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MULTITERRITORIALIDADES NA GESTÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO ESTADO DA PARAÍBA, BRASIL
MULTITERRITORIALIDADES NA GESTÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO ESTADO DA PARAÍBA, BRASIL
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, pp. 1625-1640, 2018
Universidade Federal do Maranhão
Recepção: 25 Março 2018
Aprovação: 23 Maio 2018
Resumo: O debate proposto acerca da gestão das políticas de proteção social no Brasil, parte do pressuposto: as multiterritorialidades fazem clivagem com as demandas de proteção vinculadas ao território de moradia de famílias usuárias das políticas públicas, e, de modo especial, às beneficiárias de Transferência de Renda no Estado da Paraíba. Este estudo amostral, em escala estadual, com as famílias beneficiárias em áreas rurais e urbanas, permite elucidar em termos de achados: as singularidades e condições territoriais produzem (re)significações em relação à materialidade da proteção social, objeto da Política Pública de Assistência Social e dos Programas de Transferência de Renda. E, por sua vez, produz demandas e desafios no aporte de estratégias e ferramentas da gestão territorializada da proteção social na perspectiva da afirmação da equidade social como direito.
Palavras-chave: Multiterritorialidades, proteção social, transferência de renda.
Abstract: The proposed debate on the management of social protection policies in Brazil is based on the assumption: to multiterritorialities, they make cleavage withthe demands for protection linked to the housing territory of families that use public policies, especially the beneficiaries of Income Transfer In the state of Paraíba. This sample-based study, with the beneficiary families, in rural and urban areas, allows us to elucidate in terms of findings: territorial singularities and conditions produce (re)significations in relation to the materiality of social protection, object of the Public Assistance Policy Social Security and Income Transfer Programs. And, in turn, it produces demands and challenges in the contribution of strategies and tools of the territorialized management of social protection in the perspective of the affirmation of social equity as a right.
Keywords: Multiterritorialities, social protection, income transfer.
1 INTRODUÇÃO
Este texto objetiva apresentar um debate acerca dos desafios para gestão das políticas de proteção social no Brasil, tendo como eixo norteador as multiterritorialidades que fazem clivagem com as demandas de proteção vinculadas ao território de moradia de famílias usuárias das Politicas Públicas, de modo especial às famílias beneficiárias de Transferência de Renda no Estado da Paraíba, Brasil, tendo como foco analítico as condições de proteção social dessas famílias, especialmente na avaliação da oferta de serviços públicos nos quais as famílias sofrem condicionalidades.
Essa experiência exitosa nos foi possibilitada a partir do desenvolvimento do Projeto Casadinho/Procad/Capes/Cnpq: A Política Pública de Assistência Social, Transferência de Renda e Territórios de Gestão da Proteção Social (2011-2016), sob a coordenação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), parceria acadêmica no âmbito da pós-graduação com o Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Esse cenário profícuo de produção em rede acadêmica nacional, e, especialmente, dada a dimensão do estudo de campo, exigiu a construção de aportes teórico-metodológicos como recursos instrumentais e humanos, desencadeando, assim, uma gama de processos e produtos1.
O debate aqui proposto, de caráter multidimensional e transdisciplinar no âmbito acadêmico, adquire visibilidade social e política ao alcançar mais 13 milhões de famílias beneficiárias em todo o território nacional, com 4,3 milhões de idosos e pessoas com deficiência com acesso ao Benefício de Prestação Continuada e 99% das cidades com a presença dos CRAS2. Esse fato histórico vem se configurando como um modus operandi em relação às políticas de transferências de renda, e, por sua vez, num paradigma de políticas sociais de proteção social não contributiva.
Esse cenário vem reafirmar a necessidades de construção de novas ferramentas de análise de conhecidos fenômenos sociais que possibilitam propor ações e gestões de políticas sociais públicas. Isso requer (re) construir caminhos, estratégias e técnicas de produção e socialização do conhecimento, na perspectiva de contribuir para um novo modus operandi, a partir do olhar territorializado da gestão das políticas públicas. O que implica, sobretudo, operar instrumentos que revelem uma (re) leitura das condições de vida dos lugares e de suas complexas configurações da exclusão/inclusão social. A nosso ver, como sendo estratégias potencializadoras da democratização das políticas sociais, uma vez que requer uma (re) leitura in put e out put de novos sentidos e significados, especialmente para os sujeitos desse processo como cidadãos de direitos.
A despeito de uma conjuntura brasileira adversa, com desenhos ainda incipientes, e até mesmo por conta desta, cabe ressaltar a afirmação do Milton Santos (2000, p. 96):
O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence [...] é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida [...] território usado, utilizado por uma dada população.
A partir dessa perspectiva, poder-se-ia destacar o pressuposto de que as configurações de pertencimento dos vínculos relacionais no território de vivência são imprescindíveis para dimensionar e mensurar a eficácia e efetividade da rede de serviços e benefícios provenientes da iniciativa governamental através da gestão das políticas sociais para a garantia de direitos sociais e humanos (KOGA, 2003; KOGA; NAKANO, 2005). Assim como a pobreza e exclusão são fenômenos complexos, os pressupostos para integração e inclusão das pessoas vivenciando situação de risco humanos e social, também o são – dado tratar-se de pessoas absolutamente distintas entre si, portanto, uma pobreza que perpassa diferenças entre os que a vivenciam, e que, nas palavras de Lavinas, “[...] requer heterogeneidade no seu enfrentamento.” (LAVINAS, 2003, p. 48).
As situações de riscos que incidem sobre o tecido social são produtoras de violação de direitos, portanto, o seu enfrentamento ultrapassa a territorialidade e efetividade dos serviços e dos benefícios como instrumentos provedores de proteção social a partir de ações da iniciativa governamental, pela via do acesso à distribuição de bens e recursos no fortalecimento da capacidade protetiva de famílias e indivíduos. Seu caráter multifatorial, além de provocar arranjos intersetoriais transversais, tangencia as referências territoriais que estão postas particularmente pelos contextos espaciais que, se assumidos pela governança pública, imprimem o caráter efetivo e de qualidade almejados pela sociedade (KOGA; NAKANO, 2005).
Na concepção de alguns estudiosos, a distribuição de benefícios não tem respeitado a lógica da manutenção da equidade entre os cidadãos, assim como se observou na orientação da oferta do salário mínimo diferenciado por Estado, avaliada pelo poder de compra (Pesquisa Nacional por Amostra de DomicíliosPNAD/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE) regionalizado - tido como um instrumento para manutenção da equidade do potencial de compra do trabalhador em âmbito nacional, demarcado pelo custo de vida diferenciado territorialmente.
Seguindo essa mesma lógica, os inúmeros estudos intraurbanos realizados regionalmente e mesmo localmente, como no caso do Estado da Paraíba e município de João Pessoa, por exemplo, (SPOSATI, 2010; CONSERVA, 2016), reitera-se a importância de concatenar os estudos geoestatísticos intraurbanos, dados secundários nacionais, estaduais, municipais, juntamente com as orientações que conduzem a prática da oferta dos benefícios socioassistenciais a fim de verificar sua eficiência sob a perspectiva de garantir equidade de cidadania entre as pessoas que vivenciam situações de risco pessoal e/ou social.
O contexto político e econômico contemporâneo tem produzido, em escala mundial, complexas configurações de modelos referenciais de politicas sociais e gestão da proteção social. A partir da Constituição de 1988, o estado brasileiro vem produzindo, de modo ainda incipiente, um novo paradigma em relação às políticas sociais na perspectiva de afirmação dos direitos sociais, especialmente, em se tratando das demandas e desafios para a configuração de um Modelo de Seguridade Social, pautado no tripé – da Previdência, da Saúde e da Assistência Social como politicas de proteção social.
A Política Pública de Assistência Social, a partir de 2004, vem se configurando como um modelo de proteção social não contributivo sem precedentes na história brasileira, especialmente pela hegemonia das políticas de transferência de renda com foco na matriz sociofamiliar, a partir do desenho do Programa Bolsa Família, com visibilidade social e política em escala mundial, cuja relevância reside em ter se constituído em um modelo de enfrentamento à pobreza.
Nesse contexto, se insere o debate das Políticas de Transferência de Renda (PTRs), no que concerne aos elementos de proteção social a partir da percepção dos beneficiários desses programas em seu locus de vida cotidiana. Tidos como eixo precursor e viés de proteção social com suporte monetário para segurança de renda, os PTRs tiveram papel central nas políticas pública e social não apenas no Brasil, mas na América Latina e Caribe durante décadas consecutivas.
Por último e não menos importante, tem-se o pressuposto de que as transferências de renda condicionadas têm sido absolutamente onerosas aos seus beneficiários e operadores de programas, além de abarcarem elevado custo na sua gestão, mas com todo o aporte técnico-científico arregimentado no Estado da Paraíba nesta última década (já citadas neste artigo); sobretudo com a pesquisa em voga, muitos destes entraves e obstáculos que tanto imprimem perspectivas ao aprimoramento da gestão pública, puderam ser analisados sob o prisma do olhar e percepção dos cidadãos que (lhe) são usuários, detentores e o sujeito fim da interveniência pública.
2 ABORDAGEM METODOLÓGICA: processo, amostra e ferramentas
A construção de estudos socioterritoriais tem proporcionado uma análise dos processos sociais que, ao incorporar o lugar, exige abordagens que transcendam as fronteiras disciplinares e os marcos setoriais e, dessa forma, reforçam a natureza multidimensional das relações inclusão/exclusão social nos territórios de vida de nossas cidades. Essa (re)leitura do espaço de vida das famílias em seus territórios da vida cotidiana tem possibilitado análises das configurações da dinâmica social referentes aos pedaços da cidade e suas relações, denominada por Sposati de Topografia Social (2010/2016).
A leitura da vulnerabilidade/proteção social dos territórios urbanos e rurais do Estado da Paraíba parte da premissa de que se deve buscar superar a visão predominante onde características dos indivíduos são suficientes para indicar sua situação de riscos sociais. Para além dessa dimensão individual/familiar, devem-se considerar, também, as características dos territórios onde vivem, em termos das suas situações habitacionais, sanitárias e oferta/ausência de infraestrutura, e, principalmente. da oferta/presença de serviços públicos.
Entender a dinâmica socioterritorial numa escala estadual (o estado da Paraíba), apresentou desafios até então sem referenciais. A engenharia do estudo de campo exigiu da coordenação e de toda a equipe de pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais (NEPSS)/Universidade Federal da Paraíba (UFPB), não só a apreensão, de forma sistemática, dos elementos constitutivos do instrumento, como a organização para formação de equipe de campo com vistas a alçar o grandioso e instigante desafio de conhecer a realidade das famílias beneficiárias, as interpelações a partir do território onde vivem, e suas conexões com os serviços mantidos pelas políticas públicas, em especial a Política de Assistência Social em sua escala municipal, regional e estadual.
O Estado da Paraíba, base empírica deste estudo, situado na Região Nordeste, possui uma população residente de 3.766.528, distribuída em 223 (duzentos e vinte e três) municípios, numa área de 56.469,466 (km). Em termos da variável rural e urbana, apresenta maior concentração da população na zona urbana com 2.838.678, enquanto que a população residente rural é de 927.850. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).
Em termos das condições de vida, apresenta uma população de 613 mil em extrema pobreza. O desafio posto nos conduziu a pensar estratégias de abordagens no intuito de possibilitar os sentidos territoriais da proteção social em contextos tão diferenciados em termos de: rural/urbano; constituição climática e ambiental do litoral ao sertão. O exame da realidade a partir do seu chão, e não só de sua descrição, mostrou-se como algo novo na vida acadêmica a ser consolidado de modo transversal e interdisciplinar.
Em termos amostrais, cabe o seguinte registro: o estado da Paraíba, segundo MDS/2013, um total de 502.606 famílias domiciliadas recebe o benefício de transferência de renda, o que corresponde a aproximadamente 50% das famílias domiciliadas encontradas no Estado da Paraíba (1.082.796). Desse total, somente 11.889 ou quase 12 mil famílias são beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Nessa perspectiva, a primeira etapa foi a de classificar os municípios por seu adensamento populacional geral, rural e urbano. Adotou-se a classificação dos municípios pelos parâmetros da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que os caracteriza por porte populacional, quais sejam: Porte I, até 20 mil habitantes, Porte II, até 50 mil habitantes; as categorias Médio e Grande, respectivamente de 50 a 100 mil e de 100 a 900 mil habitantes terminaram sendo fundidas em uma só categoria como mais.
A partir desse painel de referência de todas as cidades, elas foram agregadas dentro de cada porte (e suas divisões internas) e ali, pela incidência percentual de benefícios, classificadas em maiores e menores incidências de famílias beneficiárias. Esse rico processo metodológico possibilitou a escolha de 33 municípios do total de 223.
Desses, nove são exclusivamente pela presença de maior incidência de BPC, 20 pelos critérios de incidência variados de Bolsa Família e outros 5 pela combinação de incidência variada de Bolsa família e maior incidência de BPC. Assim, foram realizadas 2092 entrevistas junto às famílias beneficiárias distribuídas, em sua distinção rural e urbana, conforme ilustra a Figura 1.
O processo analítico deu-se pela agregação do banco de dados, em sua divisão entre territórios urbanos e rurais distribuídos entre as 4 mesorregiões do Estado da Paraíba, a saber: Mata Paraibana,Agreste Paraibano, Borborema e Sertão Paraibano, de acordo com a distribuição populacional no Estado como um todo. A estratégia de aproximar os municípios partícipes da pesquisa, ao bioma que o classifica de acordo com características inclusive geográficas, ambientais, de perspectivas descritivas espaciais de ordem física, procurou seguir a orientação dos vetores que orientam lógicas ou releituras não aparentes que regem os vínculos e pertenças socioterritoriais e culturais da população residentes e incluir mais este traço à investigação posta.
Os dados foram tratados priorizando-se os seguintes aspectos:
a) Analisar os resultados do Estado a partir de suas quatro me- sorregiões: Mata Paraibana, Agreste Paraibano, Borborema e Sertão Paraibano;
b) Discriminar a análise em escala analítica capaz de suscitar comparação entre as mesorregiões;
c) Abarcar a percepção da população beneficiária dos PTRs em relação aos serviços públicos de Assistência Social, Saúde e Educação;
d) Discriminar a análise por tipo e qualidade da percepção dos usuários quanto aos serviços disponíveis no território de vivência.
Nesse sentido, adotou-se a aplicação de método que escalonasse os dados da amostra em quartis (sua divisão em quatro partes iguais), em face da discrepância entre a maior e menor frequência apresentada para cada percentual respondido na amostra, permitindo uma escala de análise comparativa mais clara entre as mesorregiões do Estado.
3 ACHADOS DE PESQUISA
Os pressupostos aqui arrolados são advindos dos achados de pesquisa deste campo em específico: o Estado da Paraíba. Para além do estudo de suas quatro mesorregiões, que irão sustentar adiante e noutra escala de olhares os biomas naturais, é também consolidado por um rol de pequenas cidades – municípios de pequeno porte – caracterizado por populações de até 20.000 habitantes.
Observou-se que estes campos recortados de pesquisa puderam sugerir um bom eixo de métricas socioterritoriais da expressão das diversidades, diferenças e desigualdades inter e intraurbanas do estado da Paraíba. Dessa forma, cada uma das métricas possui uma escala de análise, de acordo com os territórios considerados fundamentais, inclusive para pensar a gestão e intersetorialidade das políticas sociais.
Sua extensão territorial ainda não foi compatibilizada, suas características físicas tão pouco, seu perfil econômico ou de arrecadação também não, porém 82,8% dos municípios deste Estado são tratados homogeneamente pela estatística como semelhantes entre si, simplesmente pela compatibilidade dada pela densidade demográfica das pessoas ali domiciliadas como moradoras.
Ainda que essas ruralidades e urbanidades se sobreponham em alguns espaços, elas têm relação e estabelecem diálogos entre si; tanto assim, que há um primeiro Quilombo urbano (localizado no município de Santa Luzia) e municípios fincados em rincões considerados completamente rurais (como ocorre em Princesa Isabel); ou ainda absolutamente urbanos (visto na classificação do município Campina Grande).
Esses diálogos territoriais tendem a nos revelar as direções de como se dão as teias e interdependências da proteção social por meio do espaço vivido, seja pela manutenção das provisões para sua população, seja pela população que mantém as suas provisões para o seu sustento.
As avaliações sobre os programas de transferência de renda condicionada normalmente versam ou acabam lidando com uma tônica que recai sobre seus elementos condicionantes: Saúde, Educação ou Assistência Social.
Neste estudo, contudo, fica patente que a relação com os elementos da interveniência governamental e, por conseguinte, condicionantes da renda, têm pouca ou baixa ressonância sobre a percepção das famílias respondentes da pesquisa. Suas necessidades, anseios, fragilidades já assumiram configurações outras, que não denotam correlação com a satisfação da saúde ou educação de seus familiares, tão pouco com vínculos sociais que pareçam fragilizados a ponto de serem julgados pela academia ou pelo Estado.
É possível notar uma pequena alteração entre as urbanidades nas mesorregiões mais interioranas e ruralidades nas mesorregiões ou centros mais urbanizados, mas os vínculos sociais no território existem em maior ou menor grau apesar da presença ou ausência de serviços públicos. Ou seja, a satisfação das famílias em viver no seu local de moradia pouco demanda a necessidade de uma maior reflexão, haja vista que, em termos dos resultados, não se pode afirmar as conexões entre a presença ou ausência de serviços públicos, seja das áreas da Saúde, Educação ou da Assistência Social.
Nesse sentido, o que fica patente é que as Políticas Públicas precisam voltar a reconhecer que as relações humanas produzem vínculos sociais a partir do território de vida, moradia e reprodução social, apesar da presença do Estado – ou da ausência dela. Portanto, o reconhecimento da percepção das relações humanas no chão, onde se dá a reprodução social, precisa ser reconhecida como um elemento a priori e sine qua non para o estabelecimento eventual ou perene de serviços e não o seu inverso e, portanto, nos inquirir sobre que vínculos são esses que mantêm as pessoas bem e satisfeitas no território, apesar das ausências ou precariedades do Estado.
Isso não significa que o Estado ou a Política Pública não esteja chegando, mas de que forma ela está sendo ofertada? De que forma ela externaliza as presenças e ausências de si própria no território, já que, por exemplo, essa sensação de sentir-se bem não está associada à segurança que a cidade oferece (porque ela é ou pode ser realmente violenta)?
Quando comparadas entre as quatro regiões, observa-se que as famílias residentes no Sertão Paraibano com maior distância aos serviços públicos relatam melhores expressões de vínculos sociais, solidariedade e satisfação com o local de moradia frente às demais regiões, em especial com relação à mata Paraibana, onde há as maiores concentrações urbanas, como a capital do Estado e presença de serviços públicos.
Desse modo, as relações e os vínculos estabelecidos nos territórios de moradia que precisam ser absolutamente valorizados pelas pesquisas acadêmicas, sobretudo, têm sentidos diferenciados que podem representar urbanidades ou ruralidades absolutamente plurais, que de um modo ou de outro permitem fazer perceber maior ou menor presença de vínculos. Cabe o registro de que nas áreas denominadas rurais as famílias tendem a sentir-se ligeiramente melhor do que naquelas caracterizadas pela urbanidade.
Todavia, em termos analíticos, cabe refletir acerca das ruralidades e urbanidades presentes nos territórios de vida e nos territórios vividos, que muitas vezes representam ambiguidades no seio dessas famílias, e, por sua vez, são mediadas pela interveniência das Políticas Públicas. Essas dualidades se expressam de maneira bastante diversa sobre os territórios vividos; a questão sobre o desejo de mudar de casa/local de moradia é bastante representativo dessas diversidades territoriais que implicam posicionamentos à vida dos cidadãos, podendo ou não estar associadas a realizações pessoais subjetivas ou às objetividades diretas cujas respostas da intervenção do Estado pretende-se garantidora. A princípio, essas relações não devem ser tratadas pela academia ou pela política como uma categoria analítica pura, mas como a natureza da presença de vínculos entre pessoas.
De fato, os achados de pesquisa inventariaram o encontro de territórios paraibanos ainda muito vivos...
4 CONCLUSÃO
Fazer o debate a partir do desenho de um Sistema de Proteção Social em diferentes escalas -nacional, estadual e local, significa incorporar uma lógica de análise de cunho transversal, capaz de arregimentar uma série de outros serviços públicos de direitos que contribuem em conjunto com as seguranças sociais, tais como a rede de saúde, assistência social, educação, entre outras. Muito embora os PTRs estejam mormente vinculados à Política de Assistência Social no caso brasileiro, nem sempre foi assim. Muitos esforços foram operacionalizados na pasta do Trabalho e Geração de Renda, por exemplo.
Nesse sentido, a comparação com as experiências da América Latina e Caribe pode ser importante veículo para compor uma análise melhor sistematizada quanto ao desenho da política; mas seria equivocado, de antemão, atribuir à PNAS o sucesso ou falência das seguranças sociais, dado seu caráter intersetorial por um lado, e à carência da combinação e articulação com um rol de serviços públicos de caráter protetivo como segurança pública, habitação, saneamento básico, por outro lado. Ainda assim, na contemporaneidade brasileira, a gestão dos PTRs tem sido operacionalizada pela PNAS, via Sistema Único de Assistência Social, o qual está estruturado na composição benefícios, mais serviços de proteção social.
Ocorre que as características próprias do núcleo familiar, do domicilio, da rede pessoal, do território de vida e de reprodução social dessas famílias acabam compondo um conjunto de elementos que nem sempre é atrelado às análises de efetividade dos PTRs, muito embora sejam essenciais para qualificar a assertividade dessas ações de políticas sociais. E este é sem dúvida o ponto alto da pesquisa em voga, ou seja: uma revelação de características das territorialidades do Estado da Paraíba, arregimentadas por meio de um estudo de campo essencialmente qualitativo, com coleta de dados e entrevistas diretivas aos atuais usuários e beneficiários de PTRs e serviços da PNAS – um diferencial sem precedentes nas pesquisas com esse recorte de beneficiários.
Os elementos de interesse que pautam os avaliadores de políticas públicas são exatamente aqueles que distinguem os países pelas suas características territoriais e culturais, isto é, países mais indígenas, países mais marcados pelo narcotráfico, pelo meio rural etc. ou seja, as características territoriais surgem como elementos-chave para o delineamento dos PTRs entre os países da América Latina e Caribe. Ademais, são bastante recentes, datados da década de 2000; o que significa inferir que há pouco acúmulo de conhecimentos adquiridos que possam ser transferidos como mecanismo alternativo para solucionar problemas operativos. Soma-se a isso não apenas o fato de que o Brasil é o país que opera o PTR (em) com maior proporção de beneficiários, como também agrega uma enorme variedade de características territoriais e culturais que pouco têm sido abarcadas no delineamento das políticas e serviços públicos.
Nesse sentido, métodos que incutam tecnologias geoterritoriais têm se mostrado fundamentais para o aprimoramento dos mesmos. No caso da Paraíba, estudos avançados e de maneira continuada sobre o Estado vêm sendo produzidos com muita propriedade, evocando, inclusive, estudos randômicos por parte de pesquisadores com pesquisas dedicadas (à este) a esse território.
A gestão do PTR pela PNAS, como no caso brasileiro, requer pensar o cuidado com a articulação com os serviços de proteção social setoriais, especialmente com a Saúde e Educação. Ainda assim, a pesquisa de campo deixa claro que as proteções e seguranças sociais advêm mais dos vínculos familiares e de vizinhança, e são pontuais, ou seja, pode haver uma escola bem avaliada, mas não haver uma avaliação genericamente positiva sobre a rede escolar; haver avaliações positivas sobre o acesso à saúde, mas também não significa uma generalidade dos respondentes de uma mesorregião ou do Estado como um todo.
No que se refere aos resultados da pesquisa, observou-se uma enorme insatisfação quanto ao reconhecimento da Política de Assistência Social e de seus serviços, somada a uma contradição quanto à qualificação dos respondentes em relação a serviços, por vezes positiva; outras, negativa, para o mesmo evento. Contudo, se nos parece um retrato verossímil da forma como tinha sido delineada e operacionalizada a gestão da PNAS em território nacional, centrada em benefícios, e não em serviços. Exatamente por esse motivo, não se pode deixar de notar e reiterar o quão importante a gestão dos PRTs por meio da Assistência Social foi para a publicização dessa Política, reconhecida amplamente em território nacional pela primeira vez.
Se a Assistência Social organizou seu investimento massivamente na oferta de transferência de renda, isso significa que seus profissionais, formados, treinados e aptos para prestarem o serviço de proteção social para o qual foram formados, agora podem estar subutilizados fazendo gestão de cartão de plástico e, pouquíssimos, exercendo sua profissão de fato, qual seja: o de realizar o trabalho de proteção social, de assegurar acesso a direitos, orientar encaminhamentos para politicas e programas sociais, prevenir a ruptura de vínculos e laços sociais, acompanhar famílias em situação de risco e também aquelas nas quais importantes vínculos já se romperam, acompanhar famílias em seu lócus de vida e reprodução social, seja por meio de visitas domiciliares ou pela procura desses nos territórios, entre outras. Nesse ponto, fica patente a importância do olhar e conhecimento sobre o território, pois quem o conhece, conhece saídas, conhece perigos e, portanto, a priori, teria uma melhor condição de autoproteção, solidariedade e preservação.
É exatamente nessa linha que têm irrompido novas pesquisas acadêmicas na área da Assistência Social, agregando métodos capazes de aglutinar ciências interdisciplinares e a qualidade da observação e presença do cidadão objeto da intervenção pública que lhe é prestada. A análise e avaliação de Politicas Publicas, por óbvio, carecem de métodos próprios que consigam arregimentar elementos que incluam a verificação do seu fim primeiro – que é o de ofertar um bem social ao cidadão – e, portanto, que vive num local distinto e com características próprias. Contudo, métodos, indicadores e leituras territorializadas sempre serão uma proxy da realidade, bem como uma construção humana. A adoção e escolha dos métodos também são uma orientação política que envolve custos e a opção pelo alcance de uma demanda determinada.
Quando da inclusão da percepção dos usuários dos serviços, possibilitada neste estudo, houve a inclusão de um elemento subjetivo à análise, muitas vezes descartada dos estudos, porém de extrema importância para a avaliação da eficácia do serviço público – novamente: que tem em seu fim primeiro e último a satisfação do cidadão. Nesse sentido, a pesquisa em voga consegue abarcar esse elemento-chave, pois alcança essa percepção do cidadão enquanto beneficiário e usuário de serviços públicos. Quanto aos resultados observados, fica clara a importância de lidar com métodos que permitam a comparação interterritorial, aqui tida por mesorregiões do Estado da Paraíba e, ao mesmo tempo, a impossibilidade de generalizar opiniões (pessoais/particulares da pessoa física). Por esse motivo, observam-se resultados contraditórios sobre um mesmo tema ou uma mesma variável, como no caso das observações acerca dos serviços da Assistência Social.
Nesse sentido, fica cada vez mais patente a importância de se atrelar estudos randômicos e experimentais à oferta de serviços públicos e sociais, de maneira continuada, e a conclusão de quão ineficaz pode ser a sua oferta de maneira única, generalizada e sistêmica, num país com dimensões, diversidades e territorialidades plurais. Isso significa dizer que a efetividade de uma Politica Pública e Social depende de métodos que possam acompanhar a complexidade de sua operacionalização e desenho.
Em termos da gestão da proteção social, cabe ressaltar que a oferta e presença de PTRs, embora com baixo impacto na perspectiva de afiançar segurança de renda – per si – foi o grande responsável pela disseminação da Política de Assistência Social pelos rincões do Estado da Paraíba e quiçá do Brasil. Apesar de os montantes transferidos pelo governo brasileiro nas transferências monetárias serem parcos e insuficientes para afiançar segurança de renda ou proteção social enquanto direito de cidadania por um lado, não foram incorporados como políticas de direitos, por outro lado. Ademais, tiveram seus impactos econômicos mais circunscritos à sua primeira década, agora, de certo modo estagnados.
REFERÊNCIAS
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SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
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Notas