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O GOLPE DE ESTADO NO BRASIL EM 2016 E INFLEXÕES NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
Raí Vieira Soares; Maria Cristina de Queiroz Nobre
Raí Vieira Soares; Maria Cristina de Queiroz Nobre
O GOLPE DE ESTADO NO BRASIL EM 2016 E INFLEXÕES NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, núm. 2, pp. 799-822, 2018
Universidade Federal do Maranhão
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Resumo: O artigo traz reflexão sobre a conjuntura brasileira a partir do Golpe de Esta- do de 2016, considerando o enredo e principais forças políticas envolvidas no episódio, o consequente aprofundamento da crise econômica, política e institu- cional, o seu significado no contexto da crise do capital, e as medidas políticas, legislativas e administrativas que daí resultaram e que têm claro teor regressista quanto aos direitos sociais, trabalhistas e políticos, em especial os rebatimentos na educação superior. A análise se desenvolve considerando também as raízes autocráticas da sociedade brasileira e suas particularidades enquanto desenvol- vimento capitalista tardio, dependente e heteronômico, determinações funda- mentais para o engendramento de novo período com democracia restrita.

Palavras-chave:Sociedade BrasileiraSociedade Brasileira, golpe golpe, educação superior educação superior.

Abstract: The article reflects on the Brazilian conjuncture after the coup d’état of 2016, considering the plot and main political forces involved in the episode, the consequent deepening of the economic, political and institutional crisis, its meaning in the context of the capital crisis, and the political, legislative and administrative measures that have resulted, and which have a clear regressive content in social, labor and political rights, especially in higher education. The analysis also develops considering the autocratic roots of Brazilian society and its peculiarities as late capitalist development, dependent and heteronomous, fundamental determinations for the generation of a new period with restricted democracy.

Keywords: Brazilian society, coup, higher education.

Carátula del artículo

Artigos - Dôssie Temático

O GOLPE DE ESTADO NO BRASIL EM 2016 E INFLEXÕES NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

Raí Vieira Soares
Universidade Estadual do Ceará - UECE:, Brasil
Maria Cristina de Queiroz Nobre
Universidade Estadual do Ceará - UECE, Brasil
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, núm. 2, pp. 799-822, 2018
Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 29 Janeiro 2018

Aprovação: 08 Outubro 2018

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, em 2016, foi impactado por Golpe de Estado representado na perda de mandato da Presidente Dilma Rousseff em processo de impeachment com base legal duvidosa e moralmente frágil. Isto ocorreu sob argumento de que a presidenta cometera crime de responsabilidade devido às manobras contábeis de seus governos: edição de decretos de suplementação orçamentária e atraso em repasse de recursos ao Banco do Brasil. De fato, tratava-se de arranjos contábeis, prática corriqueira em vários governos.

Como resultado imediato do golpe, instalou-se o governo do vice-presidente Michel Temer que, curiosamente, foi formado por inúmeros ministros réus ou investigados por crimes de corrupção, sendo o próprio titular do executivo federal suspeito desses mesmos crimes e tendo enfrentado a abertura de dois processos de impeachment. Estes não avançaram devido a inúmeras negociações na Câmara Federal, embora as investigações continuem com autorização do Supremo Tribunal Federal. Estes fatos, por si só, depõem contra a onda moralista que marcou o processo de impeachment da Presidenta Dilma.

O governo Temer, a despeito de seu caráter ilegítimo, tem empreendido medidas políticas e administrativas com impacto nas políticas sociais como a educação superior, objetivo principal desta análise particular e aproximativa. Ademais, as privatizações empreendidas, em especial de recursos naturais como o petróleo, implicam mudanças significativas na relação do Estado com o mercado. Em seu conjunto, essas medidas representam novo ciclo neoliberal em contexto de crise do capital e atende às suas demandas de recompo- sição da taxa de lucros, de incorporação de novos eixos de mercado e, sobretudo, valorização da esfera financeira, o que será abordado na primeira parte deste artigo.

Na segunda parte do texto, há breve resgate da formação da sociedade brasileira com apontamentos sobre as condições particulares do capitalismo que aqui se desenvolveu e do caráter autocrático da classe burguesa, elementos centrais para compreensão do golpe de Estado de 2016 e de suas consequentes políticas.

Na terceira e quarta partes do artigo desenvolve-se análise sobre a política de educação superior. Inicialmente, considera-se como essa política vinha em crescimento nos governos de Dilma Rousseff e de seu antecessor do mesmo partido, Luís Inácio Lula da Silva. Em linhas gerais, essa expansão de vagas e do número de instituições é decorrência tanto de investimentos públicos como de forte intervenção do mercado com subsídios públicos. Portanto, é processo permeado de contradições e que viabilizou significativa inserção de jovens das classes populares na rede de ensino superior. Em seguida, e como último aspecto a ser considerado, empreende-se análise sobre como a política de educação superior está sendo impactada pelo governo ilegítimo de Michel Temer. Essa reflexão é incipiente por se tratar de processo em curso e com desdobramentos ainda indefinidos, porém com tendência que aponta o aprofundamento das desigualdades sociais e regressão ao acesso ao ensino, pesquisa e extensão.

Nas considerações finais, mais que uma síntese do artigo, destaca-se que a realidade em curso nos demanda capacidade crítica de análise e nos cobra disposição política para resistir a esse tempo de regressões sociais e políticas.

2 O GOLPE DE 2016 NO CONTEXTO DE CRISE DO CAPITAL

O Golpe de 2016 no Brasil, “[...] que tem vergonha de ser chamado de golpe” (JINKINGS, 2016, p. 11), representa a maximização do pensamento conservador no controle do Estado brasileiro voltando-se para intensa privatização, cuja consequência é atingir formato mínimo para a classe trabalhadora no âmbito das políticas sociais, e maior controle social. Nos seus primeiros momentos levou para o Congresso pauta sintonizada com demandas do grande capital tanto no sentido da reforma trabalhista já aprovada, que atualiza a flexibilização do mundo do trabalho, como da reforma previdenciária. Neste último caso, apresenta-se a falácia de que o sistema previdenciário é insustentável dado o crescente envelhecimento da população, escamoteando a nova oportunidade de apropriação desse fundo público pelo mercado caso se concretize tal reforma.

Embora não seja caso isolado de ameaças à democracia, o Golpe de 2016, no Brasil, apresenta características diferenciadas de outros ocorridos no país e na América Latina entre as décadas de 1960 a 1980 e efetivados por forças armadas. Agora têm sido usadas manobras jurídicas na interpretação da Constituição de 1988, forte atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), articulações políticas espúrias no Parlamento e sustentação ideológica na grande mídia com denúncias de corrupção dos governos do PT e seus principais atores.

A matilha de cães da direita oligárquica – neoliberal e reacionária– expressa sua sede em derrubar – não mais pelo voto, mas por um golpe de força jurídico-parlamentar – seus adversários políticos internos, apropriando-se, deste modo, dos recursos de administração da ordem burguesa caduca (ALVES, 2016b, grifos originais do autor).

O Golpe de 2016 se reveste de suposta legalidade institucional por ter seguido o rito constitucional que prevê o impeachment de presidente quando ocorre crime de responsabilidade. Neste caso, embora laudos técnicos atestassem a legalidade das medidas contábeis adotadas durante o Governo Dilma Rousseff, os relatórios parlamentares se pautaram em subterfúgios que permitiram o andamento do processo e seu desfecho final com as votações na Câmara e no Senado que determinaram a suspensão e depois a perda do mandato presidencial. De fato, o golpe na forma de impeachment foi a alternativa da direita frente ao seu descontentamento com as seguidas derrotas eleitorais desde 2002.

Repetiu-se no Brasil a investida conservadora por meio de golpes de estado amparados no legislativo e judiciário e sob alvoroço da mídia, tal como em outros governos da América Latina: Honduras (2009) e Paraguai (2012). No primeiro caso, o Presidente Manuel Zelaya teve a prisão preventiva solicitada pelo Ministério Público com argumento de irregularidades ao encaminhar consulta popular sobre a realização de uma constituinte, sendo acusado de traição à pátria e levado a exílio forçado (PRONER, 2016, p. 70). No Paraguai, o presidente Fernando Lugo sofreu processo de impeachment em prazo curtíssimo, pouco mais de 24 horas, tendo como argumento de que o mesmo provocou constantes confrontos de classe no país (PRONER, 2016, p. 71). Nos dois casos os golpes ocorreram mesmo com a pressão internacional.

Os golpes à democracia brasileira e nos países mencionados precisam ser compreendidos no contexto do capitalismo neoliberal e sua expressão como crise financeira em 2008/2009 em termos mundiais. Como é amplamente conhecido na literatura marxista, as crises históricas impõem ao capital a necessidade da restauração da ordem burguesa e a recomposição de suas taxas de lucro, acentuando e expondo suas contradições estruturais.

A disputa pelo território geopolítico da América Latina tornou-se decisivo para o Departamento de Estado norte-americano após a crise de 2008/2009, embora desde 2001, a CIA tenha atuado para desestabilizar o governo Chávez na Venezuela [...], no governo Dilma, produziriam materiais que alimentariam a Operação Lava-Jato. Depois do marco regulatório do Pré-Sal em 2010, o alvo chave tornou-se a Petrobrás. [...] Portanto, a América Latina na década de 2000 tornou-se, com as novas experiências neodesenvolvimentistas e pós-neoliberais área problemática para os interesses norte-americano, principalmente quando começou a articular-se os BRICS em 2011 (ALVES, 2016b, s/p).

As investidas do grande capital sobre a América Latina se inserem em processo mais amplo que David Harvey (2003) sugeriu como novo imperialismo ao situar as ações bélicas e políticas dos EUA como tentativas de repor suas perdas com a desindustrialização de sua economia e a crescente financeirização. Naquele país, a crise do capital vem se apresentando desde 2001 como forte recessão, de- semprego e aumento da desigualdade social. Neste quadro recessivo tornaram-se fundamentais ofensivas contra países com reservas de petróleo, seja na forma de guerras como a no Iraque, seja no apoio a golpes como o que derrubou momentaneamente o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, em 2002.

A análise de Harvey ainda em 2002, muito antes do colapso imobiliário e financeiro de 2007/2008, inscreve também a Síria como país alvo de futuras investidas americanas por sua posição estratégica no Oriente Médio, única região onde estavam mapeados campos de petróleo com previsão para durarem por mais de cinquenta anos. Se a história tem demonstrado a assertiva desse intelectual em sua análise sobre a trajetória imperialista dos EUA, é preciso lembrar que sua reflexão foi realizada também antes da descoberta do Pré-Sal no Brasil. Esta conquista só foi anunciada pela Petrobrás em fins de 2006, situando o país entre as seis maiores reservas de petróleo do mundo e imediatamente fonte de cobiça dos EUA e outros países imperialistas.

Ao ponto em que chegamos está muito clara a ofensiva impe- rialista norte-americana na formatação do golpe no Brasil: monitoramento daquele país às atividades da Petrobrás e escutas de telefone da presidenta Dilma, em 2013, denunciadas pelo ex-agente da CIA Edward Snowden (KAZ, 2013); omissão do Governo Barak Obama quando da destituição do mandato da presidenta legítima; fluídas relações entre autoridades americanas e membros do judiciário, em especial, da chamada Força Tarefa da Operação Lava Jato que tem agido prioritariamente nos casos de investigação e condenações que envolvem membros do PT e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Portanto, o Golpe de 2016 no Brasil está para além das disputas políticas internas envolvendo as classes sociais e suas representações político-partidárias, expressa também o movimento do capital na busca de se recompor de sua crise estrutural, só possível ao renovar as disputas entre as grandes nações em suas investidas às riquezas de regiões menos desenvolvidas.

No caso particular do Brasil, a crise financeira de 2008/2009 reconfigurou a luta de classe na década de 2010, intensificou as contradições do projeto econômico neodesenvolvimentista proposto pelos governos do PT e possibilitou a (re)articulação da direita neoliberal. Ampliaram-se os ataques a esses governos visando à sua desestabilização e a estratégia do golpe branco (ALVES, 2016b). A crise política se acentuou logo após a vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais de 2014 disputadas com Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Sob a pressão de processo eleitoral polarizado e o país divido, a presidenta assumiu inicialmente a política econômica de ajuste fiscal do seu opositor sob o pretexto de manutenção da governabilidade, ocasionando crescente perda de base social de sustentação política. (BRAGA, 2016). As condições para o golpe foram ampliadas pelas sucessivas notícias de corrupção envolvendo o PT1.

A crise de governabilidade do PT também indica a fragilidade do retrógrado exercício de alianças fisiologistas e outras práticas tradicionais que marcam a política brasileira. Isto acabou por dar margem à cobrança moralista sobre o caráter corrupto desses governos na medida em que as denúncias de atos ilícitas foram veiculadas pela mídia de modo seletivo e envolvendo os principais dirigentes petistas. O cenário do golpe refletia, por sua vez, a ascensão do pensamento conservador e do reacionarismo expresso no “[...] ódio mortal por parte dos setores da elite às opções econômicas e políticas dos governos do PT.” (NOBRE, 2016, p. 07). Isto apareceu tanto nas manifestações de rua como no Congresso, sob argumento da necessidade do impeachment da presidenta Dilma para sanar a crise através das reformas dos direitos sociais e trabalhistas. As elites se reencontram com o seu passado, incorporando ao pensamento neoliberal o ranço senhorial da Casa-Grande que despreza qualquer concepção de direito e desqualifica o que é público.

3 AS RAÍZES SÓCIO-HISTÓRICAS DO GOLPE DE 2016: caráter autocrático da burguesia e sua forma limitada de “democracia”

As condições para o golpe de 2016, para além de seus aspectos conjunturais, apontam para os limites da revolução burguesa no Brasil. Esta se configurou como democracia restrita, forma limitada no acesso aos direitos sociais e trabalhistas, bem como às diferentes estruturas de poder com o predomínio dos que detêm recursos econômicos e se apropriam do Estado. No último caso, ainda que o direito de voto esteja preservado, é comumente tensionado pela força do poder econômico e sua capacidade de compra de voto e o prestígio pessoal de lideranças políticas. Nas relações de poder são utilizados também recursos da repressão e violência aos movimentos populares (FERNANDES, 2006), restringindo o direito de livre associação quando não os próprios direitos civis. Nesses termos, mantém-se atualizada a cultura senhorial que surge da sociedade colonial escravagista e, na atualidade, naturaliza as desigualdades sociais e nega ao outro o reconhecimento como sujeito de direitos. (CHAUÍ, 2000).

A chave de explicação para os limites do impulso democrático da burguesia brasileira, sempre propensa a casuísmos e autoritarismos para preservar seu poder decisório, está no tipo de capitalismo que aqui se desenvolveu. Como destaca Florestan Fernandes (2006) em a Revolução Burguesa no Brasil, a formação da burguesia passou por desenvolvimento ambíguo e fluído, tendo em vista que o burguês surge como uma entidade especializada, um agente artesanal – negociante – inserido no processo de mercantilização e produção. O marco da Independência do Brasil significou a ruptura com o estatuto colonial e criou as bases da expansão da burguesia, quando os senhores rurais passaram por processo de aburguesamento. (FERNANDES, 2006, p. 34). Nessas condições, a revolução burguesa não pode ser tratada como fato episódico, histórico, mas como fenômeno estrutural, ademais de particular desenvolvimento do tipo burguês: novos tipos de homens oriundos do velho senhor rural e com todas as consequências políticas e ideológicas que tal processo implicou.

Ainda sobre os limites da Revolução Burguesa no Brasil, Mazzeo (2015) chama atenção para o fato de que no Brasil o desenvolvimento capitalista não ocorreu com uma ruptura revolucionária, mas enquanto articulação conciliatória, na qual as classes populares foram excluídas desse processo. Por esta razão também as classes dominantes sempre optaram por reformas pelo alto, antecipando-se em demandas populares e as reformando de modo excludente, ao mesmo tempo em que expurgava o povo dos espaços de decisão. De fato, coexiste uma concepção burguesa e nobre-mercantil impossibilitando a formação de uma burguesia com intenso espírito industrial e modernizador.

O desenvolvimento tardio da burguesia, o modo limitado como assimilou o pensamento liberal e a herança de uma estrutura de poder arcaica, própria das relações subordinadas e dependentes de país colonizado, produziram uma das mais marcantes características da sociedade brasileira: as relações sociais de dominação patrimonialista. Esta gera comportamento predatório e irresponsável em relação ao patrimônio público, além de sustentar uma elite econômica e política descomprometida com o desenvolvimento autônomo do próprio país. Na relação íntima com o Estado, a burguesia se apropria do poder burocrático para exercer influência e atender interesses particulares, ou seja, a “[...] oligarquia não perdeu a base de poder que lograra antes [...]” (FERNANDES, 2006, p. 240).

Nesses termos, desenvolve-se uma burguesia situada no referencial do mundo provinciano e rural limitada ao conservadorismo político e cultural. Em consequência, o capitalismo no Brasil foi marcado pela reprodução das relações mandonistas típicas do poder oligárquico.

Poderíamos dizer que se constituiu uma nova aristocracia e que foi a oligarquia (“antiga” ou “moderna”) – e não as classes médias ou os industriais – que decidiu, na realidade, o que deveria ser a dominação burguesa , senão idealmente, pelo menos na prática. Ela comboiou os demais setores das classes dominantes, selecionando a luta de classes e a repressão ao proletariado como o eixo da Revolução Burguesa no Brasil. (FERNANDES, 2006, p. 246, grifos do autor).

Tal aspecto explica a existência de burguesia autocrática, conservadora e reacionária, características que se mantêm nas elites contemporâneas. Com isso, a sociedade brasileira convive com classes dominantes que têm aversão às práticas e formas democráticas de governo, sentem enorme desconfiança do povo ou o despreza de todo. Aqui tem sido possível uma democracia restrita que significa “[...] aberta e funcional só para os que têm acesso à dominação burguesa [...]” (FERNANDES, 2006, p. 249).

Nessa perspectiva de análise, Chauí (2001) destaca que o Brasil é sociedade historicamente autoritária, conservando características do período colonial escravista e a cultura senhorial na dinâmica contemporânea2. Isto se reflete no predomínio do espaço privado sobre o espaço público com a família sendo o centro e modelo hierarquizado que é reproduzido nas demais estruturas da sociedade. Em seu conjunto, as relações sociais são estabelecidas na forma mando-obediência, restringindo a concepção de direitos pela cultura do favor, do clientelismo, da tutela, da cooptação e do patrimonialismo. Nesses termos, a lei tem a tarefa de conservar os privilégios e legitimar o exercício da repressão, naturalizando as desigualdades sociais e o autoritarismo. Ademais, nossa sociedade carrega também excessiva valorização dos símbolos de poder e prestígio. (CHAUÍ, 2000).

Esses aspectos políticos, ideológicos e culturais se refletem na conjuntura brasileira com o governo de Michel Temer adotando medidas de ataques às conquistas da classe trabalhadora, sendo o ilegítimo presidente a “[...] síntese trágica da farsa burguesa no Brasil”, o “[...] sinistro mordomo da Casa Grande senhorial” responsável pela restauração burguesa no contexto de crise do capital (ALVES, 2016b).

Dentre os direitos ameaçados encontra-se a educação superior pública, cujo crescimento e melhoria de qualidade foram significativos nos últimos tempos, ainda que em condições diferenciadas do setor privado com subsídios públicos. Com as transformações do capitalismo contemporâneo, o capital necessitou de ampliação do ensino no sentido de capacitar a força de trabalho para os processos tecnológicos pertinentes a novos padrões de produtividade. Por sua vez, o capital apropriou-se da bandeira de luta dos trabalhadores e sob o discurso da democratização da educação superior a transformou em negócio altamente lucrativo, retirando sua concepção enquanto direito e lhe atribuindo qualidade de serviço que pode ser mercantilizado (CHAUÍ, 2001). Ainda assim, os resultados numéricos ficam a desejar.

Atualmente, o número de estudantes universitários no país passa de 7,03 milhões, que frequentam 2.416 instituições. Embora expressivo, este aumento não melhorou o atendimento das necessidades de formação no Brasil, nem ajudou o governo a atingir a meta estabelecida pela Unesco, de levar a oferta de vagas no ensino superior a pelo menos 30% da população entre 18 e 24 anos até 2020. Os mais de 7 milhões de estudantes representam 17% da população em ‘idade universitária’ (PRIMI apud ALBUQUERQUE; PEREIRA, 2016, p. 52).

Em país marcado historicamente pelo acesso à educação superior como privilégio, a expansão desse acesso na última década é questão significativa, que não deve ser desconsiderada nem muito menos descartada. Esse é um cuidado que se deve ter para não correr o risco de críticas unilaterais carentes de mediações que excluem as contradições dos programas dos Governos Lula e Dilma que permitiram maior acesso ao ensino superior e, em especial, de jovens oriundos das classes populares. Nessas condições, assumem grande importância as lutas pela democratização da universidade brasileira.

Nesse cenário é constituída a educação pública no país, refletindo os aspectos que ainda predominam nas relações sociais próprias da nossa formação sócio-histórica e econômica. De um lado, ainda vivenciamos a (re)construção de violentas estratégias de segregação e mercantilização; e de outro, a luta pelo direito à educação pública com qualidade e por sua efetiva democratização (ALBUQUERQUE; PEREIRA; 2016; p. 28).

O desafio é problematizar a educação considerando os fatores conjunturais e as determinações estruturantes da sociedade brasileira. No âmbito deste artigo arriscamos alguns apontamentos sobre os primeiros impactos da quebra da normalidade democrática para essa política social, do esgotamento do projeto do PT3 e do avanço do conservadorismo que reforça a educação pública como privilégio e a educação como nicho de mercado lucrativo.

4 GOVERNOS DO PT E AS CONTRADIÇÕES NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

O Golpe de 2016, como já exposto, apresenta modus operandi diferenciado, sem intervenção de forças militares e manutenção de ritos próprios da democracia (a realização das eleições municipais de 2016, o funcionamento em ritmo intenso do Congresso Nacional e outros poderes), ao tempo em que reproduz a histórica instabilidade da democracia brasileira sempre que os interesses dos segmentos burgueses mais conservadores são contrariados. Em outros termos, o golpe que cerceou o mandato da presidenta Dilma Rousseff de- monstra “[...] a miséria da política no Brasil, caracterizada historicamente pela pulsão golpista.” (ALVES, 2016a). De fato, confirma a fragilidade da democracia burguesa nos marcos de país capitalista periférico, dependente e com preservada herança oligárquica, colonial e escravista.

A instituição republicana brasileira, que vem de 1889 (a mais tardia das Américas), foi marcada historicamente pela instabilidade. Entre 1889 1960, um presidente renunciou ao cargo (Deodoro da Fon- seca, em 1891); outro foi derrubado (Washington Luís, em 1930); um terceiro, Getúlio Vargas, que o movimento de 1930 levou ao poder (impedindo a posse de Júlio Prestes), instaurou a ditadura do Estado Novo (1937), foi deposto por um golpe em 1945 e, eleito em 1950, suicidou-se em 1954, respondendo à eminência de outro golpe. Antes, um presidente não concluiu seu mandato (Afonso Pena, que morreu no exercício da presidência, em 1909) e outro não chegou a ser empossado (Rodrigues Alves, eleito em 1918, faleceu antes de assumir). (PAULO NETTO, 2014, p. 27).

Todo esse processo expõe também as contradições e os limites da política de governabilidade assumidos pelos governos de coalização encabeçados por Lula e Dilma. Por sua vez, mesmo ex- pressando avanços sociais, esses governos foram incapazes de romper com as principais diretrizes da política neoliberal, sobretudo o esforço de manter superávit primário, a despeito da urgência de políticas de longo prazo e voltadas a combater desigualdades sociais históricas. As necessárias críticas que devem ser feitas aos governos do PT não podem levar a abstração sobre a ocorrência do Golpe de Estado, como fazem alguns segmentos de esquerda.

O que aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, foi um golpe de Estado. Golpe de Estado pseudolegal, “constitucional”, “institucional”, parlamentar ou o que se preferir, mas golpe de Estado. Parlamentares – deputados e sena- dores – profundamente envolvidos em casos de corrupção (fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente pretextando irregularidades contábeis, “pedaladas fiscais”, para cobrir déficits nas contas públicas – uma prática corriqueira em to- dos os governos anteriores! (LÖWY, 2016, p. 64, grifos do autor).

A crise dos governos do PT representa o esgotamento de seu projeto social democrata, dado os seus próprios limites de comprometimento com o grande capital, tais como a submissão ao capital financeiro e forte incentivo ao agronegócio de base latifundiária. Ao mesmo tempo, esses governos tiveram iniciativas que merecem destaque: reconhecimento de direitos sociais; expansão de políticas sociais compensatórias e de combate à fome; aumento do emprego formal; valorização do salário mínimo; ampliação de espaços de controle social nas políticas sociais.

Se tais políticas não contestam o poder de propriedade, donde insuficiência do projeto petista, essas também permitiram acesso a bens e direitos antes restritos aos setores mais abastados da sociedade. Assim, ao garantir recursos para os mais pobres através de transferência de renda, ao apoiar política de valorização do salário mínimo e legislação trabalhista específica para a(o)s empregados doméstica(o)s, tais governos acabaram por mexer com valores culturais e vaidades de uma elite acostumada às grandes distâncias sociais e aos benefícios de fácil acesso a vasta mão de obra sempre disponível a trabalhos com poucos ou sem direitos (NOBRE, 2016, p. 06-07).

No que se refere à política de educação superior no Brasil, Lima (2012) destaca a ocorrência de processo de expansão desde o governo Fernando Henrique Cardoso, articulado com racionalidade neoliberal através de duas principais estratégias: ampliação do setor privado e privatização interna das universidades públicas. São marcas desse período: expansão de instituições não-universitárias, sem obrigatoriedade de implementar pesquisa e extensão; criação de cursos de curta duração e na modalidade à distância provocando uma certificação em larga escala; venda de serviços educacionais, parcerias público-privadas e cursos pagos nas universidades públicas. Como resultado, até 2006, do total de 2.398 IES, 2.141 (89,28%) eram privadas e 257 (10,72%) públicas (MEC/INEP, 2007 apud LIMA, PEREIRA, 2009).

Nos governos do PT duas grandes iniciativas na educação superior mantiveram o predomínio do mercado: o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Por sua vez, foram criadas 18 novas universidades públicas federais (PAULANI, 2016, p. 72), houve a expansão e interiorização das unidades existentes através do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). O mesmo ocorreu com a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica com os Institutos Federais que passaram para 562 unidades em todo o Brasil e atingiram 512 munícipios brasileiros. Ainda do ponto de vista quantitativo, o número de docentes e técnicos administrativos mais que triplicou tanto nas universidades quanto nos institutos federais. Qualitativamente, diversificou-se a oferta de ensino, desde o nível médio integrado aos cursos técnicos, formação de jovens e adultos, até cursos de graduação e de pós-graduação (ARCARY, 2015). Os institutos foram equiparados às universidades federais no que tange à autonomia e à institucionalização das dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão. Complementam as iniciativas de fortalecimento do ensino público a criação do Programa Ciências sem Fronteiras (já reconfigurado no Governo Temer), bem como a lei de cotas para estudantes de baixa renda, oriundos de escolas públicas e aqueles autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

Em seu conjunto, esse processo é marcado por maior acesso de jovens ao ensino público, interferindo nas enormes distâncias sociais, mas sem enfrentar a demanda de melhores condições de permanência dos estudantes, uma necessidade para além das novas condições de infraestrutura das IES e pauta histórica do movimento estudantil. Da mesma forma, ocorreu o ingresso de grande número de trabalhadores no serviço público federal com expansão e interiorização da formação, mas com acentuadas marcas de precarização das unidades da rede dos IFs e das universidades federais, bem como de condições de trabalho nessas unidades. As instituições também enfrentam vários desafios com a mudança do perfil de estudantes, em sua maioria estudantes-trabalhadores que muitas vezes são impossibilitados de participar de atividades de pesquisa e extensão, ficando limitados ao ensino. Como também, sob condições antagônicas, permite a vivência do ensino superior e do movimento estudantil a jovens que anteriormente não tinham nenhuma experiência de organização política. A chegada dessas instituições de ensino nas regiões interioranas é impactante, considerando as históricas desigualdades regionais e ao fato de que os grandes centros urbanos eram os principais espaços de formação profissional de nível superior (PEREIRA et al., 2015).

Em relação aos cursos de Serviço Social, Pereira (2010) des- taca que a formação profissional em Serviço Social não está isenta desse processo de expansão e mercantilização da educação superior, pois 91% dos cursos criados a partir de 2003, já nos governos do PT, estão inseridos no setor privado e 60% destes em IES não-universitárias (faculdades isoladas e centros universitários), sem obrigatoriedade do exercício da pesquisa e extensão, dimensões essenciais no processo formativo em conformidade com as Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS)4. Comparando-se período mais largo, que inclui também os governos do PSDB, identifica-se que em 1995 a iniciativa priva- da representava 57% dos cursos através de 41 unidades de ensino. Em 2010, o ensino privado já compreendia 81% da formação pro- fissional em Serviço Social por meio de 270 instituições de ensino e 68.724 matriculas (BRAZ; RODRIGUES, 2013).

A expansão dos cursos de Serviço Social nas condições descritas acima impacta e descaracteriza o ensino universitário e a proposta de formação profissional construída coletivamente desde os anos 1980. Isto porque as atividades de ensino ficam dissociadas das iniciativas de pesquisa e de extensão; ademais de restritas vivências em espaços de organização política, a exemplo do movimento estudantil. Isto ocorre em expansão do mercado de trabalho para assistentes sociais, principalmente a partir da instituição, no Governo Lula, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005.

Na realidade cearense, como em todo o Brasil, a formação profissional em Serviço Social enfrenta vários desafios devido à expansão desenfreada da iniciativa privada e do ensino à distância. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC)5, até o segundo semestre de 2017, no estado como um todo, existem 34 instituições de ensino superior ofertando esse curso. Deste universo somente 02 estão em IES públicas: na Universidade Estadual do Ceará (UECE), um curso com 67 anos de existência, e o mais recente ofertado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), na cidade de Iguatu que está localizada a 378km da capital cearense. Os demais cursos são todos ofertados pela iniciativa privada na modalidade presencial e a distância. Estes últimos estão distribuídos em vários polos pelo interior do Ceará e se reproduzem em dinâmica difícil para se acompanhar e obter números precisos. Outro desafio que vem se apresentando na realidade cearense é a proliferação de cursos na modalidade de extensão, que são ofertados como cursos de graduação, portanto, como cursos irregulares e ilegais.

Ainda que favorecendo o setor privado e o mercado com sua proposta neodesenvolvimentista, as iniciativas dos governos do PT no âmbito de políticas sociais, sobretudo na educação superior, incomodaram as elites no Brasil e mais precisamente a direita oligárquica em um contexto de crise do capitalismo e de maior competitividade do mercado de trabalho qualificado.

Tal como o PT, a parte social de 1988 foi uma pedra no caminho da transição conservadora para um capitalismo oligárquico. Mesmo com a degradação política do PT, a modernização conservadora do lulismo possuía um sinal exótico: o combate à desigualdade social e programas sociais que exigiam mais da capacidade fiscal do Estado (ALVES, 2016b, grifos do autor).

O reconhecimento dos limites do ciclo de poder dos últimos treze anos de governos petistas não pode se pautar em análise voluntarista, mas supõe considerar leitura rigorosa dos limites de classe da democracia burguesa e as especificidades da própria política brasileira. Esta reproduz os traços de uma formação social marcada pelo clientelismo e alianças envoltas em interesses particulares e patrimonialistas, tanto no interior do aparelho burocrático do Estado como também em sua relação com a sociedade; a dinâmica imediata dos partidos e, muitas vezes, circunscrita aos momentos eleitorais; os momentos de instabilidade política, como já referido, e as saídas conservadoras com rupturas de mandatos presidenciais; o desequilíbrio nas relações entre os diferentes poderes e o foco das ações políticas no executivo, dentre outras.

Nesses termos, os governos do PT não apenas representaram uma possibilidade de ascensão ao executivo de projeto que emanou da sociedade em seu movimento de redemocratização, mas expressou também os limites da estratégia de governabilidade que focou na conciliação de classes com o objetivo de viabilizar projeto com traços populares. Isto se fez intensamente comprometido com forças políticas e econômicas poderosas e pouco afeitas a compartilhar seus dividendos.

5 GOVERNO TEMER E AS POLÍTICAS SOCIAIS: impactos sobre a educação

Efetivado o Golpe em 31 de agosto de 2016, o vice-presidente Michel Temer assumiu oficialmente a Presidência da República com o objetivo de implementar um governo baseado no documento programático Uma ponte para o Futuro (PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO DO BRASIL, 2015)6. Esse programa de governo segue todas as diretrizes da agenda neoliberal na sua plenitude, tendo como eixos principais a necessidade de reformas e do ajuste fiscal; redução estrutural das despesas públicas. Além disso, propõe “[...] executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada”; “[...] realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional” e “[...] na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais” (PARTI- DO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO DO BRASIL, 2015, p. 18-19).

As reformas do governo ilegítimo de Michel Temer têm como base o desmonte do Estado e privatizações, incluso das políticas sociais. O ajuste fiscal consiste na principal estratégia de apropriação do fundo público pelo capital financeiro e rentista, através de pagamentos de juros da dívida. Essas reformas na realidade se configuram como contrarreforma (BEHRING, 2008), por trazerem fortes impactos para o conjunto dos trabalhadores por meio de perdas no campo dos direitos sociais e trabalhistas, intensificando os processos de precarização e flexibilização das relações de trabalho e mudanças regressivas nas políticas sociais.

Logo quando assumiu o governo, Michel Temer conseguiu aprovar a reforma Trabalhista (Projeto de Lei – PL nº 6787/2016)7 e a lei que regula as terceirizações (Projeto de Lei da Câmara – PLC nº 30/2015)8, estratégias que mais têm se ajustado aos interesses de recompor as taxas acumulação do grande capital, além do teto para os gastos públicos (PEC nº 55/2016)9. Por sua vez, tentou-se como urgente a reforma da Previdência (Proposta de Emenda Constitucional - PEC nº 287/2016)10, não concretizada por resistências no Congresso e a proximidade das eleições. Essas medidas impactam diretamente a classe trabalhadora quanto aos seus direitos sociais e trabalhistas, além de pôr em xeque a implementação das políticas sociais, por estabelecer limite máximo de gastos públicos que vigorará por 20 anos, inviabilizando a universalização das políticas de saúde e educação prevista na Constituição Federal de 1988. Nesse cenário, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 257/201611 foi aprovado na madrugada de 09 de agosto de 2016 na Câmara dos Deputados, ainda que com modificações. Este dispõe sobre o congelamento do salário mínimo e afeta diretamente os servidores públicos.

Considerando a particularidade da educação, o governo de Temer demonstra o conservadorismo em várias medidas. Uma delas, muito simbólica, foi a recepção do Ministro da Educação, Mendonça Filho, ao ator Alexandre Frota para tratar de políticas educacionais12, ocasião em que se discutiu a necessidade de aprovação do Projeto de Lei Escola Sem Partido13 para supostamente “[...] evitar doutrinação ou assédio ideológico” nas escolas. Esse projeto representa o desmonte da educação pública e visa a eliminar o pluralismo essencial no processo formativo, objetivando uma educação nacional com “[...] neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado” (PLS 196/2016, p. 01). Assim, o projeto prevê na sua materialidade a reprodução única e exclusiva dos valores dominantes excluindo o debate e outras possibilidades de reflexão da realidade. Em reposta a essa medida, constituiu-se, a partir do movimento estudantil, docente e várias entidades defensoras da educação pública, a Frente Nacional Escola Sem Mordaça14 que vem fomentando os impactos desse projeto, promovendo atos e debates junto à sociedade.

Outro tema relacionado à educação no governo de Temer diz respeito à reforma do Ensino Médio proposta através da Medida Provisória (MP) nº 746/201615, já aprovada no plenário do Senado Federal. A medida foi imposta sem nenhum debate com a sociedade e encaminhada por Temer em regime de urgência para o Congresso. Esta MP traz em seu conteúdo a flexibilidade dos currículos, tornando 60% da matriz curricular em disciplinas obrigatórias e 40% de disciplinas optativas. Somente são obrigatórias as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, retirando, consequentemente, a obrigatoriedade de disciplinas de artes e educação física, deixando a cargo do estudante a escolha de uma das cinco áreas para se especializar. Além disso, a medida permite a contratação de professores que demonstrem notório saber para ministrar conteúdos e áreas afins. Dessa forma, a medida reforça a histórica divisão entre a formação propedêutica e a profissional (especializada) e rompe com a concepção ampliada de educação enquanto processo formativo e humano, além de possibilitar o exercício da docência de professores sem formação, isentando o Estado da responsabilidade da formação docente.

Contrapondo-se à PEC do teto dos gastos públicos, ao Projeto Escola Sem Partido e à reforma do Ensino Médio, ganhou destaque em 2016 o movimento de ocupação das escolas pelos estudantes secundaristas em várias capitais e também nos interiores nos estados, chegando a 1.000 escolas ocupadas em todo o país. Esse movimento demonstrou o potencial politico e organizativo dessa juventude através do movimento estudantil. Por isso, esse movimento também sofreu crescente processo de criminalização e repressão, principalmente com o governo estadual do PSDB em São Paulo16.

Acrescenta-se, também, a Portaria Normativa nº 20, promulgada em 13 de outubro de 2016 pelo Ministério da Educação17. Esta dispõe sobre a redução de vagas nos cursos de graduação ofertados pelas IES integrantes do Sistema Federal de Ensino. Esta e as outras medidas apresentadas anteriormente demonstram que o governo ilegítimo de Temer tem como um de seus objetivos o desmonte da educação pública, impondo suas diretrizes de forma autoritária e re- produzindo valores das elites brasileiras na qual a educação é vista enquanto privilégio.

6 CONCLUSÃO

Com base na exposição apresentada, reafirmamos a necessidade de situar a formação sócio-histórica do Brasil para compreender a configuração atual dessa sociedade, principalmente na conjuntura após o Golpe de 2016 e a instalação do governo ilegítimo de Michel Temer. Resgatar os traços da nossa formação social é importante para compreender a particularidade das elites e classes dominantes no Brasil, seu caráter conservador, reacionário e retrógrado que reproduzem valores e visões de mundo, herdadas de um passado colonial em que as relações sociais são baseadas na hierarquia familiar e relação Casa Grande-Senzala. Entre muitos aspectos, o antipetismo expressa o elitismo e o caráter da burguesia brasileira:

O sentimento de ódio contra o PT fomentado deforma irresponsável e criminosa, sobretudo pelos meios de comunicação, é um sentimento de ódio a tudo que o PT representa simbolicamente para a mentalidade elitista e tacanha. O antipetismo, como fenômeno sociológico, é síntese de antiesquerda, antigay, antifeminista, antinegro, antimovimento social (BOULOS; GUIMARÃES, 2016, p. 141).

Ao mesmo tempo, como nos lembra Alves (2016b), o Golpe de 2016 deve ser analisado levando em consideração o caráter de- pendente e periférico do capitalismo brasileiro no contexto da crise do capitalismo neoliberal. Nesse processo, percebemos também que a estratégia de governabilidade dos governos petistas apresentava vários limites e contradições, o que resultou no impedimento ilegal do mandato da presidenta Dilma. Ao assumir a presidência, o governo Temer vem demonstrando o total compromisso com a agenda neoliberal do grande capital impondo um pacote amplo de reformas que impactam as políticas sociais, dentre elas a educação articulada a uma política econômica que tem na sua centralidade o ajuste fiscal compromissado com o pagamento de juros da dívida. O governo ilegítimo de Temer está implementando uma contrarreforma (BEHRING, 2008) que caracteriza processo intenso de retrocessos dos direitos sociais e trabalhistas historicamente conquistados depois de muitas lutas.

Nesse cenário, o principal alvo dessas reformas é a classe trabalhadora. O objetivo é a retirada de direitos, o desmonte do Estado, privatização das políticas sociais públicas e o assalto ao fundo público pelo capital financeiro-internacional, expropriação das reservas naturais do país, sobretudo o petróleo. Para concretizar tais objetivos há reforço e avanço do braço repressor e punitivo do Estado sobre as mobilizações sociais e populares, colocando em jogo também os direitos civis e políticos de participação. Com o testemunho da história na realidade brasileira, nos momentos de crise política e intensificação das contradições sempre se gestaram formas e estratégias de resistência e luta.

Na contemporaneidade o Golpe de 2016 mostra também a necessidade de refletir sobre a esquerda brasileira, suas pautas de luta e estratégias de organização, inclusive porque uma parte desse setor político se nega a reconhecer a conjuntura como resultante de um Golpe de Estado. Como também, o golpe nos ensinou que não é possível conciliação de classes com a política de alianças ou da governabilidade, é preciso “[...] resgatar a radicalidade e os princípios históricos de um projeto popular e anticapitalista.” (BOULOS; GUIMARÃES, 2016, p. 143). Torna-se exigência, nesse contexto, o fortalecimento da organização coletiva dos trabalhadores e da ação sindical, romper com o corporativismo e avançar na unidade da luta para barrar esses retrocessos impostos pelo governo ilegítimo de Temer. A ordem do dia é: Ocupar, Lutar e Resistir!

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
1 O primeiro episódio de corrupção de grande repercussão na mídia foi o Mensalão ainda no primeiro mandato do Governo Lula em 2005; tal fato gerou uma grande crise política, mas naquele momento os grandes setores industriais deram sustentação política ao governo, por reconhecer que a política econômica adotada favorece a grande burguesia industrial interna. Em meio à crise do Mensalão, Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) declarou: “chega de falar em crise, vamos trabalhar” demonstrando apoio do setor industrial ao Governo Lula (BOITO JR, 2012). Importante lembrar que a FIESP foi uma das principais entidades mobilizadoras pelo impeachment de Dilma Rousseff, assim como a declaração “chega de falar em crise, vamos trabalhar” fez parte dos primeiros discursos de Michel Temer como presidente.
2 Indicamos a leitura de Chauí (2000) para um maior aprofundamento sobre o autoritarismo como marca histórica da sociedade brasileira.
3 Há intenso debate sobre o projeto dos governos petistas e sua relação com o neoliberalismo, com várias denominações: “frente neodesenvolvimentista”, “novo desenvolvimentismo”, “neodesenvolvimentismo” e “social-liberalismo”. Corroborando com Katz (2016), o “neodesenvolvimentismo” envolve uma variedade de interpretações o que dificulta a delimitação das suas teses principais e a sua conceituação. Para maior aprofundamento, indicamos a leitura de Alves (2016a), Boito Jr. (2012) Castelo (2012), Gonçalves (2010; 2012), Maranhão (2014), Mota (2012) e Sampaio Jr. (2012).
4 É preciso destacar que embora as Diretrizes Curriculares da Abepss apontem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como princípio formativo, as Diretrizes Curriculares de Serviço Social do MEC (2001) excluem esse princípio, contribuindo para uma formação que se restringe à sala de aula sem necessariamente existirem espaços de fomento à pesquisa e extensão (ORTIZ, 2013).
5 Para consulta das informações dessas instituições no Ceará, bem como de outros estados, recomendamos acessar o sistema do e-MEC (Disponível em:http://emec.mec.gov. br/).
6 Documento elaborado na Convenção Nacional do PMDB e aprovado em 29 de outubro de 2015. Para acessar o documento na íntegra ver em:http://pmdb.org.br/wp-content/ uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf.
7 A proposta de reforma trabalhista foi aprovada e transformada em lei ordinária 13. 467/2017. Acompanhar no site da Câmara (Disponível em:http://www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076).
8 Informações sobre o projeto no site do Senado (Disponível em:http://www25.senado. leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120928)..
9 Quando tramitava na Câmara dos Deputados era conhecida como PEC 241/2016, já no Senado Federal passou a ser PEC nº 55/2016, na qual foi aprovada em plenário (Disponível em:https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127337).
10 Para acompanhar o processo de tramitação da PEC no Congresso Nacional acesse o site da Câmara (Disponível em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramit acao?idProposicao=2119881).
11 Mais informações no site do ANDES (Disponível em:http://www.andes.org.br/andes/ print-ultimas-noticias.andes?id=8300).
12 Mais informações em:http://www.revistaforum.com.br/2016/05/25/nao-e-piada- ministro-da-educacao-recebe-alexandre-frota-para-debater-o-ensino-no-brasil/.
13 Esse projeto foi protocolado no Senado Federal como PL nº 196/2016, para acessar o conteúdo do projeto:https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/ materia/125666.
14 Para conhecer mais sobre a Frente:http://escolasemmordaca.org.br/.
15 Mais informações em:http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/ materia/126992.
16 Sobre as ocupações ver o site El pais (Disponível em:(http://brasil.elpais.com/ brasil/2016/10/24/politica/1477327658_698523.html).
17 Para acessar o conteúdo da portaria:http://www.lex.com.br/legis_27200548_ PORTARIA_NORMATIVA_N_20_DE_13_DE_OUTUBRO_DE_2016.aspx.
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