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TRABALHO, GÊNERO E RAÇA: análise da precarização do trabalho nas telecomunicações do Rio de Janeiro

Maria Cristina Paulo Rodrigues
Universidade Federal Fluminense - UFF, Brasil

TRABALHO, GÊNERO E RAÇA: análise da precarização do trabalho nas telecomunicações do Rio de Janeiro

Revista de Políticas Públicas, vol. 22, núm. 2, pp. 923-944, 2018

Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 03 Abril 2018

Aprovação: 05 Novembro 2018

Resumo: O presente artigo resulta de pesquisa que investiga as transformações nas tele- comunicações após a sua privatização, em 1998, tendo como foco o Trabalho nas empresas do Rio de Janeiro. Mostra que esse trabalho foi profundamente flexibilizado e precarizado, também como parte das estratégias adotadas pelo capital, a nível global, para enfrentar mais uma de suas grandes crises, a partir da década de 1970. Aponta, ainda, que a flexibilização das relações de traba- lho atinge especialmente determinados grupos (jovens, mulheres, negros), o que compromete as formas de organização e representação dos trabalhadores. Conclui, no entanto, que a análise dos documentos acessados – fichas de homo- logação, e-mails de denúncias, Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho – além de entrevistas com dirigentes sindicais e questionários com demitidos nos permite dizer que há uma resistência dos(as) trabalhadores(as) contra essa lógica da precarização.

Palavras-chave: Precarização, desigualdade, gênero, raça, resistência.

Abstract: This article is the result of research that investigates the transformations in telecommunications after its privatization in 1998, focusing on companies in Rio de Janeiro. This work has been deeply relaxed and precarious, also as part of the strategies adopted by the capital, at global level, to face another one of its great crises, from the decade of 1970. Points out, that the flexibilization of labor relations affects certain groups (young people, women, black people), which compromises the forms of organization and workers representation. However, it concludes, that the analysis of the documents accessed - homologation files, e-mails of denunciations, Collective Agreements and Conventions of Work - in addition to interviews with union leaders and questionnaires with dismissed allow us to say that there is resistance from the workers against this logic of precariousness.

Keywords: Precariousness, inequality, gender, race, resistance.

1 INTRODUÇÃO

Em uma longa pesquisa etnográfica, que durou 15 anos e resultou no livro Retorno à condição operária, Beaud e Pialoux (2009) afirmam que os operários existem, mas não os vemos mais, associando essa invisibilidade à reabilitação da empresa reestruturada desde o início dos anos 1980, que ganha nova força no controle do trabalho – tanto em seus elementos objetivos, quanto naqueles que os autores chamam de cultura de oficina, sustentada nas práticas solidárias entre os trabalhadores para o enfrentamento da vigilância patronal. Mas a invisibilidade também pode ser associada ao adeus ao proletariado dado por inúmeros intelectuais marxistas num quadro em que as relações de trabalho se deterioravam cada vez mais e as formas de resistência coletiva, como os sindicatos e partidos, per- deram influência. Por isso, e a despeito de toda essa dura realidade, Beaud e Pialoux (2009, p. 11) defendem que se continue a estudar a realidade operária, “[...] porque essa é uma questão cada vez mais atual, e porque é preciso continuar a ir às fábricas para ver como se trabalha”.

As reflexões apresentadas no presente artigo se filiam a essa perspectiva e propósito, concordando com os autores que ir às fábricas, hoje, é se colocar o desafio de desvelar tanto os elementos de exploração quanto de dominação do trabalho pelo capital. E nesse sentido, se propõem a dialogar também com Alves (2013) que identifica a precarização do trabalho como um dos elementos principais da lógica da acumulação do capital na contemporaneidade, o que a faz assumir uma dupla dimensão: da precarização social do trabalho (expressa na degradação da condição salarial) e da precarização do-homem-que trabalha (expressa na degradação do homem, que se vê diante de uma crise da vida pessoal, da sociabilidade e da autorrefe- rência pessoal).

Mas, se a precarização pode ser tomada como a face generalizada do trabalho no capitalismo global, no entanto, não é possível pensar numa realidade única, homogênea entre os países e/ou regiões, especialmente quando consideramos a condição periférica de países como o Brasil. Nesse caso, as desigualdades1, que não chegaram a ser enfrentadas e vencidas de forma generalizada, se aprofun- dam ainda mais e é por isso que os aspectos citados no título ganham sentido teórico-prático com a realização da pesquisa.

Harvey (2011), em seu livro O enigma do capital, vai propor que as táticas do capital para o controle do trabalho devem ser muito bem analisadas, especialmente aquelas ligadas às questões de gênero, etnia/raça, religião e preferência sexual, através das quais o capitalista tentará usar as diferenças entre os trabalhadores em seu benefício, importando para o espaço da produção relações de poder sustentadas em valores como o patriarcado, o respeito à autoridade, dentre outros.

No caso das telecomunicações cariocas, a materialidade dessas relações pode ser conhecida a partir da pergunta inicial sobre quem são os(as) trabalhadores(as) demitidos(as) das empresas de telecomunicações. Para respondê-la, foram analisadas cerca de 17 mil fichas de homologação das rescisões dos anos de 2012 e 2015, e 520 questionários foram aplicados junto aos trabalhadores(as) no momento de sua homologação. Também foram analisados os Acordos e Convenções Coletivas de empresas representando cada um dos segmentos do setor, além de terem sido realizadas entrevistas com dirigentes e representantes sindicais de base para aprofundamento de algumas questões. Ainda nessa perspectiva, os dados da pesquisa sobre o trabalho das mulheres nas telecomunicações cariocas, de 2012, também foram retomados, a fim de compreender a intersecção entre gênero, raça, geração na constituição do trabalho precarizado na atualidade.

O artigo em tela recupera, assim, o processo de pesquisa empreendido na análise do trabalho nas telecomunicações do Rio de Janeiro a partir da sua privatização no final dos anos 1990, apresentando, além desta Introdução e das Considerações Finais, três itens principais: o primeiro associa as profundas mudanças que acontecem no setor às transformações do capitalismo contemporâneo para o enfrentamento de suas crises, e aponta como tais mudanças se sustentam numa intensa precarização das relações de trabalho; o segundo item apresenta como os componentes de exploração e dominação do trabalho pelo capital – traduzidos, na contemporaneidade, pela intensificação da flexibilização das relações de trabalho; pela terceirização generalizada; pela fragmentação da classe trabalhadora – nos permitem traçar um perfil dos(as) trabalhadores(as) em telecomunicações, cuja marca principal pode ser associada à desigualdade entre um pequeno grupo de estáveis e um imenso grupo de precários. O terceiro item trata das ações resistência – individuais e coletivas; contingenciais e organizadas – empreendidas pelos(as) trabalhadores(as) frente à precarização, e que precisam ser analisadas em sua materialidade e no seio de suas contradições e complexidade.

2 PRIVATIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

Não há dúvida sobre a gravidade e complexidade da crise que se abateu, ainda que de maneira diferenciada, sobre todas as sociedades nas últimas décadas do século XX: uma crise estrutural e resultante justamente do caráter contraditório do modo de produção capitalista.

Para seu enfrentamento, o capital utilizará de várias estratégias, dentre as quais destacam-se os processos de reestruturação na produção, sustentados num intenso desenvolvimento tecnológico e pelas formas de acumulação flexível, acompanhados ainda pela expansão do projeto econômico, social e político neoliberal.

Tais estratégias trazem consequências aterradoras para o campo do trabalho, por conta do aumento significativo da precarização nas formas de contratação e nas relações de trabalho, mas para além disso, nos permitem situar as mudanças ocorridas nas telecomunicações neste contexto, não apenas como um setor que sofre as consequências de tais mudanças, mas, pelo contrário, como um dos instrumentos que tornam essas mudanças possíveis. (ALMEIDA, 1994 apud RODRIGUES, 2002).

No plano mundial, as mudanças nas telecomunicações acontecem desde os anos 1960 (ALMEIDA, 1994 apud RODRIGUES, 2002) e, no Brasil, o modelo estatal2 é colocado em xeque pelo governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, através da Emenda Constitucional que suprime o monopólio estatal. Deste período até julho de 1998, quando acontece o leilão de privatização das empresas estatais, o governo fará uma série de ajustes no setor – que compreenderá desde a redefinição tarifária (com um aumento de 2.172,73% entre 1994 e 1998, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2009), até investimentos na base de R$21 bilhões, segundo Biondi (2003 apud DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2009) também num curto período entre 1996 e o primeiro semestre de 1998.

Mas, como não podia deixar de ser, é para os trabalhadores que as medidas tornam-se ainda mais dramáticas, com a adoção generalizada dos Planos de Demissão Voluntária (PDV) ou Incentivada (PDI). Antunes (2006) e Alves (2013) associam essa prática das empresas com as demissões voluntárias como uma das principais características de um novo modo de organização e regulação do trabalho, que, associada a outros elementos, tais como o uso intensivo das novas tecnologias microeletrônicas (que ultrapassa o espaço do trabalho, tomando o cotidiano e consumo); os novos métodos de gestão e organização do trabalho (espírito do toyotismo – trabalhadores assalariados, operários ou empregados tornam-se colaboradores); as novas relações flexíveis de trabalho (remuneração flexível – PLR; Banco de Horas; contrato de trabalho por tempo determinado, parcial; terceirização etc), constituem o que Alves vai chamar de a nova precariedade salarial.

O desemprego – ou as formas precárias de emprego – se um dos elementos principais do novo modelo que passa a vigorar no setor de telecomunicações no período pós-privatização. Estudo do DIEESE, de 2009, sobre o emprego no setor dez anos após a sua privatização, aponta quatro períodos distintos, sendo que no primeiro quadriênio, de 1994 a 1998 (este, anterior à privatização), há uma redução de 16% no número de empregos, com o uso intenso dos PDVs e PDIs. Também há uma intensificação da terceirização – expediente já utilizado pelas empresas desde os anos 1980, só que mais marcante nas atividades de limpeza e vigilância3. No segundo momento, 1999/2000, há um leve crescimento de vagas (9,5%), mas o período seguinte, de 2001 a 2003, traz uma redução significativa em comparação com o número de 1994 – 30% de redução no emprego. Nos anos de 2004 e 2005 o emprego no setor volta a crescer (34%), mas não consegue repor a perda acumulada desde o início dos anos 1990. O mesmo acontece nos anos de 2006 e 2007, mas vale destacar que o emprego que cresce, nesse período, é o de menor remuneração: 53%, no caso do emprego com remuneração entre 1 e 2 salários mínimos, enquanto o total de empregos com remuneração superior a 20 salários mínimos diminuiu 9%

Novo levantamento do DIEESE, de 2014, para a Federação Nacional dos Trabalhadores em Telecomunicações (FENATTEL), traz luz para um processo que, se tem início ainda nos anos 1980, ganha expressão e dramaticidade exatamente após a privatização do setor – a terceirização. Os números referentes às duas maiores operadoras nos dão mostras do que Salerno (1995 apud ALVES, 2013) aponta como estratégico para a acumulação do capital – a flexibilidade da força de trabalho. Essa flexibilidade é sustentada, na atualidade, por uma aguda terceirização. Senão, vejamos os dados: a Vivo tinha, na ocasião, 20.878 trabalhadores diretos e 114.603 trabalhadores em empresas terceirizadas; a Oi tinha 18.947 trabalhadores diretos e 148.298 terceirizados4.

Passa a prevalecer o que Alves (2013) denomina como uma nova morfologia social do trabalho: nos locais de trabalho reestruturados5, convivem lado a lado trabalhadores precários e estáveis, sendo que a situação de precariedade acaba por afetar a todos – aos primeiros, mais expostos à rotatividade no trabalho, a acidentes e doenças profissionais; e o segundo grupo, exposto à pressão do trabalho dominado e à presença do exército de reserva. Tomando apenas o aspecto da rotatividade, no setor de telecomunicações, essa taxa atinge 41% no teleatendimento e 31% nos demais segmentos, segundo dados do DIEESE (2014).

No Rio de Janeiro, os relatórios do Setor de Homologação do Sindicato de Telefonia do Rio de Janeiro (SINTTEL-Rio) nos apresentam um número alarmante no período entre 2012 e 2015: 72.158 (setenta e duas mil, cento e cinquenta e oito) demissões6. E, para além dos números gerais, o que pudemos perceber a partir dos relatórios é que há uma diferença e uma desigualdade entre as condições dos trabalhadores nas operadoras e nas empresas prestadoras de serviço. É nestas últimas que está concentrado o maior número de demissões, confirmando o que os dados do DIEESE apontavam.

A tabela abaixo, elaborada a partir dos questionários aplicados aos trabalhadores(as) no momento de sua homologação, no sindicato, nos dá uma amostra dessa diferença desigual entre os diversos segmentos:

Tabela 1
Demissão por Empresas Prestadoras de Serviços e Operadoras
EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS %
ATENTO 140 26,9
SEREDE 30 5,8
TELEMONT 35 6,7
CONTAX 136 26,2
OUTRAS 109 21
TOTAL PRESTADORAS DE SERVIÇOS 450 86,6
OPERADORAS
OI 49 9,4
VIVO/GVT 10 1,9
EBT/CLARO/NET 11 2,1
TOTAL OPERADORAS 70 13,4
TOTAL GERAL 520 100,0
Elaboração da autora, com Ana Caillaux com base na pesquisa: SINDICATO DE TELEFONIA DO RIO DE JANEIRO. Relatório Final da Pesquisa Homologação. Rio de Janeiro, 2015.

Mas não é apenas numericamente que podemos perceber a diferença desigual entre trabalhadores(as) das operadoras (estáveis) e trabalhadores das prestadoras de serviço (precários). Por isso, interessa-nos também delinear um pouco melhor o perfil dessa condição de precarização do trabalho, o que faremos a seguir.

3 QUEM SÃO OS(AS) “PRECÁRIOS (AS)” NAS TELECOMUNICAÇÕES DO RIO DE JANEIRO?

Se já sabemos em que segmentos está concentrada a maior parte das demissões – elemento inconteste da precarização do trabalho na atualidade – é preciso investigar também as próprias condições de trabalho a que estão submetidos estes grupos de trabalhadores(as). Nesse sentido, ainda nas fichas de homologação foi possível levantar novos elementos dessa condição: tanto em 2012 quanto em 2015 prevalece nas empresas de telecomunicações do Rio de Janeiro o contrato de trabalho por tempo indeterminado (97,6% em 2012 e 98,7% em 2015); assim como a maioria dos trabalhadores está incluída na categoria de empregados (97,7% em 2012 e 98,7% em 2015).

Mas, se há uma formalização generalizada na contratação, o que poderia se contrapor à ideia de uma precariedade salarial, as relações de trabalho estabelecidas nas operadoras e nas prestadoras de serviços não se dão de forma homogênea, o que acaba constituindo um perfil de trabalhadores em telecomunicações bastante diferenciado entre si, que se articula com o tipo de trabalho (mais ou menos especializado/exigente de maior ou menor qualificação) desenvolvido por determinada empresa, permitindo maior explicitação daquela divisão entre precários e estáveis de que falamos anteriormente.

Essa divisão ajuda-nos a constituir um determinado perfil do trabalho no setor no Rio de Janeiro atualmente. Voltando à pesquisa As Mulheres e o Mundo do Trabalho nas Telecomunicações, foi elaborado um quadro com o número de trabalhadores das principais empresas de telecomunicações de Rio de Janeiro7 e a porcentagem de homens e mulheres em cada uma delas. Se considerarmos o número total, podemos dizer que a categoria de trabalhadores em telecomunicações é formada, em sua maioria, por mulheres, mas numa relação razoavelmente equilibrada com os homens, dos 60.472 trabalhadores distribuídos pelas principais empresas do Rio de Janeiro, 51,6% são mulheres e 49,4% homens. No entanto, quando detalhamos essa definição entre operadoras e prestadoras – e, nestas últimas, separando-as entre empresas de Teleatendimento e de Rede – percebemos uma divisão bastante sexuada: nas três principais empresas de Rede selecionadas para a pesquisa (Telemont, Serede e Nokia Siemens) o total de homens representava 84,7%, contra 15,3% de mulheres. Já as empresas de Teleatendimento (Atento, Contax, PCService e TMKT) apresentavam 69,3% de mulheres e 30,7% de homens em seus quadros. Apenas nas operadoras (Oi, Vivo, Claro, EBT, TIM), essa divisão era um pouco mais equilibrada, com 42,6% de mulheres e 57,4% de homens.

Sobre a concentração das mulheres em determinado segmento/ empresas/funções, Cappellin (2012), em artigo resultante da pesquisa supracitada, irá destacar que desde a década de 1950 as trajetórias femininas estavam inseridas numa rígida segregação ocupacional – a maioria era telefonista e algumas poucas eram trabalhadoras qualificadas, inseridas em áreas técnicas e de gerência (no topo da pirâmide)8. Transcorridos mais de 50 anos, “[...] o processo de privatização aliado à profunda modernização tec- nológica dos equipamentos, não só não altera, mas aprofunda as diversas modalidades de inserção das mulheres trabalhadoras no que concerne às posições ocupacionais”. (CAPPELLIN, 2012, p. 164).

Além de se constituírem na maioria dos trabalhadores das empresas de telecomunicações do Rio e, talvez por isso mesmo – assim como, por ocupar os cargos de mais baixa qualificação – as mulheres são também demitidas em maior número que os homens, confirmando os estudos que indicam que junto com os jovens, os negros e aqueles com mais baixa escolaridade/especialização, as mulheres formam um dos grupos mais atingidos pela flexibilização e precarização das relações de trabalho na contemporaneidade.

Além disso, se articularmos este aspecto com outros elementos tais como idade, faixa salarial e tempo de empresa, já é possível perceber como vai se formando uma experiência/vivência de trabalho na qual a própria demissão se constitui de modo diverso para trabalhadores das operadoras e prestadoras e, em cada empresa, como estes dados citados influenciam, também de forma variada, os grupos atingidos pela demissão.

Em primeiro lugar, podemos dizer que, especialmente no caso das empresas de teleatendimento e das empresas de rede, as demissões mantêm o mesmo padrão da composição do seu quadro de trabalhadores: são demitidas cerca de 70% de mulheres e 30% de homens no teleatendimento, enquanto na Rede os homens demitidos representam mais que 80%.

Entre as operadoras é que percebemos uma diferença de padrão, quando do momento da demissão: das seis empresas analisadas, em quatro delas, há um predomínio da demissão de mulheres, numa porcentagem bem superior à adotada para com os homens9 – por volta dos 60% de demissão de mulheres. Apenas a GVT (que, no Rio de Janeiro, atua principalmente com a área de instalação e reparo e, portanto, tem um quadro de trabalhadores majoritariamente masculino) apresenta uma porcentagem de demissão feminina minoritária. A EBT também apresentou maior porcentagem de homens demitidos, embora consideremos que talvez a justificativa para tal situação esteja articulada a outras três características que pudemos analisar – faixa etária, faixa salarial e tempo de empresa – e que, naquela situação parecia associada ao fato de que o grupo majoritário era também mais velho, com a maior faixa salarial e maior tempo de empresa.

Além disso, as faixas salariais reforçam as mesmas diferenças entre as condições dos trabalhadores dos determinados segmentos, como foi verificado no item anterior: entre as prestadoras, temos a Atento (Teleatendimento), na 1ª faixa, de 1 Salário Mínimo, com 62,6%; e das outras cinco empresas (de rede e teleatendimento), quatro delas estão na 2ª faixa, de 1 a 1 e ½ Salário – Contax: 50,1%; Brasilcenter: 56,8%; Telemont: 64,5%; Serede: 61,5%. Vale dizer que nelas, a faixa de 3 Salários ou Mais é residual, não ultrapassando mais que 5%, enquanto nas operadoras variou na margem dos 30%.

Em relação à faixa etária, podemos destacar, como na maior parte dos estudos que vêm sendo realizados, que é no segmento do Teleatendimento que está o grupamento mais jovem da população – na Atento são 36,3% e na Contax, 34,7% até 25 Anos. Em segundo lugar, a faixa que mais aparece, em todas as empresas, independente se operadoras ou prestadoras, é de 25 a 40 Anos, com uma porcentagem acima de 60%, em alguns casos ultrapassando os 70%10.

Quanto à cor11/raça, temos a predominância da Preta/Parda (60,9%), em comparação com a cor/raça Branca (37,5%), Amarela (1,2%) e Indígena (0,4%), como podemos verificar através da tabela colocada a seguir, já detalhada por empresa:

Tabela 2
Distribuição das demissões pelas Empresas por Cor/Raça
COR/RAÇA
EMPRESAS NEGROS E PARDOS NÃO NEGROS Total
87 52 139
ATENTO 62,6% 37,4% 100,0%
2 9 11
EBT/CLARO/NET 18,2% 81,8% 100,0%
18 12 30
SEREDE 60,0% 40,0% 100,0%
19 30 49
OI 38,8% 61,2% 100,0%
4 6 10
VIVO/GVT 40,0% 60,0% 100,0%
94 41 135
CONTAX 69,6% 30,4% 100,0%
25 10 35
TELEMONT 71,4% 28,6% 100,0%
66 42 108
OUTRAS 61,1% 38,9% 100,0%
315 202 517
Total 60,9% 39,1% 100,0%
Elaboração da autora, com Ana Caillaux com base na pesquisa Homologação (SINDICATO DE TELEFONIA DO RIO DE JANEIRO, 2015).

Mais uma vez, se tomamos os dados da pesquisa sobre as mulheres nas telecomunicações, como fez Souza (2012), no Gráfico abaixo, podemos verificar como a intersecção entre gênero e raça reforça a desigualdade instituída nas relações de trabalho, ao compararmos as condições de trabalho nas operadoras e nas empresas prestadoras de serviço.

Depreendemos desses dados, que não apenas no que se refere aos trabalhadores demitidos, mas àqueles que estão na ativa, e considerando especificamente o grupo das mulheres, há uma diferença entre o perfil que predomina nas empresas terceirizadas e nas operadoras: nas primeiras, majoritariamente estão as mulheres negras/ pardas, mais jovens, com escolaridade média, recebendo entre 1 e 1 e ½ salário mínimo. Condição que explicita uma situação histórica de desigualdade, ao mesmo tempo que atualiza e sustenta, como apontou Harvey, as estratégias atuais do capital para o controle do trabalho, com sérias consequências para os direitos destas mulheres trabalhadoras e para o conjunto da classe que vive-do-trabalho.

Uma das consequências que podem ser citadas refere-se ao nível de investimento na qualificação e promoção dos trabalhadores. Entre o conjunto das entrevistadas há um entendimento de pouco investimento, por parte das empresas, na sua qualificação e promoção. Mas, mesmo nesse caso, é possível verificar diferenças desiguais quando consideramos grupos étnicos também diversos. Segundo Souza (2012), mais de 50,0%, nos dois grupos, não foram promovidas entre 2010 e 2012: 67,6% das trabalhadoras brancas e 79,3% das negras. Porém, entre o grupo de mulheres que foram promovidas, 32,4% delas são brancas, e 20,7% negras.

Além disso, a maioria das mulheres não recebeu nenhum curso de atualização no período citado (54,6% das mulheres brancas e 57,5% das mulheres negras). E entre as mulheres que receberam cursos de atualização 45,4% são brancas e 42,5% são negras. Esses dados, segundo a autora, irão determinar também a forma como as mulheres se sentirão em relação ao seu trabalho. Quando perguntadas sobre a satisfação com a vida profissional, 42,9% das mulheres brancas declaram-se satisfeitas com a vida profissional; entre as negras, 38,9% declaram-se nem satisfeitas, nem insatisfeitas com a vida profissional. Das que se encontram muito insatisfeitas o maior percentual recai no grupo das mulheres negras 7,4%, e 3,9% entre as mulheres brancas (SOUZA, 2012).

Quando analisamos as questões colocadas três anos depois, em 2015, para os trabalhadores demitidos das operadoras e das empresas prestadoras de serviço, sobre por que trabalhar nessa empresa, ou se voltariam a trabalhar novamente no setor, podemos perceber um padrão semelhante nas respostas. Entre os trabalhadores das operadoras, os motivos principais porque trabalhavam naquelas em- presas eram “[...] o trabalho que fazia era interessante” (Informação verbal)12; “[...] a empresa dava muitos benefícios” (Informação ver- bal)13; “[...] o salário que recebia era bom” (Informação verbal)14. Já nas quatro empresas terceirizadas, em três delas a justificativa mais votada foi “[...] receava ficar desempregado.” (Informação verbal)15. Ao detalharmos outras questões relacionadas às condições de trabalho (remuneração, capacitação, promoção, respeito e dignidade, condições ambientais, jornada de trabalho, equipamentos de segurança) foi nestas mesmas empresas que encontramos as avaliações consideradas de regulares a ruins pela maioria dos trabalhadores.

Daí a associação à resposta negativa quando indagados se voltariam a trabalhar no setor ou empresa novamente16. Foram os trabalhadores do teleatendimento, em especial, aqueles que deram as justificativas negativas à pergunta, elencando as seguintes respostas: “[...] não é a minha área de atuação principal”; “[...] segment muito instável/ramo estressante/empresa não presta”; “[...] porque o salário é ruim e o trabalho é escravo/desumano/é muito ingrata essa função.” (Informações verbais)17.

Tal percepção acerca do trabalho também pode ser sentida através da fala de alguns(as) trabalhadores(as), como a citada abaixo:

Você tem [...] por exemplo, seu filho está doente, você explica prô supervisor, mesmo que você tenha o desconto. Porque a mãe não está preocupada com o desconto, ela está preocupada com a saúde do filho dela. Mesmo assim, ele te humilha. Por exemplo, eu tenho uma filha, e às vezes eu falo: hoje eu não tenho ninguém prá ficar com ela, vou ter que faltar. “Ah, você está sempre [...]” “Sim, mas eu estou só te comunicando”. “Ué, mas não é a sua mãe que toma conta?” E começa aquela perseguição com a pes- soa, que a pessoa prefere perder o emprego, porque tá difícil a situação na empresa? Tá, mas praticamente, o salário que a gente ganha na Atento, qualquer função em outro emprego a gente consegue um valor próximo. Então, a pessoa não tem essa preocupação. Ter um número tão grande de demissão, prá mim, está atrelado ao estresse. (Informação verbal)18.

Essa é uma fala que se repete, não apenas enquanto tal, mas também nas ressalvas apresentadas no momento da homologação das rescisões, traduzidas em demandas, especialmente pelos(as) trabalhadores(as) das empresas prestadoras de serviço, e que estão associadas a um enorme sofrimento e mal-estar com o trabalho. Ao mesmo tempo, se é verdade que a precarização do trabalho assume, nas empresas de telecomunicações do Rio de Janeiro, uma forma que atinge preferencialmente determinado grupo social, não significa, por outro lado, que não haja nenhum tipo de resistência a esse processo. O que a pesquisa empírica nos indicou é que, como aponta Harvey (2011), o processo de trabalho é um campo de batalha no qual o trabalho também apresenta suas táticas de enfrentamento para relações cada vez mais precarizadas.

4 A EXPERIÊNCIA DA RESISTÊNCIA: algumas considerações

Scott (2013, p. 83 e 278), em seu livro A dominação e a arte da resistência, afirma que “[...] as relações de dominação são, simultaneamente, relações de resistência” – nem sempre coletivas, ou mesmo de confronto direto contra o dominador, mas que reúnem ideias e ações cotidianas de uma inobediência prática, que são capazes de atuar como um “[...] cimento da ação política mais elaborada”.

A leitura e análise dos e-mails de denúncia (mais de 2700 no ano de 2015) enviados pelos trabalhadores ao SINTTEL-Rio, além do acompanhamento das greves no Teleatendimento (em dezembro de 2014 e janeiro de 2016), e a participação nas reuniões da Comissão de Negociação dos trabalhadores da Rede e em outras atividades (como a festa da Consciência Negra, o Dia Internacional da Mulher) organizadas pelo sindicato, nos possibilitaram identificar uma série de ações de resistência que eram tecidas nos locais de trabalho, algumas vezes de caráter individual e contingente; outras, já apon- tando para uma posição mais coletiva, demandando, inclusive, do sindicato, que cumprisse o papel de representante e defensor dos trabalhadores. O que reafirmava a reflexão de Braga (2012) sobre os trabalhadores do teleatendimento19 que, no tocante à organização, poderiam ser compreendidos sob o prisma da inquietação social e não da conformação absoluta à ordem do capital.

As falas, as músicas elaboradas pelos próprios trabalhadores durante as duas greves nas portas das empresas são bastante significativas, não apenas porque nos permitem compreender o que há de precarização no trabalho realizado – e os grupos mais afetados por essa precarização – mas também porque denotam a força de um discurso que não precisou da tradução (ou da encampação) por parte da direção do sindicato; as próprias e os próprios jovens trabalhadoras(es) explicitaram a sua indignação no momento da paralisação:

Não deixe a greve morrer Não deixe a greve acabar Hoje é dia de greve Ninguém vai se “logar”. (Informação verbal)20.

Assim também acontece no local de trabalho, no qual se vive a pressão do trabalho precarizado, mas se resiste a ela e a denuncia, como é explicitado neste e-mail de um(a) trabalhador(a) ao sindicato:

De xxxxxxxxxxx

Para denuncia@sinttelrio.org.br Data 04.01.2016 11:45

Mensagem 572 de 17958

Bom dia, sou funcionária da empresa XXXXX, e gostaria de fazer uma denúncia. Estou gestante e ando sofrendo perseguição. Eu ia ser mandada embora da empresa quando comuniquei a mesma da minha gestação, de lá pra cá todos os dias sofro, sou punida de várias formas e muitas das vezes sem motivo. Eles estão fazendo de tudo pra me mandar embora por justa causa... já que eles não conseguiram antes do período gestacional. Todos os dias eles me aborrecem e sempre tem um motivo pra brigarem comigo, até mesmo quando não faço nada! Minha pressão está oscilando por causa disso e desenvolvi um quadro de depressão. Toda vez que vou trabalhar minha pressão não fica menos que 16/10. E tudo por causa da perseguição diária que me vem ocorrendo. Estou fazendo essa denúncia com vocês e farei também junto ao ministério do trabalho, pois não aguento mais passar mal com a pressão alta por causa desses. Stress e não quero perder a minha vida no parto e nem a do meu bebe, agradeceria muito se me amparassem pois perita nenhuma vai aprovar meu afastamento da empresa por stress.. desde já agradeço a atenção. (Informação verbal).21

Essa inquietação coloca para o sindicato22 o desafio de rever suas formas organizativas e mobilizatórias, não como uma receita para sair da crise, como afirmam Ramalho e Santana (2003), mas enquanto orientação de experiências que procuram incorporar novos temas e demandas, assim como a assunção do caráter transnacional de sua luta e o resgate da dimensão cultural na sua ação.

As entrevistas com os dirigentes sindicais e a análise dos Acordos e Convenções Coletivas dos três segmentos, além do acompanhamento das atividades já citadas reafirmam essa orientação, muito embora a ação não se traduza sempre em resultados avançados, menos ainda de maneira igualitária entre os três segmentos constituintes das telecomunicações cariocas. Há, por exemplo, uma tentativa sistemática de estabelecimento de uma Convenção Nacional para o Teleatendimento, na perspectiva de evitar que as empresas fujam dos grandes centros e, portanto, da exigência do cumprimento de Acordos Coletivos melhores para os trabalhadores – luta que ainda não foi exitosa. Ao mesmo tempo, avançou-se bastante na articulação/organização internacional, o que faz com que as grandes empresas cumpram protocolos comuns em todos os países em que atuam. Do ponto de vista dos trabalhadores, o conhecimento e a troca entre realidades tão diversas também têm contribuído, segundo os dirigentes, para uma melhor atuação local. E trazem para a agenda de negociação e de mobilização a questão da juventude, das mulheres, da diversidade sexual/de gênero como pontos permanentes que orientam as práticas e atividades desenvolvidas pelo sindicato. É assim que se pode compreender a renovação no quadro de dirigentes e representantes sindicais de base e uma crescente sindicalização – na Rede, a taxa está entre 55 e 60%; e no teleatendimento, entre 25 e 30%23, com respostas positivas às campanhas permanentes realizadas nas empresas.

Ainda no plano local, mesmo que se mantenha aquela diferença desigual entre os três segmentos é possível verificar, ao longo dos anos 2000, como a presença do trabalho no campo de batalha fez com que algumas conquistas fossem garantidas: no caso do Acordo da Atento, por exemplo, o benefício da Creche teve início em 2001, equivalendo a 20% do piso salarial e permanência até os 6 meses da criança; a partir do Acordo de 2008, ele passou a valer até os 4 anos de idade da criança e teve um valor fixo. Na Rede, após a greve de 6 dias em 2010, foi abolido o Banco de Horas e garantida a não punição dos grevistas.

São ainda pequenos avanços, especialmente quando comparados aos dados e relatos de sofrimento que os trabalhadores nos permitiram desvelar. No entanto, também nos indicam que há movimento por parte desse imenso grupo social.

5 CONCLUSÃO

As reflexões e os dados levantados durante a pesquisa nos permitem afirmar, como Harvey (2011), que, de fato, o trabalho vive num campo de batalha perpétuo. Mas, para além desta afirmação, tais dados se constituíram em instrumentos preciosos na análise da nova morfologia social do trabalho. (ALVES, 2013). O perfil que foi delineado dos trabalhadores demitidos nas empresas de telecomunicações do Rio de Janeiro tem, desde a distribuição numérica entre operadoras (13,4% -estáveis) e prestadoras de serviços (86,6%- precários) total articulação com a caracterização que os variados estudos críticos vêm apontando como um modelo de empresa reestruturada, na qual predomina a flexibilidade nas relações de trabalho e a consequente precarização salarial associada também à precarização do ser-que-trabalha. (ALVES, 2013). Novamente, quando comparamos o número de empregados diretos (11,3%) e terceirizados (88,6%) de uma das maiores operadoras do setor, no ano de 2015, com o de demitidos no Rio de Janeiro, podemos perceber a proximidade entre ele

Além disso, é reforçado nesse perfil um conjunto de desigualdades que vêm se aprofundando nas relações de trabalho, na atualidade, sob a égide do capitalismo global: quem é mais atingido pelas demissões nas empresas de telecomunicações do Rio de Janeiro, além de estar, majoritariamente nas prestadoras de serviço, também tem um sexo majoritário – o feminino (52,1%); uma cor que também se destaca – a negra/parda (60,8%); uma faixa etária – a jovem, com trabalhadores de até 29 anos (52%); um determinado nível de escolaridade – o Ensino Médio (40,3%); recebe, majoritariamente, de 1 a 1e1/2 salário; e fica, no máximo, de 1 a 3 anos, nas empresas.

Essas desigualdades, que não acontecem apenas no setor de telecomunicações, mas que são generalizadas na sociedade brasileira, - ainda mais porque, como apontam Ramalho e Santana (2003), nela, a proteção ao trabalho nunca foi das mais sólidas –, se aprofundam enormemente sob o capitalismo global.

Ademais, tais desigualdades acabam de ganhar um contorno ainda mais sombrio com a aprovação da Lei da Terceirização24 (Lei nº 13.429 de 22 de março de 2017) e da Reforma Trabalhista25 (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017) pelo plenário da Câmara dos Deputados. Alguns pontos da Reforma Trabalhista, destacados em recente análise do DIEESE (2017), chamam a nossa atenção para a gravidade do quadro que se consolidará a partir da sua implementação, uma vez que modifica cerca de 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de derrubar súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) favoráveis aos trabalhadores. Tem como fundamentos principais, segundo o estudo já citado, a redução do poder de negociação e contratação coletiva dos sindicatos (especialmente através do instrumento dos acordos individuais – inclusive verbais – entre empregador e empregado); a prevalência do negociado sobre o legislado, que pode significar uma autorização para o rebaixamento de direitos previstos em lei; a ampliação da participação de contratos atípicos e do trabalho autônomo; a restrição à atuação e ao poder normativo da Justiça do Trabalho (criando condicionantes, limitando a gravidade e impondo penalidade ao de- mandante no caso de perda do processo). Tudo isso altera, de forma radical, os fundamentos que orientaram, até então, a relação Estado, capital e trabalho no Brasil.

No entanto, a pesquisa também aponta que mesmo nesse cenário profundamente desfavorável aos direitos do trabalho – no qual a imagem que talvez melhor o representasse, a princípio, fosse a de terra arrasada e não a de um campo de batalha – ainda persiste a resistência, ainda existe uma luta cotidiana.

E foi a resistência cotidiana, silenciosa, vivida/experimentada no local de trabalho, associada às ações de cunho coletivo, que também me interessou investigar, ao mesmo tempo que procurava entender de que forma o movimento das empresas reestruturadas impactava o trabalho e a vida desses trabalhadores. Nesse sentido, os próprios relatos e documentos analisados, no caso das telecomunicações do Rio de Janeiro, também nos indicam que os trabalhadores e trabalhadoras permanecem na batalha e, portanto, mantêm-se como um desafio à academia, a volta à fábrica para conhecer melhor esse movimento.

REFERÊNCIAS

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Notas

1 Entendemos que as desigualdades não se restringem apenas ao mundo do trabalho, mas se espraiam a todas as esferas da vida social. No entanto, no limite deste artigo este será o campo privilegiado na análise.
2 As telecomunicações brasileiras podem ser apresentadas, de maneira muito simplificada, pelo esquema: do privado-ao estatal-ao novamente privado. Sobre o histórico do setor, ver: Costa (2000), Dantas (1996); Leal (2001) e Vianna (1993). Sobre a reestruturação dos modelos norte-americano e europeu ver: Almeida (1994), Dantas (1996) e Rodrigues (2002). 3 Tanto na EMBRATEL, quanto na TELERJ, desde o final dos anos 1980, o sindicato já organizava uma série de manifestações com trabalhadores terceirizados, da área operacional, pela legalização de sua condição e por melhores condições de trabalho e salário. Ver Silva (2010).
4 Dados trabalhados a partir dos Relatórios de Sustentabilidade das duas empresas, dos anos de 2012 e 2013 (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2014).
5 No caso das telecomunicações, a reestruturação separou os trabalhadores, inclusive, entre as empresas: nas operadoras, estariam os estáveis; e nas empresas de teleatendimento e de rede, os trabalhadores precários.
6 Aqui não estão incluídas, necessariamente, as demissões de trabalhadores(as) com menos de 1 ano de trabalho, cuja homologação não precisa ser feita no sindicato. Além disso, não consideramos também, nesse momento, a relação demissão/admissão. A nível nacional, Boletim do DIEESE-FENATTEL, de março de 2015, aponta para uma evolução positiva do emprego no setor no ano de 2014, embora destaque que no caso do salário há uma queda de 14,7% na remuneração média dos admitidos. Quando se avalia o segmento do teleatendimento, além da diminuição da remuneração média dos admitidos em comparação com os demitidos, acontece uma migração da contratação – diminui-se a contratação no sudeste e cresce no norte e nordeste, revelando uma estratégia das empresas de transferirem- se para regiões com menor fiscalização e atuação sindical.
7 Para a realização da pesquisa foram escolhidas 12 das maiores empresas representando os três segmentos que compõem o setor de Telecomunicações no Rio de Janeiro – 4 operadoras; 3 prestadoras de serviço de rede; 4 empresas de teleatendimento. O número de trabalhadores por empresa foi fornecido pelos RH das mesmas, através da solicitação da diretoria do Sinttel-Rio, também envolvida na pesquisa. (CAPPELLIN; RODRIGUES; AGUIAR, 2012).
8 Nessa pesquisa, além dos 1644 questionários aplicados junto às trabalhadoras das empresas dos três segmentos – operadoras, de teleatendimento e de rede – também foram entrevistadas 11 (onze) aposentadas das antigas CTB/Telerj e Embratel, que deram seus testemunhos acerca do trabalho e da relação com a vida doméstica. (CAPPELLIN; RODRIGUES; AGUIAR, 2012).
9 Na Oi, o total de demitidos foi 719, sendo 65,2% de mulheres; na TIM, o total foi 114, com 69,3% de mulheres demitidas; na Nextel, 268 e a porcentagem de mulheres foi de 70,9%; a Vivo teve uma distribuição um pouco mais equilibrada – total de 87 demissões, com 56,3% de mulheres; na EBT, a proporção se inverte: 116 demissões, com 63,8% para os homens, assim como na GVT: 64 demitidos, sendo 82,8% homens.
10 Faixa de 25 a 40 Anos: EBT – 46,2%; TIM – 71,3%; Oi – 60,7%; Vivo – 69,3%; GVT – 78,1%; Nextel – 75,2%; Serede – 62,5%; Logictel – 35,8%; Brasilcenter – 62,2%; Telemont – 59,7%; Atento – 50,8%; Contax – 51,1%; Outras – 56%.
11 Utilizamos essa nomenclatura Cor seguindo os termos utilizados pelo IBGE no levantamento censitário.
12 Depoimento retirado da entrevista - 1ª opção na EBT.
13 Depoimento retirado da entrevista - 1ª opção na OI.
14 Depoimento retirado da entrevista - 1ª opção na VIVO.
15 Depoimento retirado da entrevista com vários funcionários.
16 Na verdade, considerando os três segmentos (operadoras, rede e teleatendimento), a maioria (53,6%) respondeu sim, que voltaria a trabalhar no setor. Apenas os trabalhadores do teleatendimento disseram que não voltariam, numa proporção praticamente igual à geral, só que em perspectiva diferente: 53,6% não e 46,4% sim.
17 Depoimento retirado da entrevista com vários funcionários.
18 Depoimento retirado da entrevista com V., representante sindical da Atento.
19 Pensamos que a mesma avaliação é cabível também no caso dos trabalhadores da Rede, que formam um grupo das empresas prestadoras de serviço.
20 Música cantada “em coro” no ritmo de “Não deixe o samba morrer” – Contax Rio Comprido 2016.
21 Depoimento retirado do E-mail enviado em 4 de janeiro de 2016, às 11:45h.
22 Estamos tratando, neste momento, do SINTTEL-Rio, mas a reflexão que empreendemos cabe ao movimento sindical no seu conjunto, ainda que valham os destaques às especificidades de cada setor e/ou região, no caso do Brasil. Sobre essa temática, ver Alves (2011), Ramalho e Rodrigues (2013) e Ramalho e Santana (2003).
23 Ainda assim, esse índice está longe do que se vivenciou no período anterior à privatização, nas empresas estatais, Telerj e EBT, quando a sindicalização era de 90%. Ver Silva (2010).
24 Projeto de Lei (PL) nº 13.429/2017, que regulamenta o trabalho temporário e a terceirização.
25 PL nº 6.787/2016.
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