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A REALIDADE EMPÍRICA DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE1
A REALIDADE EMPÍRICA DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE1
Revista de Políticas Públicas, vol. 24, pp. 150-169, 2020
Universidade Federal do Maranhão
Recepção: 14 Novembro 2019
Aprovação: 03 Fevereiro 2020
Resumo: O artigo apresenta resultados de estudo da Política de Assistência Social e implementação do SUAS. É referenciado em pesquisa bibliográfica, documental e em pesquisa empírica realizada nos Estados do Pará, Maranhão e Ceará e em 18 municípios desses Estados, enquanto amostra intencional das regiões Norte e Nordeste. Aborda eixos temáticos que orientaram a investigação: percepção dos sujeitos da pesquisa sobre a PAS e o SUAS; gestão, serviços e benefícios da PAS; trabalhadores do SUAS; participação e controle social; tendências da PAS e do SUAS nas regiões. A principal conclusão sobre a atualidade do SUAS destaca a identificação de projetos de proteção social em confronto, cuja manifestação é o desmonte de direitos sociais e a desconstrução do maior sistema de proteção social não contributiva da América Latina.
Palavras-chave: Política de Assistência Social, Sistema Único de Assistência Social, Proteção Social, Brasil.
Abstract: This article presents results of a study on the Social Aid Policy and implementation of SUAS. It contains bibliographic, documental and empirical researches developed in Pará, Maranhão and Ceará States and in 18 municipalities of those States, situated in North and Northeast regions of Brazil, as an intentional sample. It presents thematic exes that guided the investigation: perception of the research subjects about PAS and SUAS; administration, services and benefits of the PAS; workers of SUAS; participation and social control; tendencies of the PAS and the SUAS. The actual main conclusion about the situation of SUAS is the identification of social protection projects in confront, that the main expression is the dismissal of the major non-contributive social protection system in Latin America.
Keywords: Social Aid Policy, Unique Social Aid System, Social Protection, Brazil.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva apresentar, analisar e problematizar resultados de pesquisa empírica do Projeto: Avaliando a implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nas regiões Norte e Nordeste (PAS). A investigação focou na Política de Assistência Social (PAS) e na implementação do SUAS, considerando uma amostra geográfica representativa da realidade das Regiões Norte e Nordeste. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, com orientação teórico-metodológica do método crítico-dialético em busca de desvendar a historicidade e a essência da Assistência Social no Brasil, marcada por uma trajetória pautada no favor e redirecionada para a construção de direitos.
O espaço geográfico da pesquisa empírica foi definido pela composição de uma amostra intencional, representada por dois Estados da Região Nordeste – Maranhão e Ceará – e um da Região Norte – Pará. Os Estados foram selecionados por critérios intencionais: aqueles onde residiam pesquisadores com interlocuções acadêmicas anteriores com a equipe proponente, visando facilitar os contatos necessários para desenvolvimento da investigação. Posteriormente foram selecionados, com a participação dos gestores estaduais e de técnicos executores do SUAS em cada Estado selecionado, 06 municípios onde o estudo empírico foi desenvolvido: a capital; 01 município de porte grande; 01 município de porte médio; 02 municípios de porte pequeno nível 01 e 01 município de porte pequeno nível 02, totalizando 18 municípios. Os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) e Centros Pop foram as unidades operativas escolhidas para realização do estudo empírico. O total de CRAS considerados nos 18 municípios teve a seguinte composição: 02 CRAS para cada metrópole, as capitais (total de 06); 02 CRAS para cada município de porte grande (total de 06); 02 CRAS para cada município de porte médio (total de 06); 01 CRAS para cada município de porte pequeno nível 01 (total de 03) e 01 CRAS para cada município de porte pequeno nível 02 (total de 06), totalizando 27 CRAS. Para escolha dos municípios e dos CRAS, foi considerada a diversidade no desenvolvimento da Política de Assistência Social, sendo selecionados municípios com níveis de gestão básica e gestão plena e CRAS com pelo menos dois anos de funcionamento. O estudo empírico foi desenvolvido em 03 CREAS e em 3 Centros Pop, um CREAS e um Centro Pop em cada Estado. Os municípios e os CRAS, CREAS e Centros Pop foram selecionados com a participação dos gestores estaduais e técnicos executores da Política de Assistência Social, sendo considerado o critério de maior abrangência regional dos CREAS e Centros Pop e o maior tempo de funcionamento, mínimo de um ano (SILVA et al, 2016).
Por conseguinte, objetivamos socializar resultados do estudo empírico, produto do projeto indicado, considerando os seguintes eixos temáticos que orientaram a investigação: percepção dos sujeitos da pesquisa sobre a PAS e o SUAS; gestão, serviços e benefícios da PAS; trabalhadores do SUAS; participação e controle social; tendências da PAS e do SUAS nas Regiões Norte e Nordeste.
2 PERCEPÇÕES DOS(AS) SUJEITOS(AS) DA PESQUISA SOBRE A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E O SUAS NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE
No Brasil contemporâneo, o deslocamento semântico-político da assistência social para o campo da política pública estatal e dos direitos tem sido caracterizado por lutas marcadas por tensões, ambiguidades, avanços, recuos, limites-desafios. Salientamos o contexto de declínio da expansão da Política de Assistência Social (PAS) e do SUAS, em face do projeto econômico-político-cultural transnacional de viés híbrido neoliberal-neoconservador assumido pela ultradireita brasileira, entremeado a traços de um fascismo social crescente (SANTOS; MEZESES, 2009; BEZERRA, 2015), e alinhado aos interesses do capitalismo financeiro mundializado. Tendência em ascensão neste país pós golpeachment 2016 e reiterada no projeto governamental em nível federal, a inspirar incertezas quanto aos rumos do sistema de proteção social brasileiro, com destaque ao SUAS, recém constituído nos marcos de nossa democratização inconclusa.
Este item aborda a configuração da PAS e do SUAS no Pará, Maranhão e Ceará, a delinear um campo minado por lutas simbólicas (BEZERRA, 2015), conforme buscamos apreender a partir das práticas discursivas de seus gestores(as) estaduais e municipais, trabalhadores(as), conselheiros(as) e usuários(as). Por conseguinte, sintetizamos as percepções dos(as) sujeitos(as) da pesquisa acerca desta política pública e de seu modelo de gestão nos municípios da amostra da pesquisa empírica, com foco nos avanços e limites-desafios pertinentes à implementação do SUAS.
A maioria dos relatos de gestores(as) participantes da pesquisa indicouavanços da PAS em correlação com o SUAS nos anos 2000, dentre os quais destacamos três reconhecimentos fundantes: a) dos(as) usuários(as) da Política na condição de sujeitos(as) de direitos, a enunciar uma compreensão da pobreza1 imbricada à civilização do capital; b) da Assistência Social enquanto política pública regulamentada, não contributiva, garantidora de direitos e política de Estado, com enfoque na centralidade estatal na garantia da proteção social; e c) da regulamentação e normativas operacionais desta política pública, sobretudo, com a implementação do SUAS e a tipificação dos serviços socioassistenciais.
Todavia, sobre as condições de funcionamento e implementação da PAS e do SUAS, foi recorrente, nas falas dos(as) sujeitos(as), reconhecer sua não execução em consonância com seus dispositivos jurídico-políticos, a atribuírem tais limites-desafios aos aspectos ora pontuados: secundarização desta política pública em relação à educação e à saúde, por parte de gestores públicos; frágeis intersetorialidade entre as políticas públicas e interdisciplinaridade entre trabalhadores(as) do SUAS; reprodução do assistencialismo e da cultura do favor nas práticas sociais locais, a debilitar o reconhecimento da assistência social como direito socioassistencial, sobretudo, por parte dos(as) usuários(as) e do poder legislativo municipal; incipiente visibilidade pública e reconhecimento social da PAS por dentro do Estado e da sociedade civil, a reiterar os influxos do estigma da pobreza de cariz conservador/moralizador e individualizante; cortes orçamentários e atrasos no repasse de recursos públicos federais, já evidenciados desde 2016, a considerar a prevalência do cofinanciamento federal indispensável ao funcionamento do SUAS em todo o território nacional. De fato, os retrocessos e desmonte do sistema de proteção social brasileiro em curso, no qual se insere a PAS, atravessou recorrentemente seus discursos.
Em termos dos(as) trabalhadores(as) do SUAS, seus depoimentos demonstraram conhecimento da PAS e de seu correlato modelo de gestão (SUAS) em termos de sua gênese, seu desenvolvimento, seus preceitos teóricos, técnicos e ideopolíticos. Destacaram seus marcos históricos regulatórios principais, referências fundantes em suas falas e que, supostamente, norteariam suas práticas profissionais. Predominou, dentre estes sujeitos, a versão positivada da Assistência Social, a evocarem a máxima “direito do cidadão e dever do Estado” para expressarem a sua configuração enquanto política pública de Estado, com institucionalidade, legislação e orçamento público específicos; de caráter participativo e descentralizado; com sistematicidade e tipificação nacional dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais; além da definição das seguranças socioassistenciais. Estes(as) técnicos(as) apontaram tal política pública como possibilidade de acesso aos direitos socioassistenciais por parte de seus demandatários ora reconhecidos na condição de “cidadãos de direitos”. Reforçaram a necessidade de socializar informações sobre o SUAS, seus serviços, projetos, programas e benefícios inscritos no campo dos direitos, referenciados nos marcos regulatórios para fins de ruptura com a cultura do favor ainda vigente nos discursos e práticas de distintos sujeitos(as) inscritos neste campo.
Não obstante, ao apontarem os(as) destinatários(as) da PAS como “aqueles que dela necessitam”, algumas narrativas de técnicos(as) pareceram reiterar a figura estigmatizada e naturalizada do “pobre”, expressivos da reprodução das noções de pobreza, vulnerabilidade e risco sociais restritas, por vezes, aos marcos regulatórios da PNAS (2004), sem problematizá-las em seus fundamentos teórico-políticos e em seus vínculos orgânicos com o capitalismo e, por conseguinte, enquanto refrações da questão social (IAMAMOTO, 2008). No tocante ainda aos limites-desafios à implementação do SUAS no âmbito dos municípios pesquisados, os(as) técnicos(as) enfatizaram as suas relações e condições de trabalho precarizadas identificadas em desacordo com a NOB/SUAS-RH (2006). Destacaram as implicações da precarização do trabalho na descontinuidade dos serviços, programas, projetos e benefícios diante da rotatividade dos profissionais do SUAS; e na postergação e até inviabilização (temporária) do acesso dos usuários(as) aos direitos socioassistenciais.
As versões de parcela dos(as) conselheiros(as) de Conselhos Municipais de Assistência Social (CMAS) assemelharam-se às dos(as) trabalhadores(as) e gestores(as) ao referendar os marcos regulatórios da PNAS 2004 e do SUAS e enaltecer a Assistência Social estatal como política pública de Estado garantidora de direitos socioassistenciais. Buscaram diferenciá-la de práticas assistencialistas, de primeiro damismo, de subalternidades instituídas e sem orçamento público definido. Todavia, parcela expressiva dos(as) conselheiros do Pará e do Ceará reconheceu traços de continuidade e hibridização destas práticas por dentro da institucionalidade democrática e socialmente protetiva da PAS e do SUAS em sua materialidade nos municípios. Nestes discursos, a PAS resultou de movimentos sociais e políticos, a configurarem processos de construção permeados por disputas ideopolíticas, avanços e limites-desafios adensados no contexto de ataque à democracia, contrarreformas e desmontes do sistema de proteção social brasileiro. Dentre os limites-desafios, os(as) conselheiros(as) salientaram: a tendência de fragilização do exercício do controle social democrático somada ao desconhecimento da natureza e funcionalidade dos CMAS por parte de alguns conselheiros; bem como a preponderância de equipes mínimas de trabalhadores(as) do SUAS nos municípios da amostra nos três Estados, que pode fragilizar e/ou inviabilizar o atendimento às demandas crescentes e à garantia da qualidade dos serviços oferecidos aos seus usuários.
A referência ao “descaso com o fator amazônico” foi unânime nas falas de gestores(as), trabalhadores(as) e conselheiros(as) paraenses. Segundo afirmaram, as particularidades regionais – em termos físico-geográficos e socioculturais pertinentes às populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas, a delinear as singularidades socioterritoriais da questão social paraense – não estavam sendo consideradas na implementação do SUAS nos municípios da amostra no Estado – aspecto a colocar em risco a garantia de direitos às populações locais e a indicar dissonância com relação aos marcos regulatórios da política pública relativa à abordagem territorial.
No caso dos(as) usuários(as), suas percepções acerca da PAS e do SUAS, conforme apreendidas na pesquisa nos Estados de Maranhão, Ceará e Pará, indicaram:
relativo “desconhecimento” da PAS e do SUAS quanto aos seus marcos regulatórios e conceitos fundantes, bem como o não reconhecimento de sua condição de cidadãos de direitos socioassistenciais;
correspondência entre Assistência Social e os(as) profissionais de Serviço Social em sua atuação nos CRAS, CREAS e Centros POP;
associação entre assistência social e a noção de “ajuda” prestada à figura estigmatizada do “pobre incivil” (TELLES, 1999), a retomar resquícios históricos do assistencialismo e da tutela inscritos no campo socioassistencial estatal;
peculiar “visão híbrida” da política pública sinalizada no deslocamento semântico-político da Assistência Social como “ajuda” rumo a uma incipiente versão de “direito” relativa ao “apoio estatal” destinado a subcidadãos;
percepções da PAS hipotecadas à atuação dos(as) trabalhadores(as) do SUAS no cotidiano institucional, dos modos como lidavam e respondiam às suas demandas;
reconhecimento de CRAS, CREAS e Centros Pop como espaços de “apoio”, “acolhimento”, “orientação” e acesso aos serviços, programas e projetos socioassistenciais, a destacar a atuação qualificada dos(as) trabalhadores(as) do SUAS;
percepção de que a precarização das relações de trabalho vivenciadas pelos(as) profissionais do SUAS implicavam em descontinuidade e parca qualidade do acesso aos serviços, benefícios, programas e projetos socioassistenciais.
As percepções dos(as) usuários(as) expressaram, portanto, seus saberes e experiências tecidos nas estruturas e dinâmicas de CRAS, CREAS e Centro POP em seus territórios vividos, em especial, nas interações estabelecidas com os(as) trabalhadores(as) em seus modos de operacionalização cotidiana da Política de Assistência Social. Outrossim, a PAS e o SUAS, sob a ótica de seus usuários, vêm apreendidas como a vivem e a sentem cotidianamente, ao invés de apreendê-las de forma genérica, jurídico-política ou teórica (BEZERRA, 2018).
3 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS REGIÕES NORTE E NORDESTE: gestão, serviços e benefícios
A instituição de marcos legais atinentes à PAS tais como: Política Nacional de Assistência Social de 2004, Norma Operacional Básica – NOB/SUAS (2005), Lei nº 12.435/2011 – que altera a Lei Orgânica de Assistência Social, LOAS (Lei nº 8.742/1993), e institucionaliza o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), aponta para uma nova institucionalidade no país, no que diz respeito ao reconhecimento no plano formal da Assistência Social como direito social. Todavia, essas alterações instituídas com o SUAS não ocorrem de forma homogênea nas diferentes regiões do país, em virtude das singularidades de cada região.
No que se refere aos 18 municípios pesquisados nas regiões Norte e Nordeste, vimos que a própria denominação do órgão gestor da PAS vem passando por transformações que sugerem avanço pelo reconhecimento institucional e visibilidade da Assistência Social. Do total de órgãos gestores municipais, somente 05 deixaram de mencionar a Assistência Social em sua designação, com ênfase em outras áreas como trabalho, desenvolvimento social, direitos humanos, dentre outras.
Com relação aos órgãos gestores estaduais, identificamos que o Pará, na ocasião da pesquisa empírica, possuía na designação do órgão gestor a Assistência Social – Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (SEASTER). No Maranhão, era a Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES), órgão gestor da Assistência Social, e no Ceará era a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS). Embora estes Estados não apresentem na denominação das secretarias o termo “Assistência Social”, os órgãos mencionados eram os responsáveis pela Política de Assistência Social nos respectivos Estados e contavam em suas estruturas organizacionais com secretarias adjuntas de Assistência Social.
Outro aspecto relevante a ser apontado diz respeito ao perfil dos gestores municipais. Considerando-se os 18 municípios, identificamos que 13 gestores eram técnicos de nível superior. Destes, 11 tinham alguma formação na área social. Em 03 municípios, as gestoras eram primeiras damas, sendo 02 em municípios do Pará e 01 em município maranhense.
Outra dimensão examinada diz respeito aos marcos legais da PAS nos municípios dos Estados da amostra da pesquisa empírica. Conforme constatado, somente 3 dos 18 municípios pesquisados possuíam Lei Municipal de regulamentação do SUAS, todos pertencentes ao Estado do Ceará. A totalidade dos municípios dispunha de Plano Municipal de Assistência Social aprovado pelo Conselho Municipal; com Fundo Municipal e Conselho Municipal de Assistência Social criados e regulamentados por lei – componentes exigidos para que os municípios recebam recursos federais.
O estudo nos credencia a afirmar que, embora a PAS tenha avançado, no que se refere ao arcabouço legal nas Regiões Norte e Nordeste, há ainda o desafio de que Estados e municípios instituam leis específicas de Assistência Social baseadas na realidade dos territórios e nas demandas da população, de modo a organizar esta Política com base em critérios democráticos de acesso.
Outra dimensão fundamental na gestão do SUAS e garantia de sua implementação enquanto política pública referiu-se ao financiamento/cofinanciamento da PAS/SUAS. A tabela a seguir apresenta a participação das 3 (três) esferas nos Estados da amostra da pesquisa.
| Estado | Tipo de Financiamento (referência 2016) | ||
| Federal | Estadual | Municipal | |
| Ceará | 49% | 3,2% | 46% |
| Maranhão | 37,8% | 0,38% | 37% |
| Pará | 44% | 1,14% | 54% |
A partir dos dados acima, podemos inferir que há predominância do investimento federal nos Estados do Ceará e Maranhão. No Pará, embora seja expressivo o financiamento federal, a esfera municipal supera em 10% o repasse federal, visto que o investimento dos municípios apresentou 54% de média para o Estado em referência. No tocante ao cofinanciamento estadual, a média do investimento é pouco significativa nos três Estados pesquisados, mostrando-se insuficiente diante das demandas de uma população marcada historicamente pela pobreza e desigualdade notadamente das regiões Norte e Nordeste.
Quanto à dimensão institucional referente aos serviços e benefícios disponibilizados nos Estados do Pará, Maranhão e Ceará, nos municípios da amostra da pesquisa empírica identificamos a seguinte realidade: Sobre os Serviços de Proteção Social Básica e Especial de média e alta complexidade, destacamos que os serviços socioassistenciais são atividades continuadas, realizadas junto à população usuária da rede de Assistência Social. Objetivam contribuir para o fortalecimento da convivência familiar e comunitária; atender situações de direitos violados ou ameaçados; prestar apoio sociofamiliar; orientar/encaminhar famílias e indivíduos para outras políticas públicas.
No que se refere aos serviços socioassistenciais desenvolvidos no âmbito da Assistência Social, a pesquisa mostrou que os Estados do Ceará, Maranhão e Pará contavam com as seguintes unidades públicas para a oferta dos serviços de Proteção Social Básica e Especial de média e alta complexidades:
| ESTADOS | CRAS | CREAS | CENTROS POP | UNIDADES DE ACOLHIMENTO |
| CEARÁ | 389 | 114 | 9 | 81 |
| MARANHÃO | 319 | 123 | 8 | 58 |
| PARÁ | 250 | 106 | 6 | 08 |
Na Proteção Social Básica (PSB) os serviços disponibilizados nas unidades de referência são: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF; Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV e no Serviço de Proteção Básica no Domicílio. No âmbito da Proteção Social Especial (PSE) de média complexidade, os serviços devem oferecer atendimentos a famílias e a indivíduos e acompanhamento especializado e sistemático por uma equipe de profissionais. Dentre os serviços previstos estão: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI; Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias e Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua (BRASIL, 2005).
Na PSE de alta complexidade é disponibilizado o Serviço de Acolhimento Institucional, realizado nas unidades de acolhimento, voltado para crianças, adolescentes, jovens, adultos, pessoas com deficiência, mulheres, idosos e famílias que não disponham de condições de autossustentabilidade ou de retaguarda familiar ou, ainda, por determinação judicial em decorrência de maus tratos e abuso e exploração sexual. Outro serviço de alta complexidade é o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, cujo público é constituído por crianças e adolescentes, aos quais é aplicada medida de proteção por motivo de abandono ou violação de direitos, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção.
A partir do estudo realizado, a apreciação geral que se faz sobre os Serviços de Proteção Social Básica e Especial de média e alta complexidade ofertados nos CRAS, CREAS, Centros Pop e nas unidades de acolhimento, é de que há avanço considerável da quantidade de unidades públicas de Assistência Social constituída, nos três Estados. Todavia, esse quantitativo mostrou-se insuficiente em termos de cobertura diante da significativa demanda oriunda de um quadro social fortemente marcado pela pobreza e desigualdade social, expresso de forma mais intensa nas regiões estudadas.
Outra forma de materialização da PAS é a partir da viabilização dos benefícios socioassistenciais situados no campo da Proteção Social Básica. Nesse sentido, a PAS estabelece dois tipos de benefícios: os Benefícios Eventuais (BE) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Quanto aos Benefícios Eventuais, a maioria dos municípios pesquisados possuía benefícios regulamentados por lei. No que diz respeito à cobertura nos três Estados, o Ceará registrou 184 municípios com benefícios regulamentados, o Maranhão registrou 180 municípios e o Pará não disponibilizou esses dados (Informações da pesquisa de campo - 2016-2018)disponibilizadas pelos órgãos gestores da PAS nos municípios da amostra da pesquisa).
Essas informações, sobre os benefícios eventuais, representam um importante avanço na construção da PAS como forma de enfrentamento de práticas conservadoras que se reproduzem sobremaneira nos municípios de porte menores, que são maioria em todo o país.
No que se refere à cobertura do BPC nos três Estados, os dados dão conta que o Ceará atendeu a um total de 269.115 pessoas, sendo 100.151 pessoas idosas e 168.964 pessoas com deficiência, o Maranhão atendeu a um total de 194.419 pessoas, sendo 77.325 pessoas idosas e 117.096 pessoas com deficiência e o Pará atendeu a um total de 211.883 pessoas, sendo 91.911 pessoas idosas e 119.972 pessoas com deficiência (BRASIL, 2018).
Além do BPC, nos três Estados pesquisados, o Programa Bolsa Família, programa federal implementado em todos os municípios brasileiros, tem também se configurado como uma das principais estratégias de enfrentamento à pobreza, pelo alcance de significativo número de famílias pobres, mediante o repasse mensal de transferência monetária articulada a ações que visam a autonomia das famílias. Assim, em termos de cobertura, o Ceará alcançou 1.058.515 famílias, o Maranhão 987.766 e o Pará 958.618 famílias (BRASIL, 2018). Vale ressaltar que o Bolsa Família apresenta uma cobertura superior ao número de famílias pobres, nos três Estados, conforme dados do Censo de 2010.
Por conseguinte, os dados sobre o BPC e o Bolsa Família expressam um significativo contingente da população pobre atendida nos três Estados, constituindo-se em avanço para a PAS enquanto política não contributiva. Ademais, importa considerar o impacto dos recursos transferidos para os beneficiários desses programas pelo governo federal para as economias locais, sobretudo para as regiões mais pobres do país: Norte e Nordeste que, em geral, têm arrecadação inexpressiva e sobrevive praticamente do Fundo de Participação Municipal – FPM e das transferências feitas para educação e saúde também feitas pelo governo.
4 OS TRABALHADORES DO SUAS: composição das equipes, capacitação e condições de trabalho
Nesse item, é desenvolvida uma reflexão sobre o empobrecimento do trabalho no Brasil, no âmbito das inovações que conformam o atual modo de regulação capitalista, tomando como suporte empírico o espaço laboral constituído pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Partimos da compreensão que desde meados da década de 70 do século passado os países capitalistas vêm experimentando mudanças no processo produtivo, no intuito de responder à crise do modelo de acumulação. Tal processo se efetiva num contexto marcado por um crescente movimento de internacionalização financeira e de intensificação das formas de concorrência intra e interpaíses, do ascenso de forças políticas ultraliberais que preconizam a supremacia da auto regulação do mercado, e estratégias de desregulamentação e flexibilização.
No Brasil, esse processo se inicia mais claramente a partir do ano de 1996. Desde então, tem se evidenciado, um agravamento nas condições de inserção no mercado de trabalho, pois reduzem-se os postos de trabalho e crescem às exigências e expectativas para contratação ao mesmo tempo em que rebaixam os salários e retiram os direitos.
É nesse quadro de intensas mudanças, crescentes incertezas, exigências e desproteção social que também se encontram os trabalhadores inseridos na implementação das ações do SUAS, na grande maioria sem vínculos empregatícios estáveis e com condições de trabalho precárias e que, enquanto agentes públicos se tornam responsáveis pela operacionalização de programas e ações de uma Política Pública cada vez mais minimalista, focalizada e com viés de natureza compensatória2.
De partida, podemos dizer que uma das principais inovações trazidas pelo SUAS se encontra materializada na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB-RH) de 2006. Esta Norma se propõe a regulamentar a situação do trabalho e dos(as) trabalhadores(as) engajados(as) na operacionalização da Política de Assistência Social. Nesse sentido, a composição das equipes de trabalhadores do SUAS está assim indicada na Norma:
[...]. As equipes de referências são aquelas constituídas por servidores efetivos responsáveis pela organização e oferta de serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial, levando-se em consideração o número de famílias e indivíduos referenciados, o tipo de atendimento e as aquisições que devem ser garantidas aos usuários (BRASIL, 2006. p. 25).
A pesquisa desenvolvida nos 18 municípios da amostra empírica nos três Estados apontou que as equipes de referência estavam compostas com a predominância de assistentes sociais (635) seguida de pedagogos(as) (255), psicólogos(as) (207) e advogados(as) (57). Chama a atenção o fato de que o quantitativo de psicólogos seja menor do que o de pedagogos, uma vez que a NOB-RH/2006 indica que os psicólogos devem compor as equipes de referência, sobretudo de CRAS e CREAS, mas a realidade mostra que nem sempre isso se concretiza.
De fato, evidenciamos que ainda há uma forte tendência de constituição de equipes de referências com o número mínimo de pessoal exigido pela legislação. Em alguns casos, essa equipe mínima ainda se mostra incompleta. Também não há registro de profissionais como: antropólogo, economista doméstico, sociólogo, terapeuta ocupacional e musicoterapeuta, como prevê a Resolução 17 de 20 de junho de 2011 do Conselho Nacional de Assistência Social, com vistas a atender especificidades dos serviços socioassistenciais.
Embora o Censo SUAS aponte o incremento no quantitativo de trabalhadores engajados no SUAS, não ficam explícitos os vínculos contratuais destes trabalhadores e tampouco as condições de trabalho que estes vivenciam. A pesquisa, todavia, identificou que nos Estados do Ceará e Maranhão, majoritariamente, os trabalhadores do SUAS não possuíam vínculo empregatício, no geral, encontrando-se na condição de contratados, comissionados ou com outros vínculos. Porém, no Pará evidenciamos que a maioria dos trabalhadores do SUAS são estatutários, totalizando 594 trabalhadores com esse tipo de vínculo. Essa situação encontrada no Estado do Pará parece divergir até mesmo da realidade da maioria dos demais Estados nacionais.
De toda forma, a pesquisa realizada nos municípios nos credenciam a afirmar que a maioria dos trabalhadores do SUAS não ingressa na PAS, através de concurso público, demonstrando que a NOB/RH não vem se constituindo referência para a gestão do trabalho e tampouco garantindo a sustentabilidade necessária para implementação dessa Política nos moldes previstos no âmbito do SUAS.
Não resta dúvida que a discussão e definição de normativas e de parâmetros orientadores do trabalho no âmbito do SUAS, se constitui um importante avanço pois, sabemos que historicamente as ações da Assistência Social foram repassadas à população sem profissionalismo, expressando certa banalização do trabalho, como se não houvesse necessidade de conhecimentos científicos para desenvolvê-lo. Estabelecer normas, exigir formação e qualificação profissional para o atendimento de pessoas (famílias) em situação de vulnerabilidade social significou imputar importância aos sujeitos demandatários dessa política pública, compreendidos como sujeitos de direitos.
Porém, apesar desse indicativo e da normatização acerca da composição das equipes, ainda encontramos, no Ceará, por exemplo, a prevalência de profissionais de nível médio no quadro de profissionais da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), responsáveis pela implementação da Política de Assistência Social. A rigor, somando-se o número de profissionais de nível médio, ou seja, 824, com o de nível fundamental, 321 tem-se o total 1.145 profissionais, correspondendo a 75% de profissionais de nível médio, enquanto o número de profissionais de nível superior é na ordem de 366, correspondendo a 25% do universo de profissionais da STDS. Logo, o quantitativo de profissionais de nível superior, no exercício da implementação, do monitoramento e avaliação no âmbito do SUAS nos municípios não atende à demanda da Política estadual (SILVA; CRVALHO; NASCIMENTO, 2019 et al, p. 106-107).
Parece que essa situação encontrada no Ceará expressa a realidade nacional, pois os dados do Censo SUAS 2017 dizem que:
[...] o número de profissionais sem formação profissional apresentou um pequeno aumento em 2017. Desde 2012 o número desse tipo de profissional vinha diminuindo sucessivamente.
[...] Importante observar que, em números absolutos, as principais funções operacionais tiveram incremento de profissionais em 2017 (Censo SUAS, 2017, disponível em www.mds.gov.br, acesso em 20.02.2019).
Outra questão presente na gestão do trabalho no âmbito do SUAS e destacada pelos participantes da pesquisa como um elemento passível de análise, diz respeito à Capacitação Permanente (técnicos, gestores e conselheiros), afirmaram que no âmbito do SUAS nos três Estados pesquisados ainda se constitui um “nó”, pois as ações ainda se mostram insuficientes. Mesmo o Programa Capacitasuas, que imprime uma maior robustez no formato dos cursos que realiza, não alcança o conjunto dos trabalhadores.
Em síntese, nos municípios dos três Estados pesquisados o número de trabalhadores do SUAS se mostra insuficiente e estes se inserem em condições precárias – vínculos instáveis, poucos concursados, salários baixos, inexistência de Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS), conforme preconiza a NOB-RH/SUAS/2006.
Sabemos que esta precariedade incide tanto sobre a força de trabalho através das péssimas condições de inserção laboral, mas também nas próprias dificuldades de materialização da política como direito. No entanto, tais condições não se constituem particularidade da Política de Assistência Social, elas refletem a feição atual da forma de regulação capitalista.
5 PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUAS E CONTROLE SOCIAL
Este item procura destacar o controle social e a participação dos usuários e de organizações da sociedade na implementação da Política de Assistência Social e do SUAS nos Estados do Ceará, Maranhão e Pará.
Foram muitos anos de mobilização para superar os entraves e se alcançar a aprovação do texto que regulamentou a Assistência Social como política de direitos, objetivada em 1993, por meio da LOAS, que em seu Art. 5º, Inciso II preconiza a “[...] participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. (BRASIL, 1993, p. 9).
Um dos desafios do SUAS consiste na [...] a participação do usuário nos espaços de controle social e na gestão dos serviços socioassistenciais, transitando da inaceitável condição de subalternidade para sua efetiva e autônoma afirmação como sujeito de direitos. (SILVA; PINHO; NASCIMENTO et al, 2019, p. 115).
Paiva, Rocha, Carraro (2010, p. 250 -259), analisando os anos pós advento do SUAS, constatam que a “reconstrução orgânica da política de assistência social a partir da participação popular constitui-se, portanto como uma força expressiva na ruptura do legado histórico que ainda persiste no âmbito dessa política pública”, constatando os desafios que se colocam para a questão da participação no âmbito da assistência social.
Nos três Estados em estudo: Maranhão, Ceará e Pará, a participação e o controle social apareceram como campo político a ser conquistado pelos operadores e usuários do SUAS, pois, embora seu arcabouço legal aponte a participação como uma de suas diretrizes, os sujeitos dessa Política, representados por trabalhadores e usuários, apresentaram participação bastante limitada ou quase nula. Do ponto de vista administrativo, os municípios pesquisados atendiam legalmente aos dispositivos do art. 30 da LOAS que, define os critérios relacionados ao controle social para que municípios se habilitem ao Fundo Nacional de Assistência Social. Os municípios investigados possuíam seus conselhos formados, entretanto, isso, per si, não garante o efetivo controle social com participação dos sujeitos do SUAS.
Parte dos sujeitos do SUAS reconhece os espaços de controle como lugares de efetivo exercício da democracia, mas atribui ao usuário a ausência de efetivação do exercício da participação democrática, uma vez que este não vive o cotidiano do CMAS. Ademais, os que frequentam o Conselho não são formados para o exercício do controle social. Nesse sentido, esses equipamentos públicos falham por não exercer um papel educativo/pedagógico para que os usuários possam assumir sua condição de cidadãos de direito e representantes de um coletivo.
Associa-se ainda o fato de que em todos os municípios pesquisados, os conselhos são conduzidos pelos gestores dos órgãos de Assistência Social, com raríssima exceção, transformando-os em lugar de reprodução da concepção clientelista, fisiológica, assistencialista, da política do favor, tornando ainda mais distante a consolidação do SUAS como política pública descentralizada e participativa da Assistência Social.
Para alguns interlocutores, a efetivação da participação e do controle social precisa estar articulada à superação das marcas históricas da Assistência Social (imediatismo, clientelismo e assistencialismo). Nesse sentido, a mudança paradigmática apontada pelo SUAS é tida como um desafio para a maioria dos que foram ouvidos durante a realização da pesquisa. Isto porque entendem que nas instâncias municipais, a utilização de critérios político-clientelistas para indicação dos dirigentes ainda se sobrepõe ao critério técnico e político.
Não foi constatado trabalho permanente no âmbito dos municípios que prepare os conselheiros para assumir sua responsabilidade pública. As capacitações, quando realizadas, foram avaliadas insuficientes para qualificar o desempenho das funções requisitadas. Houve depoimentos também de culpabilização dos conselheiros por não buscarem informações e qualificação, uma vez que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) oferta cursos online.
Além dos aspectos citados, foram destacados que: a definição hierárquica das pautas a serem votadas; discussões de assuntos paralelos; morosidade na deliberação de algumas matérias; e falta de conhecimento dos conselheiros, especialmente os representantes da sociedade civil – que, por vezes ausentes nas reuniões e influência da política partidária – são limites ao trabalho e desenvolvimento do controle social nos municípios. Ademais, alguns discursos revelaram dependência do CMAS à administração municipal.
As condições estruturais dos conselhos também são alvo de críticas. A maioria dos municípios, nos três Estados, ainda não conta com prédios próprios e equipamentos adequados para criar e manter referência num determinado território, garantindo a acessibilidade aos usuários e a prioridade estabelecida para implantar serviços. Para os sujeitos da pesquisa, os conselhos não dispõem de infraestrutura adequada ao seu funcionamento.
A inexistência de espaço físico adequado é reconhecida como óbice ao debate dos conselheiros, às ações de capacitação, ao planejamento e à implementação de outras ações de caráter coletivo necessárias ao exercício do controle social. Há críticas sobre o abandono do poder público municipal em relação ao espaço dos conselhos, visto que, além de tudo, os espaços precários abrigam vários conselhos. Ademais, foi apontada incoerência em relação à missão de fiscalização de outras entidades e suas precárias condições para funcionamento.
Nos municípios pesquisados, a dinâmica da representação, segundo técnicos entrevistados “[...] tem sido objeto de reflexões”. Nessas análises, consideramos como fundamental, para cumprir as exigências normativas do SUAS e como forma de materializar a democracia, “[...] questionar o próprio sentido do controle social nas situações concretas dos municípios em que a cultura político-clientelista ainda predomina.” (SILVA, PINHO, NASCIMENTO, et al, 2019, p. 120).
As conferências municipais foram destaque na fala de alguns gestores, trabalhadores e conselheiros como espaços de proposição, eventos democráticos, principalmente quando se reporta ao passado como experiência impositiva dos gestores sobre os usuários com pautas governistas.
Essas conferências reúnem, além de conselheiros, entidades socioassistenciais, usuários e convidados, abrindo a possibilidade para conhecimento da sociedade acerca da Política de Assistência Social e avaliação da política municipal. Na maioria das vezes, as conferências são precedidas por uma palestra do tema principal, seguida de trabalhos de grupo. Este último, não raro, aparece como o espaço em que os usuários exercem, com mais liberdade, o poder de fala sobre a vivência cotidiana e a indiferença estatal diante das reivindicações pela materialização de direitos.
A interlocução com técnicos, conselheiros e usuários da Política de Assistência Social na maioria dos municípios pesquisados, indica que o controle social continua mais nominal que efetivo, o que favorece o referendo das ações definidas pelos dirigentes, a influência, no processo decisório, de grupos políticos com interesses clientelistas e de grupos econômicos com interesses privados, desviando a direção da proposta original do SUAS e das reais necessidades da população demandante dos serviços de Assistência Social.
6 CONCLUSÃO: realidade e tendências da Política de Assistência Social (PAS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nas Regiões Norte e Nordeste
O percurso investigativo revelou que o principal avanço registrado nos 18 municípios dos três Estados das Regiões Norte e Nordeste foi o que denominamos de institucionalidade da Política rumo à sua construção como direito, constituindo também a principal convergência sobre a realidade da PAS e da implementação do SUAS nos municípios que compuseram a amostra para o estudo empírico. Todavia, verificamos também que, as práticas institucionais de conteúdos legais, normativos e operacionais, representativas dos avanços da institucionalidade da Política, são marcadas por contradições, impactadas pela remanescência da cultura do assistencialismo e, por vezes, da filantropia. Ao mesmo tempo, o avanço da institucionalidade da PAS e da implementação do SUAS converge para a busca de superação do primeiro damismo – mesmo que, essencialmente, ainda em termos formais –, para a instituição do comando único da Política e para o despontar dos usuários enquanto sujeitos. Trata-se de um movimento não linear, de modo que o percurso investigativo, nos mostrou que, principalmente, nos municípios de pequeno porte, tem-se ainda processos relativamente precários na implementação do SUAS, registrando-se, inclusive ingerências da política partidária na dinâmica da Política de Assistência Social. Por conseguinte, essa realidade impõe que os avanços no campo de convergências sejam considerados na contradição e na diversidade da realidade dos municípios.
Destacamos, ainda, que a implementação do SUAS nas Regiões Norte e Nordeste configura uma dinâmica complexa, contraditória, não linear de uma Política que procura se construir e se reconstruir, rompendo com uma longa história do não direito rumo à construção de direitos que garantam à vida, com dignidade, daqueles que da Política de Assistência Social necessitarem. Todavia, buscando situar a realidade da Política de Assistência Social e seus rebatimentos na implementação do SUAS nos anos recentes, pós-golpe de 2016, identificamos o despontar do confronto entre dois projetos de proteção social, que vem se manifestando pelo desmonte de direitos sociais e pela desconstrução do maior sistema de proteção social não contributiva da América Latina.
Há que, finalmente, registrar que entendemos que trabalhamos com uma amostra intencional de Estados, municípios e equipamentos operadores da Política de Assistência Social. Nesses termos, não temos, a intenção de proceder generalizações, mas procuramos identificar e ressaltar convergências, divergências e especificidades que possam expor o processo da implementação da Política de Assistência Social no âmbito do SUAS, enquanto espaço de implementação dessa Política.
REFERÊNCIAS
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Notas