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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO MÉDIO: em análise a escola de tempo integral regular
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO MÉDIO: em análise a escola de tempo integral regular
Revista de Políticas Públicas, vol. 23, núm. 2, pp. 657-674, 2019
Universidade Federal do Maranhão
Recepção: 21 Maio 2019
Aprovação: 04 Novembro 2019
Resumo: O trabalho busca discutir a escola de tempo integral regular como proveniente das novas políticas para o ensino médio, considerando sua expansão no estado do Ceará. Utilizando como recurso metodológico a observação participante, a coleta de dados, a revisão bibliográfica e as entrevistas individuais, procura traçar as perspectivas assumidas pela escola de tempo integral no que concerne a sua função política, social, econômica e cultural, bem como a significação do tempo escolar para os jovens que chegam ao ensino médio. Os resultados, ainda que parciais, apontam a escola de tempo integral como produto da globalização que exige uma nova postura da escola pública e da educação média, simultaneamente, modificada pela forma como os agentes escolares, sobretudo, os jovens, usufruem do tempo e do espaço escolar.
Palavras-chave: Políticas Públicas, Escola, Tempo Integral.
Abstract: The paper discusses the regular full-time school as coming from the new policies for high school, considering its expansion in the state of Ceará. Using participant observation, data collection, literature review and individual interviews as a methodological resource, we sought to trace the perspectives assumed by the full-time school regarding its political, social, economic and cultural function, as well as the meaning of school time for young people who reach high school. The results, albeit partial, point to the full-time school as a product of globalization that requires a new posture of public school and secondary education, simultaneously modified by the way school agents, especially young people, enjoy time and school space.
Keywords: Public Policies, School, Integral Time.
1 INTRODUÇÃO
No Ceará, nos últimos 10 anos vem se destacando a ampliação das escolas de ensino médio integral com a projeção de dois projetos: a escola de ensino profissional e o Juventude em Tempo Integral, o que elevou significativamente o número de escolas de educação média neste modelo, sendo que das 722 escolas estaduais hoje, 230 são em tempo integral. Deste total, 111 são de ensino regular, e 119 são de ensino profissionalizante. A crescente ampliação da jornada escolar no ensino médio nos impele a pensar nas motivações para a construção de políticas de alargamento do tempo na escola, especialmente quando direcionamos nosso olhar para as escolas de ensino médio de tempo integral regular.Nos discursos oficiais e na fundamentação política dessas escolas a inclusão social dos jovens aparece como motivação principal. Logo, nos perguntamos: de que forma a ampliação do tempo pode contribuir para a inserção dos jovens na sociedade?Partindo desse pressuposto, o trabalho se propõe a analisar como estudo de caso a escola Padre Saraiva Leão,localizada na cidade de Redenção, no interior do Ceará.
Para Minayo (1994, p.13), “o objeto das ciências sociais é histórico. Isto significa que as sociedades humanas existem num determinado espaço cuja formação social e configuração são específicas”. Assim sendo, sob o ponto de vista sociológico, o estudo de caso da escola Padre Saraiva Leão busca identificar as especificidades de uma escola de tempo integral regular, localizada no interior do Ceará, a fim de situar sua condição histórica e os significados que assume enquanto instituição social, política e pedagógica. A pesquisa foi desenvolvida utilizando como principal recurso metodológico a observação participante, de modo a “captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas” (MINAYO, 1994, p. 59-60). A análise documental nos permitiu analisar aspectos estruturantes do Projeto Político Pedagógico da escola e da própria proposta educacional das escolas de tempo integral. A entrevista foi utilizada como metodologia que busca captar nas falas dos indivíduos os significados atribuídos ao seu tempo (jovem) e ao tempo na escola, conforme Minayo (1994, p.57) “ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores”. A fundamentação teórica, elemento primordial à associação teoria e prática, tem como base os estudos de autores estudiosos da sociologia da educação e da temática do tempo integral na escola como Cavaliere (2002, 2007), Arroyo (1988, 2009, 2010, 2014), Gadotti (2009), Dayrell (2003, 2007), Krawczyk (2014), Bourdieu (2007), Charlot (2007, 2014), entre outros.
A escola é o momento de preparação dos indivíduos para etapas posteriores da vida. Este trabalho busca suscitar o papel da escola de tempo integral enquanto política pública, bem como seu significado para os atores juvenis e para a sociedade capitalista global. Partindo de uma perspectiva macro, procura-se situar as novas políticas de educação média em tempo integral no estado do Ceará como parte de um projeto global de universalização do ensino, o qual é consolidado nos grandes centros urbanos e posteriormente difundido nas pequenas cidades do interior, como em Redenção, cidade que abriga duas escolas de tempo integral, uma de ensino profissionalizante e outra de ensino regular. Partindo do contexto da cidade de Redenção no Ceará, e fundamentando-se na análise de caso da escola Padre Saraiva Leão,o artigo busca refletir sobre a escola de tempo integral, a partir de suas propostas políticas e pedagógicas e dos discursos dos sujeitos escolares.
2 POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO: uma reflexão acerca da escola de tempo integral
A educação se caracteriza como um fator importante para a organização, desenvolvimento e continuidade de uma sociedade, e, por este motivo, não pode ser compreendida desvinculada dos seus processos político, econômico, social e cultural.Conforme afirma Arroyo (1988, p.4),“uma reflexão sobre a escola de tempo integral é inseparável das propostas sociais, políticas e pedagógicas mais amplas e da correlação de forças que são concebidas e implementadas em cada momento histórico”.
No Brasil, as primeiras propostas de ensino integral foram pensadas por Anísio Teixeira, ainda na década de 1950, e retomadas na década de 1980, sob a idealização de Darcy Ribeiro, que culminou na implementação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs)..
Durante o século XX, diversas propostas de escola de tempo integral foram difundidas no Brasil, especialmente, após a determinação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que em seu artigo 34, inciso 2, previa a ampliação do tempo de permanência do aluno na escola de forma progressiva.No ano de 2014, O Plano Nacional de Educação elencou como meta “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica”. (BRASIL, 2014). Desde então, estados e municípios passaram a investir de forma massiva na criação de escolas de tempo integral, as quais se configuram como uma proposta educacional de reformulação da educação básica no país, que visa submeter crianças, adolescentes e jovens a uma nova experiência do tempo escolar.
Segundo Arroyo (2009, p.202), “a produção do tempo escolar e a produção dos tempos de vida são inseparáveis. Sempre que os significados sociais e culturais da infância e da adolescência são relocados, os tempos da escola são chamados a repensar-se”. Assim sendo, a ampliação do tempo escolar está diretamente relacionada a uma nova concepção sobre a infância e a adolescência, nas quais particularidades e pluralidades de ideias e condições sociais devem ser respeitadas. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2012), reconhecendo a diversidade dos jovens que chegam à escola, propõem:
[...] a organização do Ensino Médio deve oferecer tempos e espaços próprios para estudos e atividades que permitam itinerários formativos opcionais diversificados, a fim de melhor responder a heterogeneidade e pluralidade de condições, múltiplos interesses e aspirações dos estudantes, com suas especificidades etárias, sociais e culturais, bem como sua fase de desenvolvimento (Art. 14, XI).
No ensino médio, a escola de tempo integral está atrelada à percepção da escola como um organismo plural, formado por jovens das mais distintas classes e condições sociais, que carregam um modo particular e individual de ver o mundo a sua volta. Logo, a escola deve oferecer espaços e tempos que respeitem suas especificidades culturais e sociais.
No Ceará, a ampliação do tempo integral nas escolas de ensino médio faz parte de uma das ações na área educacional do plano de governo 2015-2018, do então candidato Camilo Santana, intitulado 7 Cearás., que traz como objetivo “a defesa do público, da igualdade, da liberdade e dos investimentos nas capacidades humanas” (CEARÁ,2014), propondo, assim, uma educação inclusiva e de qualidade para as classes menos favorecidas da sociedade, no intuito de diminuir as desigualdades sociais que assolam o estado.
Para Arroyo (2010), as políticas de inclusão e instituições , criadas para permitir o acesso de uma minoria aos bens sociais, elenca uma nova visão sobre os desiguais e os classifica como excluídos: “excluídos não dos bens materiais do viver humano, mas excluídos dos bens culturais, das instituições e espaços públicos, do convívio social. Mantidos do lado de fora,extramuros” (ARROYO, 2010, p.1391). Assim sendo, ainda segundo o autor, é papel do Estado, suas políticas e instituições incluir essas minorias, de permitir o acesso àqueles mantidos fora dos recintos de convívio social e cultural.
Sobre o princípio da inclusão social, foram implementados no Estado do Ceará, na última década, dois programas de ampliação das escolas de tempo integral de ensino médio: as Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEP), que ofertam cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, e o Juventude em Tempo Integral, programa que ampliou a jornada escolar das escolas de ensino regular.
A implementação das escolas de educação profissional se iniciou no ano de 2008, sob um projeto piloto que contemplou 25 (EEEP), em 20 municípios, com a oferta de quatro cursos profissionais de nível técnico: Informática, Enfermagem, Guia de Turismo e Segurança do Trabalho, concomitantes ao ensino médio. Atualmente, o estado conta com 119 escolas profissionalizantes, somando no início do ano de 2018 um total de, aproximadamente, 52.571 matrículas, o que representa um porcentual de 12% do total dos estudantes do ensino médio da rede estadual de ensino.Entre os critérios adotados pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC) para a escolha dos municípios sedes das EEEPs, estão a localização das escolas em áreas de vulnerabilidade social, indicadores educacionais abaixo da média e condições mínimas necessárias à implantação.
No ano de 2016, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC) iniciou o processo de implantação do projeto piloto em 26 escolas estaduais de ensino integral regular, por meio do programa “Juventude em Tempo Integral”. Segundo dados coletados no site da SEDUC, as escolas que receberam o projeto piloto foram aquelas que possuíam 50% ou mais dos alunos vinculados ao Bolsa Família, com vagas ociosas e que apresentassem condições de infraestruturas para início imediato.
Conforme Arroyo (2014, p. 65) “os princípios são construções políticas, não neutros, impostos em embates políticos”. Por este motivo, embora os programas de escola de tempo integral, profissionalizante e regular, sejam caracterizados como uma política social de inclusão, suas funções ocupam outras dimensões e significações mais amplas.
Uma das visões predominantes sobre as escolas de tempo integral consiste, segundo Cavaliere (2007), em uma visão assistencialista,em que a escola tem por função suprir as deficiências gerais da formação dos alunos e substituir a família,sendo que o mais relevante não é o conhecimento e sim a ocupação do tempo. Sob uma outra perspectiva, Gadotti (2009) defende que em uma escola de tempo integral a participação dos pais é elemento primordial, uma vez que o que sabemos está vinculado tanto à escola quanto à sua primeira comunidade de aprendizagem, que é a família e o seu entorno.
Nos discursos oficiais de profissionais da educação e autoridades do governo, o tempo integral surge como um mecanismo de proteção da criança e do adolescente do contato com a violência, as drogas e o crime presentes nos seus espaços de socialização como bairros, praças, bares, entre outros. Camilo Santana, governador do estado de Ceará, no discurso de comemoração de 10 anos de escolas profissionalizantes, frisou que “Nós estamos pagando um preço muito caro por não ter protegido e cuidado de nossos jovens” (POVO, 2018), apontando ainda a educação como “o caminho para uma sociedade mais igualitária e de paz”(POVO, 2018). No discurso do governador, predomina uma visão da escola de tempo integral como uma instituição de prevenção ao crime, em que “estar “preso” na escola é sempre melhor do que estar na rua” (CAVALIERE, 2007, p.1029).
Não obstante, conforme defendido por Gadotti (2009), a função da instituição escolar está atrelada à integração dos componentes da educação formal, não formal e informal, que perpassa os valores e aprendizados apreendidos na socialização do estudante com a família e seu entorno social: cidade, bairro, praças. Nessa perspectiva, não se pode pensar a educação integral desvinculada dos espaços de socialização do jovem; ao contrário, é preciso propor alternativas educativas capazes de integrar os diferentes componentes e espaços que permeiam o processo de ensino-aprendizagem do aluno. Nesse caso, a função da escola não pode ser resumida à proteção do aluno da violência e do crime presentes em outros espaços, uma vez que, enquanto instituição social, a escola não está isenta da presença de tais problemas sociais em seu meio.
Para Durkheim (2011), o indivíduo e os seus interesses não são o único ou principal objetivo da educação, são o meio pelo qual a sociedade renova eternamente as condições da sua própria existência. Sob esta perspectiva, quando pensamos educação integral é importante situá-la como parte de um processo histórico de reorganização da vida em sociedade: a globalização.
A globalização, enquanto processo histórico, foi responsável por modificar dimensões estruturantes da sociedade. Para Krawczyk (2014, p.80), “vivemos um período de transformações aceleradas, que trazem novas expressões das relações de poder, mudanças na maneira de produzir, nas relações de trabalho, na sociabilidade e na vida cotidiana”. Nesse cenário, aescola é impelida a adequar-se a um novo panorama social, cultural, político e econômico, marcado por grandes disparidades sociais, pelo avanço das novas tecnologias, pelo aumento da criminalidade e violência, por uma nova dinâmica social e econômica, por uma nova divisão social do trabalho, pela integração local e global.
Como consequência da globalização, segundo Krawczyk (2014, p.80), “o modelo atual de organização do trabalho trouxe mudanças importantes nos requisitos de qualificação dos trabalhadores”, cabendo, desta forma, ao trabalhador adequar-se ao novo perfil estabelecido, o que inclui o domínio das novas tecnologias e ferramentas de trabalho. A escola enquanto principal instituição de formação de trabalhadores para atuar no mercado, é reformulada no intuito de atender às exigências da sociedade global e do mundo do trabalho. Nesse cenário, a escola de tempo integral surge como uma política educacional que visa a adequação dos currículos, do tempo e do espaço escolar, de modo a proporcionar aos educandos um ensino compatível com os requisitos requeridos para sua inserção no mercado de trabalho.
A qualificação dos estudantes de classes econômicas baixas para o mercado do trabalho, por outro lado, faz parte de uma estratégia de inserção social. Segundo Arroyo (2010), a relação entre educação e superação das desigualdades consiste em capacitar para a empregabilidade, para a disputa menos desigual dos postos de trabalho.Desta forma, o saber aprendido na escola, conforme já salientava Boneti (2009), constitui um importante fator de inserção social, seja por meios da produção, seja na dinâmica de sua própria elaboração.
No entanto, segundo Gadotti (2009, p.54) “não basta matricular os pobres na escola (inclusão). É preciso matricular com eles, também, a sua cultura, os seus desejos, seus sonhos, a vontade de ‘ser mais’ ”. No Ceará, a proposta pedagógica das escolas de tempo integral foi construída a partir do entendimento que .não basta simplesmente aumentar o tempo escolar, o estudante necessita, além disso, de processos de aprendizagem mais significativos, que favoreçam o desenvolvimento de aspectos subjetivos e sociais” (SEDUC, 2018). Sob o ponto de vista pedagógico, a ampliação do tempo escolar está atrelada a uma ressignificação do processo ensino/aprendizagem, de modo a proporcionar uma nova experiência educativa pautada, sobretudo, no modo como os indivíduos usufruem do seu tempo na escola. Contudo, é preciso considerar os jovens do ensino médio como seres dinâmicos que percebem e usufruem do tempo escolar de maneira única e particular.
É na escola, especialmente as de ensino médio, que os jovens começa a pensar sobre seus caminhos profissionais futuros, constroem laços de amizades, vivenciam conflitos e tensões.No caso da escola de tempo integral, é nela que o jovem vai passar maior parte do seu tempo. Por este motivo, uma análise da escola de tempo integral não pode ser feita desprendida dos significados que o tempo assume, enquanto unidade de medida e de organização da vida social.
3 TEMPO DE ESCOLA, TEMPO NA ESCOLA
Segundo Elias (1998), assim como os relógios e os barcos, o tempo é algo que se desenvolveu em relação a determinadas intenções e a tarefas específicas dos homens, sendo nos dias atuais, um instrumento de orientação indispensável para realizarmos uma multiplicidade de tarefas variadas. O tempo, neste sentido, deixa de ser um elemento físico e passa a compor uma categoria social indispensável à organização da vida em sociedade, à constituição das relações humanas e à estruturação das instituições sociais.
A escola, enquanto instituição social, é modificada de acordo com as circunstâncias históricas da sociedade, do mesmo modo que o tempo escolar, segundo Arroyo (2009), é institucionalizado segundo uma construção histórica, na qual predominam múltiplos e contraditórios interesses.
Na era moderna, segundo defendido por Arroyo (2009), o tempo não pode ser desperdiçado, é produção de riqueza, deve ser controlado e explorado ao máximo. Nesse sentido, a ampliação do tempo escolar está atrelada a adaptação da escola a uma nova cultura do tempo, marcado pelo ritmo acelerado das sociedades industrializadas, pelo surgimento de novas ferramentas de produção, de organização do trabalho e de comunicação. A ampliação do tempo na escola é, pois, fruto das necessidades da sociedade moderna, manifestas na carência dos pais por locais seguros onde possam deixar seus filhos enquanto estiverem no trabalho, bem como no avanço da lógica do capitalismo global que tem na escola, segundo Thompson (apud ARROYO, 2009, p. 203), uma “instituição externa à fábrica cujo auxilio teria de ser pedido para se inculcar a noção de “economia do tempo”.
Para Marx (2008), conforme o progresso de uma sociedade, o trabalhador se torna cada vez mais dependente do trabalho e abdica de sua própria liberdade, de seu tempo, e de sua capacidade reflexiva. Nesta perspectiva, conforme pensado por Marx, quanto mais tempo dedicado à produção e ao trabalho, mais capital é produzido. O tempo na escola, sob uma perspectiva marxista, constituiria, conforme mencionado por Arroyo (1988), como o tempo de espera à absorção do estudante ao mercado de trabalho.
No entanto, ainda conforme Arroyo (2009), o mundo é mais do que um mercado onde devemos aprender a sobreviver, é mundo de cultura, de valores, de representações coletivas, de normas, de modelos, de homem e de mulher, de criança, de jovem ou de adulto. Nessa perspectiva, para além de um tempo de reserva do mercado, o tempo escolar está imerso em múltiplos significados que se desdobram de maneira individual e coletiva.
Para Bourdieu (2007), o tempo é elemento primordial à incorporação e assimilação do capital cultural.A ampliação do tempo escolar, por esse ângulo, está atrelada ao desenvolvimento cultural do aluno. Para Cavaliere (2007, p. 1029), “o tempo integral seria um meio a proporcionar uma educação mais efetiva do ponto de vista cultural, com o aprofundamento dos conhecimentos, do espírito crítico e das vivências democráticas”. Por outro lado, como aponta Bourdieu (2007), quando o tempo escolar é prolongado com a única finalidade de escolarização, contribui para o surgimento de excluídos potenciais e para reprodução das desigualdades escolares.Por esse motivo, uma educação em tempo integral, conforme a visão de Gadotti (2009, p.33), deve agregar uma dimensão quantitativa (mais tempo na escola e no seu entorno), quanto uma dimensão qualitativa(a formação integral do ser humano).
A ampliação da jornada escolar, desse modo, está para além do aumento da carga horária do estudante, envolve outros aspectos de cunhos pedagógico, social e cultural. À escola cabe o papel de integrar os diversos espaços e saberes do viver humano do aluno, no intuito de ressignificar o tempo e o espaço escolar, o que presume uma organização currículo-pedagógica em diálogo com os diversos espaços sociais e culturais localizados no entorno da escola. O tempo integral se vincula, pois, a uma nova concepção de aprendizagem, em que o ato de aprender não se restringe à escolarização, se direciona ao desenvolvimento das capacidades culturais e humanas, ao passo que se relaciona com seu entorno local, visto que a educação em tempo integral, segundo Gadotti (2009, p.39), “busca descobrir e reconhecer todas as potencialidades das comunidades, integrando atividades sociais, culturais,econômicas, políticas e educativas”.
A escola, segundo Dewey (2011, apud CAVALIERE, 2007, p.1022), é concebida como uma microssociedade, onde as experiências não se limitam a preparar os indivíduos para etapas futuras, são antes, o meio social que propicia aprendizados para a vida pública ou privada. A ampliação da jornada escolar, segundo esta visão, tem o objetivo de potencializar as aprendizagens, definir uma nova organização pedagógica para a escola, ao passo que suas funções - sejam elas políticas, culturais ou sociais – são ampliadas.
Se desprendendo da visão da escola como uma instituição social e a posicionando como uma organização formada por indivíduos plurais, situamos o jovem do ensino médio como um indivíduo que possui formas próprias de usufruir o seu tempo e o seu espaço, conforme aponta Dayrell (2007, p. 1112-1113)
Aliada ao espaço, a condição juvenil expressa uma forma própria de viver o tempo. Há predomínio do tempo presente, que se torna não apenas a ocasião e o lugar, quando e onde se formulam questões às quais se responde interrogando o passado e o futuro, mas também a única dimensão do tempo que é vivida sem maiores incômodos e sobre a qual é possível concentrar atenção. E mesmo no tempo presente é possível perceber formas diferenciadas de vivenciá-lo, de acordo com o espaço [...].
Nessa concepção, quando definimos a escola de ensino médio em tempo integral como campo de estudo, temos o tempo escolar como uma unidade institucionalizada por um conjunto de normas e regras, ao passo em que é reconfigurado por elementos próprios da cultura juvenil. Deste modo, não se pode classificar o tempo pedagógico, como um elemento estático e redirecionado unicamente para determinado fim, visto que a função do tempo e do espaço escolar está diretamente ligada ás vivências e significados atribuídos a esses elementos.
Quando o jovem chega à escola, ele traz consigo suas vivências, suas histórias de vida, sua cultura, seu modo de ser e agir, suas inseguranças, seus conflitos internos, suas projeções futuras, seus medos e suas incertezas do que estar por vir. A escola, nessa perspectiva, se configura como espaço de expressão das experiências juvenis, responsáveis por atribuir novos significados ao tempo escolar.
A idade juvenil, por outro lado, é marcada por um pessimismo e como fase de transitoriedade, conforme salienta Dayrell (2003, p. 41):
[...] há uma tendência de encarar a juventude na sua negatividade, o que ainda não chegou a ser, negando o presente vivido. Essa concepção está muito presente na escola: em nome do “vir a ser” do aluno, traduzido no diploma e nos possíveis projetos de futuro, tende-se a negar o presente vivido do jovem como espaço válido de formação, assim como as questões existenciais que eles expõem, bem mais amplas do que apenas o futuro.
A escola de ensino médio, de acordo com essa percepção, é voltada para as projeções futuras do aluno, do mesmo modo em que o jovem é visto como um indivíduo que precisa ser submetido a espaços e tempos institucionalizados como forma de orientação e controle de suas posteriores escolhas. Assim, o tempo escolar, citando Foucault (1987), assume um caráter disciplinar destinado ao controle social dos indivíduos no espaço escolar.
A ampliação do tempo escolar cumpre, portanto, múltiplas funções seja por sua origem histórica, seu contato com atores sociais, sua predestinação ou pelo viés ideológico que norteia o projeto de tempo integral. Não obstante, é no modo como o tempo é preenchido e usufruído pelo aluno que a escola de tempo integral tem seu papel definido. No próximo tópico, nos deteremos a analisar como esse tempo escolar é usufruído nas escolas de ensino médio integral regular, a partir da análise de caso da escola Padre Saraiva Leão.
4 JUVENTUDE EM TEMPO INTEGRAL: estudo de caso da EEMTI Padre Saraiva Leão
As primeiras propostas de escolas em tempo integral foram implementadas em grandes centros urbanos, no entanto, na atualidade,este projeto tem se expandido de forma frequente nas cidades do interior.
A escola Padre Saraiva Leão, localizada em Redenção, interior do Ceará, foi umas das 26 escolas contempladas no ano de 2016 com o projeto piloto “Juventude em tempo integral” de expansão do tempo integral às escolas de ensino médio regular. A partir de então, passou a ofertar o ensino em tempo integral, inicialmente para as primeiras séries do ensino médio e, em 2018, todas as séries foram contempladas.
Para efeitos de análise, situamos a escola Padre Saraiva Leão como uma instituição social possuidora de uma cultura própria, para Silva (2006, p.202):
Os principais elementos que desenhariam essa cultura seriam os atores (famílias, professores, gestores e alunos), os discursos e as linguagens (modos de conversação e comunicação), as instituições (organização escolar e o sistema educativo) e as práticas (pautas de comportamento que chegam a se consolidar durante um tempo).
Desse modo, compreender a escola de tempo integral regular requer a investigação de diversos aspectos de seu projeto político e pedagógico e de sua dinâmica cultural e social. Começamos, pois, por perguntar: quem são esses jovens que chegam à escola?A escola Padre Saraiva Leão, em seu Projeto Político Pedagógico- PPP (2017), declara que praticamente 95% dos discentes são de comunidades rurais, filhos de pais com pouca ou nenhuma escolaridade, agricultores que muitas das vezes complementam suas rendas com ajuda do Bolsa Família.
Ao nascerem, os jovens são inseridos em uma sociedade, que conforme Dayrell (2003, p.43), “já tinha uma existência prévia, histórica, cuja estrutura não dependeu desse sujeito, portanto, não foi produzida por ele”. Assim sendo, o jovem que chega ao ensino médio está inserido em panoramas sociais, políticos, econômicos e sociais maiores, que muitas das vezes acabam por definir suas escolhas pessoais. Voltando nosso olhar para a escola Padre Saraiva Leão, podemos observar que ela está inserida em meio a uma diversidade juvenil intensa e complexa, marcada, sobretudo, pela pobreza e vulnerabilidade social. São jovens de diversas etnias, raças, cores, gêneros. Por esse motivo, o tempo escolar é usufruído de formas diferentes por cada jovem, considerando a sua diversidade, bem como a sua origem social e cultural.
Em conversa com dois alunos da escola, um do sexo masculino e outra do sexo feminino, podemos perceber que cada um tem uma forma própria de vivenciar o tempo na escola, ou seja, possui aptidões, costumes, habilidades e histórias de vida diferentes. Para efeitos de nomeação, chamaremos aqui os jovens por Vitor e Alice, ambos cursam o 3º ano do ensino médio.Vitor tem 18 anos, mora na zona rural, em um distrito localizado na região serrana do município, e vive com os pais. Alice tem 17 anos, mora também na zona rural junto com o namorado.
Quando incitados a dar suas opiniões sobre a escola de tempo integral, Vitor demonstra entusiasmo e relata como diferencial da escola a “própria carga horária” com “maior tempo destinado ao aprender”.Alice, por sua vez, relata que é “bem mais puxado”, “bem mais cansativo”, “pouco tempo em casa”. Ambos os jovens passam o dia na escola, sendo que à noite ainda se dedicam a um curso profissionalizante realizado na própria escola. A diferença entre eles é que Vitor conta com o auxílio da mãe, possui transporte próprio para se locomover, enquanto que Alice tem que acordar mais cedo para organizar a casa antes de ir para a aula, além de ter que esperar transporte público para chegar em casa após o fim do expediente escolar, às 22h. “Era para eu chegar [em casa] às 17h, mas como eu faço o curso só chego depois das 22h” (Alice, aluna 3° ano). Alice se mostra cansada e pouco motivada com a escola, uma vez que sua rotina como dona de casa é bem mais cansativa do que a do jovem do sexo masculino. Nesse trabalho aparecem poucas falas da aluna, uma vez que suas respostas foram simplistas, contudo, agrega ênfase ao cansaço de sua rotina diária: “queria um lugar que pudesse dormir na hora do almoço”,“aí não dormia na aula” (Alice, aluna 3° ano). A partir da fala da aluna, destacamos a limitação do espaço físico da Padre Saraiva Leão para seu funcionamento em tempo integral, uma vez que os jovens relatam sentir falta de um espaço para lazer e descanso entre as aulas.
Do ponto de vista pedagógico, a escola se estrutura sob as premissas do programa “Juventude em Tempo Integral”, que estabelece como uma das dimensões fundantes da prática educativa do tempo integral regular a concepção da escola como uma Comunidade de Aprendizagem. Para Gadotti (2009, p.53),“transformar a escola em uma comunidade de aprendizagem implica em uma importante mudança nas relações de poder na escola”. As observações diárias das relações sociais entre os agentes sociais permitiram perceber a aproximação afetiva existente entre funcionários, alunos e professores.
Posso dizer que a gente já virou uma segunda família, a gente aprendeu a respeitar e até gostar das diferenças dos outros, 3 anos juntos a gente já criou intimidade. Tem coisas aqui, eu sei de muita gente que tem coisas que acontece que não fala para os pais, mas fala para os amigos porque já tem como irmão” (Vitor, Aluno 3° ano)
A relação com os professores, conforme mencionado em conversa com os alunos entrevistados, também ocorre de maneira harmoniosa:“com os professores é a mesma coisa” (Alice, Aluna 3°ano). Contudo, é na proximidade com o diretor de turma que as relações entre professor e aluno criam laços mais afetuosos: “a gente gostava tanto dela [diretora de turma do 1° ano dos alunos entrevistados] que chamava ela de mãe, era a tia Raquel como mãe e a Elisandra como tia, até hoje a gente toma benção à tia Elisandra” (Vitor, aluno 3°ano). O relacionamento com os funcionários, segundo relatado pelos alunos, também é visto de forma positiva. “Na minha opinião pessoal, salvo algumas exceções, tem alguns [funcionários] que a gente fala todo dia e já virou amigo” (Vitor, aluno 3°ano). Os alunos em razão de permanecerem o dia inteiro na escola acabam criando vínculos afetivos com seus profissionais, desde professores ao núcleo gestor.
Para Charlot (2014),a “escola não ensina o que se pode aprender na família e na comunidade, não ensina nos mesmos modos que a família e a comunidade. Se o fizesse, não serviria para nada. Entretanto, a escola deve ser “vinculada à comunidade” (Pág. 58-59).A proposta político-pedagógica da escola se acentua sob o desejo de formar cidadãos que interfiram na sua comunidade de modo participativo, harmonioso e ético. Para tanto, a oferta de itinerários formativos diversificados, por meio de disciplinas eletivas, busca proporcionar ao aluno uma nova dimensão educativa para além do método convencional. Sobre isso, relata o interlocutor:
Eu chego geralmente 7h e 7:10h [na escola], que a hora que a gente entra é 7:20h, geralmente a gente tem as primeiras aulas as disciplinas obrigatórias, tipo matemática, filosofia, as disciplinas obrigatórias, quando chega o período da tarde, dia de segunda tem as eletivas, no 6° e 7° horário. (Vitor, aluno do 3°ano).
As eletivas são propostas pela escola, no entanto, a escolha por qual disciplina cursar parte do aluno, que decide segundo a sua afinidade. A escola Padre Saraiva Leão oferece como eletivas as disciplinas de História Local, Mundo do Trabalho, Sociologando, Meio Ambiente e Linguagem Através da Música.
Graças ao projeto do Sociologando, eu assim como outros alunos, tenho certeza, pode perceber que a Sociologia vai muito além de você pegar um texto que foi o pensamento de sociólogo e você pensar que entendeu e lançar eles na prova, não, o intuito da sociologia é você pensar no comportamento social, como as mudanças afetam os indivíduos como pessoa e num grupo, você saber interpretar pensamentos de sociólogos que marcaram época. (Vitor, Aluno 3ºano)
A escola de tempo integral regular tem como base de seu projeto pedagógico o exercício do Protagonismo Estudantil dos jovens. “Tem também os clubes que a escola oferece, que eles visam o aluno ter o protagonismo dele, exercer função por si próprios, mas mesmo os clubes sendo para exercer o protagonismo, ainda tem os professores orientadores de cada clube”(Vitor, Aluno 3ºano). Os clubes são diversificados e oferecem atividades de dança, cinema, artesanato, práticas em laboratórios (informática e ciência) e rádio.
A proposta política pedagógica da escola se assenta sobre a premissa de atender as expectativas do mundo globalizado, requerendo do jovem o desenvolvimento de outras habilidades e capacidades.
Esta sociedade contemporânea que rompeu a barreira do espaço e do tempo requer pessoas criativas, que saibam analisar, julgar e tomar decisões. Que também se comuniquem com clareza, que possam expor suas ideias e ouvir a dos outros com respeito. Que tenham conhecimento do mundo e da sua realidade social, participem de atividades coletivas, partilhando lideranças e tendo postura ética. Desenvolvendo, desse modo, não apenas competências técnicas, mas, sobretudo humanas. (ESCOLA PADRE SARAIVA LEÃO, 2017)
Um dos grandes desafios da educação pública no Brasil é estabelecer uma dinâmica de aprendizagem em consonância com as exigências do mundo moderno.Nessa perspectiva, a proposta política pedagógica da escola Padre Saraiva Leão atenta para o fato de que a escola não deve somente transmitir conteúdos, deve ser antes um espaço de criação, que valorize e respeite as diferenças.Segundo Cavaliere (2002),a aprendizagem acontece por um meio social, o que significa dizer que ela ocorre através de vivências e não da transmissão direta e meramente formal de conhecimentos. Considerando a escola como o meio social onde as aprendizagens são definidas, vale ressaltar que as experiências vivenciadas pelo jovem do ensino médio, fora e dentro do ambiente escolar, são parte fundamental da sua aprendizagem. Assim, o que se aprende nem sempre está relacionado com as teorias exigidas nos exames de avaliação nacional, incluem outras descobertas capazes de modificar as pretensões futuras do jovem, reveladas graças às vivências socioculturais proporcionadas pela ampliação do tempo escolar.
Enquanto os alunos do tempo normal têm umas 3, 4 aulas de Matemática e Português por semana a gente tem 6, 8 aulas de Português e Matemática, falo isso porque tem mais Português e Matemática, que tem focar no ENEM, focar no SPAECE. A gente tem mais tempo para estudar as matérias, exige mais participação do professor, que ele ajuda mais, já que ele tem mais tempo para explicar. E também tem as outras eletivas que nos permitem mais conhecimento, já que tudo na vida é conhecimento. Vou falar do Sociologando, porque é a que eu mais gosto, eu não faço parte, mas é a que eu mais gosto, porque eu amo sociologia. O Sociologando, quando eu entrei no Saraiva o meu intuito era focar em Matemática e Física, porque eu queria fazer engenharia, aí devido o Sociologando, aulas de Sociologia, de Filosofia, eu vi que não, o que eu mais me identifico não é a matéria exatas, é mais a questão das humanas, Sociologia, Filosofia, essas coisas, porque o Saraiva me fez entender que paravocê ser alguém na vida você não pode focar só no quanto vai valer seu esforço, mas tem que fazer com o coração. Então não adiantaria de nada eu me formar em Física, me formar em Engenharia, Engenharia Elétrica, alguma coisa, seu eu não tivesse afinidade. ” (Vitor– Aluno 3º ano)
Segundo Krawczyk (2014, p. 88)
[...] deve-se considerar que o aluno do Ensino Médio vive as incertezas típicas de sua idade e que o jovem tende a privilegiar o presente, o imediato. A isso soma-se a transitoriedade do mundo atual, com uma variedade cada vez maior de cenários possíveis para o futuro e, portanto, ausência de qualquer previsibilidade.
Vitor, enquanto jovem e aluno do ensino médio, reflete em seu discurso as incertezas quanto ás suas escolhas futuras. “Me identifico com Humanas, mas eu amo Computação, tava pensando em cursar ou Sociologia ou Filosofia, ou também Designer Gráfico. ” (Vitor, Aluno 3ºano). As inquietações e imprevisibilidade de futuro são elementos marcantes nos discursos dos indivíduos, contudo, a inserção no mundo de trabalho aparece como única projeção certa no futuro dos jovens. Quando perguntado sobre a realização do ENEM para uma então aprovação em um curso superior, logo respondem: “Esse era meu pensamento, agora eu quero trabalhar” (Alice, Aluna 3º ano). “Tava pensando em passar um ano trabalhando, juntar meu dinheiro, para nosso próximo ano continuar trabalhando, mas pagar minha faculdade pela minha conta” (Vitor, Aluno 3ºano).
A escola na contemporaneidade é compreendida como um rito de passagem do aluno para o primeiro emprego, o que a distancia da sua real função que é a transmissão do saber, conforme aponta Charlot (2014, p. 70).
Hoje em dia, cada vez mais se esquece da escola como lugar de saber e se pensa nela como caminho para o emprego. Encontra-se esta relação com o saber e com a escola na fala dos pais, nos discursos dos políticos, nos artigos dos jornais, no marketing das escolas particulares e, portanto, não é de se admirar que ela tenha se tornado dominante, também, entre os alunos.
O trabalho, na fala dos estudantes entrevistados, reflete as necessidades dos jovens que saem do ensino médio de somar a renda familiar, de adquirir independência financeira, e até mesmo de obter capital para realizar outros objetivos profissionais.
Na escola de tempo integral “as atividades ligadas às necessidades ordinárias da vida (alimentação, higiene, saúde), à cultura, à arte, ao lazer, à organização coletiva, à tomada de decisões, são potencializadas e adquirem uma dimensão educativa” (CAVALIERE, 2007, p.1023). Sob essa perspectiva, passar mais tempo na escola significa mais do que uma simples ocupação diária, representa uma nova atribuição ao significado de tempo para as juventudes. Perguntamos o que os jovens estariam fazendo caso não estivessem na escola o dia todo, ao que respondem: “Passaria o dia deitado jogando” (Vitor, Aluno 3ºano),“Eu teria que fazer as coisas de casa” (Alice, Aluna 3º ano). Assim sendo, a ampliação do tempo na escola implica a construção de novas experiências pautadas, sobretudo, na ressignificação do tempo usufruído pelos jovens.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola enquanto instituição social é modificada segundo uma dimensão histórica, mas, sobretudo, pelo aluno enquanto ator social. Nessa percepção, o presente trabalho situa a escola de tempo integral como produto de uma sociedade globalizada, parametrizada segundo a organização do tempo social. Do mesmo modo, que é concebida como resultado das relações humanas que atribuem significados ao tempo e ao espaço escolar.
A partir da fala dos jovens entrevistados identificamos que as diferenças de gênero, as histórias de vida de cada aluno, as projeções futuras constituem fatores determinantes na forma como cada jovem percebe o tempo na escola. Desse modo, a significação do tempo escolar está diretamente relacionada ao sentido individual que cada jovem atribui ao tempo vivenciado na escola. A escola de tempo integral regular, portanto, não pode ser entendida senão como um espaço sociocultural, o que na visão de Dayrell (1996) significa caracterizar a escola como um espaço social, ordenado institucionalmente, por um conjunto de normas e regras, e cotidianamente, por uma complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos. A escola de tempo integral regular, portanto, pode ser caracterizada como produto de determinadas circunstâncias históricas, sociais, políticas, culturais e econômicas, ao passo em que é ressignificada pela ação individual e/ou coletiva da juventude em suas diversidades e particularidades sociais e culturais.
A escola de tempo integral regular, objeto de estudo deste trabalho, do ponto de vista teórico pode ser definida como uma política pública de inclusão social, agregando a função de inserir socialmente os estudantes advindos das camadas sociais mais pobres, ao passo que busca resguardar o jovem do contato com a violência e com o crime. Cumpre uma função econômica, uma vez que, historicamente, a escola é ajustada para atender as novas configurações do mercado econômico. Além de ser espaço de vivências culturais, pois simboliza o encontro de diferentes culturas, histórias e origens sociais.A inserção social dos jovens, prometida no projeto de escola de tempo integral regular do governo do estado do Ceará, está intrinsecamente relacionada às novas dinâmicas da sociedade globalizada que requerem novos perfis de trabalhadores, espaços e tempos que resguardem os jovens e sejam instrumentos para sua formação humana e técnica.
Do ponto de vista prático, a escola de tempo integral regular, embora do ponto de vista estrutural necessite de espaços adequados e equipados para seu funcionamento, se configura como uma política pública de direito. Direito do jovem a políticas que atendam às suas particularidades, individualidades e diversidades e que sejam, sobretudo, espaços que favoreçam o seu desenvolvimento intelectual e humano. Direito dos pais por lugares onde possam deixar seus filhos para irem ao trabalho. Direito das classes baixas da sociedade por políticas que possam melhorar sua qualidade de vida. Direito dos indivíduos excluídos dos bens sociais a uma educação digna e de qualidade. Direito dos jovens da escola Padre Saraiva Leão.
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