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POLÍTICA DE SANEAMENTO: desafios no contexto de desconstrução das políticas públicas do Estado
Revista de Políticas Públicas, vol. 22, núm. 2, pp. 1139-1155, 2018
Universidade Federal do Maranhão

Artigos - Temas livres


Recepção: 31 Janeiro 2018

Aprovação: 22 Outubro 2018

Resumo: Este artigo objetiva examinar a questão do saneamento, no contexto atual da crise do Estado brasileiro. Busca apresentar a problemática do setor e os principais desafios a serem superados face ao elevado déficit dos serviços e a forte redução dos investimentos em saneamento. Aponta que, intrinsecamente relacionado com o saneamento, encontra-se a questão, não resolvida, da habitação para as famílias de baixa renda, visto que saneamento e habitação são problemas não resolvidos que remontam ao século XIX. Os impactos decorrentes impõem fortes consequências na qualidade de vida da população. São, portanto, desafios a serem superados para a melhoria das condições de vida nas cidades brasileiras.

Palavras-chave: Política de Saneamento, política de habitação, desafios das políticas públicas.

Abstract: This article aims to examine the issue of sanitation in the current context of the Brazilian state crisis. It seeks to present the sector’s problems and the main challenges to be overcome in the face of the high deficit of services and the strong reduction of investments in sanitation. Intrinsically related to sanitation lies the unresolved issue of housing for low-income families. Sanitation and housing are unresolved problems dating back to the nineteenth century. The resulting impacts have a strong impact on the quality of life of the population. They are, therefore, challenges to be overcome to improve

Keywords: Sanitation Policy, housing policy, public policies challenges.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo examinar a problemática do setor de saneamento no Brasil, no contexto atual da crise do Estado vivida pelo país. Após a formulação e aprovação da nova política de saneamento, há cerca de uma década, o elevado déficit dos serviços de saneamento continua a ser um desafio não superado nas cidades brasileiras, que tem forte interface com a questão da habitação para as camadas de baixa renda.

Inicialmente busca-se apresentar a problemática do setor e os principais desafios a serem superados num contexto de elevado déficit dos serviços e de forte redução dos recursos disponibilizados para implementação da política de saneamento.

Na segunda parte busca-se mostrar de forma sucinta como a problemática do setor de saneamento está intrinsecamente relacionada com a questão da habitação, também uma questão não resolvida para as famílias de renda até três salários mínimos e abaixo da linha da pobreza.

Na parte final do artigo, procura-se apresentar os principais desafios a serem superados, no contexto atual de crise fiscal, para a execução da política de saneamento, bem como indicar diretrizes para a superação do imobilismo atual, visando à melhoria das condições de vida da população alvo nas cidades brasileiras.

2 QUADRO GERAL DA SITUAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO NO BRASIL1

O Brasil é um país continental, marcado por desequilíbrios socioeconômicos, refletidos, na repartição desigual do produto e da renda, ao que se somam as dificuldades de acessos aos serviços básicos por segmentos expressivos da população.

A demanda por serviços de saneamento é determinada pelo crescimento da população total, e no caso brasileiro pelo crescimento da população urbana, visto que, é nas cidades onde se localiza a maior parte da demanda e os principais problemas decorrentes da falta dos serviços e de suas inter-relações com as questões de saúde e habitação.

Desde os anos 1970, tem ocorrido uma diminuição no número de pessoas por domicílio urbano, que registrou o valor de 5,07 naquela década e estima-se chegar a 3,60, no final da década atual, o que acarretará uma maior demanda por serviços de saneamento.

A evolução do Produto Interno Bruto - PIB do país permite identificar a difícil capacidade de geração de recursos. No pós-guerra o PIB brasileiro registrou valores elevados até a década de 70 e, a partir daí, devido à crise econômica, vem apresentando taxas modestas de crescimento. Essa baixa taxa de crescimento do PIB nos últimos 30 anos indica dificuldade na geração de recursos públicos para fazer face à cobertura dos custos da prestação dos serviços.

Em termos de distribuição de renda, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE demonstram a perversidade da situação, com 21,4% das famílias sobrevivendo com uma renda igual ou inferior a um salário mínimo, fato agravado pela atual crise. A concentração de renda é brutal: os 5% mais ricos ficam com 36,6% da renda nacional enquanto os 40% mais pobres com apenas 7,2%.

Desses dados pode-se inferir que uma parcela expressiva da população tem limitações fortes em sua capacidade de pagamento pela prestação de serviços. E, isto acontece justamente naquela parcela da população na qual o desatendimento é maior.

Os indicadores de população, PIB e renda, apresentados, são significativos. Se por um lado, os indicadores da população são positivos, no sentido de que a diminuição no seu ritmo de crescimento acarretará uma menor demanda por investimento, por outro lado, o crescimento do PIB e a distribuição de renda, que sofreram poucas alterações, são um indicativo de que serão grandes as dificuldades para o financiamento dos serviços.

No que diz respeito à prestação dos serviços, esta se encontra concentrada em 25 Companhias Estaduais de Saneamento (CESBs), que prestam serviços de abastecimento de água em 3.887 municípios – 91,5% do total do país, atendendo a uma população de 94,5 milhões de habitantes, que representa 73,3 % da população urbana do país e uma cobertura média nos municípios atendidos pelas CESBs de 91,3%.

Nos serviços de esgotamento sanitário os níveis de atendimento são muito menores. As CESBs são responsáveis pelos serviços de esgotamento sanitário em 893 municípios, cerca de 81,6% do total. Como observa Abicalil (2002, p.14),

[...] geralmente as CESBs atendem em esgotos as capitais e as maiores cidades dos respectivos estados. Isso explica porque, apesar de atenderem poucos municípios, o número de habitantes atendidos alcança os 40,0 milhões, ou cerca de 50% do total de pessoas servidas por redes coletoras no país.

Os prestadores de abrangência Microrregional e Local são quantitativamente em número de 7 e 342, respectivamente. Os primeiros prestam serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em 20 e 11 sedes municipais, respectivamente, enquanto os segundos respondem pelo atendimento de água em 341 municípios e 190 em esgotos. Essas duas classes de prestadores de serviços, são, na sua maioria, serviços municipais, que estão em grande parte organizados sob a forma de autarquia.

Embora muito se tenha falado em privatização no Setor de Saneamento, a participação do Setor Privado é, atualmente, incipiente. Esta participação limita-se a 210 concessões municipais, concentradas na região Sudeste, em cidades de porte médio.

Os serviços operados pelos municípios com apoio da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA são aqueles de pequeno porte de cidades interioranas. Não se restringem às sedes dos municípios, registrando-se mais de duas localidades atendidas por municípios. A operação dos serviços é de responsabilidade dos denominados Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAE).

O atendimento pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil está ainda distante da universalização. Quando se leva em conta o grau de desenvolvimento do país, persiste uma considerável demanda não atendida, especialmente nos estratos de baixa renda, periferias e municípios menores.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico- PNSB, os índices de atendimento pelos serviços de abastecimento de água, por meio de ligações domiciliares às redes, alcançaram, em 2000, o percentual de 89,8% dos domicílios urbanos. No que se refere ao esgotamento sanitário, apenas 56% destes domicílios estão ligados às redes coletoras (exclusivas ou conectadas a drenagem pluvial), número que se eleva para 62,0% quando se considera a solução de tratamento em fossa séptica como adequada. Assim, o déficit de abastecimento de água atinge os 10 milhões de domicílios, e mais de 30 milhões não estão conectados às redes coletoras de esgotos.

Quadro 1
Evolução da cobertura dos serviços de água e esgotos no Brasil - %

Informações conforme os dados dos Censos Demográficos 1970, 1980, 1990 e 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que foram apresentados por: VASCONCELOS, R. F. A. Enigma de Hidra: o setor de saneamento entre o estatal e o privado. Recife: Ed. Universi- tária da UFPE, 2011.

Os índices apresentados não são muito diferentes dos apresentados pela última amostra de dados processados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). De fato, “[...] em 2004, o índice de atendimento dos prestadores de serviço do SNIS foi de 95,4% para água, 50,3% para coleta de esgotos e 31,3% para esgotos tratados.” (BRASIL, 2007a, p. 78).

As desigualdades regionais também estão explicitas nas carências dos serviços de saneamento. Nas regiões mais pobres do país, no Norte e Nordeste, os índices de atendimento são inferiores àqueles verificados nas regiões Sul e Sudeste. Na Região Norte, o déficit em abastecimento d’água chega a ser quase cinco vezes o da Região Sul, que junto com o Sudeste apresenta déficits inferiores à média nacional (ver Quadro a seguir).

Quadro 2
Distribuição regional dos déficits em saneamento básico

IBGE (2000 apud VASCONCELOS, 2011).

Nove estados localizados nas regiões Sul, Sudeste, Centro Oeste e Norte apresentam índice de atendimento em abastecimento d’água na faixa de 80% a 90%2, enquanto na faixa de 60% a 80% encontram-se 10 estados localizados em sua maioria na Região Nordeste3. Na faixa de índice menor que 40% registra-se apenas o estado de Rondônia, e na faixa maior de 90% estão Mato Grosso do Sul, São Paulo e o Distrito Federal.

No tocante ao índice de atendimento total com coleta de esgotos, os dois estados que têm melhores índices (70%), são: São Paulo e o Distrito Federal. Na pior faixa (10%) encontram-se cinco estados: Rondônia, Pará, Amapá, Tocantins e Piauí.

Na segunda melhor faixa (40% a 70%) estão outros dois estados do Sudeste (Minas Gerais e Rio de Janeiro), com os demais estados distribuindo-se nas outras duas faixas, sendo 8 entre 20% e 40%4 e 10 na faixa de 10 a 20%5 (BRASIL, 2007a, p. 80).

A implantação de sistemas de água e esgotamento produz externalidades positivas. Entre os impactos positivos estão a redução nos casos de doenças como: a febre tifóide, esquistossomose, disenteria bacilar, amebíase, gastroenterites e infecções cutâneas.

A incidência de doenças por veiculação hídrica, bem como os maiores coeficientes de mortalidade infantil, são maiores nas regiões menos desenvolvidas do país e nos municípios de menor renda. O quadro apresentado a seguir permite fazer esta constatação.

Quadro 3
Internações hospitalares provocadas por doenças relacionadas com a falta de saneamento – regiões / Brasil – 1995 a 1999

ABICALIL, M. T. Uma nova agenda para o saneamento. In: BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano - SEDU/PR. O pensamento do Setor de Saneamento no Brasil: perspectivas futuras. Brasília, DF: 2002. p. 115. (Série modernização do setor de saneamento, v. 16).

Conforme se apresenta no Quadro nº 03, as internações hospitalares provocadas por doenças relacionadas à ausência ou insuficiência de saneamento representam, no Nordeste, 44%, do total do país, enquanto na Região Sudeste este número é de apenas 21%, evidenciando assim a correspondência entre o déficit dos serviços de saneamento e a maior incidência de doenças decorrente da ausência dos serviços, quando se comparam os déficits de água (62% e 33%) e esgotos (18% e 12%) nessas duas regiões, respectivamente.

Em vista do exposto, para se atingir a universalização dos serviços, superando os desafios impostos pela demanda não atendida, é fundamental que se priorizem os investimentos com subsídios ficais no atendimento às populações de baixa renda, modernize-se, aumente-se a eficiência e capacidade de alavancagem de recursos para investimento, buscando formas adequadas de financiamento dos investimentos necessários.

No tocante às receitas e despesas, em 2004, os prestadores de serviço participantes do SNIS tiveram uma receita total de R$ 17, 3 bilhões e despesas totais de R$ 16,4 bilhões. Do valor da receita total, 81,5% correspondem às CESBs, enquanto 18,5% correspondem aos demais prestadores de serviço. Já com relação às despesas, observa-se uma distribuição proporcional às receitas entre os subconjuntos de prestadores de serviço, ou seja, 82,9% correspondem aos prestadores regionais e 17,1% aos demais.

Cabe destacar que, entre os prestadores de serviço regional, que são constituídos pelas CESBs, 12 delas tiveram as receitas superiores às despesas, num percentual da ordem de 3,7%, demonstrando o esforço que tem sido feito, nos últimos anos, por essas empresas no sentido de atingir o equilíbrio financeiro, estando incluídas nesta situação: SANEATINS/TO, CAERN/RN, CAGECE/CE, COMPESA/ PE, DESO/SE, CEDAE/RJ, CESAN/ES, COPASA/MG, SABESP/ SP, CASAN/SC, SANEPAR/PR e SANEAGO/GO. Por sua vez, entre os serviços locais, cerca de 67% estão em situação semelhante.

A composição das despesas totais dos serviços é, para efeito de apropriação desagregada nos tipos: despesas de exploração (DEX); depreciação, provisão e amortização (DPA); serviço da dívida; despesas ficais ou tributárias; e outras despesas. No Quadro a seguir estão os percentuais por tipo de despesa para as CESBs e serviços locais.

Quadro 4
Composição média das despesas totais com os serviços (DTS) dos prestadores de serviços participantes do SNIS

BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Sistema nacional de informações sobre saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos - 2006. Parte 2 – Tabelas de informações e indicadores. Brasília, DF, 2007b.* Parcela do serviço da dívida que compreende juros e encargos mais variações monetárias e cambiais.

O peso das despesas de exploração corresponde à maior parcela na composição do custo dos serviços, item que se apresenta menor nas CESBs e maior nos serviços locais, o que se deve ao fato de que os serviços locais, por serem autarquias, contam com recursos fiscais para investimento e, em geral, não contabilizam a DPA.

O Quadro a seguir mostra os tipos de despesas desagregadas de exploração (DEX). Entre estas despesas, a de maior peso refere-se aos gastos com pessoal, tanto nas CESBs (41,2% do total) quanto nos serviços locais (39,4% do total). Os demais itens com maior peso são os serviços de terceiros, que inclui, inclusive, a contratação de mão de obra terceirizada (aumentando o peso das despesas com pessoal) e o gasto de consumo de energia elétrica, que, não raro, assume o segundo lugar em algumas CESBs, principalmente nas que atendem áreas no semiárido do NE, que operam adutoras de influência regional.

Quadro 5
Composição das despesas de exploração (DEX) dos prestadores de serviços participantes do SNIS

(BRASIL, 2007b).

As despesas com pessoal, de acordo com o SNIS (2004), indicam para as CESBs uma despesa média anual por empregado de R$ 51,4 mil, com máximo de R$ 90,2 mil. Os serviços locais tiveram uma despesa média anual por empregado de R$ 24,3 mil, menos da metade do valor gasto das CESBs, o que é um dos motivos para os serviços locais praticarem tarifas menores.

Um outro tipo de despesa que cabe registro são as despesas fiscais e tributárias, cujo montante em 2004 foi de R$ de 1,6 bilhões, dos quais 90,3% foram pagos pelas CESBs, o que indica que o Setor de Saneamento aporta recursos significativos para a arrecadação governamental. Esse elevado montante de tributos pagos pelas CESBs leva alguns especialistas do setor a considerarem as autarquias como a melhor solução do ponto de vista financeiro, que lhes dispensam de pagar uma série de obrigações fiscais, mas lhes engessam os pro- cedimentos administrativos.

No que concerne aos investimentos, a década de 70 foi o período de maiores investimentos no Setor, quando os investimentos médios anuais alcançaram a taxa de 0,34% do PIB. Nos anos 80 a taxa caiu para 0,28% PIB e na década de 90 para 0,13%. O ano com maior taxa foi 1981, 0,41%, e o pior, 1994, com 0,07%.

A partir de 1995 se iniciou um processo de reversão da tendência de queda dos investimentos, chegando a taxa a um valor de 0,38% do PIB, em 1998. Mas, já em 1999, voltaram a cair para taxas de 0,25% do PIB, e somente em 2002 se verificou uma retomada da curva ascendente, que novamente despencou a partir de 2015.

Na série histórica dos investimentos realizados na última década, a Região Sudeste respondeu por 47,7% dos investimentos totais. Por sua vez, do total de recursos investidos (R$3,1 bilhões), 50,1% foram recursos próprios dos prestadores de serviço, 20,4% recursos onerosos, 20,15% recursos não onerosos e apenas 9,4% foram despesas capitalizáveis, indicando a tendência das empresas de se financiarem com os próprios recursos.

É importante destacar que a realização dos investimentos por região tem sido inversamente proporcional à demanda. Como observa Abicalil (2002, p.20), “[...] nos estados onde o déficit dos serviços é maior, menor é capacidade das empresas estaduais em alavancar financiamentos, dificultando ainda mais a universalização nestes estados”.

Nessas circunstâncias, a alocação dos investimentos com recursos fiscais tem sido priorizada para as regiões com maiores déficits, conforme pode ser visto no abaixo. Mas deve-se destacar que, os investimentos fiscais, sozinhos, não são capazes de financiar todos os investimentos necessários à universalização.

Quadro 6
Distribuição de investimentos totais e fiscais por região - %

(BRASIL, 2007b).

Assim, para a superação do desafio da universalização faz-se necessário um investimento maior do que o que vem sendo realizado historicamente. Para isso, são estratégias centrais: aumento da eficiência na prestação dos serviços; definição de novos mecanismos de financiamento dos investimentos pela iniciativa privada; aperfeiçoamento do gasto público fiscal na adoção de políticas compensatórias (através de subsídios fiscais da União para os mais pobres).

A perda de faturamento é um indicador importante para as avaliações de desempenho das empresas, e é bastante utilizado pela facilidade de percepção por parte dos técnicos, dirigentes e o público em geral. O índice médio de perdas de faturamento do conjunto dos prestadores de serviço foi de 40,4%, indicando que há espaço para melhoria em ações como hidrometração, que trazem drásticas reduções nas perdas.

Em apenas três estados brasileiros e o Distrito Federal (Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal e Tocantins) a perda encontra-se na melhor faixa, 30%, enquanto outros três estados da região Norte (Acre, Amazonas e Amapá) situam-se na pior faixa, 70%. Há ainda outros sete estados na faixa entre 50,1% e 70%.

De acordo com o SNIS (2004), a tarifa média cobrada pelos serviços de água e esgotos no Brasil foi de R$ 1,47/m3. O comporta- mento da tarifa média guarda semelhanças às despesas médias desses mesmos prestadores de serviços. Observe-se que, em 2004, as CESBs apresentam uma despesa média de R$ 1,57/m3, enquanto os serviços locais tiveram este valor menor da ordem de R$ 1,05/m3, o que se justifica pela necessidade de cobrir despesas que também são menores. Esses mesmos prestadores de serviço praticaram tarifas médias de R$ 1,58/m3 e R$ 1,11/m3, respectivamente.

Por fim, cumpre destacar que, apenas 1/3 das CESBs adotaram a tarifa social, como forma de beneficiar a população mais pobre, cujos valores de consumo mensal não ultrapassam os 10m3/mês (valor que corresponde a um consumo da ordem de 70 l/hab.dia).

3 A QUESTÃO DA HABITAÇÃO E SUA INTERFACE COM O SANEAMENTO

Nesta seção, diferentemente da anterior, o objetivo não é fazermos uma ampla análise da questão da habitação nas cidades brasileiras, mas tão somente situarmos sua interface com a problemática do saneamento, que não terá perspectiva de solução sem que seja resolvida a questão da habitação para amplos segmentos da população urbana, principalmente as camadas na faixa de renda familiar menor que três salários mínimos e abaixo da linha da pobreza.

Se para os segmentos de maior renda, de acordo com o último censo, a questão da moradia já parece resolvida, para os segmentos de baixa renda o problema persiste. De fato, à parte os demais fatores, entre os principais obstáculos à questão da moradia estão o acesso à terra e a questão da renda.

Com efeito, a questão habitacional no Brasil, acumulada ao longo da história, expõe aspectos relacionados aos determinantes econômicos e a concentração privada da terra, resultando em desigualdades socioespaciais, situação agravada pela ocupação irregular de locais inapropriados nas cidades brasileiras pela população de baixa renda. Nos 4.565 municípios brasileiros, a problemática habitacional instalada requer a ação do Estado à provisão da política pública de habitação e saneamento, por parte dos gestores públicos.

Não é por falta de política pública ou pela necessidade de criação de fundos específicos de financiamento (que existem, mas estão quase sempre descapitalizados), que o problema da moradia se apresenta grave, mas pela ocupação inadequada, pela falta de renda, e de terrenos inapropriados, que impõe à população mais pobre a ocupação de áreas de preservação ambiental, encostas e fundo de vales, alagados ou áreas conquistadas por sucessivos aterros, que pela ausência de saneamento básico – abastecimento d’água, esgotamento sanitário, drenagem e coleta dos resíduos sólidos – estão sujeitos a múltiplos problemas, entre os quais aqueles que afetam diretamente a saúde dessa parcela da população.

O déficit habitacional é de duas naturezas: o quantitativo, que se refere à ausência de moradia para suprir as unidades situadas em áreas de risco ou insalubres. E, o déficit qualitativo, que está relacionado às condições inadequadas da habitação, como: ausência de infraestrutura, ausência de iluminação e ventilação, carência ou precariedade das instalações sanitárias, ausência de espaços de convívio ou de lazer, inadequação dos materiais da habitação, entre outros.

Sem lugar para morar, ao longo do século XX, as camadas populares foram ocupando terras ociosas e erguendo suas moradias. E, com o advento da redemocratização do país nos anos 80, foram reivindicando a manutenção de suas construções nos locais que haviam ocupado. Este movimento ensejou a formulação de políticas públicas nos níveis federal, estadual e municipal, objetivando regularizar e urbanizar as ocupações existentes, enfrentando o déficit qualitativo e quantitativo.

É lamentável que, mesmo existindo uma política pública para dar conta do problema, os governos, em todos os níveis, tenham preferido a construção de novos conjuntos habitacionais, de forma semelhante à falida política do BNH, à urbanização e implantação das infraestruturas (uma responsabilidade intransferível do Estado) dos assentamentos de baixa renda nos locais onde se encontram instalados.

Com efeito, na última década, com a elevação da renda per capita nacional foi possível se observar uma melhoria das condições de vida da população mais pobre, que utilizou parte dos recursos disponíveis na melhoria de suas moradias e na aquisição de bens duráveis como: televisores, fogões, geladeiras, entre outros. Entretanto, ao deixarem suas residências todos os dias para ir trabalhar ou estudar se deparam com a lama e o lixo, pela falta dos serviços públicos de infraestrutura.

Importa destacar que, nos locais onde foram realizadas pelos governos ações de urbanização e regularização das terras, as experiências realizadas se mostraram exitosas, a ponto de algumas áreas de favelas hoje fazerem parte do tecido urbano de muitas cidades, dando origem a comunidades e bairros.

Outro aspecto a ser destacado é que, muitos programas de universalização do saneamento, alguns até decorrentes de parceria com a iniciativa privada, encontram como obstáculo a necessidade de urbanização dessas áreas ocupadas onde está localizada a população de baixa renda, sem o que se torna impossível a implantação dos serviços de saneamento, tornando praticamente inócua a meta do atendimento pleno.

Enfim, os problemas de habitação e aqueles do saneamento, principalmente da drenagem e do esgotamento sanitário, estão intrinsecamente ligados e não haverá solução se o enfrentamento da questão não for realizado de maneira integrada, para o que o país já conta com a Política de Habitação de Interesse Social (e o seu fundo específico), formulada pelo poder público com participação dos segmentos populares, e cuja implementação em algumas comunidades aponta para um resultado bem sucedido, em todo o território nacional.

4 OS DESAFIOS A SEREM SUPERADOS NO CONTEXTO ATUAL DA CRISE BRASILEIRA

A crise atual que o país atravessa tem uma de suas principais manifestações na questão fiscal. Durante os governos militares o país endividou-se fortemente, acumulando uma dívida externa, que no início dos anos 80 foi considerada a maior do planeta. Nos últimos trinta anos do regime democrático, os dez primeiros anos foram gastos na administração da crise econômica e no serviço da dívida.

Os dez anos seguintes, os anos 1990 e primeiros anos deste século foram marcados pela busca da estabilização, após a deflagração do Plano Real, que visou à redução brusca da inflação, resultante da administração do serviço da dívida, após o amortecimento da dívida externa e sua conversão em dívida interna.

O relativo sucesso do Plano Real e a boa situação da economia internacional, no período seguinte, os últimos dez anos deste século, permitiram que a dívida externa fosse zerada e que a dívida interna fosse bastante reduzida, alcançando pouco antes da eclosão da crise econômica internacional de 2008, uma relação dívida/PIB de 38%, com boa chance de maior redução, desde que bem administrada. A crise internacional e as escolhas feitas pelo país ampliaram fortemente os gastos governamentais6 e diminuíram a arrecadação trazendo à tona o fantasma da crise fiscal, que atualmente o Brasil experimenta, e, como conseqüência, a redução do gasto público.

Nesses termos, em face do agravamento da crise fiscal é possível se antever que o setor de saneamento estará diante dos seguintes desafios:

• Forte redução na alocação de recursos públicos da União, estados e municípios e nos financiamentos dos bancos públicos com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);

• Redução dos investimentos para implantação de novos sistemas visando atender a demanda reprimida;

• Aumento dos problemas de poluição difusa no meio urbano e dos recursos hídricos;

• Aumento das doenças de veiculação hídrica: cólera, febre tifoide, diarreia aguda, hepatite infecciosa, amebíase, giárdias e contaminantes químicos. E das doenças relacionadas à falta de água e ao mau uso: tracoma, escabiose, conjuntivite bacteriana aguda, salmonelose, tricuríase, enterobíase, e ascaridíase;

• Elevação do nível de ineficiências dos serviços prestados pelas empresas de saneamento (devido ao corte nos gastos de operação e manutenção) com a depreciação dos sistemas.

Diante desses desafios é importante que iniciativas sejam tomadas visando à quebra do imobilismo, priorizando, assim, os serviços de saneamento:

• Os municípios precisam mudar a postura institucional e já tradicional de coadjuvante para uma postura inovadora de protagonista na condução da Política de Saneamento e habitação;

• Os municípios devem cuidar dos projetos de urbanização das áreas de baixa renda priorizando o saneamento nessas regiões;

• Os municípios devem, em conjunto com as CESBs, definirem as áreas prioritárias para implantação de novos sistemas de água e esgotos em seus territórios no âmbito dos novos projetos de investimentos;

• Os novos Planos Municipais de Saneamento devem ter suas ações priorizadas;

• As ações de saneamento nos municípios devem ser realizadas de forma integrada de modo a considerar os quatro subsistemas que compõem o saneamento básico: água, esgoto, drenagem e limpeza urbana;

• Estados e municípios devem estar abertos para promoção da participação privada nos investimentos a serem realizados.

5 CONCLUSÃO

De tudo o que foi exposto é possível se inferir quão grande é o desafio, e quão elevados são os recursos a serem mobilizados pelo Estado brasileiro para fazer face à universalização no setor de saneamento, no contexto atual de crise fiscal. Mas deve-se destacar que, os investimentos fiscais, sozinhos, não são capazes de financiar todos os investimentos necessários à universalização, devendo-se buscar recursos privados complementares.

Para a superação do desafio do atendimento pleno faz-se necessário um investimento maior do que o que vem sendo realizado, o que se torna mais difícil devido à atual crise. Para isso, são estratégias centrais: aumento da eficiência na prestação dos serviços; definição de novos mecanismos de financiamento, participação da iniciativa privada; aperfeiçoamento do gasto fiscal na adoção de políticas compensatórias (via subsídios fiscais da União para os mais pobres).

Além disso, para superar o desafio imposto pela demanda não atendida, é fundamental que se priorizem os investimentos com subsídios ficais no atendimento às populações de baixa renda, o que pode ser combinado com ações de urbanização de áreas pobres.

REFERÊNCIAS

ABICALIL, M. T. Uma nova agenda para o saneamento. In: BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano - SEDU/PR. O pensamento do Setor de Saneamento no Brasil: perspectivas futuras. Brasília, DF: 2002. p. 115. (Série modernização do setor de saneamento, v. 16).

BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos - 2006. Parte 1 - Texto: visão geral da prestação dos serviços. Brasília, DF, 2007a.

BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos - 2006. Parte 2 – Tabelas de informações e indicadores. Brasília, DF, 2007b.

REZENDE, F. da C. Políticas de controle dos gastos públicos e comportamento das organizações do governo: uma interpretação de arenas de políticas públicas. Revista Política Hoje, Recife, n.11, p.124-137, 2001.

VASCONCELOS, R. F. A. Enigma de Hidra: o setor de saneamento entre o estatal e o privado. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2011.

Notas

1 Para uma ampla visão da problemática do setor ver: Ronald F. A. Vasconcelos, Enigma de hidra, 2011.
2 Estes estados são: Amazonas, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul.
3 Nesta faixa encontram-se: Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Amapá e Santa Catarina.
4 São eles: Ceará, Paraíba, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul.
5 São eles: Amapá, Amazonas , Acre, Maranhão, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina.
6 Para uma ampla visão sobre os gastos públicos ver: Flávio da C. Rezende, in: Revista Política Hoje, n.11, p.124-137, 2001.


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