nós ofertaremos 24 (vinte e quatro) disciplinas ou atividades acadêmicas obrigatórias no programa, com 16 docentes atuando no programa. Desses 16 docentes, apenas 9 (nove) são professores do quadro efetivo da universidade, os outros 7 (sete), que corresponde a mais ou menos 43,7% do número total de docentes atuantes no programa são professores da rede pública ou privada, básica ou superior, que possuem formação em nível de mestrado e doutorado, e são contratados para atuar no programa de modo precário, sem direito trabalhista, tendo como vínculo apenas uma bolsa paga pela CAPES. Custando, portanto, bem menos do que um professor efetivo com dedicação exclusiva custaria aos cofres públicos, mesmo que esse não fosse apenas um professor horista, e atuasse simultaneamente com ensino, pesquisa e extensão.
Soma-se a isso o fato de que, no curso de Pedagogia do Instituto Multidisciplinar, esses professores contratados de modo precário não podem orientar os trabalhos de conclusão de curso, já que as deliberações do colegiado do curso determinam que apenas os docentes efetivos da universidade podem orientar trabalhos monográficos de conclusão de curso. Isso cria um problema, pois quem acaba orientando esses estudantes sem receber nenhum provento em troca são os professores efetivos da universidade, ou seja, a precarização do trabalho assume um duplo sentido, submetendo o bolsista a uma condição de trabalho que livra o Estado de qualquer responsabilidade trabalhista e onera o servidor porque aumenta a sua carga de trabalho sem que se pague um salário como contrapartida.
Em primeiro lugar, é importante deixar claro que a criação do PARFOR representa um avanço no que se refere à plataforma de formação docente no Brasil. Garantir que docentes que já atuam nas redes públicas de educação básica, estaduais ou municipais, tenham a possibilidade de garantir a sua formação inicial em primeira licenciatura, ou continuada em segunda licenciatura ou espaços de formação em serviço, com verbas garantidas para isso, previstas no orçamento da União, estudando em instituições públicas ou particulares de ensino representa, inegavelmente, um salto qualitativo e quantitativo no que se refere à formação docente no país.
O que não significa que o programa esteja completamente livre de críticas. Como deixamos claro nas páginas que antecedem, a implantação do programa nas universidades vai se dar de modo bastante heterogêneo. Mas é importante frisar que algumas características gerais são compartilhadas. A precariedade das instalações, por exemplo, já que o programa seria alocado em universidades que já contavam com cursos regulares, com espaço restrito, sem funcionários técnico-administrativos ou docentes contratados por concurso para participar do programa. A forma precária como esse problema é resolvido na UFRRJ mostrou que a escassez de docentes concursados criava uma série de problemas administrativos e políticos acerca da sua representação nos conselhos.
Além disso, os dilemas internos da UFRRJ mostraram que a experiência no curso de Pedagogia não foi sempre amistosa; na verdade, em nenhum momento foi amistosa. Os conflitos surgiram desde os primeiros dias em que os estudantes começaram a frequentar as aulas na universidade. A partir dos relatos dos estudantes, podemos perceber uma sensação, que misturava a euforia de frequentar um curso de graduação na universidade pública com a resistência de parte da comunidade acadêmica, inclusive dos próprios discentes do programa, acerca da forma como ingressaram na universidade. Como colocamos anteriormente, muitos sentiam que haviam entrado na universidade pela porta dos fundos, como os mesmos nos relataram inúmeras vezes.
Assim, fica evidente que seria interessante pensar uma política de formação que ultrapassasse os limites de um programa emergencial, como aponta a própria CAPES. De fato, a formação elementar aos docentes que já atuam na educação básica é de extrema importância, porém tratar essa questão como algo emergencial e não como uma plataforma permanente de formação, em que atingido os objetivos iniciais de garantir formação básica em licenciatura a todos os docentes atuantes na educação básica, garantir que eles possam continuar se formando em trabalho ou não, deveria ser de fato uma política de Estado, com orçamento próprio e visto como investimento público, não como um gasto em que é possível cortar custos e economizar.