Artigos - Dôssie Temático

POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS: justiça global e política local

Maria Paula da Rosa Ferreira
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil
Rosane Beatris Mariano da Rocha Barcellos Terra
Universidade Franciscana (UFN), Brasil
Guilherme Streit Carraro
Cartório de Registro de Imóveis de Rancharia - SP, Brasil

POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS: justiça global e política local

Revista de Políticas Públicas, vol. 24, núm. 1, pp. 156-169, 2020

Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 20 Dezembro 2019

Aprovação: 23 Abril 2020

Resumo: Diante da magnitude dos desafios ambientais na sociedade moderna, depara-se com a imprescindibilidade de políticas públicas para o desenvolvimento ambiental, na perspectiva da justiça global e políticas locais, de modo que possa ser efetivado uma expansão e/ou alteração das percepções globais no que se refere às organizações sociais. Perante a mudança paradigmática mecanicista para ecológica, é mister a abertura a uma visão sistêmica, de forma que seja percebido o mundo como um todo integrado. Neste sentido, este artigo abordou a respeito das políticas públicas para o desenvolvimento ambiental, por meio de uma análise a partir do princípio da solidariedade intergeracional como uma questão de justiça social. Tratou, quanto à problemática ambiental de uma forma contextual de modo que possam ser avaliadas as relações e interações entre homem-natureza bem como a efetividade do Direito ambiental e a eficácia das políticas públicas nesta seara. Aplicou o método de abordagem dedutivo, método de procedimento monográfico e teoria de base com fundamento em Rawls. Conclui ser Imprescindível, portanto, a efetivação de políticas públicas atentas à nova visão ecológica emergente na sociedade moderna, de forma que demonstre que a responsabilidade intergeracional trata-se de um critério para o alcance da justiça social.

Palavras-chave: Desenvolvimento Ambiental, Justiça Global, Política Local, Políticas Públicas.

Abstract: Faced the magnitude of environmental challenges in modern society, comes across the necessity of public polices for environmental development, from the perspective of global justice and local politics, so that could be made effectived an expansion and/or a change in overall perceptions about social organizations. Before the paradigmatic mechanic change for ecological, it is necessary to open to a systemic view, so that could be perceived the world as an integrated whole. In this sense, this article approached about the public policies for environmental development, by means of an analysis from the principle of intergenerational solidarity as a matter of social justice. Environmental issues were dealt with in a contextual way so that would be evaluated the relationship and interactions between man and nature as well as the effectiveness of environmental Law and the effectiveness of public policies in this area. Was applied the deductive method approach, the method monographic procedure and base theory based on Rawls. Essential, therefore, the implementation of public policies attentive to the emerging new ecological vision in modern society, in order to demonstrate that intergenerational responsibility is a criterion for achieving social justice.

Keywords: Environmental Development, Global Justice, Local Policy, Public Policies.

1 INTRODUÇÃO

No que tange às implicações quanto ao meio ambiente, tem-se a finalidade de discutir, nesta produção, o papel das políticas públicas atentas às complexidades e gravidades dos desafios sociais e ambientais em toda a coletividade, por meio de uma abordagem a partir do princípio da solidariedade intergeracional como uma questão de justiça social.

Abordam-se determinados encontros mundiais que tiveram como pauta a real situação ambiental global, a fim de que se busquem maneiras de erradicar as degradações e destruições que causam danos ambientais. Intenta-se, dessa forma, tratar a respeito da relevância de políticas públicas locais na busca do ecodesenvolvimento como uma demanda da justiça global.

O desenvolvimento sustentável está relacionado com a preservação ambiental, assim, a preocupação, neste artigo, é com as perspectivas de um mundo sustentável, se fazendo necessária uma análise das interações recorrentes dos ambientes, sociedades e economias, na rede de intercâmbio global em que vive a sociedade moderna.

Pretende-se tratar da premência de uma conscientização pública a respeito das problemáticas ambientais emergentes na atualidade, de forma que possa ser depreendido que um sistema sustentável não é estático, mas sim dinâmico, entrelaçado, interativo e solidário intergeracionalmente. À vista disso, há uma inquietação quanto à adoção de políticas públicas sustentáveis em prol de uma preservação da vida humana e do ambiente natural, atual e futuro, que se encontram em condição de interdependência na rede de relações globais.

Diante das transformações sociais globais ocorreram diversos e complexos desafios ambientais na sociedade moderna, que ameaçam um modo de vida sustentável em proporções vertiginosas. Destarte, perante um sistema seriamente perturbado, mostra-se pertinente uma averiguação das interações e interdependências entre homem e natureza para que possam ser analisadas as conexões interdisciplinares necessárias para um possível diálogo de novas ideias e novas formas de compreensão, através da concretização de políticas públicas integradas às diversidades dentro dos complexos ecológicos, a fim de minimizar efeitos e evitar rupturas em grande escala de ecossistemas fundamentais para a vida humana.

Neste artigo foram utilizadas formas de abordagem e procedimento que são adequados para responder o problema de pesquisa que, aqui, se pretende tratar. Como método de abordagem, aplicou-se o dedutivo, o qual tem alicerce em pensadores racionalistas, partindo-se de premissas tidas como verdadeiras para se chegar a uma conclusão lógica. Como método de procedimento empregou-se o monográfico, pois se buscou fazer uma pesquisa bibliográfica concisa e sintética a respeito do tema que será tratado. Adotou-se teoria de base com fundamento em John Rawls. Como procedimento, o trabalho desenvolvido utilizou análise bibliográfica acerca da temática. Como técnica de coleta de dados, utilizou-se a produção de fichamentos e resumos expandidos.

Por derradeiro, ressalva-se que este artigo tem relevância e encontra-se inserido no eixo temático da justiça global, visto que se trata de um estudo direcionado à efetivação de políticas públicas para o desenvolvimento ambiental diante dos complexos desafios ambientais que emergem na rede de relações globais, o que reflete a magnitude da adoção de uma visão política participativa atenta à solidariedade intergeracional e à dignidade humana, de maneira que se busque preservar questões estratégicas vitais sustentáveis para a humanidade, tanto para a sociedade moderna como para as gerações futuras. Diante de uma interdependência globalizada, se mostra necessária uma consumação de políticas públicas que primem pela manutenção do meio ambiente equilibrado, por meio do reconhecimento dos vínculos e limites da relação homem – natureza.

2 RESPONSABILIDADE INTERGERACIONAL COMO CRITÉRIO PARA O ALCANCE DA JUSTIÇA SOCIAL

Demonstra-se fundamental, em um primeiro momento, o estudo do princípio da solidariedade intergeracional, o qual se relaciona com os princípios da sustentabilidade e da precaução. Neste primeiro aspecto, relevante é a abordagem quanto à necessidade de novos esquemas de direção para um verdadeiro Estado de direito ambiental através da observância do dever ético entre as gerações como uma questão de justiça, pois “[...] o que parece equitativo às pessoas na posição original, define a justiça nessa instância como noutras” (RAWLS, 1981, p. 224).

Demonstrado o tópico inicial, adentra-se na abordagem quanto às problemáticas globais do meio ambiente na busca de respostas transversais às demandas ambientais emergentes.

2.1 Problemáticas globais do meio ambiente: questão transversal para respostas transversais

A respeito da relação intensa entre o meio ambiente e desenvolvimento, pode-se iniciar a abordagem citando-se o Relatório de Founex, de 1971, o qual buscou delinear um caminho intermediário entre as posições extremas de malthusianos e cornucopianos. Os malthusianos acreditavam que o mundo estaria condenado aos desastres, devido a sua superpopulação, o esgotamento de recursos naturais e a sobrecarga de poluentes, já os cornucopianos tinham a crença no ajuste tecnológico, ou seja, na possível recuperação dos danos que foram sofridos na sociedade.

Outro ponto relevante trata-se da 1ª Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, onde a ligação entre direitos humanos e ambiente foi expressa, e, da Declaração de Cocoyoc, de 1974, que referiu sobre os direitos fundamentais do homem e a preservação ambiental e de todo o planeta, bem como estabeleceu que o caminho a ser seguido na sociedade, em decorrência dos desastres ambientais, não está no desespero nem no otimismo leviano, mas sim na busca de conciliar direitos humanos fundamentais com a preservação ambiental e a criação de invenções e técnicas sustentáveis (SILVA, 2012).

Foi aproximadamente desde os anos 70 que os países industrializados começaram a debater sobre os problemas globais ambientais. Uma reflexão, inclusive, mais profunda quanto ao valor próprio e intrínseco do meio ambiente. Nas décadas seguintes, o ambientalismo foi adotado por posicionamentos políticos e diversas organizações. Iniciou-se o auge de ações verdes e o surgimento de partidos verdes, com preocupações não apenas locais (que eram as principais inquietações dos séculos iniciais). Desde então, o pensamento ambientalista se disseminou para além de movimentos políticos e sociais até o mundo corporativo, que tende a utilizar argumentos pró-meio ambiente como artimanha (como se fosse uma espécie de “maquiagem verde”) de domínio, exploração e controle dos recursos naturais e acaba por usar preocupações ambientais para fins de relações públicas.

A partir dos anos 70 e 80 se “amplia o conhecimento empírico sobre o funcionamento da biosfera e sobre os riscos possíveis de acidentes nucleares químicos, desastres provocados pelo homem, aquecimento global, efeito estufa, além de ameaças à segurança pelos conflitos e disputas por recursos e pela guerra ecológica” (SACHS, 1993, p. 14). Diante destas preocupações mundiais, na Conferência do Rio, em 1992, reconhece-se o meio ambiente e desenvolvimento como dois lados da mesma moeda.

A respeito das problemáticas ambientais, destaca-se a discrepância no desenvolvimento industrial entre os países do Sul e do Norte, emergente na década de 80, ocasionada por uma grade diferença entre os “níveis de consumo per capita e de emissões de CO2” (SACHS, 1993, p.16) entre estas nações, o que pode gerar um esgotamento ambiental, devido aos padrões insustentáveis de consumo.

Remonta-se que o progresso industrial–tecnológico pode estar associado à preservação de recursos naturais desde que se preocupe com as demandas ambientais. “Em vez de se modernizar a qualquer preço, a sociedade deve se mobilizar em defesa de estilos de vida que não pressionem em excesso os estoques de recursos naturais escassos” (SACHS, 1993, p.18). Dessa forma, se faz necessário que os países do Norte e do Sul possam primar por equilíbrio, limites, equidade social e prudência ambiental em suas ações, em prol da preservação de condições dignas de vida à população global.

A Agenda 21, resultado da Conferência ECO–92, estabeleceu metas teóricas na busca da edificação de uma sociedade sustentável, depara-se, porém, com o desafio quanto à materialização de propostas que visem à proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica em diversos países. Entende-se, desta maneira, que o incentivo à implementação destas diretivas, por meio de estratégias de transição entre as nações, é fundamental.

É interessante ressaltar o que aborda Sachs (1993), sobre as cinco dimensões do desenvolvimento sustentável, sendo estas: sustentabilidade social; sustentabilidade econômica; sustentabilidade ecológica; sustentabilidade espacial e, sustentabilidade cultural. Por meio dessas dimensões, são tratadas as questões referentes à sustentabilidade, (de forma) que é definida como um processo que preza pela dignidade da vida humana e a preservação e o respeito aos ecossistemas.

Ademais, também é de premente relevância a efetivação de novos sistemas de contabilidade, tendo em vista que os mercados não estão se preocupando com o bem-estar de toda a humanidade. Em diversos relatórios de encontros mundiais em prol do meio ambiente enfatizou-se a necessidade de se obter o crescimento econômico com a utilização de técnicas limpas de produção, procurando a preservação de recursos naturais, na busca de uma distribuição mais adequada de renda.

Sendo assim, na tratativa das problemáticas ambientais, depara-se com questões transversais que exigem respostas transversais por compreender-se que os desafios ambientais da modernidade perpassam pela solidariedade intergeracional como um critério de justiça, que requer autolimitação das vontades particulares em nome da preservação do bem comum.

Desse modo, entende-se que, perante um mundo global, onde todos estão interconectados, urge uma mudança paradigmática que observe a premência de uma remodelagem do modo de vida na sociedade moderna. Neste sentido é que aborda Leff (2006) ao tratar da necessidade de uma nova racionalidade a partir de um novo paradigma de produção, que tenha em vista uma ética ambiental e, principalmente, uma ética da alteridade, na qual ele incita a saída do individualismo para a busca do conhecimento do outro por meio de um diálogo de saberes, a fim de que, assim, possa haver a formação de uma sustentabilidade partilhada atenta à multiplicidade de sentidos.

Por conseguinte, relevante é ser dado prosseguimento ao estudo por meio da abordagem do princípio da solidariedade intergeracional como questão de justiça.

2.2 Solidariedade intergeracional como uma questão de justiça social

O princípio da solidariedade intergeracional encontra-se disposto na Constituição Federal, que traz no artigo 225 aspectos referentes à tutela ambiental. Para a presente produção, considera-se relevante a referência ao princípio da solidariedade intergeracional, previsto no sobredito artigo.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (grifo nosso).

Esse princípio relaciona-se com o alcance da justiça social, pois a solidariedade intergeracional como um critério de justiça “exige autolimitação das vontades particulares e temporais, em nome de interesses maiores atemporais, ou seja, o próprio interesse de autoconservação da espécie” (CAVEDON, 2003, p. 96).

À vista disso, sustenta-se que a observância da responsabilidade intergeracional como uma questão de justiça é defendida por Rawls como um “critério para o alcance da justiça social, apontando a necessidade de limitação de uma geração em proveito de outra” (CAVEDON, 2003, p. 96).

Rawls (1981) preocupa-se com a busca de uma sociedade justa. Assim, trata que as gerações têm deveres e obrigações entre si e suas atuações estariam limitadas por princípios designados na posição original.

As pessoas, em gerações diferentes, têm deveres e obrigações entre si, do mesmo modo que as gerações. A presente geração não pode agir como quiser e sim é limitada pelos princípios que seriam escolhidos na posição original, para definir a justiça entre pessoas em diferentes momentos do tempo (RAWLS, 1981, p. 226).

Aprecia-se, nesse aspecto, a questão ética a ser observada ao longo do tempo, de modo que atente a todas as gerações de maneira justa. Sendo assim, segundo Rawls (1981, p. 223-224), o que parecer equitativo aos indivíduos na posição original definirá a justiça nas instâncias atuais e futuras.

O princípio da solidariedade intergeracional correlaciona-se com o estudo do princípio da sustentabilidade, que aponta a necessidade de novos esquemas na tratativa ambiental em prol de um verdadeiro Estado de direito ambiental. Diante disso, Freitas (2012) aponta que a sustentabilidade nasce como um novo valor e um novo paradigma e sua tratativa deve ocorrer de modo multidimensional, de forma que garanta um ambiente limpo, inovador, ético e eficiente, em observância aos princípios da precaução e prevenção relacionados à solidariedade intergeracional e atentos ao direito ao bem-estar duradouro.

Nesse sentido, ainda se depara com a estreita e direta relação do princípio da precaução com o princípio da solidariedade intergeracional. A partir desses princípios, destaca-se o papel do Estado para com a proteção ecológica, principalmente quando se refere à ética e eficiência ambiental.

De acordo com Canotilho (2010, p. 10 -11), o princípio da solidariedade entre as gerações pressupõe como ponto de partida a efetivação do princípio da precaução. E, trata sobre o princípio da obrigatoriedade da precaução, sendo que “a falta de certeza científica absoluta não desvincula o Estado do dever de assumir a responsabilidade de proteção ambiental ecológica” (CANOTILHO, 2010, p. 11).

Diante da responsabilidade do Estado com a proteção ambiental, analisa-se a necessária mudança de percepção para um desenvolvimento econômico a partir de uma visão sustentável multidimensional. Os Estados não podem permanecer tratando as problemáticas ambientais e sociais com um relativismo de valores, pois

[...] essa discussão não se refere só à corporação. Refere-se a nós como seres humanos, nosso papel na Terra, nosso tempo, nossa vida, o que temos a ver com nós mesmos; como nos reunimos a outras pessoas para nos governar, para viver em harmonia com outras criaturas na Terra, para viver em harmonia com a própria Terra, para viver em harmonia com as futuras gerações (BAKAN, 2008, p. 202).

A ideia de ilimitabilidade traz consigo a ideia de irresponsabilidade (OST, 1995), a partir do momento em que se adota a visão de que tudo é passível de dominação. É forçosa, portanto, a percepção de que indivíduo e natureza embora possuam vínculos, não podem ser confundidos, logo, “a maneira apropriada de nos aproximarmos da natureza para aprender acerca da complexidade e da sua beleza não é por meio de dominação e do controle, mas sim por meio do respeito, da cooperação e do diálogo intergeracional” (CAPRA, 1996, p. 144).

Segundo Leff (2006), a humanidade errou o caminho civilizatório ao longo das transformações históricas e das mudanças sociais, por isso, trata da necessidade de se ressignificar e reorientar o curso da história, tendo em vista considerar que a crise ambiental é também uma crise civilizatória, cuja visão de mundo coisificado e fragmentado se construiu baseado no paradigma mecanicista da física, onde a economia de produção converte a natureza em recursos naturais, a tratando como objeto e externalidade. Dessa forma, Leff (2006), demonstra a imprescindibilidade de ser desconstruída a unificação forçada guiada pela lei do mercado, que preza por uma economia que se alimenta da natureza (matéria e energia). Trata-se, então, a respeito de uma nova racionalidade, com um novo paradigma de produção, atento à política do ser e da diferença, por meio de uma multiplicidade de sentidos.

Rawls já tratava em sua obra quanto não ser necessário se forçar uma unanimidade acerca de todos os padrões de escolha racional. Para ele, “essa unanimidade estaria em contradição com a liberdade de escolha que a justiça como equidade assegura aos indivíduos e aos grupos dentro do quadro das instituições justas” (RAWLS, 2000, p. 496).

Imprescindível, portanto, a multiplicidade de sentidos, na tratativa das problemáticas sociais, em prol da escolha dos princípios de justiça. Logo, é fundamental a formação de uma sustentabilidade partilhada a partir de um diálogo de saberes atento aos limites éticos através do tempo, que trate todas as gerações com justiça.

A partir disso, explana-se, a seguir, quanto ao agir do Estado por meio das políticas públicas como um instrumento de efetivação dos direitos sociais, que são fundamentais perante as problemáticas emergentes na sociedade.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

As problemáticas sociais e ambientais mais alarmantes são as referentes ao crescimento populacional – superpopulação-, alimentação e agricultura. Inquietudes estas afetas aos ecossistemas e à biodiversidade. Daí, então, decorrerão preocupações com as demandas energéticas e o fornecimento de água, que são utilizados tanto para consumo humano como nos processos industriais - tecnológicos e na produção agrícola.

Constata-se, em vista disso, a interligação de quesitos afetos à população, agricultura, água e energia, onde fatores sociais e naturais andam juntos, averiguando-se, assim, a interdependência sistêmica destas adversidades. Neste sentido que “saúde, educação, transporte, energia e agricultura são campos onde as necessidades sociais são tão grandes e as possibilidades de ação importantes” (KEMPF, 2012, p. 57). E, são nestes casos que se faz necessário políticas públicas que sirvam de instrumento de efetivação dos direitos sociais, através de uma cooperação entre Estado e sociedade.

Nesse diapasão, adentra-se na abordagem de que as ameaças globais requerem políticas locais de ação e responsabilização.

3.1 Ameaças globais, políticas locais

Perante o tratamento quanto às políticas públicas, insta, em um primeiro momento, referendar a diferença entre política pública de Estado e do governo:

A política é de Estado quando voltada a estruturar o Estado para que este tenha as condições mínimas para a execução de políticas de promoção e proteção dos direitos humanos. Quando, de outro lado, os objetivos das políticas forem o de promover ações pontuais de proteção e promoção aos direitos humanos específicos expressos em nossa Carta, pode-se falar em política de governo (AITH , 2006, p. 235).

Diante disso, observa-se que, referente às políticas públicas, estas passariam por cinco fases de um ciclo, sendo estas: 1. Percepção e a definição de problemas; 2. A inserção na agenda política; 3. A formulação; 4. A implementação; e, 5. A avaliação (SCHMIDT, 2008). Estas etapas devem atentar às necessidades sociais da coletividade e consistem em: 1. Preparação da decisão: formulação da questão a ser observada, apontando o problema e buscando uma solução; 2. Agenda setting: o problema torna-se uma questão política, a partir das variáveis pertinentes à conveniência e à necessidade; 3. Formulação: se debate o desenvolvimento de cursos de ações aceitáveis para lidar com o problema (definição de objetivos jurídicos, administrativos e financeiros); 4. Implementação: aplicação da política pela máquina burocrática do Governo; 5. Monitoramento: avaliação dos impactos da política implementada e possíveis correções; 6. Avaliação: atenta-se aos efeitos gerados e na verificação no que tange ao cumprimento dos objetivos, encaminhando deliberações sobre o futuro de determinada política (RODRIGUES, 2010).

Nesse sentido é que se avalia como fundamental a implementação de políticas públicas para o desenvolvimento ambiental que reflitam os complexos desafios globais da sociedade moderna.

As novas problemáticas da sociedade, que surgem dentro dos Estados, não ficam a estes adstritos, trata-se, dessa forma, de questões estatais que também dizem respeito ao direito internacional, tendo em vista que o direito internacional tem capacidade de compelir, fortalecer e barrar leis e instituições domésticas (SLAUGHTER; WHITE, 2006).

Slaughter e White (2006) apontam que ameaças globais requerem mudanças no direito internacional tradicional, de modo que o sistema internacional influencie as políticas domésticas no intuito de desenvolver instituições nacionais e alcançar os objetivos traçados internacionalmente.

Insta, deste modo, ser verificado que as escolhas das políticas internas têm impacto internacionalmente. Logo, quando não ocorresse a devida ação estatal, poderia o direito internacional intervir para uma ação nacional, atentando-se aos cuidados necessários de forma que não impossibilite processos democráticos domésticos.

Na sociedade atual, onde são exigidas ações internas para problemas transfronteiriços, muitas vezes ocorrem respostas inadequadas às ameaças internacionais. À vista disso, Slaughter e White (2006) expõem três causas relacionadas a estas respostas inadequadas, sendo estas: 1. Falta de capacidade de governança doméstica; 2. Descaso do agir nacional; e, 3. Novos problemas que excedem as habilidades dos Estados. Por conseguinte, diante de respostas impróprias, poderia o sistema legal internacional colaborar com os governos domésticos e, deste modo, garantir resultados políticos específicos e necessários. A tratativa das ameaças globais depende de políticas nacionais efetivas, que, seguidamente, exigem apoio de políticas internacionais.

Vivendo-se em um mundo não-linear, demonstra-se errônea a tentativa de se isolar determinadas problemáticas ambientais na rede complexa global. Desta maneira, urge o papel das políticas públicas que funcionem como mecanismos de organização diante da crise de transformação que se vive, para que possa haver uma formação de novos complexos que promovam o desenvolvimento de todo o sistema, que garantam uma “nova visão emergente da sociedade” (CAPRA, 1996, p. 20).

Portanto, na busca da efetividade do direito ambiental e da eficácia de políticas públicas nesta seara, manifesta-se como plausível que o sistema legal internacional possa revigorar políticas nacionais em face das intensas demandas sociais.

3.2 Políticas públicas relacionadas ao meio ambiente

Após a realização da RIO-92, em diversas nações emergiram políticas públicas voltadas à gestão ambiental, sendo considerada uma fundamental forma de procedimento frente às inquietações ambientais.

A respeito das políticas públicas, demonstram-se estas como um meio de efetivação dos direitos sociais, sendo essenciais na abordagem e atuação frente às necessidades ambientais em prol de uma cooperação entre Estado, sociedade e natureza.

Para o cidadão é muito relevante que conheça e entenda o que está previsto nas políticas que o afetam, quem as estabeleceu, de que modo foram estabelecidas, como estão sendo implementadas, quais são os interesses que estão em jogo, quais são as principais forças envolvidas, quais são os espaços de participação existentes, os possíveis aliados e os adversários, entre outros elementos (SCHMIDT, 2008, p. 2.308).

Conforme o proposto por Schmidt, é mister uma compreensão, por parte dos indivíduos, quanto às políticas públicas afetas aos complexos desafios que emergem na sociedade moderna. Sendo de igual forma considerável as averiguações de ambientes fiscalizadores e efetivos de promoção de políticas públicas, principalmente, referentes ao desenvolvimento ambiental, objeto de análise da presente produção. Por este ângulo, considera-se que as políticas públicas são definidas como um programa ou quadro de ação governamental, por meio de um conjunto de medidas articulares – coordenadas, com a finalidade de impulsionar a máquina do governo, e, assim, realizar objetivos de ordem pública (BUCCI, 2002, p. 14).

A partir desse marco, é percebido na sociedade contemporânea, um grande aumento da conscientização pública no que tange às necessidades ambientais e às lutas pelo ecodesenvolvimento e por um equilíbrio entre os anseios sociais e o ordenamento formalmente constituído, na busca pelos direitos humanos e por um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim sendo, merece tratamento quanto à influência dos indivíduos e grupos sociais para com as instituições, que têm papel relevante na formação das políticas públicas. Por conseguinte, entende-se que política pública é:

O campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças no rumo dessas ações. A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2006, p. 26).

Nesse sentido é que merece ser aludida a importância de uma avaliação e de ações plurais e transdisciplinares referentes às políticas públicas, considerando a complexidade dos desafios da sociedade moderna, de sorte que sejam formuladas e implementadas políticas públicas que discutam de forma ampla as demandas sociais e ambientais.

O desenvolvimento econômico, tal como vem ocorrendo, conduz a uma crise ecológica insustentável, que reflete diretamente na implementação de políticas públicas. Faz-se necessário, dessa forma, uma abertura à agenda dos Estados e interpretação do meio ambiente como um direito universal, jamais o vinculando a um direito atrelado a posições político-partidárias. A luta pela defesa do planeta deve ser solidária e global. Isso posto, Kempf (2012) demonstra a relevância de se prezar por um esforço comum na prevenção das ameaças climáticas, no entanto, aborda que para ocorrer de forma justa, devem os países ricos se empenharem em primeiro lugar. Nesta senda, é preciso haver um “reequilíbrio do jogo mundial das potências” (KEMPF, 2012, p.19).

Desse modo, devem os países primar pelos meios de se obter o desenvolvimento socioeconômico ambientalmente viável em prol da preservação da vida. E, à vista disso, acredita-se ser fundamental uma ação em defesa de fatores naturais, culturais e sociopolíticos por meio do planejamento, gestão e implementação de políticas públicas de acordo com as demandas sociais e ambientais, que ocorre por intermédio da interação entre o Estado e a sociedade, através de pesquisas, estudos e avaliações.

É de igual forma substancial que os países desenvolvidos e em desenvolvimento assinem e cumpram efetivas disposições dos tratados e convenções internacionais com a finalidade de serem atingidas as propostas estabelecidas nos encontros mundiais sobre o desenvolvimento global sustentável.

Desse modo, insta inexorável a realização de políticas públicas atentas às prementes relações entre os indivíduos, a natureza e o meio em que se vive (sociedade moderna), para a autenticidade de um meio justo, com vínculos e limites.

4 CONCLUSÃO

Alicerçado em uma abordagem quanto aos desafios ambientais na sociedade, depreende-se a fundamental preocupação mundial pelas questões de preservação ambiental na busca pelo ecodesenvolvimento. Ao tratar-se sobre o meio ambiente e suas relações, é imprescindível a observância do processo de transição da sociedade, seu desenvolvimento e suas necessidades.

Por meio da citação de algumas conferências mundiais em prol do meio ambiente, observou-se a necessidade de preservação e o cuidado com o meio em que se vive e todas as exigências ambientais globais emergentes na sociedade contemporânea, de modo a ser alcançado um desenvolvimento sustentável por meio de uma conscientização pública.

Constatou-se que a construção de uma sociedade sustentável se depara com o desafio de materialização de propostas que almejem a proteção ambiental, a justiça social e a eficiência econômica. Dessa forma, devem ser ponderadas formas de crescimento econômico com a utilização de técnicas limpas de produção, de modo que seja observada a solícita solidariedade planetária bem como a dignidade humana, a favor de um espírito de cooperação na adoção de iniciativas locais para problemas globais emergentes.

Necessário, portanto, a adoção de novas estratégias que busquem aprimorar as percepções humanas à solícita solidariedade intergeracional, com a prioridade de garantir uma maior compreensão dos princípios de justiça entre as gerações.

Dessarte, diante de uma crise de percepção, primordial é a adoção de políticas públicas que almejem soluções sustentáveis por meio de uma avaliação de problemas sistêmicos, que se encontram interligados e interdependentes, em benefício de uma compreensão coerente e justa.

Demonstra-se crucial a percepção de uma responsabilidade global, a favor da preservação das diferenças e do processo de humanização, principalmente no que diz respeito à condução de um equilíbrio ambiental perante o desenvolvimento tecnológico.

Por consequência, demonstra-se imponente a cooperação, dentro da rede de relações globais, entre sociedade civil, setor privado, instituições financeiras, Estados e indivíduos, em defesa da justiça ambiental, que busca evitar impactos para com os mais vulneráveis.

Trata-se, em vista disso, de um problema de dimensões imensas quando o poder econômico se torna moeda das políticas públicas e despreza-se o valor que vem da natureza para os humanos. Isto posto, constata-se que deve ser adotada a lente de visão em prol da conservação ambiental, de modo que haja um reconhecimento da relação de dependência humana para com o meio ambiente, com a finalidade de se evitar rupturas de grande escala em ecossistemas.

Para tanto, é necessária a busca por um desenvolvimento, tanto a nível nacional quanto a nível global que preze pelo meio ambiente e, ao mesmo tempo, por condições dignas de vida aos indivíduos, atento aos vínculos e limites presentes entre a vida humana e a natureza, entre as gerações, como uma questão de justiça global.

A lógica de mercado na busca desmedida pelo lucro acentua a crise ambiental e civilizatória presente na sociedade moderna. Práticas predatórias destrutivas da natureza causam impactos ao meio ambiente, que devastam oportunidades de um modo de vida sustentável. Deve-se, dessa forma, combater aspirações imperialistas que usam de táticas de manipulação para a promoção de políticas públicas que ignoram as liberdades e direitos dos indivíduos de viver com dignidade em um meio equilibrado e sustentável.

Em vista disso, prima-se pela participação ativa dos indivíduos nas ações de governo de promoção de políticas públicas humanitárias, que reestabeleçam conexões integrativas dos sistemas da vida e apresentem soluções sustentáveis frente aos problemas sistêmicos da sociedade moderna.

Em sede de linhas conclusivas, acentua-se que o referido artigo buscou retratar a imperiosa e incessante exigência social de promoção e efetivação de políticas públicas para o desenvolvimento ambiental, tendo o propósito de despertar os indivíduos e a toda sociedade para uma visão política participativa como condição essencial de cidadania de acordo com as necessidades ambientais e sociais presentes na rede de relações sistêmicas globais.

Portanto, analisou-se que a efetivação de políticas públicas atentas às problemáticas ambientais sob a ótica da responsabilidade intergeracional demonstra-se como um critério de alcance da justiça social.

REFERÊNCIAS

AITH, Fernando. Políticas públicas de Estado e de governo: instrumentos de consolidação do Estado Democrático de Direito e de promoção e proteção dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva. 2006.

BAKAN, Joel. A Corporação: A busca patológica por lucro e poder. Tradução Camila Werner. São Paulo: Novo Conceito Editora, 2008.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Princípio da sustentabilidade como Princípio Estruturante do Direito Constitucional. 2010. Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-99112010000100002. Acesso em: 9 jun. 2019.

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cuitrix, 1996.

CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003.

FOUNEX. Relatório de Founex. 1971. Disponível em: http://www.stakeholderforum.org/fileadmin/files/Earth%20Summit%202012new/Publications%20and%20Reports/founex%20report%201972.pdf. Acesso em: 15 out. 2017.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao Futuro. Belo Horizonte: Forum, 2012.

KEMPF, Hervé. Crisis ecológica: una cuestión de justicia. Santiago: Le Monde Diplomatique, 2012.

LEFF, Enrique. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução Luís Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

OST, François. A Natureza a Margem da Lei: a ecologia à prova do Direito. Lisboa: Piaget, 1995.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução Vamireh Chacon. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

RIO DE JANEIRO. Agenda 21. 1992. Disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/agenda21.pdf. Acesso em: 16 out. 2017.

RODRIGUES, Marta Maria Assumpção. Políticas públicas. São Paulo: Publifolha. 2010.

SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI – Desenvolvimento e Meio Ambiente. São Paulo, SP: Studio Nobel/FUNDAP, 1993.

SCHMIDT, João Pedro. Para entender as políticas públicas: aspectos conceituais e metodológicos. LEAL, R. G.; REIS, J. R. (orgs.). Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. Edunisc: Santa Cruz do Sul, 2008.

SILVA, Ney. Sociedade e espaço ambiental: um ensaio temático-cultural. São Paulo: Clube dos Autores, 2012.

SLAUGHTER, Anne-Marie; WHITE, William Burke. The Future of International Law Is Domestic (or, The European Way of Law). Harvard International Law Journal. v. 47, n. 2, Summer 2006.

SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre: UFRGS, v 1, n. 1, jan-jun. 2006.

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por