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DETERMINANTES DAS RECEITAS PRÓPRIAS EM UNIDADES SUBNACIONAIS: o caso dos municípios maranhenses

João Gonsalo de Moura
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil
Eden do Carmo Soares Júnior
Universidade da Amazônia (Unama), Brasil
Alan Vasconcelos dos Santos
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil
Ricardo Zimbrão Affonso de Paula
Univeridade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil
César Augustus Labre Lemos de Freitas
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil

DETERMINANTES DAS RECEITAS PRÓPRIAS EM UNIDADES SUBNACIONAIS: o caso dos municípios maranhenses

Revista de Políticas Públicas, vol. 24, núm. 1, pp. 347-365, 2020

Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 21 Outubro 2019

Aprovação: 23 Abril 2020

Resumo: O presente estudo tem por objetivo analisar o status da gestão das receitas próprias nos municípios maranhenses, identificando alguns elementos explicativos que possam ser associados a uma boa gestão fiscal no âmbito municipal. Recorrendo ao uso da análise de regressão, o estudo confronta o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) com cinco variáveis sugeridas como fatores determinantes do referido índice, no caso, o nível de renda per capita, o número de empresas per capita, a participação dos serviços prestados pelo setor privado na economia do município, a parcela da população urbana em relação à população total e a participação do setor público na economia local. Utilizando médias de indicadores representativos do período 2010-2014, um período de relativa normalidade em termos de crescimento econômico nos níveis nacional e regional, a conclusão aponta a importância da capacidade empreendedora dos munícipes (empresas per capita), a pujança do setor de serviços (participação dos serviços na economia municipal) e a participação do setor público na economia como causas importantes da boa gestão fiscal no âmbito das prefeituras do Maranhão. O estudo sugere, então, que as políticas públicas direcionadas à melhoria da administração das receitas municipais devem considerar tais elementos causativos como foco estratégico, de modo que as metas administrativas possam ser alcançadas com eficiência.

Palavras-chave: Administração Pública, Finanças Públicas, Receitas Próprias, Gestão Fiscal. Maranhão. Municípios.

Abstract: This study aims to analyze the status of the management of own revenues in the municipalities of Maranhão, identifying some explanatory elements that can be associated with good fiscal management at the municipal level. Using the regression analysis, the study compares the Firjan Tax Management Index (IFGF) with five variables suggested as determining factors of the referred index, in this case, the level of income per capita, the number of companies per capita, the participation of the services provided by the private sector in the municipality's economy, the share of the urban population in relation to the total population and the participation of the public sector in the local economy. Using averages of representative indicators for the period 2010-2014, a period of relative normality in terms of economic growth at national and regional levels, the conclusion points to the importance of the entrepreneurial capacity of citizens (companies per capita), the strength of the service sector ( participation of services in the municipal economy) and the participation of the public sector in the economy as important causes of good fiscal management in the scope of the municipalities of Maranhão. It is suggested, then, that public policies aimed at improving the administration of municipal revenues should consider such causative elements as a strategic focus, so that administrative goals can be achieved efficiently.

Keywords: Public Administration, Public Finance, Own Revenue, Tax Management. Maranhão. Counties.

1 INTRODUÇÃO

A vigência de um ambiente pautado pela boa gestão fiscal no Brasil sempre foi um dos objetivos mais desafiadores, tendo em vista a mácula do descontrole que caracteriza a gestão pública, sobretudo quando se trata de estados e municípios. Cientes dessa dificuldade, os formuladores de políticas econômicas, ao longo das últimas décadas, não se ativeram apenas à esfera federal quando se imbuíram da missão de organizar as contas públicas brasileiras, estendendo as suas premissas também às unidades subnacionais. Em tempos mais longínquos, na fase dos congelamentos de preços, visando alcançar a estabilidade macroeconômica, as administrações estaduais e municipais não haviam sido convocadas à disciplina fiscal, o que terminou se configurando como um elemento decisivo para fazer naufragar os planos econômicos ali concebidos (LOUREIRO; ABRUCIO, 2004).

A má gestão fiscal no domínio das unidades subnacionais brasileiras representa um problema recorrente, considerando os mais diferentes aspectos que envolvem uma administração responsável, pois nem sempre se encontra assegurada a compreensão de que a questão envolve vicissitudes relacionadas tanto ao lado da despesa quanto ao lado da receita. No primeiro caso, além da falta de planejamento e dos desperdícios de recursos públicos, podem ser acrescentadas algumas deficiências importantes, como o excesso de burocracia e a falta de transparência. No segundo caso, além da baixa inclinação dos gestores para viabilizar a arrecadação própria (elevada dependência de transferências da União), ocorre também a falta de viabilidade econômica de muitas localidades, onde não estão presentes as bases que assegurem a devida imposição de tributos que possibilitem o sustento da máquina pública municipal (CUNHA JÚNIOR et al, 2016).

No que se refere ao campo específico das receitas, no qual se concentra o foco do presente estudo, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que passou a vigorar no Brasil a partir do ano 2000, trouxe em seu bojo os mecanismos legais que exigem e estimulam os estados e os municípios a seguir alguns requisitos essenciais de responsabilidade na gestão pública, obrigando esses entes a instituir, prever e arrecadar, de fato, todos os tributos sob sua competência. Em caso contrário, as referidas unidades subnacionais passam a arcar com certas penalidades, como é o caso da vedação do recebimento de transferências voluntárias – convênios e congêneres – oriundas da União e dos estados, quando se trata do caso peculiar da gestão municipal.

Entretanto, embora o marco legal esteja disponível há um tempo considerável, na hipótese de os gestores agora estarem isentos da má inclinação à cobrança dos tributos municipais, persistem alguns aspectos negativos que inviabilizam a geração de receitas próprias, em razão de não se encontrar disponível o ambiente econômico adequado para que se torne viável arrecadar. Fatores como o baixo nível de renda dos habitantes, a exígua taxa de urbanização, a tímida dinâmica do setor de serviços, a indisposição dos gestores em impor tributos em razão da antipatia que essa conduta causa perante o eleitorado etc. podem ser listados como alguns exemplos dos aludidos aspectos.

Tomando como referência um estado marcadamente caracterizado pela presença das circunstâncias negativas anteriormente sugeridas, não é de todo surpreendente que as administrações municipais gerem indicadores ainda mais críticos do que a média brasileira a ponto de não se encontrar no estado do Maranhão (MA) nenhum município cuja gestão possa ser enquadrada no conceito de excelência. Ao contrário, a maioria das prefeituras maranhenses se enquadra no conceito crítico de gestão (FIRJAN, 2017).

Isso posto, o objetivo do presente estudo é analisar a gestão pública dos municípios maranhenses, no quesito arrecadação própria, tentando identificar o papel de algumas variáveis que possam estar associadas a uma boa ou má gestão das receitas tributárias municipais. Entende-se, a princípio, que uma administração adequada e responsável carece da prevalência de certas condições que viabilizem a aplicação dos tributos, o que extrapola a simples disponibilidade de um marco legal.

Para alcançar o objetivo proposto, o trabalho se apresenta em três seções, além desta introdução e as considerações finais. Na seção 1 é feita uma breve discussão da evolução do marco legal disciplinador das contas públicas no país, acompanhando as próprias tentativas de promover a estabilidade fiscal. Na seção 2 são discutidos os aspectos metodológicos do trabalho, sobretudo no que tange ao ambiente ao qual o estudo se refere, à escolha das variáveis e do período de abrangência, além dos recursos estatísticos utilizados para examinar os dados relevantes. Na seção 3 são apresentados e analisados os principais resultados do trabalho.

1.1 Ajuste e responsabilidade fiscal no Brasil

Algumas das medidas fiscais de maior importância adotadas no Brasil foram tomando lugar ao longo das últimas décadas, podendo ser exemplificadas iniciativas como: a Lei Complementar nº 82/1995 (Lei Camata I), que estabeleceu limites para despesas com pessoal ativo e inativo, tanto para a União quanto para estados e municípios; em seguida foi editada a Lei Complementar nº 96/1999 (Lei Camata II), que estipulou um limite específico para tal rubrica no âmbito da União, correspondente a 50% da Receita Corrente Líquida (RCL), permanecendo a norma anterior de 60% para estados e municípios (ASAZU, 2003).

Em meio a este cenário, pautado pela tentativa de disciplinamento das contas públicas, podem ser também citados: o Voto n° 162/1995 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que instituiu o Programa de Apoio e Reestruturação ao Ajuste Fiscal dos Estados (PAF); a Lei nº 9.496/1997, que instituiu critérios para a consolidação, assunção e refinanciamento da dívida pública mobiliária de responsabilidade dos estados e do Distrito Federal; e a Resolução n° 78/1998 do Senado Federal, que produziu novos marcos e exigências para que estados e municípios pudessem pleitear empréstimos (NASCIMENTO; DEBUS, 2002; MORA, 2002; OLIVEIRA, 2012).

Especificamente para a esfera municipal, um dos passos importantes para a obtenção de um maior nível de controle das contas públicas foi dado por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), quando esse, durante o ano de 1997, promoveu o lançamento do Programa para Modernização das Administrações Tributárias Municipais (PMAT). Além deste programa, convém destacar ainda o refinanciamento da dívida pública mobiliária e de outras dívidas dos municípios pela Medida Provisória nº 1.811/1999 (AFONSO et al., 1998; SANTOS et al., 2008; OLIVEIRA, 2012).

Esse conjunto de instrumentos normativos foi criando um ambiente de ajustamento e controle fiscal nas diferentes esferas de governo, mas, ao mesmo tempo, não representava exatamente um marco definitivo que garantisse estabilidade na gestão das finanças públicas em um horizonte de longo prazo. Nesse contexto, durante o ano de 1998 foi apresentado ao país o Programa de Estabilização Fiscal (PEF). O PEF englobava reformas estruturais (como uma nova reforma da Previdência), estabilização da relação dívida/PIB (a partir da consecução de elevados superávits primários) e diversos aprimoramentos institucionais, destacando-se neste último caso o compromisso da edição de uma Lei de Responsabilidade Fiscal (LEITE, 2006; TAVARES, 2005).

Subsequentemente, logo no início do ano de 1999, foi apresentado para ser apreciado pelo Poder Legislativo Federal o Projeto de Lei Complementar (LC) n° 18, denominado Lei de Responsabilidade Fiscal. O projeto, proposto pelo Poder Executivo, devido a sua urgência para o país naquele instante, tramitou com elevado nível de celeridade, não sofrendo alterações que desfigurassem a essência da proposta inicial, sendo aprovado por ampla maioria dos congressistas no início do ano seguinte (LOUREIRO; ABRUCIO, 2004).

O caput do art. 11 da LC n° 101/2000 resgata firmemente, do art. 1º, o conceito de responsabilidade na gestão fiscal, estabelecendo elevada importância para a geração de receita pública pelos entes estatais ao estabelecer que: “Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os impostos da competência constitucional do ente da Federação” (BRASIL, 2000).

Dessa forma ficou demarcada claramente a essencialidade, para a gestão fiscal responsável, da concreta arrecadação pelos entes federados dos seus respectivos tributos. O parágrafo único do artigo 11 já estabelece uma penalidade para os entes que não cumprirem plenamente sua função arrecadatória, no caso dos impostos, ao dispor que: “É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos” (BRASIL, 2000).

A finalidade da inserção de obrigatoriedade no quesito arrecadação própria, no âmbito das unidades subnacionais, além de visar à exploração do potencial arrecadatório dessas unidades, seria também reduzir o grau de dependência dessas em relação às transferências de recursos oriundos da União, introduzindo nos seus orçamentos um fluxo considerável de receitas proveniente da máquina arrecadatória local (NASCIMENTO; DEBUS, 2002; ARAÚJO E MORAES; 2003; SANTOS et al., 2008).

Portanto, entre os diversos instrumentos normativos de natureza fiscal introduzidos no país a partir dos anos 1990, o ponto culminante é alcançado com a entrada em vigor da LRF. Uma das vantagens desse novo arcabouço, que intencionava promover, manter e consolidar a estabilidade fiscal, seria o fato de tal sistema/padrão se estender aos entes subnacionais, adentrando inclusive à seara das finanças municipais, o que passou a exigir das administrações locais, entre outras iniciativas, auferir receitas próprias.

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

2.1 Variáveis estudadas e indicadores representativos

Conforme explicitado anteriormente, a variável que exprime o foco do presente estudo é a receita própria municipal. Entretanto não é apenas o comportamento singular desse parâmetro que espelha o objetivo principal, mas, também, a identificação de alguns fatores que estejam associados ao comportamento daquela variável. Para tanto, será tomado como indicador do comportamento das receitas próprias não exatamente o valor da arrecadação auferida em cada município, mas um índice que possa resumir de forma mais acurada o comportamento da aludida variável e possibilite, ademais, uma avaliação comparativa entre as diferentes localidades, ultrapassando os aspectos meramente quantitativos que os dados costumam revelar.

Ou seja, o presente estudo propõe uma avaliação das receitas próprias e seus determinantes por meio de um indicador que reflita muito mais a capacidade de gestão de tais receitas por parte do poder público do que propriamente uma avaliação singular de suas oscilações quantitativas. Nesse contexto, toma-se como referência o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado anualmente pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, para todos os municípios brasileiros. A disseminação do supradito indicador intenciona fornecer à sociedade um parâmetro objetivo para análise do desempenho das administrações públicas municipais no que concerne à obtenção e aplicação dos recursos públicos. O referido índice é confeccionado a partir dos resultados fiscais oficialmente informados pelas prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional (FIRJAN, 2017).

Cinco indicadores distintos compõem o IFGF, a saber: receita própria; gastos com pessoal; investimentos; liquidez; e custo da dívida. Do mesmo modo que ocorre com o indicador geral, cada um dos indicadores específicos recebe uma pontuação, a qual oscila entre 0 e 1. A avaliação segue um padrão bem definido, sugerindo que, quanto mais próximo de 1 se localizarem os valores, melhor conceituada será a gestão fiscal do município. No caso inverso, a proximidade de 0 indica fragilidade na administração das contas públicas.

De acordo com os valores gerados para cada município, atribuem-se conceitos às suas respectivas gestões, nos seguintes termos:

Embora constituído por cinco indicadores, conforme externado acima, os dados tratados neste artigo têm como foco a análise do critério atinente especificamente às receitas próprias, de forma que o objetivo central inicialmente proposto não seja extrapolado. Tal indicador resulta da mensuração da parcela que representa as receitas geradas pelo município em relação ao total da receita corrente líquida. A avaliação desse parâmetro, portanto, possibilita à sociedade uma reflexão, por exemplo, sobre o grau de dependência das prefeituras no tocante às transferências intergovernamentais (FIRJAN, 2017).

Como fatores potencialmente associados ao desempenho da arrecadação própria municipal, representada aqui pelo indicador sugerido, consideram-se no presente estudo as seguintes candidatas a variáveis explicativas:

Portanto, para efeito do exame dos fatores que devem estar vinculados ao desempenho da gestão municipal, em termos da geração de receitas próprias, acredita-se que as variáveis acima apresentadas devem preencher uma parte expressiva do poder de explicação do referido desempenho, embora não esgotem o mesmo. Convém ressaltar ainda que o sentido das relações acima sugeridas decorre apenas de um senso a priori, podendo a análise dos dados revelar associações contrárias, o que demandará, caso ocorra, um esforço explicativo adicional atrelado ao contexto vigente no cenário em estudo.

Quanto às fontes dos dados utilizados no presente estudo, além do IFGF – Receitas Próprias, que tem como origem a FIRJAN, todas as candidatas a variáveis independentes supracitadas são originárias de publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), colhidas principalmente através do banco de dados SIDRA, disponível eletronicamente no sítio da referida instituição.

2.2 Espaço temporal

A dinâmica das receitas próprias municipais não deve estar atrelada exclusivamente à existência de um marco legal que lhe dê suporte, mas, em acréscimo, deve presumir a prevalência das condições econômicas indispensáveis para que as iniciativas, visando a geração de receitas possam, de fato, se materializar. Em razão dessa sutileza, o presente artigo faz a opção pela observação do fenômeno em tela considerando sempre as médias dos indicadores para um período de cinco anos (2010-2014). Posto que a LRF já havia entrado em vigor há um tempo considerável, torna-se bastante razoável admitir que o referido marco legal já seria, àquela altura, suficientemente difundido e conhecido, o que implica que o mesmo estaria presente e consolidado no horizonte decisório dos gestores públicos.

Ainda em alusão ao período proposto, trata-se de um momento marcado pela presença de crescimento econômico, fato este que contribui para a remoção de algumas anomalias que costumam afetar negativamente os indicadores de receitas, como é o caso das recessões econômicas. Na fase imediatamente anterior, final do ano de 2008, se estendendo pelo ano de 2009, uma recessão atingiu a economia brasileira, não sendo diferente para o estado do Maranhão, onde a mesma foi ainda mais intensa. O mesmo fenômeno voltou a se manifestar no Brasil durante o ano de 2015, embora motivada por outros motivos, se estendendo pelos anos seguintes.

Dessa forma, o período abordado neste estudo (2010-2014) pode ser considerado como uma extensão temporal marcada pela normalidade dos principais indicadores econômicos, sobretudo quando o foco se concentra na taxa de crescimento da economia e, especificamente, no espaço geográfico de interesse, no caso, o estado do Maranhão. Os dados apresentados na Figura 1 fundamentam as afirmações aqui proferidas.

Taxas de crescimento anual do PIB do Maranhão % – 20102015
Figura 1
Taxas de crescimento anual do PIB do Maranhão % – 20102015
: Elaboração própria com dados fornecidos pelo IBGE.

A Figura 1 mostra que, no período de 2010 a 2014 a economia maranhense apresentou de crescimento econômico sempre na esfera positiva. A taxa média anual de elevação da produção no estado foi de aproximadamente 5,7%, podendo ser considerada um tanto elevada se comparada aos padrões brasileiros, cuja taxa média histórica se situa no entorno 4% ao ano. Portanto, trata-se de um período em que as condições se apresentam favoráveis à geração de receitas tributárias crescentes, considerando que os tributos costumam estar diretamente associados ao desempenho da atividade econômica. Assim, os anos de 2009 e 2015 poderiam ser mencionados como aqueles momentos em que há estragos no poder de arrecadação de tributos, produzindo descontroles ocasionais, exógenos, nos indicadores de gestão fiscal.

2.3 Modelo econométrico

No item anterior ficou evidente o fato de o presente estudo lidar com os valores médios do período para as variáveis em análise, ao invés de considerar os valores ano a ano como se fosse o caso de uma série temporal. Isto decorre, em parte, do fato de os dados utilizados pela FIRJAN para calcular o IFGF resultarem das informações fornecidas pelas próprias administrações municipais à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o que torna corriqueira a indisponibilidade das mesmas para alguns anos específicos, no caso de alguns municípios. Esta particularidade causaria certas dificuldades em um contexto no qual as informações de específicas a cada ano se tornam indispensáveis, como costuma acontecer quando se opta pelo emprego de dados de séries temporais ou de dados em painel.

Por esta razão, no presente caso, adotou-se a opção de utilizar a média do período, tendo em vista que a mesma pode ser obtida para o intervalo proposto, mesmo quando a informação para algum ano específico se faz ausente. Isto remete para o fato da necessidade da utilização de dados de corte transversal (cross-section), uma vez que haverá um dado para cada município, para cada uma das variáveis em análise (média). Ou seja, trata-se de uma amostra composta por 217 informações (217 municípios maranhenses), para a variável dependente, bem como para cada uma das 4 variáveis independentes.

Portanto, a pretensão em relevo no presente estudo é confrontar a gestão das receitas próprias municipais (variável dependente) com um conjunto de características dos municípios (variáveis independentes), revelando a força que as últimas exercem sobre o desempenho da primeira, tomado como cenário o contexto dos municípios maranhenses no período 2010-2014, nos termos especificados na seguinte equação econométrica:

Onde:

Yi= Índice FIRJAN – receitas próprias;

X1i= PIB per capita municipal;

X2i= Empresas per capita no município;

X3i= Participação dos serviços na economia municipal;

X4i = Participação da população urbana na população do município;

Ԑi = Perturbação aleatória que indica a influência de fatores ausentes;

i = i-ésimo município

β0, β1, β2, β3, β4 e β5= Parâmetros a serem estimados pelo modelo.

Por fim, cabe salientar que, para estimar os parâmetros da equação 1, será empregado o chamado Modelo de Regressão Linear Múltiplo, utilizando-se o método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

De acordo com o valor obtido para o IFGF municipal, podemos proferir avaliações que se estendem desde a denominação de gestão crítica até a denominação de gestão excelente, nos termos expostos na seção anterior. Como o propósito desta seção é analisar os resultados dos indicadores gerados pela aplicação da metodologia proposta na seção anterior, a Figura 2 apresenta um resumo do IFGF a partir da apuração mesmo para o ano de 2014, comparando o caso dos 217 municípios maranhenses com o caso geral dos 5.568 municípios brasileiros. Isto, para que se tenha uma noção bem ampla e geral das possíveis disparidades que possam existir entre os dois casos.

Percentual de municípios conforme o conceito atribuído à gestão pública
Figura 2
Percentual de municípios conforme o conceito atribuído à gestão pública
Cálculo efetuado pelos autores com dados fornecidos pela FIRJAN (2017)

Os dados apresentados na Figura 2 revelam que a situação local difere da situação brasileira apenas nas especificidades, diante de um contexto geral que se assemelha. Adentrando, pois, às especificidades, enquanto o país como um todo revela que 78% dos municípios se enquadram no conceito de gestão crítica, no Maranhão, em particular, esse percentual aumenta para 88%. Na outra extremidade do conceito de gestão fiscal, o caso brasileiro indica que 2% das prefeituras gerem suas finanças dentro de um padrão considerado excelente, enquanto no contexto maranhense não foi encontrado nenhum caso em que tal conceito possa ser atribuído. Mesmo no caso que se procurasse uma gestão considerada apenas boa, o Brasil venceria o Maranhão por 4% contra 1%.

Em termos abrangentes, o cenário já considerado como crítico das administrações municipais brasileiras torna-se ainda mais crítico quando se particulariza o caso das administrações municipais maranhenses. Esta argumentação pode ainda ser reforçada quando se observa que, em termos de Maranhão, o percentual de prefeituras que não fornecem os dados necessários ao tesouro nacional é mais expressivo que na totalidade do país. Conforme revela a Figura 2, as administrações municipais que não prestaram informação em 2014 representaram uma parcela de 10%, enquanto em nível nacional o mesmo grupo não ultrapassou mais do que 6% das administrações, número este que já não seria desprezível.

Diante do exposto, reitera-se a relevância do objetivo principal do presente trabalho, propondo a análise da gestão fiscal dos municípios maranhenses, visando à identificação de alguns fatores que possam ser associados ao desempenho dessa gestão. Convém lembrar que a abordagem aqui desenvolvida estará centrada em um aspecto particular da referida gestão, qual seja, no indicador que capta o desempenho das administrações municipais no quesito receitas próprias.

Com o intuito de suscitar alguma luz sobre o tema proposto, inicialmente foi estimado o modelo econométrico proposto na seção anterior, nos termos da Equação 1, que propõe uma relação de dependência do IFGF – receitas próprias em relação a cada uma das quatro variáveis independentes sugeridas, quais sejam: PIB per capita, número de empresas per capita, participação do Valor Adicionado Bruto (VAB) dos serviços privados no VAB total, participação do setor público na economia local e a participação da população urbana na população total.

Considerando a necessidade de debelar a dúvida sobre a capacidade explicativa das relações propostas, será empregada a análise de regressão com o propósito de estabelecer o IFGF como variável dependente, fixando as demais na seara das variáveis independentes. Além disso, o emprego da referida análise proporciona não apenas a possibilidade de avaliação do poder de explicação individual de cada variável, mas, também, o poder conjunto das cinco variáveis tomadas em consideração. Para tanto, apresentam-se inicialmente os resultados obtidos no processo de estimação da Equação 1, resultante do emprego do método dos Mínimos Quadrados Ordinários. Os resultados estão disponibilizados na Tabela 01.

Os resultados disponibilizados na Tabela 1 estão alinhados com a argumentação desenvolvida ao longo deste estudo, com exceção da variável representativa da participação da população urbana na população municipal (POPURBANA), que foi inserida no modelo com o intuito de captar a importância do fenômeno da urbanização sobre as receitas próprias. O PIB per capita (PIBPERCAPITA), o número de empresas per capita (EMPERCAPITA) e a participação dos serviços privados na economia municipal (SERVPRIVADO) apresentaram os sinais esperados e coeficientes significativos ao nível de 5%, nível este que pautará todas os testes mencionados neste trabalho.

Estimativa com o emprego de Mínimos Quadrados Ordinários
Tabela 1
Estimativa com o emprego de Mínimos Quadrados Ordinários
Calculado pelos autores com o auxílio do software Gretl

Apresentando um coeficiente de determinação (R.) de aproximadamente 0,33 pode-se inferir que aproximadamente um terço das variações no IFGF das receitas próprias podem ser explicadas por variações nas variáveis independentes propostas, o que representa um poder de explicação bastante razoável. Ou seja, tanto na avaliação específica de cada variável explicativa como na avaliação da influência conjunta das mesmas, o modelo proposto apresentou um poder de ajuste considerável.

Entretanto, por se tratar de dados de corte transversal (cross-section), é bastante comum, nesses casos, obter-se estimativas contaminadas pelo problema da heteroscedasticidade, que faz com que o processo de cálculo dos erros padrão dos coeficientes se transforme em um mecanismo não confiável. Esta falta de confiabilidade tende a arruinar a credibilidade das afirmações sobre o nível de significância das estimativas referentes aos parâmetros que antecedem as variáveis propostas. Isto demanda o uso de procedimentos adicionais que verifiquem esta possibilidade e, uma vez detectada, que sejam aplicados mecanismos eficazes de correção para a mesma. Para tanto, emprega-se aqui o teste de White, cujos resultados estão disponibilizados na Tabela 2.

Teste de White para identificação de heteroscedasticidade
Tabela 2
Teste de White para identificação de heteroscedasticidade
: Calculado pelos autores com o auxílio do software Gretl

As estimativas que constam nas três últimas linhas da Tabela 02 expressam um indicativo convincente da presença de heterocedasticidade, considerando principalmente o elevado valor do R-quadrado e o resultado 0,000000 na última linha. Ou seja, as perturbações que aparecem na Equação 1, representadas pelo termo Ԑi, não são homocedásticas, ou, em outros termos, não possuem variância constante, o que faz com que os estimadores deixem de possuir as propriedades de variância mínima e eficiência. Conforme externado anteriormente, a consequência principal é que os testes de hipótese referentes aos níveis de significância dos coeficientes deixam de ser confiáveis (GUJARATI, 2011).

Para sanar a dificuldade acima apresentada, foi utilizado o método de estimação com erros padrão robustos à heterocedasticidade. Uma das vantagens desta modalidade correção é que os valores dos coeficientes apresentados na Tabela 01 não sofrerão mudanças, ajustando-se apenas os erros-padrão para os mesmos e, consequentemente, os valores da estatística ., proporcionando confiabilidade aos testes sobre a robustez dos mesmos. Os resultados gerados pelo emprego deste método são mostrados na Tabela 3.

Estimativa com o emprego de Mínimos Quadrados Ordinários
Tabela 3
Estimativa com o emprego de Mínimos Quadrados Ordinários
Calculado pelos autores com o auxílio do software Gretl

Vê-se que a consequência imediata da aplicação do processo de correção aos dados se expressa na perda de significância do parâmetro referente ao PIB per capita municipal (PIBPERCAPITA), restando ao quantum de empresas per capita (EMPERCAPITA) e a participação do setor de serviços na economia local (SERVPRIVADO) a tarefa de explicar as variações no nível do indicador de gestão fiscal. O parâmetro estimado para a variável representativa do nível de urbanização (POPURBANA) permaneceu não significativo ao nível de 5% e também com o sinal inverso ao que fora inicialmente sugerido.

Como o grau de explicação conjunto das variáveis se situou numa faixa que se aproxima de 33%, isto indica que os fatores explicativos escolhidos fazem muito sentido, já que conseguem responder por aproximada de 1/3 das variações no indicador de gestão. Por outro lado, o mesmo resultado também indica que uma grande parcela dessas variações permanece não explicada, mostrando que os modelos que tentam elucidar o tema devem estar abertos para incorporar outros elementos. De todo modo, pelo elevado nível de explicação aqui encontrado, já é possível concluir que a capacidade empreendedora dos munícipes, aliada à pujança do setor de serviços prestados pela iniciativa privada, se colocam entre os fundamentos de uma base arrecadatória sólida para os municípios que visam alcançar um grau elevado de gestão das receitas próprias. Tais considerações não podem ser generalizadas, mas podem ser, seguramente, indicadas para o caso dos municípios maranhenses, origem das informações que produziram os resultados apresentados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos principais dramas da economia brasileira ao longo das últimas décadas tem sido a instabilidade macroeconômica, tendo como uma das suas principais origens o descontrole fiscal verificado nas três esferas de governo. Os planos de estabilização postos em prática antes do Plano Real sempre apontavam para a necessidade de atacar o problema fiscal. No entanto, mesmo quando este termo aparecia em evidência, as medidas estavam concentradas no equilíbrio das contas públicas no nível federal, deixando à parte a necessidade de englobar o controle das finanças públicas nas esferas estaduais e municipais.

Somente com o conjunto de regras disciplinadoras do manejo fiscal que começaram a ser promulgadas no país a partir dos meados dos anos 1990s, se tornou possível envolver explicitamente as unidades subnacionais no cerne da política estabilizadora. No caso dos municípios, a obrigatoriedade de gerar receitas próprias entra em consonância com a necessidade de amenizar a dependência dos mesmos em relação às transferências intergovernamentais, sobretudo aquelas oriundas do nível federal. Nesse quesito, a Constituição de 1988 definiu os tributos (fontes) e a LRF ampliou as exigências para que os municípios viabilizassem as suas receitas.

Depois de haver sido transcorrido um longo período, os municípios brasileiros, de um modo geral, e os municípios maranhenses, em particular, se encontram em nível crítico de gestão fiscal, tanto no que diz respeito aos seus aspectos mais abrangentes como no que concerne a aspectos mais singulares, como é o caso da administração das receitas próprias. Essa configuração revela que o estabelecimento do marco legal não bastou para que a situação sofresse uma reviravolta. Mesmo considerando que a economia brasileira tenha atravessado uma fase prolongada de crescimento econômico, a conjuntura exposta neste trabalho indica que as finanças públicas das prefeituras não responderam à altura, embora seja inegável que, em caso contrário, o contexto seria bem pior.

Considerando que se trata de um problema instigante, a busca de uma explicação para o cenário desfavorável no campo da gestão das receitas próprias, no âmbito dos municípios maranhenses, se torna uma tarefa das mais desafiadoras. Os resultados obtidos neste estudo apresentaram indícios de que as causas da má gestão da arrecadação no nível municipal podem estar atreladas a fatores como a baixa propensão ao empreendedorismo (baixo número de empresas per capita) e à baixa expressividade dos serviços privados nas economias das localidades. Variáveis como o PIB per capita e o nível de urbanização não se mostraram significativos como elementos explicativos no contexto estudado.

Portanto, as duas variáveis apresentadas como fatores robustos no parágrafo anterior podem afluir como o foco de políticas desencadeadas nos municípios com vistas à melhoria da base arrecadatória, de modo a garantir os aperfeiçoamentos necessários na gestão fiscal na esfera municipal. O resultado alerta para o fato de que não basta dispor de um de um marco legal como a LRF para a gestão atinja um grau satisfatório. Para além dessa necessidade, que serve como uma espécie de bússola para orientar a ação dos gestores nessa direção, se torna indispensável o estabelecimento de políticas que viabilizem um ambiente adequado para que as condições econômicas sejam firmadas.

REFERÊNCIAS

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