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Recepção: 13 Setembro 2018
Aprovação: 28 Março 2019
Resumo: O objetivo deste trabalho de orientação teórico empírica é demonstrar a manutenção de uma agenda pró-desenvolvimento que reedita a ‘velha’ agenda do passado. A despeito das descontinuidades históricas e políticas que separam as décadas de 1940 e a primeira década do século XXI, a instrumentalização do saber é o elo que reúne o presente e o passado recente. A trajetória da jovem cidade de Volta Redonda/RJ nos permite pensar acerca dos aspectos subjetivos e sub- reptícios que envolvem as noções de desenvolvimento que compartilhamos, e com as quais as políticas públicas devem lidar para produzir sua própria governabilidade hoje. Este artigo, resultado de pesquisa qualitativa, busca revelar a imbricada relação entre desenvolvimento, instrumentalização do saber e governamentalidade.
Palavras-chave: Desenvolvimento, Poder, Saber, Governamentalidade, Volta Redonda, RJ.
Abstract: The objective of this work (with empirical theoretical orientation) is to demonstrate the maintenance of a pro-development agenda that reissues the 'old' agenda of the past. In spite of the historical and political discontinuities that separate the 1940s and the first decade of the 21st century, the instrumentalization of knowledge is the link between the present and the recent past. The trajectory of the young city of Volta Redonda / RJ allows us to think about the subjective and sub-subjective aspects that involve the notions of development that we share, and with which public policies must deal to produce their own governability today. This article, the result of qualitative research, seeks to reveal the imbricated relationship between development, instrumentalization of knowledge and governamentality.
Keywords: Development, Power, Knowledge, Governamentality, Volta Redonda, RJ.
1 INTRODUÇÃO
Na primeira década do século XXI observamos a implantação de grandes projetos de desenvolvimento no Brasil. Esses projetos foram conduzidos principalmente pelo governo federal como parte do Programa de Aceleração do Crescimento, também conhecido como PAC. Conduzidos pelo governo de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef. Neste contexto, observamos a construção de empreendimentos que envolveram vultosos recursos financeiros obtidos através de consórcios privados e públicos. Empreendimentos que demandaram grande aporte de mão de obra. Seguindo o otimismo financeiro, arrefecido pelo cenário político e econômico do ano de 2015, o setor privado também foi responsável, sozinho, por grandes investimentos. A idealização e implementação desses projetos foram relacionadas a um novo ciclo de desenvolvimento, numa clara alusão ao desenvolvimentismo das décadas de 1940 e 1950.
Esse novo ciclo de desenvolvimento também chamou a atenção da comunidade acadêmica que passou a olhar atentamente para seus desdobramentos. No Brasil, na primeira década do século XXI, refinarias de petróleo, hidrelétricas, portos, entre outros empreendimentos, ganharam destaque. Na esteira desses investimentos, o sul fluminense viu surgir um parque automobilístico entre as cidades de Itatiaia, Resende e Porto Real. Para os mais otimistas um novo ABC, uma referência ao que representou para a produção automobilística brasileira, décadas atrás, as cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul.
Na década de 1940, perto dali, a cidade de Volta Redonda1 foi planejada, construída para fornecer as bases da industrialização do país, o aço. A cidade já nasceu símbolo do desenvolvimento do Brasil. E o que a cidade símbolo do desenvolvimento, no passado, teria a nos dizer sobre desenvolvimento hoje? Como o desenvolvimento, ou melhor, o discurso hegemônico sobre ele, naquele município, configurou saberes e definiu os atores e seus respectivos papéis na transição do antigo ao aclamado novo ciclo (2005-2014)? São essas as respostas que este artigo pretende responder.
Argumentamos neste trabalho2, de caráter teórico e empírico, que foi definindo o desenvolvimento, seu sentido, o que representava e o que não estava contido em seu escopo, que várias relações sociais e papéis foram estabelecidos. Nesse caso, o que está em jogo não são técnicas de poder como a coerção ou a proibição (alicerçadas no controle dos recursos financeiros), longe disso. Ao contrário, foi definindo semanticamente o que era desenvolvimento e quem eram os atores qualificados para tratar desse processo que o poder público, com a colaboração de agentes privados, produziu no passado e continua produzindo no presente sua governabilidade.
Essa chave analítica pretende discutir a cidade de Volta Redonda como símbolo de uma estratégia do passado, o desenvolvimento, que produziu passivos com os quais o presente precisa lidar. A verdade sobre as necessidades do país naquele período, entendida como o desenvolvimento via industrialização, foi conduzida através da instrumentalização do saber econômico (FOUCAULT, 2003). O discurso hegemônico do desenvolvimento, num plano global dividia os países em centrais e periféricos (ESCOBAR, 2012); no Brasil, produzia governamentalidade do Estado desenvolvimentista, como ficou conhecido. A cidade do aço foi um símbolo desse modo de controle sobre a sociedade civil. O conhecimento perito, precisamente conduzido pela associação de indústrias paulistas e de engenheiros, e por toda a parafernália técnica introduzida pela administração central do país, conduzia o país rumo ao desenvolvimento.
Continuamos a pensar em desenvolvimento a partir dos signos do passado. A proposta deste trabalho é tratar do geral, mas também do particular. A trajetória de Volta Redonda poderá nos ajudar a pensar os aspectos subjetivos e, sub-reptícios, que envolvem as noções de desenvolvimento que compartilhamos e com as quais as políticas públicas devem lidar para produzir sua governamentalidade hoje.
Neste trabalho analisamos textos de jornais que abordavam como tema o desenvolvimento ao longo do primeiro trimestre de 2012. Os textos analisados foram publicados em jornais de abrangência regional, distribuídos no sul fluminense3. Também entrevistamos diferentes atores sociais, entre eles: alunos de universidades públicas e privadas, integrantes de movimentos sociais de Volta Redonda, professores universitários, empresários locais e representantes do governo municipal (através de suas secretarias). Com a pesquisa qualitativa pretendeu-se oferecer subsídios para discutir como a cidade do aço lida com seu velho símbolo, o desenvolvimento tornado sinônimo de industrialização. E, sobretudo, como esse caso torna possível pensar o desenvolvimento como uma ideologia moderna ocidental.
2 DESENVOLVIMENTISMO DA DÉCADA DE 1940 E O NASCIMENTO DA “CIDADE DO AÇO”
A partir da década de 1940 o termo desenvolvimento ganhou grande abrangência internacional, a pobreza tornava-se um problema crônico e a solução seria o desenvolvimento, sinônimo de industrialização, de aumento de produção e de crescimento econômico. Nele estavam depositadas as esperanças para África, Ásia e América Latina. O desenvolvimento era a solução para os problemas políticos e econômicos que os havia levado à pobreza. Classificados como periféricos, os países desses continentes passaram a receber atenção das grandes potencias mundiais. (ESCOBAR, 2012). Neste trabalho, desenvolvimento não é um conceito neutro ou marcado pela suposta neutralidade científica, como, em geral, nos querem fazer crer. Postulamos que o termo desenvolvimento e sua utilização exercem uma forma de poder. Um poder acéfalo e sub-reptício que, considerado sob a perspectiva da geopolítica global, é exercido sobre os países periféricos. Estes passaram a seguir doutrinas dos países centrais e de suas emergentes instituições pró- desenvolvimento, em geral, sem contestá-las. (ESCOBAR, 2012). Em relação à perspectiva nacional, o projeto de desenvolvimento, sob a égide da industrialização, oferecia ao Estado os caminhos para sua gestão governamental. Na verdade, uma nova razão para existir, então ressignificado.
No cenário após a segunda guerra mundial, destaca-se a classificação dos países em centrais e periféricos, ou em desenvolvidos e subdesenvolvidos. (ESCOBAR, 2012). Nesse contexto, preocupados em livrar-se dos problemas que afligiam o terceiro mundo a economia brasileira sofreu grandes transformações políticas e econômicas, que foram estudadas e classificadas como desenvolvimentistas. Dentre tantas transformações, o que nos interessa destacar foi o forte investimento do Brasil nas indústrias de base, notadamente, a siderurgia. Assim, pretendia-se alçar o país rumo à sua nova vocação econômica: a industrialização. E, desse modo, atingir os parâmetros apontados pelos países centrais, seguindo a cartilha do crescimento definida como tal pelas recém- criadas agências de desenvolvimento: Banco Mundial, Fundo Monetário de Internacional (FMI), entre outros. Essa agenda de desenvolvimento da década de 1940, tal como a dos últimos anos. (BEZERRA, 2015), figura como uma das evidências do que Foucault (2003) chamou de governamentalização do Estado. Na análise proposta por Foucault (2003) a nossa modernidade ocidental viu emergir a governamentalização do Estado. Trata-se de uma nova concepção de Estado alicerçada na relação tripartite entre soberania, disciplina e gestão governamental. A gestão ou o controle sobre a população civil tornou-se a marca indelével do Estado moderno, uma gestão conduzida pelo saber instrumentalizado. Trata-se de uma mudança histórica acerca da concepção de Estado no ocidente. Olhar para o Estado desenvolvimentista como um Estado de governo, preocupado com a gestão da população, nos ajuda a entender a permeabilidade do discurso hegemônico acerca do desenvolvimento. Um discurso que não é prerrogativa da cidade do aço, mas ao observá-lo a partir de um caso concreto, a cidade símbolo do desenvolvimento, podemos compreender seu insidioso mecanismo de poder.
A década de 1940 foi um marco para a mudança dos rumos econômicos do Vale do Paraíba no sul fluminense, notadamente para Volta Redonda, até então, distrito de Barra Mansa/RJ. A região nacionalmente conhecida pela produção de café nos séculos XVIII e XIX e, pela produção leiteira na década de 1930, se converteria rapidamente na maior produtora de coque, ferro-gusa e aço do país. Uma produção estratégica para o projeto desenvolvimentista daquele período. A criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi um projeto ousado que fez surgir a Cidade do Aço nas margens do Rio Paraíba, num distrito rural de Barra Mansa, precisamente na fazenda Santa Cecília.
Em meio à construção da siderúrgica, a cidade de Volta Redonda foi erguida, e trabalhadores chegaram de várias localidades para ocupar postos de trabalho. Os arigós, como ficaram conhecidos os migrantes, vieram dos estados de Minas Gerais, São Paulo e de outras regiões do antigo estado da Guanabara.
A fundação da CSN, num enclave eminente rural como aquele, era o símbolo da proposta de desenvolvimento construída nas décadas que marcaram a reforma burocrática do Estado. O Brasil deveria abandonar sua vocação rural e ingressar numa nova era, a da industrialização, entendida como único caminho possível para o desenvolvimento. O local escolhido era perfeito para marcar essa transição.
A industrialização, a vida urbana, a reforma burocrática do Estado simbolizavam o anseio, pelo menos de alguns setores da classe dirigente do país, de romper com o passado. Contudo, essa ruptura seria, quando muito, parcial. Na verdade, como ruptura não passou de uma mera pretensão. (CARVALHO, 2012). Chamada de modernização autoritária, ela marcou de forma inequívoca as relações de trabalho na indústria nascente. A implantação da CSN é só um capítulo dessa longa história. As relações de trabalho construídas no processo de implantação da siderúrgica de Volta Redonda (e ao longo de sua trajetória) são apenas um dos muitos exemplos de como se deu a transposição das relações de trabalho do campo para a indústria durante o êxodo rural que caracterizou a década de 1950 e as duas décadas subsequentes. O Estado brasileiro tinha um projeto, o de gerir a população, neste caso, de conduzi-la aos símbolos da modernidade norte-americana e europeia. O saber instrumentalizado a partir de uma noção tecnocrática e etnocêntrica do que seria desenvolvimento e progresso ditava a tônica da mudança em curso no Vale do Paraíba Fluminense, assim como no resto do mundo subdesenvolvido. Contudo, encontrávamos aqui um terreno social e político muito diverso daquele onde a racionalização dos valores morais, do Estado, da empresa privada e do restante da vida cotidiana se deu. (WEBER, 1982). Também estávamos muito distantes da luta contínua pela consolidação e ampliação de direitos civis, direitos políticos e sociais. Luta que já estava plantada e, cujos primeiros frutos já eram colhidos, em outras partes do mundo; em especial, naquela que julgava ser a pobreza nosso maior problema, e o crescimento econômico, a solução.
Mas a despeito das diferenças históricas e sociais que separavam o Brasil rural dos países centrais, a agenda do desenvolvimento estava lançada. Era preciso desenvolver o Brasil. A criação da cidade de Volta Redonda situada no eixo entre Rio de Janeiro e São Paulo, às margens da rodovia Presidente Dutra (BR-116) inaugurada em 1951, era o símbolo da questão política fundamental: o desenvolvimento do país. É preciso destacar que o projeto de desenvolvimento brasileiro também sustentava a sobrevivência do Estado, transmutado em um Estado de governo. Esse tem na instrumentalização do saber econômico (FOUCAULT, 2003) uma das bases de seu fundamento.
Volta Redonda e a simbiótica relação da cidade com a CSN já foi descrita e analisada em inúmeros trabalhos e sob diferentes perspectivas desde sua fundação até a atualidade. É inegável que transcorrido mais de meio século a cidade do aço tenha passado por muitas transformações.
Na década de 1980, Morel (1989), analisou a relação da CSN com a cidade, e, também, as transformações dessa relação. Argumentamos que a família siderúrgica não representava apenas a marca do paternalismo que permeava a indústria nascente nas décadas de 1940 e 1950, substituída por relações impessoais de trabalho nas décadas seguintes. Ela foi, sobretudo, um símbolo da imbricada relação entre o projeto desenvolvimentista, a empresa, a formação de classe, a população, a urbanização e a arquitetura locais.
Desde a década de 1940, quando a siderúrgica fez surgir a cidade, e vice-versa, muito mudou nesta imbricada relação. (LIMA, 2010). Transformações que marcaram a história da industrialização, do trabalho e do sindicalismo no Brasil. A privatização da CSN, e, antes dela, a gestão pela eficiência na usina também compõem um capítulo importante dessa história. (GRACIOLLI, 2007). Afinal, no fim da década de 1980 e no início da década subsequente a maior parte da população municipal ainda estava empregada na siderúrgica. E antes e durante a privatização vários funcionários foram demitidos. A economia da cidade que dependia da CSN precisou ser reorganizada. O movimento sindical, a greve de 1988, a redemocratização do país são episódios que compõem a trajetória da cidade e suas transformações até aqui. As descontinuidades entre o passado e o presente são inegáveis; elas já foram analisadas de modo detalhado. (LIMA, 2010). Trata-se de descontinuidades que não queremos negligenciar, mas, importa neste trabalho analisar o que persistiu, em especial, o sentido contido no termo desenvolvimento.
Ao analisar o legado dessa relação pretendemos lançar uma nova luz sobre as discussões acerca do desenvolvimento. Entender como os diferentes atores sociais, os herdeiros do símbolo, pensam o desenvolvimento hoje. Essa compreensão pode oferecer subsídios para discutir as políticas públicas de desenvolvimento sob outra perspectiva.
3 SOBRE O DESENVOLVIMENTO
A definição para desenvolvimento, encontrada em dicionários da língua portuguesa, frequentemente, associa o verbete ao crescimento e ao progresso. Nos dicionários encontramos as seguintes acepções (com sentidos muito semelhantes) para o verbo desenvolver: fazer crescer, prosperar, aplicar, gerar, produzir, crescer, aumentar e, finalmente, progredir. Quase todas essas acepções sugerem a existência de modelos comparativos ou paradigmáticos em que se pode apoiar a classificação daquilo que é chamado de desenvolvido, conferindo-lhe status. E quase todas parecem estar alicerçadas na produção de riqueza ou de bens materiais. É dessa forma que a imprensa escrita, em geral, tem utilizado o termo. No ano de 2012 mapeamos as matérias publicadas por três jornais do sul fluminense (RJ) durante um trimestre. Interessava-nos compreender a utilização do desenvolvimento e o(s) sentido(s) que lhe era atribuído. Invariavelmente o termo era empregado para designar crescimento econômico. Poucas e raras foram aquelas ocasiões em que, juntamente com o qualificativo sustentável, o termo desenvolvimento indicava a preocupação com recursos hídricos e ambientais afetados pelo processo de crescimento econômico. Nos raros casos em que o termo desenvolvimento sustentável foi publicado (durante o período analisado), ele cumpria a finalidade de tentar garantir a perpetuação de ambos, ou seja, dos recursos socioambientais e do crescimento econômico, e não necessariamente nessa mesma ordem.
Nesses casos, o emprego do termo sócio ambiental revelava tratar-se de uma atenção circunscrita muito mais ao meio ambiente, aos recursos hídricos, às florestas e às espécies da fauna e da flora do que às relações humanas tecidas nesses espaços. Importa dizer que a preocupação com laços de sociabilidade e com as especificidades das cosmologias das populações tradicionais jamais esteve contida no sentido aplicado ao termo desenvolvimento sustentável durante a análise do material produzido pela imprensa local naquele período. Assim, nas poucas ocasiões em que desenvolvimento se referia à sustentabilidade, constatamos a existência de uma preocupação em preservar exclusivamente a natureza. Como alertou Diegues (2001), uma natureza intocada, livre da existência humana.
A preocupação subjacente na pesquisa realizada em fontes bibliográficas era compreender a centralidade e, pode-se dizer mesmo, a hegemonia da nova preocupação com o desenvolvimento. Sob que égide erigiu-se o novo ciclo de desenvolvimento? O Brasil já havia vivido uma fase em que políticas públicas voltadas ao desenvolvimento buscavam fazer o país crescer, se possível cinquenta anos em cinco. Já destacamos a cidade de Volta Redonda como um dos símbolos desta preocupação que marcou a história do Brasil entre as décadas de 1930 e 1950. O que a cidade símbolo do desenvolvimento teria a nos dizer sobre ele?
Sobre a perspectiva teórica, podemos afirmar que o desenvolvimento e quase toda produção acadêmica a seu respeito, desde a década de 1940, permaneceu circunscrito à esfera da discussão econômica, em geral, orientada por relatórios técnicos. A instrumentalização do saber econômico, conduzida pelo Estado, fornecia as bases e consolidava um nicho de especialistas qualificados para tratar do tema desenvolvimento. Foi a partir da perspectiva que se tornaria hegemônica, a saber, a econômica, que o Estado desenvolvimentista garantiu sua governamentalidade. Havia, assim, legitimidade no controle da população, conduzida sob a necessidade de desenvolver o país. Conquistando não só popularidade, mas, um discurso sobre o futuro do Brasil e sua nova vocação.
Há pouco tempo antropólogos e a antropologia têm se dedicado à análise desse conceito, a saber, desenvolvimento. Trabalhos como o de Gilbert Rist (2007) e Arturo Escobar (2012) inauguraram essa iniciativa na década de 1990. Pouco mais de vinte anos se passaram desde as primeiras publicações; nesse ínterim receberam críticas e também contra-argumentaram várias delas. Mas o que se observa, a despeito das discussões acadêmicas que esses trabalhos suscitaram, é que o desenvolvimento e o discurso que o norteia continuam sendo uma das principais forças sociais que sustentam sua própria centralidade no mundo ocidental e fora dele. Trata-se, portanto, de um conceito nativo para os ocidentais, e não de uma categoria de análise instrumentalizada tecnicamente, como querem fazer crer especialistas e burocratas.
Para situar os discursos produzidos sobre desenvolvimento, em Volta Redonda, e analisá- los, torna-se fundamental descrever brevemente a história dessa crença ocidental. (RIST, 2007). E é recuperando a chave analítica proposta por Escobar (2012) e Rist (2007) que pretendemos sintetizar esta história. Assim, nos afastamos brevemente dos dados empíricos acerca do desenvolvimento, em Volta Redonda, para retomá-los adiante.
4 DESNATURALIZAR UM CONCEITO OCIDENTAL
Algumas décadas atrás, em resposta à preocupação de Fábio Wanderley Reis com o suposto estado de indigência analítica que estaria se alastrando pelas ciências sociais no Brasil, Mariza Peirano (1995, p. 15) classificou a antropologia como “[...] a mais artesanal e também ambiciosa das ciências sociais”. Afinal, submeter conceitos preestabelecidos e discursos sedimentados à experiência de contextos diferentes e específicos é tarefa ambiciosa. Objetivar dissecá-los para então, analisar e compreender a adequação de tais conceitos a realidades sociais sui generis é tarefa mais ambiciosa ainda. E também necessária. É essa vocação que nos autoriza a desnaturalizar certos conceitos ocidentais para analisá-los. E é considerando a importância acadêmica dessa vocação antropológica que propomos uma reflexão sobre os aspectos subjetivos do desenvolvimento. É importante destacar que por aspectos subjetivos entendemos: os valores, as práticas sociais, os sentimentos suscitados e o sistema de crenças evocado quando o termo desenvolvimento é enunciado. Argumentamos que esses aspectos subjetivos produzem realidades objetivas, seja pelas expectativas que suscitam, seja pelo modo como se integram e/ou são integradas aos projetos do Estado de governo. (FOUCAULT, 2003).
O estranhamento do conceito de desenvolvimento e a análise acerca de sua utilização (representações e discursos) em realidades sociais específicas, pode nos ajudar a compreender a simbiótica relação entre interesses privados, demandas coletivas e políticas públicas. Ao analisar o emprego do termo desenvolvimento, na cidade de Volta Redonda, este trabalho pretende oferecer uma reflexão sobre a permeabilidade do discurso acerca do desenvolvimento numa company town e os resultados produzidos por ele.
Essa opção metodológica, que nos conduziu ao estranhamento de conceitos para análise do que representam, tem nos trabalhos de Durkheim (2000) as bases de seu fundamento. É preciso brevemente sintetizá-lo para, também superá-lo adiante. Quando se referiu à dualidade dos fatos morais, Durkheim (2000) argumentou acerca da dupla existência humana. Para o autor, há em cada um de nós, no momento da ação, um ser social, portanto, coletivo, e um ser individual. Apesar de dupla, pois Durkheim pretendeu demarcar a existência da esfera social distinta da individual, elas estão intensamente relacionadas. Ao que tudo indica, a marcada distinção entre ser social e individual constituiu-se muito mais num recurso de delimitação de um campo do saber, a sociologia, do que numa convicção quanto à natureza da ação humana. Por mais de uma vez Durkheim (2000) sugeriu que da relação concomitante entre os dois seres, agindo em nós, tomávamos importantes decisões quanto às nossas condutas cotidianas e nossas convicções. Contudo, é inconteste que a preocupação em definir a sociedade como coisa, empiricamente observável, não o tenha permitido avançar na análise acerca da natureza da relação entre os dois seres e explorar sua complexidade. De fato, não era sua preocupação, naquele momento, compreender essa intrincada relação, intensamente explorada por Mauss (2003) mais tarde.
Seguindo a análise durkheimiana, observamos a capacidade criadora e coercitiva da sociedade. Nela e através dela as representações coletivas emergem e se inscrevem sobre os indivíduos, conduzindo-os, apesar da constatação que o autor faz acerca de sua dupla existência, social e individual. Poderíamos argumentar aqui que a ação dessa força, “[...] o mais poderoso feixe de forças físicas e morais cujo resultado a natureza nos oferece.” (DURKHEIM, 2000, p. 456), permite a compreensão acerca da unidade e da hegemonia do discurso sobre desenvolvimento que caracteriza os depoimentos obtidos durante nossas entrevistas.
Afinal, não é muito difícil para qualquer indivíduo, inserido no contexto social contemporâneo, descrever o que é o desenvolvimento diante da interrogação sobre o sentido do termo (como fizemos), sobretudo, porque esse sentido lhe parece natural e corriqueiro. Assim, poderíamos argumentar que a noção de desenvolvimento que subjaz às representações dos indivíduos seria resultante dessa força agindo sobre cada um.
Mas entendemos que seguir esse caminho metodológico inviabilizaria compreender uma complexa dinâmica que, enredando vários atores sociais, produz relações de poder e as reproduz. Afinal, os recursos metodológicos que Durkheim coloca à nossa disposição não privilegiam a análise das relações entre os indivíduos, como também, não revela a dinâmica de suas ações na constituição de uma determinada visão de mundo. Se por um lado é preciso recuperá-lo para reconhecer os mecanismos de introjeção de uma determinada ordem social, por outro, também é importante superá-lo para apreender o mecanismo de produção e reprodução dessa ordem. É preciso superá-lo para compreender o papel desempenhado pelos indivíduos nessa dinâmica. A preocupação com a hegemonia de um discurso, sua permeabilidade e, notadamente, as consequências práticas de sua abrangência nos impele à compreensão do mecanismo em si. Compreendê-lo significa compreender as relações entre os indivíduos, relações de poder. Nesse caso, um poder que não é simplesmente coercitivo como usualmente o pensamos. Mas um poder criativo, produtivo.
O que nos importa discutir, portanto, é o mecanismo e também suas consequências práticas, a construção de uma realidade objetiva que resulta dessa produção discursiva tornada hegemônica.
5 INSTRUMENTALIZAÇÃO DO SABER E A FORMULAÇÃO DE UMA “NOVA” AGENDA PARA O DESENVOLVIMENTO
É importante destacar que a desnaturalização do conceito e a identificação das relações de poder que envolvem a implantação de grandes projetos de desenvolvimento não sugerem, por si só, a ausência de preocupação com as novas redes de relações e diálogos produzidos pelos atores sociais locais, em geral, afetados por esses projetos. Pois como provocou Foucault (2003, p. 7) é preciso “[...] dar conta do que existe justamente de produtor no poder”. Assim, desnaturalizar o conceito de desenvolvimento, identificar como ele se tornou um discurso hegemônico e mapear as relações de poder que o envolvem (seja nas relações globais ou locais, ou na interface de ambos) não é simplesmente negar sua positividade, como já foi sugerido. (DE SARDAN, 1995). Sob a perspectiva de Foucault (2003), trata-se do contrário. Trata-se exatamente de mostrar como o poder/saber (instrumentalização do saber econômico), que conduz e dissemina o que é desenvolvimento, como fazê-lo e quem é capaz de produzi-lo, elabora um recurso discursivo poderoso: a verdade sobre o desenvolvimento. Esse mecanismo também produz realidade objetiva. É importante destacar a positividade do poder, ou seja, é importante destacar que o poder é produtor, o que significa dizer que ele não só oprime ou destrói. Mas, produz realidades objetivas, como no caso brasileiro: a percepção de desenvolvimento como crescimento econômico atrelado à industrialização. O poder em sua forma discursiva (saber/verdade) é capaz de garantir a governamentalidade, produzir novas relações sociais (TAPPER, 1999), novas mensagens, novas redes ou mesmo novas estratégias para conduzir cadeias de valor. (PEGLER, 2015). Trata-se de percebê-lo como fluxo a partir do qual as relações sociais são organizadas, construídas e, eventualmente, reorganizadas e reconstruídas.
Exatamente por interpretarmos o desenvolvimento como uma categoria nativa ocidental, desnaturalizando-o, que o concebemos como um discurso. Tomá-lo como um discurso produzido pelo ocidente, não reduz nossa capacidade de observar as novas realidades que podem emergir do diálogo (mais ou menos conflituoso) de diferentes atores sociais (e entre eles) com um discurso que se tornou hegemônico. Ao contrário, nos leva a entender a dinâmica de um mecanismo de poder muito sutil. A sutileza desse mecanismo reside no fato de enredar diferentes atores sociais em sua lógica discursiva. Enredar diferentes atores sociais em uma lógica discursiva não implica dizer que não haverá discursos dissonantes ou que atores sociais não protagonizarão mudanças. Afinal, é de sua positividade que falamos; de sua capacidade produtiva. Mas, é preciso salientar que tais mudanças não alteram a lógica discursiva que orienta as relações. O discurso sobre o desenvolvimento não se configura como um poder opressivo que coage indivíduos e segmentos sociais; suas consequências até poderão conduzi- los à opressão (ESCOBAR, 2012), assim como poderá fomentar novas redes de sociabilidade, novos padrões sociais, etc. Mas esse será outro debate. Argumentamos, por ora, que a permeabilidade desse discurso faz com que todas as vozes, inclusive as dissidentes, se comuniquem a partir da lógica discursiva que o sustenta.
Na instrumentalização do saber econômico através dos enunciadores qualificados para falar sobre o desenvolvimento, arregimentada pelo Estado (Estado de governo) para garantir sua capacidade de gerir a população, é que reside essa hegemonia discursiva. Ao analisar um problema que se tornou central para a manutenção da soberania do Estado, o governo, Foucault (2003) explica a relação entre governo, população e economia política. Conjunto no qual apostamos para explicar o desenvolvimento como discurso e também sua hegemonia.
[...] o movimento que faz aparecer a população como um dado, como um campo de intervenção, como objeto da técnica de governo; e o movimento que isola a economia como setor específico da realidade e a economia política como ciência e técnica de intervenção do governo neste campo e realidade. (FOUCAULT, 2003, p. 291).
Não foi apenas a partir da pesquisa bibliográfica que identificamos o desenvolvimento, ou melhor, o sentido contido no uso do termo, como um discurso hegemônico. Mas, através dela observamos um movimento que antecedeu o pós-guerra, e que se intensificou com a sedimentação do Estado de governo (FOUCAULT, 2003) com a crescente necessidade de gerir a população, utilizando sua principal técnica de intervenção, a economia, instrumentalizada pelo próprio Estado. A história de Volta Redonda e sua relação com o projeto desenvolvimentista nacional é uma evidência empírica dessa necessidade de gerir.
No entanto, foi através das entrevistas realizadas4 na Cidade do Aço, com indivíduos de diferentes segmentos sociais, faixa etária e gênero, que percebemos o sentido com que o termo desenvolvimento era empregado. O desenvolvimento foi definido e percebido como crescimento econômico, e o desenvolvimento social definido como uma espécie de distribuição mais equitativa dos recursos financeiros obtidos com esse crescimento. Invariavelmente obtivemos essa resposta. Em geral, o termo era associado a valores morais positivos como o bem ou o bom. Com freqüência, era associado ao progresso e à industrialização, por indivíduos dos diferentes segmentos sociais entrevistados. Para os professores universitários o desenvolvimento era pensado como crescimento econômico aliado à distribuição de riquezas e de serviços como educação, saúde, saneamento e mobilidade urbana. Há dois segmentos em que registramos o desenvolvimento sendo descrito de forma negativa. Em um deles, essa descrição negativa dizia respeito não ao desenvolvimento, em si mesmo, mas à falta de acesso ao desenvolvimento. Trata-se dos representantes dos movimentos sociais da região que o descreveram de forma negativa afirmando: “[...] o trabalhador não conhece isso não! Só o patrão.” (Informação verbal)5. Entre os representantes dos movimentos ambientalistas da região, também era grande a crítica ao desenvolvimento, mais uma vez definido como crescimento econômico. Nesse caso havia uma preocupação em desenvolver, produzir crescimento econômico sem exaurir os recursos naturais.
A opção pela pesquisa qualitativa nos exime de preocupação com a representatividade numérica das entrevistas realizadas, afinal, buscávamos compreender aspectos subjetivos acerca do desenvolvimento, como ele é pensado e vivido pelos indivíduos. No mesmo ano em que realizávamos as entrevistas (2012), a organização de dois eventos de caráter acadêmico para promover a inovação e o desenvolvimento forneceu os subsídios para sustentar nossa interpretação inicial, acerca da hegemonia discursiva e de suas consequências. Retomaremos adiante esses episódios.
Antes de sustentar a argumentação é importante ressaltar alguns pontos. Propor uma compreensão mais nuançada acerca da permeabilidade do discurso sobre desenvolvimento, tornado hegemônico, não significa dizer que os grandes investimentos (sob a égide do desenvolvimento) não coloquem em relação diferentes atores sociais e, sobretudo, que mudanças sociais não se depreendam dessas novas relações. Assim como, apontar para sinérgica relação entre essa hegemonia discursiva e a construção e implantação de políticas públicas, não significa tomar o Estado de governo (FOUCAULT, 2003) a única referência para pensarmos o Estado e sua relação com a sociedade; longe disso. Mas, essa chave analítica ajuda a compreender o objeto de estudo proposto aqui. Também é importante destacar que por múltiplos atores sociais entendemos tanto aqueles que são diretamente afetados por grandes projetos de desenvolvimento ou de investimentos (GPI), como a literatura sobre sociologia econômica convencionou chamá-los, quanto os que operam as instituições de desenvolvimento, notadamente o setor privado (empresas nacionais, empresas transnacionais, holdings) e o setor público.
O que se pretende é analisar como diferentes atores sociais foram enredados por um discurso sobre desenvolvimento que se tornou hegemônico e quais têm sido as consequências dele para Volta Redonda.
Concordamos que áreas atingidas por grandes investimentos colocaram em negociação diferentes atores sociais envolvidos em sua implantação, tanto aqueles que são diretamente afetados por grandes projetos de desenvolvimento quanto os que operam as instituições de desenvolvimento. Mas, se o pano de fundo que orienta essas negociações for a necessidade de desenvolver, instrumentalizada pelo saber econômico, é certo que alguns desses atores sociais terão possibilidades de negociação limitadas ao escopo dos recursos discursivos disponíveis.
6 SOBRE DESENVOLVIMENTO NA “CIDADE DO AÇO”
Volta Redonda, antigo símbolo do desenvolvimento do país através da industrialização, está cercada por cidades que representavam papel importante no chamado novo ciclo de desenvolvimento, atualmente arrefecido. O município vê acentuar-se o declínio da importância da indústria em seu PIB desde 2005, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, a chegada de indústrias na região sul fluminense e sua implantação em outros municípios é motivo de frustração para os munícipes.
A partir da observação participante em um evento acadêmico realizado em Volta Redonda, e de outro organizado no município pela FIRJAN (e outros parceiros), em 2012, foi possível observar o que o velho símbolo do desenvolvimento brasileiro no passado tem a nos dizer sobre ele, hoje.
Durante três dias o Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Fluminense reuniu para palestras e mesas redondas os seguintes atores sociais: membros do poder público municipal, representantes do empresariado local – em sua maioria representantes do setor metal/mecânico – e professores do Instituto. O objetivo do evento era a promoção de estratégias que pudessem fomentar o desenvolvimento local e a inovação. A aposta para promover o desenvolvimento local era a relação tripartite entre poder público, empresários locais (setor metal/mecânico) e pesquisadores (saber instrumentalizado). Todas as sessões foram conduzidas por mesas constituídas a partir dessa configuração. Afora o fato de que a maioria dos pesquisadores não era de economistas ou engenheiros, enunciadores ainda mais qualificados (FOUCAULT, 2001) para tratar do tema, a agenda do presente representava o passado.
O poder público reunia-se ao corpo técnico (instrumentalizado) para construir, juntamente aos empresários, novas possibilidades de desenvolvimento. A agenda do novo ciclo repetia a fórmula do passado. O acervo da CSN está repleto de fotos que ilustram as reuniões entre o poder público (governo federal), engenheiros e economistas (e suas respectivas associações) e os industriais paulistas. Afinal, no caso brasileiro, especialmente no caso de Volta Redonda, a universidade, ou melhor, seu corpo de especialistas não é o que podemos chamar de representação da sociedade civil, longe disso. A sociedade civil, a qual se destina, em princípio, o desenvolvimento, só é partícipe desse processo no momento da produção (dos bens que serão comercializados). Mas, como vimos, é igualmente signatária dessas representações.
Uma agenda sobre desenvolvimento que reúne o saber instrumentalizado, o poder público local e os empresários locais (especialmente do setor metal/mecânico) continua orbitando em torno das experiências do passado, a despeito das descontinuidades políticas e econômicas, entre os dois períodos. O desenvolvimento atrelado à industrialização e capitaneado pelo Estado (poder público local, neste caso) ainda compõe o discurso sobre desenvolvimento dos diferentes segmentos envolvidos nos episódios pró-desenvolvimento e inovação. Mas, está igualmente contido nas representações sobre desenvolvimento que observamos ao longo da análise das entrevistas. Numa delas um empresário do setor metal/mecânico reconhece a necessidade de estabelecimento de redes de apoio entre os próprios empresários locais, mas destaca o protagonismo que o poder público local deveria ter no fomento ao crescimento econômico, associando o insucesso do setor, na região, às estratégias equivocadas do poder público.
No outro evento organizado pela FIRJAN e demais parceiros, com objetivo de promoção do desenvolvimento local, também observamos a participação exclusiva do poder público (nesse caso, dos governos: estadual e municipal), de engenheiros e economistas (enunciadores qualificados) e os empresários da indústria local. Nesta ocasião, o corpo de especialistas colocou à disposição das indústrias da região o saber instrumentalizado. “Podemos ajustar nossos currículos às demandas das empresas locais” (Informação verbal)6, afirmou uma coordenadora de curso presente no evento, associando o saber aos esforços pró-desenvolvimento.
O que chama a atenção nos dois casos é a ausência de outros segmentos da sociedade civil. Não há representantes de nenhum movimento social, conselhos municipais ou associações nos eventos em que se propõem a pensar e promover o desenvolvimento. Argumentamos que ele já está pensado e definido. Novas estratégias devem se depreender da antiga agenda já estabelecida. Nela, a população, a quem se destina o desenvolvimento, não é partícipe do processo. A sociedade é um dado, um campo de intervenção. Parte, portanto, de um movimento que isola a economia; afinal, só os especialistas (FOUCAULT, 2001) produzem um discurso cuja legitimidade lhes é conferida pelo Estado e, consequentemente, pela própria sociedade civil.
7 CONCLUSÃO
Este trabalho pretendeu analisar parte do legado deixado pelo passado desenvolvimentista, especificamente das décadas de 1940 e 1950, para as novas estratégias de desenvolvimento, orientadas sob o panorama do novo ciclo de desenvolvimento. Apesar das décadas que separam os dois momentos históricos, nos questionamos sobre as continuidades. Ao fazê-lo, encontramos uma agenda muito semelhante àquela do passado. O desenvolvimento atrelado à industrialização e organizado a partir da relação tripartite entre especialistas, de um saber instrumentalizado e isolado da realidade social, o poder público (mais local do que nacional, no novo cenário) e os empresários do setor industrial local.
Encontramos um discurso hegemônico sobre desenvolvimento que se re-atualiza, inclusive alimentado pelas experiências do passado. Nesse sentido, o velho símbolo do desenvolvimento tem muito a dizer sobre o novo ciclo, arrefecido pela crise econômica e política atual.
Numa mesa da 39ª edição da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), onde discutíamos Os caminhos e os descaminhos do desenvolvimento, o desenvolvimento social foi empregado, invariavelmente, como sinônimo de distribuição mais ou menos equitativa dos recursos auferidos com o crescimento econômico. Se no encontro anual de pesquisadores em ciências sociais não conseguimos nos desvencilhar das armadilhas impostas pela instrumentalização do saber econômico, como os cidadãos de Volta Redonda, velho símbolo do desenvolvimento nacional sob a mesma orientação, se desvencilhariam?
REFERÊNCIAS
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Notas