Artigos - Temas livres
Recepção: 08 Outubro 2018
Aprovação: 30 Outubro 2019
Resumo: O desenvolvimento de políticas inclusivas e o empenho pela universalização da educação básica culminaram em intervenções voltadas para a expansão da Educação Superior. Nesse movimento, estudantes com deficiência passaram a pleitear vagas no Ensino Superior. Sob tais circunstâncias, nos propomos a investigar as normativas que orientam os processos seletivos de três univer- sidades públicas brasileiras, a fim de identificar os esclarecimentos prestados aos candidatos com deficiência quanto à inscrição, realização e correção das provas. De caráter teórico-documental, o tratamento e análise dos materiais re- colhidos depreenderam das contribuições da abordagem teórica da produção de sentidos, proposto por Spink. Os resultados evidenciaram restrições na oferta de atendimento especializado aos vestibulandos com deficiência em conformi- dade com as recomendações e normativas educacionais vigentes.
Palavras-chave: Políticas Públicas, deficiência, vestibular, acessibilidade, ensino superior.
Abstract: The development of inclusive policies and the commitment to universalize the basic education leaded to interventions guided to the expansion of the Higher Education. Thus, students with disabilities have started to plead vacancies in the Higher Education. Under those circumstances, we propose to investigate the rules which guide the entrance examinations in three Brazilian public uni- versities, in order to identity the explanations given to the disabled candidates concerning registration, test applying and correction. According to a theoreti- cal-documental approach, processing and analysis of the collected materials were inferred from the contributions of the theoretical approach to the sense production, proposed by Spink. Results showed restrictions in offering specia- lized attendance to candidates with disabilities, as well as a lack of compliance to the educational recommendations and rules in force.
Keywords: Public policies, disability, entrance examination, accessibility, hi- gher education.
1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA: o acesso de pessoas com deficiência à Educação Superior
Desde o início da década de 1990, as políticas, os programas governamentais e vários movimentos sociais têm insistido num mesmo objetivo: a inclusão de todos nos sistemas públicos educacionais.
Dadas as recomendações das agências multilaterais em favor da inclusão de todos na Educação, ao estabelecer pactos internacionais, o Estado brasileiro tem realizado intensa intervenção por meio de ações afirmativas que estão fomentando a abertura das Instituições de Ensino Superior (IES) e induzindo transformações que viabilizem o acesso dos grupos mais vulneráveis (social, econômico e culturalmente) ao Ensino Superior. (MOREIRA; BOLSANELLO; SELGER, 2011; PLETSCH, 2011).
Uma ideia salvacionista de inclusão que obriga as instituições - envolvidas com o planejamento, organização, execução e supervisão dos exames seletivos -, a adotarem ações capazes de viabilizar o acesso de grupos apartados da comunidade acadêmica às universidades, para conferir-lhes o pertencimento a este meio, contrabalanceando as marcas da desigualdade social que sempre os excluiu por distinção de gênero, classe, raça e condição anatomofisiológica, dentre outras.
Nessa direção, as IES, que antes se restringiam a recepcionar uma pequena parcela de estudantes brasileiros, estão sendo levadas a reorganizar-se de forma que incluam todos aqueles que desejam ocupar seu espaço. Consequentemente, faz-se necessário que o processo seletivo contemple providências acerca do atendimento às necessidades específicas das pessoas com deficiência, para garantir a equidade participativa na competição entre candidatos.
Em conformidade com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Decreto Fede- ral nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 e, mais recentemente, reproduzida pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência no. 13.146, de 6 de julho de 2015, neste texto nos reportaremos aos candidatos com deficiências como sendo àqueles “[...] que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade.” (BRASIL, 2015).
Com base no documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008, 2011) e pela nova redação da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) dada no art. 58º da Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, considera-se que os alunos com deficiência, assim como alunos com transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação compõem o público-alvo da educação especial (PAEE). Junto deles, políticas públicas mais recentes (BRASIL, 2012, 2013, 2015) incluem os alunos com Transtorno do Espectro Autista, tais quais vem sendo referenciados no campo da deficiência a partir da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (BRASIL, 2012)2. Para garantir o acesso deste público, especificamente, ao nível Superior de ensino, nas duas últimas décadas, o Estado tem investido em medidas protetivas por meio das Portarias nº 1.679, de 2 de dezembro de 1999 e nº 3.284, de 07 de novembro de 2003, do Aviso Circular nº 277, de 8 de maio de 1996 e dos Decretos nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004 e nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, buscando lhes proporcionar o ingresso e permanência nas IES.
Tais providências apontam o reconhecimento político de que a deficiência é uma criação tanto simbólica quanto social (WOODWARD, 2014). Assim, da maneira como é observado por Gesser, Nuerberg e Toneli, (2013), antes de se apresentar como um fenômeno de natureza médica, a deficiência passa a ser analisada em estreita relação com diversas outras categorias sociais, cujas marcas da exclusão advêm de “[...] suas características geracionais, de gênero, classe, raça e outras”. Neste modelo social, a deficiência deixa de ser compreendida como
[...] uma tragédia individual, um castigo ou o resultado de certo pecado; não é uma enfermidade que requeira tratamento medicalizante; tampouco deve ser objeto de caridade ou de ações sentimentais e condescendentes, que só geram dependência. Em outras palavras, a deficiência deixa de ser compreendida a partir de um campo estritamente biomédico confinado aos saberes médicos, psicológicos e de reabilitação, que associam a deficiência a uma condição médica ou a uma tragédia pessoal, e passa a ser também um campo das humanidades. Na realidade, é uma questão de direitos humanos (SANTOS, 2010; BARTON, 2009 apud GESSER; NUERBERG; TONELI, 2013, p. 419).
Conforme Gesser, Nuerberg e Toneli (2013), um modelo social convoca todos a compreender que as pessoas com deficiência são constantemente discriminadas e excluídas da participação no convívio social, sendo este processo decorrente do resultado negativo das barreiras atitudinais, físicas e institucionais que limitam a possibilidade de pessoas com impedimentos corporais pertencerem efetivamente à sociedade.
Diante do exposto, é possível defender então que, a educação inclusiva atribui a primazia pela participação e pela equidade em todos os espaços socialmente organizados. Contudo, apesar da “[...] ideia de universidade para todos, ainda não vivemos essa cultura dentro das instituições de ensino superior.” (PROVIN, 2013, p. 104), pois algumas práticas, ações e espaços conservam a lógica da homogeneização, maximizando barreiras impeditivas da participação e “[...] o que se percebe é que, mesmo dentro das universidades, os estudantes não têm condições e possibilidades todas iguais”. (PROVIN, 2013, p. 104).
Numa lógica interventiva de Estado, a proliferação de programas de governo mantém-se necessária para que todos os estudantes sejam incluídos e permaneçam incluídos nas universidades. Desse modo, o Ministério da Educação (MEC) vem desenvolvendo políticas educacionais inclusivas em favor da expansão e do acesso ao nível superior de ensino, dentre as quais destacam-se o Programa Universidade para Todos (Pro-Uni) – que instituído desde 2005, tem a finalidade de conceder bolsas de estudos integrais e parciais em universidades particulares para estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou para estudantes que foram bolsistas integrais da rede privada, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) – designado a financiar a graduação dos estudan- tes que não têm condições de arcar integralmente com os custos de sua formação em Instituições de Ensino Superior particulares, e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) - destinado à ampliação de vagas nas IES federais.
Exemplo de ações como as sancionadas pelo MEC em relação às Universidades Públicas Federais, tem servido de referência para a implementação de medidas nas demais redes de ensino superior – pública e privada. Ainda a esse respeito, tem-se o Decreto no. 7.234, de 19 de julho de 2010 que institui o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), com a finalidade de ampliar as condições de permanência e atendimento especializado ao estudante com deficiência na educação superior, quando refere em seu artigo 3º, parágrafo 1º, inciso X, que:
Art. 3o O PNAES deverá ser implementado de forma articulada com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, visando o atendimento de estudantes regularmente matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino superior.
§ 1o As ações de assistência estudantil do PNAES deverão ser desenvolvidas nas seguintes áreas: [...]
X - acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação. (BRASIL, 2010).
No que diz respeito à promoção do acesso de estudantes com deficiência, integrantes do público-alvo da Educação Especial, há investimento exclusivo por meio do Programa Incluir: acessibilidade na Educação Superior, criado para “[...] promover a acessibilidade nas instituições públicas de educação superior, garantindo condições de acesso e participação às pessoas com deficiência.” (BRASIL, 2015, p. 21). O Programa Incluir advém da parceria do MEC com a Secretaria de Educação Superior e apoia projetos voltados para a eliminação de barreiras físicas, pedagógicas, nas comunicações e informações, nos diversos ambientes, instalações, equipamentos e materiais didáticos disponibilizados pelas IES.
A estruturação de Núcleos de Acessibilidade está prevista no Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011 – que dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências orienta em seu art. 1o que é:
[...] dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades;
[...]
V - oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;
VI - adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena. (BRASIL, 2011, grifo nosso).
No Artigo 5º do mesmo Decreto fica estabelecido:
Art. 5o A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, Municípios e Distrito Federal, e a instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular.
§ 2º. O apoio técnico e financeiro de que trata o caput contemplará as seguintes ações;
[...]
VII- estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior. (BRASIL, 2011).
A esse respeito a Lei Brasileira de Inclusão da pessoa com Deficiência nº 13.146/2015 aponta que
[...] no período de 2005 a 2012, foram apoiados pelo MEC, 300 projetos de criação e consolidação de Núcleos de Acessibilidade em IFES. Até 2014, 63 Núcleos receberam investimentos de R$ 30.000.000,00, para implementar projetos de acessibilidade física, pedagógica e de comunicação e informação. (BRASIL, 2015, p. 21).
Além do Programa Incluir, há normativas federais específicas para instruir as IES quanto à providência de apoios necessários ao atendimento de candidatos com deficiência nas etapas de ingresso e permanência em seus cursos, dentre as quais elencamos o Aviso Circular nº 277/1996; as Portarias nº 1.679/1999, os Decretos nº 3.298/1999, nº 3.284/2003, nº 5.296/2004 e nº 5.626/2005, que juntos determinam a instalação de Bancas Especiais; a disponibilização de salas especiais para cada tipo de deficiência, a utilização de textos ampliados, lupas ou outros recursos ópticos especiais para as pessoas com visão subnormal/reduzida; a utilização de recursos e equipamentos específicos para cegos (provas orais e/ou em Braille, sorobã, máquina de datilografia comum ou Perkins/Braille, DOSVOX adaptado ao computador); a contratação de serviço do profissional tradutor/intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) aos usuários desta língua; a flexibilidade nos critérios de correção da redação e das provas discursivas para os portadores de deficiência auditiva e/ou adoção de outros mecanismos de avaliação da sua linguagem; a adaptação de espaços físicos, mobiliário e equipamentos para candidatos portadores de deficiência física; a utilização de provas orais ou uso de computadores e outros equipamentos pelo portador de deficiência física com comprometimento dos membros superiores; mecanismo que identifique a deficiência que o candidato apresenta, de forma que a comissão do vestibular possa adotar critérios de avaliação compatíveis com as características especiais dos candidatos.
Em especial, sobre a organização do exame seletivo de ingresso ao ensino superior, o Aviso Circular nº 277/1996 dispõe que as IES devem garantir a operacionalização de ajustes3 em três momentos distintos
- na elaboração do edital, para que possa expressar, com clareza, os recursos que poderão ser utilizados pelo vestibulando no momento da prova, bem como dos critérios de correção a serem adotados pela comissão do vestibular;
- no momento dos exames vestibulares, quando serão providenciadas salas especiais para cada tipo de deficiência e a forma adequada de obtenção de respostas pelo vestibulando;
- no momento da correção das provas, quando será necessário considerar as diferenças específicas inerentes a cada portador de deficiência, para que o domínio do conhecimento seja aferido por meio de critérios compatíveis com as características especiais desses alunos. (BRASIL, 1996).
Ainda para efeitos da promoção de acessibilidade destinada aos candidatos com deficiência nos exames nacionais, a Nota Técnica nº 08, de 20 de abril de 2011 recomenda que o formulário de inscrições do exame deve apresentar campos específicos onde cada candidato com deficiência informará o recurso de acessibilidade necessário para sua plena participação. (BRASIL, 2011 apud BRASIL, 2015).
E o Decreto nº 3.298/1999 dispõe em seu art. 27º que as instituições de ensino superior deverão oferecer adaptações de provas e os apoios necessários, previamente solicitados pelo aluno portador de deficiência, inclusive tempo adicional para realização das provas, conforme as características da deficiência. (BRASIL, 2019).
Pelos motivos explicitados, este trabalho objetivou analisar as normativas que orientam os processos seletivos de ingresso desse público em três universidades públicas brasileiras, os quais em geral necessitam de suportes e/ou recursos individualizados para a realização do processo seletivo de ingresso ao vestibular.
Constituíram-se como lócus de investigação os documentos que tornaram público e oficializaram o processo seletivo (2012, 2013, 2014 e 2015) de três universidades públicas brasileiras, sendo elas: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), localizada no estado de São Paulo; Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), localizada no estado de Minas Gerais e Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC), localizada no estado de Santa Catarina. A escolha pelas três universidades elencadas justifica-se por integrarem um projeto em rede que inclui a UNESP como proponente e a UFSC e a UFJF como dois dos núcleos de apoio a pesquisa.
2 O CAMINHO PERCORRIDO NA PESQUISA
A identificação da forma de seleção para ingresso nas três universidades selecionadas no estudo, assim como da busca pela instituição responsável por promover seus processos seletivos, foram realizadas por meio da consulta nos portais eletrônicos das instituições.
Conforme as informações disponibilizadas no portal da UNESP, a forma adotada para o ingresso dos estudantes em seus cursos de graduação é o Concurso Vestibular, cuja seleção dos candidatos se dá mediante processo classificatório conforme o aproveitamento nas provas até o limite das vagas fixadas para cada curso. A instituição responsável pelo planejamento, organização, execução e supervisão do vestibular da UNESP é a Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista (VUNESP), sendo portanto, incumbida da oferta de operacionalização de ajustes direcionada aos candidatos com deficiência.
Quanto à UFSC e à UFJF, os portais informam que parte dos seus graduandos são selecionados pelas notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), pois as duas universidades federais estão vinculadas ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu)4. Neste caso, por atuar no planejamento, organização, execução e supervisão do ENEM, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) é encarregado de proporcionar atendimento específico aos candidatos com deficiência que concorrem às vagas disponibilizadas na UFJF e a UFSC, dentre outras Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).
Para coletar os documentos que oficializam o Concurso Vestibular da UNESP e o ENEM, consultamos os portais eletrônicos da VUNESP e do INEP. No estudo, incluímos as edições de 2012 a 2015 em função da disponibilização dos arquivos no portal da VUNESP somente a partir da edição 2012. Cabe esclarecer que a VUNESP opta pela publicação de Resoluções e Manuais, enquanto o INEP faz uso de Editais, e que os textos publicados cumprem a função de estabelecer as normas para realização dos processos seletivos das IES investigadas e divulgá-los oficialmente.
O quadro a seguir apresenta, em ordem cronológica de publicação, os documentos encontrados que se constituíram como material empírico na pesquisa e seus dados principais.
Após a obtenção dos arquivos, optamos pela leitura integral dos textos a fim de identificar e selecionar os enunciados com informações referentes aos recursos disponibilizados para os candidatos com deficiência no momento de realização das provas, bem como os critérios adotados pela comissão para realizar a correção dessas provas.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante a leitura dos documentos coletados, os enunciados que mencionavam o atendimento aos candidatos com deficiência foram selecionados com o uso da ferramenta Realçar Texto, disponível no programa Adobe Reader.
Objetivando estabelecer a interlocução entre esses enunciados e as determinações apresentadas no Aviso Circular nº 277/1996; nos Decretos nº 3.298/1999, nº 5.296/2004 e nº 5.626/2005, nas Portarias nº 1.679/1999 e nº 3.284/2003 e na Nota Técnica nº 08/2011, recorremos aos pressupostos da abordagem teórico-metodológica da produção de sentidos proposta por Spink (2013), tal qual privilegia a linguagem verbal, tomando os repertórios interpretativos como instrumento de análise e da produção de sentidos.
Segundo Spink (2013, p. 28)
Os repertórios interpretativos são, em linhas gerais, as unidades de construção das práticas discursivas – o conjunto de termos, descrições, lugares-comuns e figuras de linguagem – que demarcam o rol de possibilidades de construções discursivas, tendo por parâmetros o contexto em que essas práticas são produzidas e os estilos gramaticais específicos [...].
A autora destaca que “[...] um enunciado não surge, magicamente, do nada. Ele constitui uma unidade do ato de comunicação, um dos elos de uma corrente de outros enunciados, complexamente organizados.” (SPINK, 2013, p. 28). Desse modo, “[...] a compreensão dos sentidos é sempre um confronto entre inúmeras vozes.” (SPINK, 2013, p. 41). Sendo assim, a confrontação entre as enunciações contidas nos documentos incluídos neste estudo, nos permitiu captar as propostas apresentadas pela VUNESP e pelo INEP para atender os candidatos com deficiência nos processos seletivos de ingresso às IES e a maneira como atendem às determinações dos documentos federais em seus textos.
Para organizar os enunciados selecionados nos Manuais e Resoluções (VUNESP, 2012 - 2015) e nos Editais (INEP, 2012 - 2015) foram elaboradas três tabelas com o objetivo de contemplar três temas que caracterizam a etapa de ingresso ao ensino superior por meio dos processos seletivos, a saber: (1) critérios para inscrição dos candidatos com deficiência, (2) recursos e adaptações razoáveis disponibilizados para a realização das provas e (3) critérios adotados para correção das provas dos candidatos com deficiência.
Na abordagem teórico-metodológica da produção de sentidos essas tabelas são intituladas Mapas de associação de ideias. “Os mapas têm o objetivo de sistematizar o processo de análise das práticas discursivas em busca dos aspectos formais da construção linguística, dos repertórios utilizados nessa construção e da dialogia implícita na produção de sentido.” (SPINK, 2013, p. 84).
A seguir apresentamos os Mapas acompanhados das interlocuções propostas:
No tópico referente às inscrições, os Manuais da VUNESP 2012, 2013, 2014 não especificam quem são os candidatos com deficiência. Para fazer alusão a esses participantes utilizam a expressão portador de direitos especiais5. O Manual 2015 adota a terminologia Candidato com deficiência, mas também não identifica quem são esses candidatos.
É preciso enfatizar que o Candidato com deficiência é responsabilizado pela identificação das condições necessárias para a realização dos exames e que a ausência dessas informações implica aceitação pelo candidato de realizar as provas em condições idênticas às dos demais candidatos. As informações quanto à natureza, o tipo e o grau da deficiência, bem como as condições necessárias para a realização destes (como recursos e/ou serviços especializados) devem ser informados via correio. Se deferido, o atendimento não é confirmado no cartão de convocação, o que reforça a tensão do candidato com deficiência antes da realização do exame.
Nota-se, assim, a ausência de uma política institucional que notadamente defina a que público está se referindo, e que se comprometa, de fato, com uma atitude responsiva frente àqueles que constitui como beneficiários das adequações e medidas protetivas, já definidas nas normativas que subsidiam o atendimento educacional especializado aos estudantes público-alvo da Educação Especial (PAEE). (BRASIL, 2008, 2010, 2011).
Os enunciados não citam um campo para identificação da condição especial e da condição necessária para a realização do exame no formulário eletrônico da inscrição, fato que explicita o descumprimento das orientações da Nota Técnica nº 08/2011. O desatendimento a esta norma reforça para o candidato a incerteza da falta de critérios para avaliar que tipo de necessidades serão consideradas, quando o mesmo for passar pela realização do exame.
Contrário à situação deflagrada na organização relatada, na leitura dos enunciados contidos nos Editais do INEP (2012, 2013, 2014 e 2015) nota-se a prevalência de informações que objetivam o perfil dos candidatos que podem se beneficiar das orientações e medidas de acessibilidade previstas no processo do concurso. O INEP assegura a identificação da condição do candidato a fim de favorecer o acesso a informações que lhe permita fazer a solicitação de atendimento diferenciado para realização do exame, a partir do preenchimento do formulário eletrônico no ato da inscrição.
No que diz respeito à análise dos documentos elaborados para orientar a inscrição do candidato com deficiência, a VUNESP, que organiza o vestibular da UNESP, não disponibiliza um formulário eletrônico com campos específicos para o candidato informar a sua deficiência e selecionar o tipo de recurso e/ou serviço que necessita para a realização do exame. Tal medida desatende as recomendações do Aviso Circular nº277/1996 ao passo que deixa de informar de maneira clara os recursos que poderão ser utilizados pelo vestibulando no momento do exame, conforme trataremos nos fragmentos referentes aos recursos e adaptações razoáveis mais adiante.
Notamos nos documentos dos editais do ENEM e INEP uma alteração pontual na terminologia referente aos atendimentos de 2013 para 2014. Em 2013 os atendimentos denominavam-se diferenciado e específico e, em 2014, passou-se a denominá-los especializado e específico. Além disso, na definição dos participantes (item 2.2.1.1 - Atendimento diferenciado/especializado e item 2.2.1.2 - Atendimento específico), verificam-se modificações nos textos de 2012 para 2013, e de 2013 para 2014. Dentre elas, a palavra incapacitante é substituída por especial; candidatos com dislexia e com discalculia são acrescentados ao grupo do Atendimento diferenciado/especializado a partir de 2014; A distinção entre baixa visão e cegueira; deficiência auditiva e surdez e o uso da terminologia (mental) após a terminologia deficiência intelectual é conservada em todas as edições.
Quanto às gestantes, às lactantes, aos idosos e aos estudantes em classe hospitalar, são transferidos da categoria Atendimento diferenciado/especializado, para o público beneficiário do Atendimento específico, junto com os candidatos sabatistas. Provavelmente, as alterações realizadas na redação do item 2.2.1.1 a partir de 2013 se devem recontextualização da nova redação do Art. 58 da Lei n° 12.796/2013 que altera a Lei nº 9.394/1996 que delimita como público do Atendimento Educacional Especializado (AEE) “[...] educandos com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação.” (BRASIL, 2013).
Contudo, os candidatos com discalculia, dislexia, déficit de atenção, autismo ou com outra condição especial foram mantidos como público beneficiário do Atendimento especilizado nos Editais do INEP/ENEM a partir de 2013. Retificamos que os candidatos com espectro autista são respaldados pela Lei nº 12.764/2012. (BRASIL, 2012). Ainda que a discalculia, dislexia e o déficit de atenção e outracondição especial extrapolem a delimitação feita nas políticas que regulamentam o AEE, os editais do INEP/ENEM revelam a opção política institucional por salvaguardar o direito destes candidatos em terem suas necessidades consideradas no processo seletivo.
Independente das nomeações, é preciso que as escolhas institucionais para textualização dos Editais estejam atravessadas pela compreensão de que a ineficiência não está nos corpos dos sujeitos. Ao contrário, suas diferenças servem para provar a escassez dos espaços sociais produzidos genericamente. Desse modo, providenciar atendimentos especializados e específicos, deve traduzir a predis- posição das instituições, em garantir que diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, obtenham acesso aos bens sociais. (SILVA, 2014).
Numa relação oposta, em que se agrupam os sujeitos com base em diagnósticos e laudos médicos buscando evidenciar as marcas de suas inadequações frente as demandas dos espaços sociais que ocupam, prevalece a ideia de governamento das diferenças. Nesta lógica, a deficiência se mantém distante de ser compreendida como uma criação tanto simbólica quanto social. (WOODWARD, 2014).
Conforme adverte Carvalho (2015, p. 30)
Toda sociedade funciona basicamente pelo senso de pertencimento social. Para tanto, cada sociedade elege uma cultura de caracterís- ticas e de traços individuais, necessários à sua consolidação. Nesta dinâmica, a parte “imprestável” não pode pertencer à mais-valia produtiva dos valores e dos anseios sociais. Então ela terá outro amparo.
Cabe-nos dizer que, muito além das condições anatomofisiológicas, são as experiências mais amplas do que as que conhecemos, a heterogeneidade e não a homogeneidade, a multiplicidade e não a universalidade que fazem do mundo o que, de fato, ele é: um território aberto para habitar o corpo de cada um, o rosto de cada um, a voz de cada um. (SKLIAR, 2014).
No que diz respeito aos dados analisados sobre a ficha de inscrição contidos no Mapa 1, o INEP oferece a indicação do atendimento especializado, permitindo ao candidato indicar o serviço e/ou recurso individual para realizar o exame, aproximando-se das recomendações do Aviso Circular nº 277/1996.
Sobre a análise das adaptações razoáveis (Mapa 2), a Lei nº 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência esclarece que são:
[...] modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais; (BRASIL, 2015).
Referente aos recursos e adaptações razoáveis disponibilizados pela VUNESP para atender os candidatos com deficiência inscritos no vestibular da UNESP, o único item mencionado nos Manuais são as provas em tamanho ampliado. A instituição incumbe o candidato de solicitar e determinar as condições necessárias para realização da prova, via correio. Sendo assim, descumpre a instrução do Aviso Circular nº277/1996 por não expor de maneira clara os recursos que poderão ser utilizados pelo vestibulando no momento de realização do exame. Além disso, impede que o candidato indique mais de uma opção serviço como por exemplo – ao assinalar a solicitação de Serviço de Tradutor Intérprete de Libras como única alternativa, o impede de indicar outro recurso, como por exemplo tela ampliada, para os casos de múltipla deficiência.
Congruente com as instruções do Aviso Circular nº 277/1996, os Editais elaborados pelo INEP expõem detalhadamente os recursos e adaptações razoáveis disponíveis para os candidatos e, conforme orientado pela Nota Técnica nº 08/2011, há um campo específico para solicitar os recursos no formulário de inscrição. Porém, cumpre esclarecer que adaptações razoáveis como a disponibilização de lupas, sorobã, máquina de datilografia comum ou Perkins/Braille, DOSVOX adaptado ao computador e provas orais e a avaliação de conhecimentos serem expressos em Libras recomendadas no Aviso Circular nº 277/1996 e no Decreto nº 5.626/2005, não foram contempladas.
Consideramos importante relativizar as opções mencionadas pelas instituições analisadas, uma vez que a VUNESP deixa de expor e/ou detalhar os recursos e adaptações razoáveis para realização da prova, enquanto o INEP o faz, porém descarta algumas possibilidades explicitadas nas normativas acerca do atendimento especializado. Os textos denotam a dificuldade que as instituições enfrentam no cumprimento de tais recomendações, fato que exigirá amplo debate da comunidade acadêmica frente aos propósitos das políticas afirmativas e dos pressupostos da Educação Inclusiva.
Novamente verificamos a alteração de terminologias e o acréscimo de informações nos enunciados entre os anos de 2012 e 2015, como destacado em negrito, no Mapa 2. É muito provável que essas mudanças também advenham do acato às recomendações dos documentos federais e da interferência das vivências realizadas no contexto das políticas oficiais.
Ressaltamos o acréscimo da oferta de tempo adicional a partir da edição 2014, pois essa operacionalização de ajuste é condizente com as previsões do Decreto nº 3.298/1999. No entanto, é preciso frisar que a partir de 2015, o tempo de 60 minutos passa a ser determinado por ambas as instituições – INEP e VUNESP.
As Resoluções da VUNESP não especificam critérios adotados para a correção das provas dos candidatos com deficiência. Em virtude da ausência de especificação, subentendemos que há uma listagem classificatória comum para todos os candidatos e que a pontuação do desempenho depende de uma única banca examinadora que se utiliza de critérios padronizados para corrigir todas as provas objetivas, dissertativas e a redação.
Quanto aos Editais do INEP, todas as edições investigadas mencionam a utilização de mecanismos específicos na correção da redação dos participantes surdos ou com deficiência auditiva, garantindo conformidade com o Decreto nº 5.626/2005. Porém, no Anexo IV dos Editais investigados, que trata da Correção da Redação, constam apenas os critérios gerais de correção referindo-se a cinco competências que são avaliadas em cinco níveis de domínio linguístico, sendo elas: I - Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa; II - Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das varias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa; III - Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista; IV - Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação. e V - Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
Para a avaliação dos candidatos surdos, não são mencionadas as providências como: instalação de banca especial; relevância do aspecto semântico na redação e nas provas discursivas e o uso de outros mecanismos para avaliação da sua linguagem em substituição da prova de redação, como previsto no Aviso Circular nº 277/1996 e no Decreto nº 5.626/2005, onde consta que as instituições devem:
VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística ma- nifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;
VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos; (BRASIL, 2005).
Sob tais parâmetros e critérios a correção subjetiva de avaliadores sem formação específica para considerar a escrita do português como segunda língua pelos candidatos surdos pode acarretar mensurações incoerentes e classificações inadequadas dos níveis de competências linguísticas dos surdos no português escrito em virtude de singularidades serem desconsideradas.
5 CONCLUSÃO
Todas as interlocuções estabelecidas entre os documentos dão indícios para concluirmos que existem entraves para os candidatos como deficiência no processo de seleção para o ingresso nas três universidades pesquisadas, pois os enunciados encontrados e apresentados nos Mapas evidenciam que a VUNESP e o INEP não atendem integralmente as recomendações do Aviso Circular nº 277/1996; dos Decreto nº 3.298/1999, nº 5.296/2004 e nº 5.626/2005, das Portarias nº 1.679/1999 e nº 3.284/2003 e da Nota Técnica nº 08/2011.
Os enunciados escritos nos Manuais da VUNESP não são claros quanto à oferta de recursos e adaptações razoáveis providenciadas para os candidatos com deficiência. Conforme consta no excerto relacionado no Mapa 1, o cartão de confirmação não indica deferimento do pedido de atendimento em virtude da condição especial declarada pelo candidato. No que diz respeito aos editais do INEP, consideramos oportuno salientar que os candidatos com dislexia, déficit de atenção, discalculia ou com outra condição especial, inuídos como público-beneficiários do Atendimento diferenciado/ especializado, não são amparados pelas medidas protetivas recomendadas pelas normativas dirigidas aos estudantes público-alvo da Educação Especial. Nesse sentido, a escolha à inserção feita pelo INEP extrapola as recomendações do Aviso Circular nº 277/1996, tal qual está voltada para providências que proporcionem o acesso e a permanência de pessoas com deficiência ao Ensino Superior.
Nos limites da análise documental realizada, não é possível afirmar se os recursos e adaptações razoáveis elencados nos Editais do INEP são suficientes para atender as necessidades dos candidatos com deficiência. Também não podemos garantir se na correção das redações dos participantes surdos, as especificidades são, de fato, consideradas.
Quanto aos Manuais e Resoluções elaborados pela VUNESP, foi possível constatar que as informações são insuficientes para caracterizar as demandas das pessoas com deficiência, no que confere às providências de recursos e adaptações razoáveis fornecidos para o exame seletivo. Reiteramos que nos documentos não há nenhuma evidência de que existem mecanismos específicos para correção das provas dos declarados deficientes. Fora isso, nenhuma das instituições cita a existência de bancas examinadoras ou atuação de aplicadores com formação especializada para avaliar esses candidatos, nos Manuais e Editais.
Apesar das políticas primarem pela desobstrução das barreiras de acesso à universidade, o estudo revela que o ingresso depende do exame como instrumento de aferição das aptidões para selecionar candidatos julgados merecedores e capazes de ingressar nesta etapa de educação. Posto isso, foi possível apontar as necessidades de ajustes para tornar o processo seletivo acessível a todos que desejam cursá-lo. Tornar conhecido e disponível os recursos e adaptações razoáveis constitui-se um passo importante para a desobstrução das barreiras que se apresentam aos candidatos com deficiência, em grande medida fora dos muros da universidade.
Inclusão significa levar todos a pertencer ao mesmo espaço sem desvantagens. A partir dessa premissa, mais recente, tornou-se imperativo e de responsabilidade das instituições federais de educação superior, adotar cotas para o ingresso de pessoas com deficiência nos cursos de graduação, tendo em vista da necessidade por contrabalancear as condições assimétricas que marcam as desigualdades entre sujeitos. Tal medida tem sido amparada pela Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016 que altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, tal qual já contempla estudantes vindos de escolas públicas, de baixa renda, e autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência. Nos termos da legislação atual as instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação deverão reservar, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, vagas por curso e turno, para os autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, “[...] em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.” (BRASIL, 2016).
Embora as leis não sejam suficientes para o estudante concluir seu curso e ser um profissional competente no mercado de trabalho, elas são necessárias para nortear e respaldar as ações que devem ser implementadas. Todavia, “[...] uma educação que prime pela inclusão deve ter, necessariamente, investimentos em materiais pedagógicos, em qualificação de professores, em infraestrutura adequada para ingresso, acesso e permanência e estar atento a qualquer forma discriminatória.” (MOREIRA, 2005, p. 43).
Nesse sentido, as instituições envolvidas com a preparação dos exames seletivos precisam deixar de reconhecer a deficiência do ponto de vista de ordem biológica para compreendê-la na sua dimensão sócio-determinante. Segundo Mauss (2006 apud CARVALHO, 2015, p 35), “[...] em toda sociedade, todos sabem e devem saber e aprender o que devem fazer em todas as condições”. Por isso, aquelas pessoas que manifestam potencialidades desqualificadas, têm sua condição humana desprestigiada e são categorizadas pessoas com deficiência em virtude da ineficiência adaptativa de seus corpos às demandas e ao espaço físico que ocupam. Para incluir, é preciso inverter esta lógica, perceber que a ineficiência está na escassez dos espaços sociais genericamente produzidos, o que restringe o acesso aos bens culturais.
Na medida em que as políticas institucionais que apoiam a desobstrução das barreiras às pessoas com deficiência nas universidades públicas são ignoradas, colocamos o projeto de inclusão em situação de alerta e continuamos a questioná-lo.
REFERÊNCIAS
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Notas