Resumo: Estudo teórico, com pesquisa documental e revisão de literatura, tem como objetivo relatar e analisar a conjuntura da tramitação e aprovação de Projeto de Lei que autoriza a implantação das Organizações Sociais (OSs) no município de Florianópolis-SC. Procura evidenciar os embates e conflitos envolvendo como atores os poderes executivo e legislativo, o movimento sindical e diversos seguimentos da sociedade, bem como as estratégias de resistência colo- cadas em curso. Aponta que o referido projeto representa um duro golpe das agências multilaterais contra o serviço público, proposta neoliberal que está em estágio mais avançado em diversos municípios Brasil afora. Enfatiza que o movimento de resistência instaurado na cidade de Florianópolis merece destaque pelo poder de mobilização e pelo intenso diálogo travado com toda a sociedade.
Palavras-chave:Gestão de serviços públicosGestão de serviços públicos, mercantilização mercantilização, neoliberalismo neoliberalismo, parcerias público-privadas parcerias público-privadas, participação social participação social.
Abstract: This is a theoretical study, with documentary research and literature review. The objective was to report and analyze the conjuncture of the process and ap- proval of a Bill that authorizes implementation of Social Organizations (OSs) in the city of Florianópolis-SC. It sought to highlight the clashes and conflicts involving as actors the executive and legislative branches, the trade union mo- vement and various segments of society, as well as the resistance strategies put in place. This project represents a severe blow on the part of multilateral agencies against public service, in other words, it’s a neoliberal proposal that is at a more advanced stage in several municipalities in Brazil. The resistance movement established in Florianópolis deserves to be highlighted due to the strength of the mobilization and because of the intense dialogue that took place with all society.
Keywords: Public services management, commodification, neoliberalism, public-private partnerships, social participation.
Artigos - Dôssie Temático
AVANÇO DA AGENDA NEOLIBERAL: confrontos e resistência na implantação das Organizações Sociais em Florianópolis-SC
Recepção: 08 Julho 2018
Aprovação: 08 Outubro 2018
Amparadas na Lei Federal nº 9.637, de 15 de maio de 1998 (BRASIL, 1998), as Organizações Sociais (OSs) caracterizam-se como empresas de direito privado, supostamente sem fins lucrativos, que recebem recursos volumosos do fundo público para administrarem serviços que deveriam ser geridos por estados e municípios. Tais empresas têm autonomia para contratação de trabalhadores sem concurso público, liberdade para compra de insumos sem licitação, podendo, também, cobrar dos usuários taxas administrativas por cada procedimento executado.
Passados vinte anos, as OSs se espalharam pelo território nacional e estão presentes em todos os estados e em muitos municípios. No entanto, muitos são os exemplos de problemas, contradições e ambivalências desse modelo de gestão dos serviços públicos. Iniciamos com ênfase nessa problemática em torno das OSs, pois constitui o pano de fundo que estará presente em todo o manuscrito. Para uma melhor contextualização, antes de adentrar especificamente o caso que será abordado, traremos uma síntese de alguns estudos que já se debruçaram sobre essa temática, mormente nas áreas de educação e saúde.
No município de Campinas/SP, assim como em muitos outros da federação, a experiência com as OSs no campo da Educação foi problemática, conforme aponta o estudo de Chicone (2016). A criação das primeiras Naves-Mães1, do ponto de vista do prefeito da cidade, Hélio de Oliveira Santos (gestão 2005/2011), não se configurou como um processo de privatização da educação, pois o mesmo alegara que as instituições prestam contas regularmente ao município. Porém, quando este discurso foi contrastado com a materialidade concreta, foi possível verificar brechas que apontam que o Estado atuou como coadjuvante no papel de financiador2. Para a autora, mesmo com a histórica demanda reprimida na educação infantil, observou-se que a ampliação da oferta ocorreu pela via in- direta concomitantemente à queda no atendimento pela via direta. Se para o prefeito a implantação do Programa se justificara pelo déficit de 14 mil vagas na educação infantil do município em 2005, a criação das 16 Naves-Mães não foi suficiente para sanar essa carência, já que cresceram somente 25% em relação à necessidade da demanda.
Outras pesquisas efetuadas no estado de São Paulo, dentre elas a de Adrião e Domiciano (2010), apontam a relação entre o crescimento da oferta de vagas na educação infantil com a implantação do FUNDEB já no primeiro ano de vigência do Fundo (2007-2008) e destacam o despontar do atendimento privado, tanto nas creches, quanto nas pré-escolas. Para as pesquisadoras, as vagas privadas cresceram na comparação com as vagas públicas nesse período, bem como o número de estabelecimentos de ensino dessa natureza. Isto quer dizer que a implantação do FUNDEB tem contribuído para que a oferta da educação infantil se consolide por meio da iniciativa privada e que considerável aporte de dinheiro público seja direcionado aos estabelecimentos privados de ensino.
Um importante estudo descritivo e exploratório sobre o processo de expansão das OSs na área da saúde no período de 2009-2014 foi sistematizado por Morais e outros (2018). Ao analisar as dez maiores instituições em volume de recursos captados do fundo público, os autores constataram que as brechas e facilidades concedidas pela Lei nº 9.637/1998 permitiram a essas empresas expandirem significativamente seu capital financeiro. Ao analisar os contratos celebrados pelas Secretarias Estaduais de Saúde em São Paulo e Rio de Janeiro, outros dados alarmantes evidenciados pela pesquisa são os números de contratos aditivos que deturpam os valores de cada procedimento contratado nos processos iniciais de licitação, além das dificuldades do executivo fiscalizar os serviços prestados pelas OSs. No caso analisado, (constaram) constataram os autores uma intensificação da mercantilização da saúde e da escoação do fundo público para o setor privado e financeiro – tendo em vista que entidades como Seconci-SP e Associação Paulista de Oftalmologia e Saúde são empresas criadas por empresários da construção civil e operam na Bolsa de Valores.
Os resultados da pesquisa põem em xeque a natureza não lucrati-va das OSS como entidades do “terceiro setor”, cabendo indagar por que em uma sociedade de mercado essas entidades estariam motivadas tão-somente pelos valores da filantropia, da solidariedade social ou do interesse público. Afinal, a autorização em lei para o pagamento de salários aos dirigentes das OSS, a figuração dessas entidades em ranking das maiores empresas do país e a possibilidade de aplicação dos excedentes monetários na dinâmica da financeirização dos capitais somente poderiam ser explicadas entendendo-se as organizações como forma política ancorada na dinâmica de expansão do mercado da saúde e na acumulação decorrente deste processo. (MORAIS et al., 2018, p. 10).
Outro dilema em torno das OSs é a suposta eficiência tão ostentada pelas agências multilaterais e governos neoliberais. Relatórios do Tribunal de Contas do Município de São Paulo têm apontado a “[...] incapacidade da Secretaria Municipal de Saúde de controlar de modo eficaz os contratos por ela firmados.” (SÃO PAULO, 2010, p. 25). Operações policiais contra o desvio de recursos públicos via OSs também têm se intensificado no estado de Santa Catarina – fatos que expõem a fragilidade no controle social dos serviços prestados por essas instituições (KOVALESKI, 2018a). Tal discussão também é corroborada por Soares e outros (2016), ao fazerem um estudo documental sobre o percurso das Organizações Sociais em Saúde no Brasil.
As OSS não tendem a se constituir em solução gerencial para resolver os problemas do SUS, pois embora se apresentem como modelo “sem fins lucrativos” e fundamentado em técnicas gerenciais modernas e eficientes, tendem a fortalecer a privatização do sistema público de saúde brasileiro através de contratos entre OSS e governos estaduais e municipais de corte neoliberal. (SOARES et al., 2016, p. 847).
Nessa perspectiva, os recursos oriundos do fundo público que deveriam garantir o financiamento das políticas públicas são escoados para a iniciativa privada em nome da eficiência e da modernização do serviço público. Todavia, pesquisas que se debruçaram a analisar a implantação das OSs para gerir os serviços de educação e saúde no estado de São Paulo (ABRUCIO; SANO, 2008; ADRIÃO, 2012; BATISTA, 2013) verificaram que essa alternativa de gestão resultou na precarização dos procedimentos ofertados à população, sendo que a nova administração não entregou a prometida eficiência no gasto público.
O município de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, no Sul do Brasil, constitui exemplo de uma cidade que por muito tempo resistiu à entrada das OSs na gestão municipal. Porém, em abril de 2018 nasceu o inusitado Projeto de Lei (PL) nº 17.484/2018 (SANTA CATARINA, 2018), de autoria da Prefeitura Municipal de Florianópolis, o qual foi aprovado passando a autorizar a contratação de OSs para gerir os serviços públicos. A proposta é polêmica e contraditória, pois técnicos do Tribunal de Contas da União já emitiram pareceres3 alertando legisladores e gestores de que o gasto com funcionários contratados por OSs também deve ser contabilizado como despesa de pessoal. Ou seja, independente da escolha do gestor na forma de contratação – concurso público, terceirizado ou via OSs –, o executivo não escapa das amarras impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)4. De todo modo, o poder executivo municipal alegou que a LRF o impede de contratar novos servidores para atuação em dez creches e duas Unidade de Pronto Atendimento (UPAs) que estariam prontas para inauguração. O município, porém, não dispõe de servidores no seu quadro funcional para executar as atividades de atendimento.
Considerando o contexto da conturbada tramitação e aprovação do PL nº 17.484/2018 em Florianópolis, o objetivo deste artigo é relatar e analisar a conjuntura de implantação das OSs no município, evidenciando os embates criados entre o poder executivo e instâncias de controle social, bem como expor as estratégias colocadas em curso pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (SINTRASEM) em conjunto com diversos setores da população e movimentos sociais organizados, para resistir a essa medida impositiva, apresentada ao poder legislativo de forma autoritária, sem o devido diálogo com a sociedade.
Trata-se de um estudo teórico, com revisão de literatura e pesquisa documental. Os documentos consultados são todos de acesso livre, e, portanto, não houve necessidade de aprovação ética. O artigo seguirá com divisão em duas partes, além das considerações finais. Primeiramente, procuramos traçar um panorama geral do contexto de avanço de políticas neoliberais situando as questões das OSs nesse cenário; na segunda parte, adentramos especificamente o relato da batalha de resistência contra as OSs no município de Florianópolis.
Ao recorrermos à historicidade das políticas públicas no Brasil, especialmente a partir da Constituição de 1988, vamos constatar que as prescrições normativas sempre foram formuladas a partir dos interesses de setores dominantes: políticos, econômicos e sociais. Ao mesmo tempo, debates foram sendo estabelecidos nos diversos fóruns – sindicais, parlamentares, organizações comunitárias –, no sentido de alinhar ou desalinhar estas orientações a partir das lutas travadas nos espaços consultivos e deliberativos. Na década de 90 do século XX, foram incorporadas a esse campo de disputas as dificuldades financeiras da Previdência Social, fruto da crise econômica, além dos altos índices de desemprego que o país enfrentava. Junto a esse pacote, novas prescrições chegaram de Washington:
No caso da América Latina, o Banco Mundial (BM), juntamente com o Fundo Monetário Internacional (FMI), sempre esteve na linha de frente quando das negociações das dívidas externas dos países, o que envolvia o estabelecimento de metas que abarcavam parâmetros macroeconômicos e restringiam o campo da ação pública nas diferentes áreas, inclusive na social. (MARQUES; MENDES, 2015, p. 276).
Como observa Rizzotto (2015), a tentativa do Banco Mundial (BM) em consolidar reformas no Estado brasileiro, a exemplo de interferências nas políticas públicas de saúde e na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), teve grande êxito. Ao contrário do que imaginavam os constituintes de 1988, mesmo com a aprovação do SUS, o complexo médico-hospitalar-farmacêutico privado continuou se expandido, sendo fortemente beneficiado pelas políticas neoliberais da década de 90, especialmente no Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Sob esse panorama nasce a Lei Federal nº 9.637/1998, que criou as OSs e autorizou o poder público a contratar essas entidades para administrar e executar serviços essenciais como saúde e educação. As prescrições do BM, expressas nos relatórios divulgados na fase embrionária em que as discussões sobre as OSs ganhavam fôlego no Congresso Nacional, nos mostram uma narrativa que qualifica o Estado como ineficiente, e advogam a necessidade imperiosa de modernizar a gestão pública.
O problema principal do setor de saúde no Brasil não é, porém, a falta de dinheiro, e sim a aplicação iníqua, ineficiente e ineficaz dos adequados recursos disponíveis. É iníqua, porque a proporção dos recursos públicos destinados aos abastados é demasiada. É ineficiente, por gastar demais em “bens privados” [...] e por não gastar suficientemente com os “bens públicos” [...]. É ineficaz no sentido de que, virtualmente em todos os níveis, os sistemas de administração de recursos humanos são antiquados e improdutivos. (BANCO MUNDIAL, 1991, p. 8-9).
Dessa forma, na perspectiva privatista do BM, os sistemas nacionais de saúde e educação nos chamados países em desenvolvimento deveriam ser compostos por dois subsistemas: um público que ofereça serviços mínimos à ‘Ralé Brasileira’ (SOUZA, 2018); outro privado, com serviços tecnológicos de maior complexidade, que seria ofertado ao restante da população de acordo com o poder econômico de cada usuário (RIZZOTTO, 2015).
Ao observamos a Lei das OSs (Lei nº 9.637/1998), aprovada sete anos depois pelos parlamentares, podemos constatar que a re- dação legislativa é apenas uma sofisticação do que o BM já preconizava em 1991. Todavia, a agenda neoliberal seria intensificada pelo Congresso Nacional após dois anos, com a aprovação da LRF. O texto promulgado no parlamento e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso impõe inúmeros limites no orçamento com a despesa de pessoal, o que, na prática, tem sufocado e sucateado os serviços públicos.
Situando o debate em um contexto mais recente, vemos que o Brasil assistiu à derrocada do modelo de conciliação de classe ressuscitado por Luiz Inácio Lula da Silva, chegando ao ápice da celebração de um acordo jurídico, político, midiático e financeiro que resultou no golpe parlamentar (SOUZA, 2016). A ascensão de Lula ao poder conduziu o país a uma revolução pelo alto entendida, a partir de Gramsci5, como uma revolução passiva contrária à revolução popular que rompe radicalmente com a velha ordem política e social. Neste momento, a direção intelectual e moral da sociedade brasileira deslocou-se das classes subalternas, tendo no comando do aparato de Estado a burocracia sindical do novo sindicalismo, que reforçou ainda mais a ordem burguesa quando parte dos de baixo passou a dirigir o Estado por intermédio do programa dos de cima.Trata-se de uma reação das classes dominantes às pressões advindas da classe trabalhadora, com a finalidade de conservar os fundamentos da velha ordem e, ao mesmo tempo, acolher parte das reivindicações dos trabalhadores relegando ao novo uma exterioridade vazia (BRAGA, 2012).
Com Lula (2003-2010), o Brasil consolida o chamado neo- desenvolvimentismo, que consiste no Estado não ser proprietário, mas sim uma alavanca (a principal, nesse caso) para criar grandes empresas privadas capacitadas a disputar tanto no mercado nacional quanto internacional. Para Alves (2011), o modelo neodesenvolvimentista, que caracterizou o governo petista, possui diferentes direções no que tange ao papel do Estado. Na função de financiador, o Estado utiliza recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e induz o crescimento econômico ao fortalecer grupos privados em setores tidos como estratégicos. Como investidor, o Estado se responsabiliza por investimentos em grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país. Já no papel de provedor, o Estado Social, como denomina o autor, tem o papel de provedor de políticas sociais, sobretudo na diminuição da pobreza, destacando-se, nesse caso, o Bolsa Família (ALVES, 2011, grifo do autor).
Diante das inevitáveis crises cíclicas6 do capital e da inviabilidade em conciliar os interesses entre o Capital e o Trabalho, temos assistido à consolidação de uma agenda econômica autoritária e conservadora, agudizada especialmente após o golpe de 2016, que em nome do rentismo tem ignorado o conceito de justiça social expresso na carta magna constitucional e asfixiado o sistema de financiamento da seguridade social do país.
O trato dado a questões sociais na última década, por meio de medidas paliativas, mitigou as contradições sociais e permitiu certo alívio à pobreza, mas, ao mesmo tempo, postergou os embates indis- pensáveis à mudança estrutural da sociedade capitalista. Os programas focais que caracterizaram a Era Lulista demonstram a opção política do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) por programas de distribuição de renda com o compromisso de superação parcial do atraso capitalista (Braga, 2012). As políticas de gotejamento, as- sim denominadas por Fontes (2010)7, não se comprometeram com a problematização da base estrutural que produz as desigualdades, e foram incapazes de promover a emancipação social, pois se orientaram pela meta de conciliação das classes sem enfrentar a questão social constitutiva do capitalismo (PAULO NETTO, 2013).
O período recessivo vivido no país hoje, especialmente após 2008, sepultou o modelo conciliatório até então fomentado pelo Estado neodesenvolvimentista e trouxe à luz as fissuras indisfarçáveis do sistema capitalista. Nesta conjuntura de crise sistêmica, os trabalhadores assistem ao desmonte dos direitos que levaram décadas para construir e seguem no desafio de reorganizar as suas bases, num novo cenário de disputa entre o Capital e o Trabalho. Neste momento de repactuação, em que já não há tantos excedentes para corrigir as fissuras do sistema, desvela-se, com maior clareza, a aliança ontológica da burguesia com o Estado, inclusive pelo uso da força. Nesta lógica, a violência dos aparelhos do Estado é considerada necessária e legítima à preservação do status quo sob a justificativa, ainda que falseada, da manutenção da ordem. A cidade de Florianópolis, assim como muitas outras do território nacional, tem sido palco dessas disputas, bem como da violência institucionalizada pelo Capital e ope- racionalizada pela truculência estatal através das forças militares.
De acordo com Fatorelli e Ávila (2017), entre 2012 e 2014, o governo federal tem gasto mais de 40% do orçamento com juros e amortizações da dívida pública8. Só em 2014 este montante, 45,11%, correspondeu a 12 vezes os investimentos em educação (3,73%), 11 vezes o da saúde (3,98%) ou mais do dobro da Previdência (21,76%), totalizando R$ 978 bilhões gastos com o rentíssimo do sistema da dívida. Os autores ainda discorrem, sobre o papel do BM na sofisticação de mecanismos em benefício do sistema privado de finanças, que a dívida pública está a serviço da sua operacionalização. Dentre os principais privilégios financeiros do sistema da dívida, a autora aponta os juros elevadíssimos mensais e cumulativos (1); a Emissão de títulos/dívida para pagar juros e cobrir prejuízos do Banco Central (2); a Política de Superávit Primário que se materializa nos cortes de gastos e investimentos sociais, contingenciamentos, congelamentos salariais para garantir o pagamento dos juros da dívida pública (3) que multiplicam o endividamento brasileiro sem contrapartida social, ou seja, com grandes perdas para o financiamento das políticas sociais em que o maior beneficiário é o setor financeiro especulativo.
Para garantir o sistema de rolagem da dívida em plena crise do Capital, foi necessária a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016 pelo Congresso Nacional, cujas repercussões já reverberam na economia brasileira materializando-se num duro golpe do sistema financeiro contra os jovens, os trabalhadores, as populações tradicionais, bem como as comunidades em situação de risco e vulnerabilidade social. A referida emenda constitucional submeteu o conjunto de despesas primárias a um teto rebaixado por vinte anos, ou seja, ela legitimou o congelamento com gastos públicos por duas décadas para que sobrem mais recursos para as despesas não primárias, que são exatamente as despesas financeiras com a dívida que atualmente abocanha a maior fatia do orçamento: 43,94% em 2017, enquanto os gastos com a Assistência Social consumiram 3,35%, Saúde 4,14%, Educação 4,10% e Previdência Social 25,66%.
O PL nº 17.484/2018, objeto de análise neste artigo, é uma das consequências do refluxo do Estado democrático de direito. Momento em que, concomitantemente, temos assistido à ascensão de grupos organizados que têm expressado publicamente o fundamentalismo religioso, a misoginia e o preconceito de classe. Nos embates travados em torno do conceito de justiça social, o projeto econômico neoliberal avança esgarçando o princípio da seguridade social e explicitando as fissuras que sempre acompanharam a história do nosso país.
Nesse tópico, problematizaremos o papel da resistência em terras arrasadas. Estas terras tão sofridas e golpeadas por um parlamento autoritário, eleito para supostamente defender os interesses da população, mas que insiste em ignorar as regras democráticas ao sabor de seus interesses individuais. O que pode germinar em tais terras? Interessou-nos, em especial, analisar um movimento que emergiu das bases comunitárias, de início em protesto contra a proposta autoritária da Prefeitura Municipal de Florianópolis, mas que, aos poucos, ganhou adeptos de vários setores da sociedade civil organizada, colocando em curso um debate mais amplo.
No dia 06 de abril de 2018, uma sexta-feira, às 18 horas, o executivo municipal protocolou na Câmara de Vereadores o Projeto de Lei Creche e Saúde Já (PL nº 17.484/2018). O título nos sugere um conteúdo legislativo relacionado às áreas de saúde e educação, mas o teor expresso na proposta era muito mais complexo, impactando significativamente todas as áreas do funcionalismo público de Florianópolis. Se aprovado, a Prefeitura estaria autorizada a contratar OSs para gerir os serviços de saúde, educação, assistência social, cultura e esporte, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, bem como proteção e preservação do meio ambiente.
Tal proposta chegou ao poder legislativo sem a apreciação de órgãos deliberativos como: Conselho Municipal de Saúde e Conselho Municipal de Educação. Ademais, é preciso enfatizar que tal proposta de Lei chegou ao parlamento municipal desrespeitando por completo as súmulas da Conferência Municipal de Saúde de 20159, que se posicionou contra todas as formas de privatização do serviço público.
No dia 12 de abril, os servidores públicos municipais, reunidos em assembleia, deliberaram, por unanimidade, entrar em greve por tempo indeterminado até que o Projeto de Lei fosse retirado da Câmara Municipal de Vereadores. Todavia, o movimento paredista liderado pelo SINTRASEM colocou em curso novas estratégias de resistência. O movimento massivo de trabalhadores parou creches, escolas e unidades de saúde, passando a prestar os atendimentos em ruas, praças e avenidas, esclarecendo a população sobre o que estava ocorrendo no parlamento (Foto 1).
Ao protocolar o Projeto de Lei em regime de urgência, procedimento legislativo que impede a realização de audiências públicas para debater o tema em questão, o executivo municipal deu início a uma extensiva campanha publicitária nos meios de comunicação de massa. Informava a narrativa que a folha de pagamento está no limite da LRF e que por isso “[...] a Prefeitura não pode contratar mais ninguém […] Nem Médico. Nem professor. Mas é preciso atender às pessoas!” (FLORIANÓPOLIS, 2018). O monólogo segue enfatizando que o poder executivo encontrou a solução para esse problema de gestão: projeto de lei Creche e Saúde Já, “[...] que permite colocar Organizações Sociais para administrar creches e a UPA do continente […] Contratando médicos, enfermeiros, cozinheiros, professores e quem mais for necessário.” (FLORIANÓPOLIS, 2018). E finaliza dizendo à população em um tom comovente enquanto a câmera foca em um idoso desolado por encontrar uma unidade de saúde fechada, “[...] o projeto de Lei está na Câmara e, se não for aprovado, não terá mais creche educando e UPA funcionando.” (FLORIANÓPOLIS, 2018).
Tal situação inusitada levou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) a emitir uma recomendação sugerindo que a Prefeitura retirasse a propaganda do ar10. Uma análise realizada pelo Conselho Municipal de Saúde constatou que o volume de recursos gastos com a veiculação de propagandas em rádios, TVs e jornais impressos divulgando o projeto que estava em tramitação no legislativo era equivalente aos valores que o município gastava para manter uma UPA funcionando durante doze meses. (KOVALESKI, 2018b).
Com a intensificação da mobilização dos trabalhadores e apoio dos conselhos comunitários, associações de bairros, igrejas e entidades classistas, o Executivo, tendo ampla maioria no parlamento municipal, conseguiu modificar o status do Projeto de Lei. A matéria legislativa que tramitava em regime de urgência passou a ser analisada nas comissões em caráter de urgente-urgentíssimo.
Como o novo rito parlamentar em curso, as comissões de justiça, trabalho, educação, saúde e orçamento teriam três dias para emitir o parecer de análise da proposta do executivo. Foi quando o MPSC, em uma ação conjunta com o Tribunal de Contas do Estado, decidiu
[...] recomendar com fundamento no art. 130 da Constituição Federal, no art. 83, inciso XII, da Lei Complementar Estadual nº 197/2000 e nos arts. 107 e 108 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, à PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS:
1 – Encaminhe mensagem ao Poder Legislativo para retirar de tramitação o Projeto de Lei 17.484/2018 e, na ocorrência da nova remessa de um novo projeto de lei ao Poder Legislativo Municipal, com fito de regulamentar o procedimento de qualificação, contratação e fiscalização de organizações sociais, que haja PLENA OBSERVÂNCIA dos preceitos e princípios dispostos na Lei Federal nº 9.637/1998, conforme delineado nos anexos desta recomendação.
2 – Que, através de sua Secretaria de Administração ou órgão equivalente e/ou com atribuições para contratação de organizações sociais, nos processos de transferência do gerenciamento dos serviços públicos à iniciativa privada, OBSERVE RIGOROSAMENTE as medidas constantes dos anexos da presente recomendação, garantindo-se a lisura de todo o procedimento e a máxima relação custo-benefício na contratação efetuada, é dizer, a prestação de serviços públicos de qualidade eficazmente medida em relação ao montante de recursos públicos despendidos. (SANTA CATARINA, 2018, p. 04).
Os anexos da recomendação assinada conjuntamente pelo MPSC e Tribunal de Contas do Estado evidenciam ao menos quatro pontos frágeis que colocam em discussão se a escolha pelas organizações sociais seria a melhor alternativa para enfrentar os problemas de gestão com que o município se deparava: 1) Os conselhos municipal de saúde e educação ficaram sabendo do projeto de lei pela propaganda da prefeitura, veiculada na TV; 2) o rito parlamentar ‘urgente-urgentíssimo’ impediu qualquer debate no legislativo. Não foi possível fazer audiência pública, tampouco ouvir a comunidade; 3) a base parlamentar do executivo municipal ignorou a recomendação da Procuradoria Jurídica da Câmara de Vereadores que apontava uma série de irregularidades – não realização de audiências públicas, inexistência de pareceres de órgãos de controle social, ausência de regras claras e objetivas de como a Prefeitura Municipal iria executar e fiscalizar o contrato de gestão a ser celebrado junto à organização social; 4) o projeto de lei não deixava claros os critérios a serem utilizados para contratar a Organização Social.
Após a notificação do Ministério Público, em menos de 24 horas o executivo municipal apresentou ao parlamento um substitutivo global que tentava responder os pontos questionados. Entre os temas polêmicos da nova proposta apresentada aos vereadores, destaca-se o interesse da Prefeitura em contratar uma consultoria para executar um plano de gestão e fiscalização das OSs. Tal intenção coloca por terra o argumento da falta de recursos públicos. Trata-se claramente de uma tentativa de sufocar o serviço público e impor uma gestão de cunho neoliberal.
O novo Projeto de Lei seguiu tramitando na Câmara Municipal de Vereadores em caráter de ‘urgente-urgentíssimo’ e a mobilização na cidade aumentava. Aulas públicas sobre OSs começaram a ocorrer em universidades, rancho de pescadores, rodas de samba, igrejas e centros comunitários. Em algumas semanas, parte significativa da população do município estava envolvida com as discussões sobre o futuro da saúde e da educação de Florianópolis.
A mesa diretora da Câmara Municipal de Vereadores, assusta- da com a intensificação do movimento, marcou a sessão de votação do Projeto de Lei para o dia 21/04/2018, feriado de Tiradentes (um sábado), às 16 horas. Pela primeira vez na história do município, o parlamento se reunia em fim de semana.
A estratégia do Presidente da Câmara estava evidente: sábado de sol, em uma cidade litorânea, com menos ônibus circulando na cidade por conta do feriado; apostava-se, portanto, que a mobilização seria fraca e a votação ocorreria de forma menos traumática. Todavia, não foi o que ocorreu. Às 14 horas a multidão tomou o entorno da Câmara Municipal. Os vereadores da base do governo, para poder adentrar o parlamento, tiveram que ser escoltados pela Polícia Militar, com a ajuda do Batalhão de Choque.
Pela quantidade de pessoas que ocupavam as ruas nas mediações do parlamento, era visível que não se tratava de apenas uma manifestação de servidores públicos. Aos trabalhadores da Prefeitura, juntaram-se: jovens e professores universitários, idosos, crianças, famílias inteiras, enfim, cidadãs e cidadãos florianopolitanos. O feriado permitiu, inclusive, integração de trabalhadores da iniciativa privada à mobilização.
O número de pessoas nas ruas do centro de Florianópolis superava todas as manifestações contra as OSs realizadas até então. O desfecho da Inconfidência Mané11 foi uma truculência por parte do aparato policial do Estado, com balas de borracha e bombas de efeito moral. Dentro do parlamento, a base do governo conseguiu aprovar o projeto, enquanto spray de pimenta e gás lacrimogêneo eram arremessados contra jornalistas e pessoas que acompanhavam a sessão nas galerias (Foto 2).
Abrimos um parêntese para refletir sobre a pertinência do título do filme de Glauber Rocha para definir o que presenciamos na capital de Santa Catarina: Uma terra em transe (1967). Onde mais representantes da população adentrariam a Câmara Municipal escoltados pelo Batalhão de Choque, enquanto a população é recebida à bala de borracha por exigir a manutenção de dois direitos universais, expressos na constituição federal: saúde, educação? Glauber Rocha inaugurou uma nova estética na produção do cinema nacional utilizando, para tanto, acontecimentos reais que faziam parte do cotidiano no Brasil e na América Latina. O cineasta criou o país fictício de Eldorado. Na trama, o país vive uma polarização em torno do líder populista, o Governador Felipe Vieira, e o Senador Porfírio Diaz, representante da extrema direita. No meio da convulsão e da desordem política representada na trama, temos o Jornalista Paulo Martins (protagonista) e Júlio Fuentes, proprietário de um grande grupo de comunicação (Rádio, TV, Jornal) que utiliza esses veículos, que são concessões públicas ao sabor de seus interesses econômicos. O longa é bastante atual e apresenta elementos importantes para compreendermos a relação promíscua entre a elite brasileira e os meios de comunicação de massa.
A história da sociedade brasileira contemporânea não pode ser compreendida sem que analisemos a função da mídia e da imprensa conservadora. É a grande mídia que irá assumir a função dos antigos exércitos de cangaceiros, que é assegurar e aprofundar a dominação da elite dos proprietários sobre o restante da população. A grilagem agora não assumirá mais apenas a forma de roubo violento da terra dos posseiros pobres, mas sim também a forma de colonização de consciências com o fito de possibilitar, no entanto, a mesma expropriação da elite. Substitui-se a violência física, como elemento principal da dominação social, pela violência simbólica, mas sutil, mas não menos cruel. (SOUZA, 2017, p. 214).
Bebendo na estética do surrealismo, a obra cinematográfica de Glauber Rocha nos oferece elementos muito interessantes para analisarmos as ações da prefeitura municipal e da mídia comercial na Ilha da Magia. O executivo que afirma não ter dinheiro para abrir creches e unidades de saúde destina milhões para que a mídia comercial possa veicular uma propaganda tendenciosa, que desinforma e intimida os usuários do serviço público.
Passados dois dias da Inconfidência Mané, mais de 6.000 servidores reunidos em assembleia deliberam por manter a greve e intensificar o diálogo com a população. A Prefeitura corta o ponto dos trabalhadores e passa a descontar todos os dias parados. O movimento se radicaliza e, no vigésimo nono dia de greve, servidores e movimentos sociais organizados acampam em frente à Prefeitura (Foto 3).
Além de protestar contra a medida autoritária da Prefeitura Municipal, imposta ao parlamento sem o devido diálogo com a população, o movimento começou a coletar assinaturas para um Projeto de Lei de iniciativa popular, com vistas à revogação da Lei das OSs. Com perspectiva de chegar à adesão de 5% dos eleitores da cidade de Florianópolis, o projeto popular poderia, então, ser protocolado na Câmara Municipal, reacendendo a discussão em torno das OSs.
No dia 11 de maio de 2018, o desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina emite um despacho altamente intimidatório contra os trabalhadores e a população que estavam acampados em frente à PMF:
a) Determino a aplicação do Sistema Bacenjud para apreensão do valor suficiente para fazer frente à multa até agora vencida (R$ 3.000.000,00). b) Igualmente determino que cessem os repasses de recursos do Município de Florianópolis ao Sindicato. c) Ratifico a legitimidade dos descontos de vencimentos pelos dias não trabalhados, bem como proíbo que o Município realize creditamento em relação aos servidores grevistas até que haja nova deliberação judicial. d) Autorizo que as faltas ao trabalho sejam consideradas para todos os fins funcionais, inclusive para instauração de reprimendas administrativas ou de cessação dos contratos temporários.
e) Amplio a responsabilidade patrimonial pelas reprimendas ao sindicato em desfavor dos seus dirigentes, que responderão solidariamente. A ampliação agora ditada valerá a partir de sábado, caso se confirme que a greve não se encerre hoje, sexta-feira. Autorizo que a Polícia Militar promova a desocupação de espaços públicos que estejam sendo objeto de ocupação indevida, mesmo transitória, pelo movimento grevista: ruas, prédios públicos ou situações assemelhadas. (SANTA CATARINA, 2018).
Caso os trabalhadores não encerrassem o movimento, uma multa no valor de três milhões de reais seria aplicada contra o sindicato. A Polícia Militar estaria autorizada para usar todo o seu aparato para destruir o acampamento montado em frente à Prefeitura Municipal de Florianópolis. Diante de tal intimidação, os trabalhadores acataram a decisão judicial e voltaram ao trabalho, mas continuaram o diálogo com a comunidade. A coleta de assinaturas para protocolar um projeto de lei de iniciativa popular solicitando a revogação das OSs ganhou ainda mais fôlego. No momento em que este artigo está sendo finalizado – julho de 2018 –, debates acirrados continuam na Câmara Municipal e nos órgãos de controle social12; a coleta de assinaturas para Projeto de Lei de iniciativa popular continua, e a implantação das OSs ainda não foi efetivada.
A opção em repassar para OSs a gestão e execução dos serviços públicos expõe inúmeros problemas que precisam ser refletidos no âmbito da academia: apropriação do fundo público pela iniciativa privada, mercantilização e precarização dos serviços, bem como destruição da rede de proteção social construída nas últimas duas décadas.
Além de situar os riscos que rondam as políticas públicas, julgamos essencial problematizar como os governos têm formulado e executado o orçamento público. Como muito bem observa o sociólogo Jessé Souza (2017), o congelamento dos gastos públicos em educação, saúde e assistência social por duas décadas visa à sacrificação da população para garantir o pagamento de uma suposta dívida pública aos banqueiros sonegadores.
O capitalismo financeiro passa a ser a fração dominante entre as frações do capital, posto que, agora, todas as frações dos proprietários, como do agronegócio, do comércio e da indústria, passam a ter sua fonte de ganho principal nos investimentos especulativos do capital financeiro. A dívida pública funciona como um gigantesco bombeamento de recursos da sociedade inteira para o bolso da classe dos sonegadores. Esse 1% que tudo detém não é apenas dono das empresas, do agronegócio, dos apartamentos das cidades, dos bancos e dos fundos de investimento. Ele agora é o dono do orçamento do Estado. (SOUZA, 2017, p. 165).
O projeto que a Prefeitura Municipal de Florianópolis tenta colocar em curso representa um duro golpe das agências multilaterais contra o serviço público, proposta neoliberal que está em estágio mais avançado em diversos municípios Brasil afora. Trata-se de uma proposta em consonância com BM, que tem orientado, em suas prescrições, a intensificação das parcerias público-privado.
Esse panorama configura explicitamente uma relação de transferência do fundo público para o privado e desmantela o falseado argumento liberal da suposta não interferência do Estado nas relações comerciais. Nesta e em outras tantas circunstâncias percebemos o esvaziamento dos argumentos que costumam criticar a interferência do Estado na economia, mas que, na essência, ocultam das suas narrativas que, na verdade, almejam o Estado Máximo para garantir a acumulação do Capital. Para que isto se materialize, faz-se necessário o Estado Mínimo para a classe trabalhadora.
Com o avanço da crise econômica e, consequentemente, o desemprego estrutural, estados e municípios têm sido demandados por ampliação de serviços em áreas essenciais como educação, saúde e assistência social. A queda na arrecadação de impostos, a inversão de prioridades por parte do poder executivo e os limites impostos pela LRF têm sufocado a oferta de serviços públicos de qualidade. Assim, a implementação de um árduo e complexo ajuste fiscal por parte do poder executivo federal, junto à flexibilização das leis trabalhistas, sucateamento da previdência social e intensificação do ataque aos direitos sociais, são alguns dos desafios que a população terá que enfrentar.
Nesse contexto, entendemos que o movimento instaurado na cidade de Florianópolis contra a implantação das OSs, embora a Lei nº 17.484/2018 tenha sido aprovada e sancionada pelo prefeito mu- nicipal, merece destaque pelo poder de mobilização e pelo intenso diálogo travado com toda a sociedade. Os municipários, em conjunto com a sociedade civil organizada, deram uma verdadeira aula de cidadania, construindo redes em (re)existência, a fim de impulsionar novos debates para que possamos apontar saídas para o obscurantismo instaurado no Brasil. Por fim, é importante mencionar que, em 2018, ano em que os fatos aqui relatados se desencadearam, a Constituição Federal completa 30 anos. Momento mais que propício para comemorarmos – no exato sentido de trazer à lembrança, recordar, memorar – os princípios democráticos e de justiça social nela expressos.