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O SISTEMA DA DÍVIDA PÚBLICA, A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA E O RISCO PARA A SEGURIDADE SOCIAL

Osmar Gomes de Alencar Júnior
Universidade Federal do Piauí (UFPI), Brasil
Maria Lúcia a Fattorelli
Auditoria Cidadã da Dívida, Brasil
Antônio Gonçalves Filho
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil
José Menezes Gomes
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Brasil

O SISTEMA DA DÍVIDA PÚBLICA, A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA E O RISCO PARA A SEGURIDADE SOCIAL

Revista de Políticas Públicas, vol. 24, pp. 514-532, 2020

Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 10 Novembro 2019

Aprovação: 18 Fevereiro 2020

Resumo: Desde o governo de FHC (1994-2002) até os governos de Lula-Dilma (2003-2015), a Previdência com maior ou menor grau é apresentada para a sociedade como deficitária e o Estado como incapaz de mantê-la. Inúmeros estudos demonstraram que este não passa de um discurso ideológico, cujo objetivo central trata de uma aberta privatização da previdência social. O governo Bolsonaro, com bases em falsas notícias, apresenta uma proposta de “reforma” da previdência que coloca em risco o Sistema de Seguridade Social. Além de dificultar o acesso aos benefícios previdenciários dos mais pobres, mantendo os privilégios dos mais ricos, a proposta desestrutura e asfixia financeiramente a seguridade social para alimentar o sistema da dívida pública, que remunera cada vez mais os banqueiros e rentistas nacionais e internacionais. É necessária uma ampla discussão na sociedade, para que se desvelem as verdadeiras intenções por trás da contrarreforma privatista.

Palavras-chave: Sistema da Dívida, Contrarreforma da Previdência, Seguridade Social.

Abstract: Since FHC mandate (1994-2002) until Lula-Dilma mandates (2003-2015) Social Security is fully or partially presented to society as loss making and State unable to maintain it like that. Several studies have demonstrate that it is only an ideological discourse, whose objective is social security privatization. Upon fake news, Bolsonaro’s government presents a purpose of security “reform” that puts Social Security system in risk. Beyond it complicates access security benefits for poorest people and maintains privileges to richest ones, the purpose disorganizes and reduces financial means to social security, in order to grow public debt scheme up, which continuously remunerates international and national bankers and rentiers. It is necessary a wide discussion with society to reveal true intentions behind privatization reform.

Keywords: Debt Scheme, Security Reform, Social Security.

1 INTRODUÇÃO

A “reforma” da previdência é um tema que perpassa todos os governos nas últimas décadas. Desde o governo de FHC (1994-2002) até o governo de Lula (2003-2010), a Previdência com maior ou menor grau é apresentada para a sociedade como deficitária e o Estado como incapaz de mantê-la como se apresenta. Inúmeros estudos demonstram que este não passa de um discurso ideológico, cujo objetivo central trata de uma tentativa aberta de privatização da previdência social.

Nesse sentido, este governo, eleito em 2018, com base em falsas notícias, apresenta uma proposta de “reforma” da previdência, chamada “Nova Previdência”, que coloca em risco o Sistema de Seguridade Social. Além de dificultar o acesso aos benefícios previdenciários dos mais pobres, mantendo os privilégios dos parlamentares, do judiciário e dos militares, a proposta desestrutura e asfixia financeiramente a seguridade social para alimentar o sistema da dívida pública, que remunera cada vez mais os banqueiros e rentistas nacionais e internacionais. Assim, faz-se necessária uma ampla discussão sobre este tema na sociedade, para que se desvelem as verdadeiras intenções por trás da contrarreforma privatista.

Nessa perspectiva, este artigo busca demonstrar como o sistema da dívida pública opera no sentido de comprimir os gastos sociais e expandir os gastos financeiros no orçamento federal, colocando em risco o sistema de seguridade social no Brasil.

Para tanto, divide-se em três seções, além da introdução e conclusão. A primeira apresenta os mecanismos do sistema da dívida e como ele lesa o orçamento público federal. A segunda trata de aspectos da contrarreforma da previdência social proposta pelos governos Temer e Bolsonaro. E por último, traz elementos para esclarecer que a proposta de “reforma” da previdência do governo Bolsonaro coloca em risco o sistema de seguridade social no Brasil.

2 O SISTEMA DA DÍVIDA PÚBLICA

A investigação do processo de endividamento público no Brasil tem revelado a atuação de diversos mecanismos financeiros que geram “dívida pública”, sem correspondência alguma em empréstimos que deveriam complementar os recursos orçamentários.

Ao contrário de representar ingresso de recursos para investimentos de interesse da sociedade que irá pagar a conta, a atuação de diversos mecanismos financeiros tem aumentado o estoque da dívida pública, mas os recursos vazam para o setor financeiro nacional e internacional. Esse uso invertido do instrumento de endividamento público nos levou a criar o termo “Sistema da Dívida”.

Para operar, o Sistema da Dívida conta com um conjunto de engrenagens articuladas compostas por privilégios legais, políticos, econômicos, suporte da grande mídia, além de determinante influência dos organismos financeiros internacionais – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Bank for International Settlements (BIS).

A dívida é gerada e multiplicada por diversos mecanismos, tais como: (1) transformações de dívidas do setor privado em dívida pública; (2) elevadíssimas taxas de juros: praticadas sem justificativa técnica, jurídica, econômica ou política; (3) ilegal prática do anatocismo: incidência contínua de juros sobre juros; (4) irregular contabilização de juros como amortização da dívida, burlando-se o artigo 167, III, da Constituição Federal; (5) escandalosas operações de swap cambial realizadas pelo Banco Central (BC) em moeda nacional, garantindo o risco de variação do dólar de forma sigilosa, repudiadas até em representação do Tribunal de Contas da União (TCU) (ACD, 2013a), conforme TC-012.015/2003-0; (6) remuneração da sobra do caixa dos bancos por meio das sigilosas “operações compromissadas” que alcançaram R$ 1,23 trilhão em 2017; (7) emissão excessiva de títulos para formar “colchão de liquidez”; (8) prejuízos do BC; (9) novo mecanismo denominado “securitização de créditos públicos”, que gera dívida pública disfarçada e inconstitucional, a qual não tem sido contabilizada como dívida pública e é paga por fora, com recursos arrecadados de contribuintes, desviados durante o seu percurso pela rede bancária e sequer alcançarão o orçamento público.

Enquanto geram dívida para a sociedade pagar, tais mecanismos transferem imensos ganhos para o setor financeiro, que bate sucessivos recordes de lucros. Como explicar esses lucros gigantescos quando todos os setores da economia estão definhando? É flagrante a transferência de recursos públicos para o setor financeiro, e a engrenagem que faz essa transferência é o Sistema da Dívida.

Em 2015, por exemplo, a dívida interna cresceu R$ 732 bilhões em apenas 11 meses (BCB, 2016); os investimentos federais ficaram restritos a apenas R$ 9,6 bilhões; toda a economia apresentou queda brutal, com desindustrialização, retração no comércio, desemprego recorde, encolhimento do PIB em quase 4%. Apesar disso, o lucro dos bancos atingiu R$ 96 bilhões (BCB, 2019a); cifra 20% superior ao lucro do setor em 2014, e teria sido 300% maior, não fossem as exageradas provisões que atingiram R$ 183,7 bilhões[i], como evidencia o gráfico 1.

Lucros dos bancos no Brasil de 1996-2015, em bilhões de reais
Gráfico 1
Lucros dos bancos no Brasil de 1996-2015, em bilhões de reais
BCB (2019a).

O Sistema da Dívida se agrava com a EC 95/2016 (que excluiu as despesas financeiras com a dívida pública do teto de gastos) e afeta também os orçamentos de estados (ACD, 2017a) e municípios (FATORELLI; BRESSANE, 2019). No âmbito dos Estados, a Lei Complementar 159/2017 impôs drástico ajuste fiscal em troca de moratória no pagamento da dívida dos Estados à União, a qual decorre de refinanciamento feito no final da década de 1990, nos moldes exigidos pelo FMI, em condições abusivas, de tal forma que os Estados já pagaram mais de 3 (três) vezes o valor refinanciado, tiveram que privatizar suas empresas públicas, e mesmo assim, a dívida está quintuplicada em relação ao valor original.

Esse processo é insaciável, aprofunda a desigualdade social e coloca o gigante Brasil na lanterna mundial em termos de crescimento do PIB (CAVALLINI, 2018).

2.1 O sistema da dívida lesa o orçamento federal

Embora o princípio da transparência esteja previsto na Constituição, não sabemos para quem destinamos quase a metade do orçamento federal, consumido com o pagamento de juros e amortizações da dívida direcionada a beneficiários sigilosos.

O gráfico 2, construído pela Auditoria Cidadã da Dívida com dados oficiais extraídos do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), (elaborado pelo Tesouro Nacional e divulgado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal), retrata o privilégio dos gastos com a dívida, o maior de todos os gastos.

Orçamento federal executado por função orçamentária em 2018 (%)
Gráfico 2
Orçamento federal executado por função orçamentária em 2018 (%)
ACD (2019).

Esse gráfico tem sido criticado por alguns que desconhecem a grave contabilização de juros como se fosse amortização ou rolagem, razão pela qual é necessário explicar.

Em 2018, conforme dados do SIAFI, foram destinados à dívida pública 40,66% do Orçamento Geral da União, ou seja, R$ 1,065 trilhão. Esse montante vem discriminado em quadro publicado pelo Senado Federal, o qual indica, na coluna “Pago”, o valor de R$ 279,4 bilhões para o pagamento da despesa com “Juros e Encargos da Dívida” e o valor de R$ 786,4 bilhões para o pagamento de “Amortizações/Refinanciamento da Dívida” (SIGA BRASIL, 2019).

Caso esse valor de R$ 786,4 bilhões tivesse sido de fato empregado para o pagamento de “Amortização”, o estoque da dívida teria caído fortemente; e caso tivesse sido empregado somente em “Refinanciamento” (também chamado de “rolagem”, ou seja, a troca de dívida que está vencendo por outra nova), o estoque da dívida teria se mantido constante.

No entanto, o que ocorreu com o estoque da dívida interna em 2018? Conforme publicado pelo Tesouro Nacional, em 2018, o estoque de títulos da dívida interna aumentou R$ 428 bilhões, saltando de R$ 5,095 trilhões, em dezembro de 2017 (BCB, 2019), para R$ 5,523 trilhões em dezembro de 2018 (BRASIL, 2019b).

Constata-se, portanto, que na verdade a dívida cresceu fortemente em 2018, não tendo sido amortizada e nem “simplesmente” rolada; isso ocorreu por causa de uma manobra que classifica grande parte dos juros nominais como se fosse amortização.

Esse procedimento é inconstitucional e burla o disposto no Art. 167, inciso III, da Constituição, conhecido como “regra de ouro”, que proíbe a emissão de títulos para o pagamento de despesas correntes, tais como juros, salários e gastos para a manutenção do Estado, conforme denunciado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública desde 2010 (ACD, 2013b). A consequência dessa manobra tem sido o crescimento exponencial do estoque da dívida interna, devido à sua atualização paralela ilegal.

Considerando que o valor indicado na rubrica “Juros e Encargos da Dívida Pública” do SIAFI corresponde apenas a uma parte dos juros nominais, sendo que a outra parte dos juros está embutida na rubrica “amortização” ou “refinanciamento”, e tendo em vista que não existe a devida transparência em relação a esse cálculo paralelo, não há outra alternativa senão somarmos as rubricas “Juros” e “Amortizações e Refinanciamento”, a fim de indicar o montante destinado a gastos com a dívida pública.

Apesar da sangria de quase metade do orçamento federal todo ano, a dívida pública vem aumentando continuamente: no final de 2018, o estoque da dívida pública interna federal alcançou R$ 5,523 trilhões (BRASIL, 2019), enquanto a dívida externa bruta chegou a US$ 556 bilhões (BCB, 2019b).

O falso discurso de que os gastos sociais seriam os responsáveis pelo déficit das contas públicas não resiste a cinco minutos de argumentação fundamentada em dados oficiais. Na verdade, a gastança financeira com a chamada dívida pública é que tem sido a responsável pelo déficit nominal.

Ao longo de duas décadas – de 1995 a 2014 – produzimos mais de R$ 1 trilhão de superávit primário, ou seja, o volume de “receitas primárias” (principalmente os tributos) superou em mais de R$ 1 trilhão a soma de todas as “despesas primárias” (que compreendem os gastos sociais e investimentos em todas as rubricas orçamentárias, exceto os gastos financeiros com a dívida pública); portanto, gastamos menos com as áreas sociais do que arrecadamos em tributos! Dessa forma, durante esses 20 anos, o déficit das contas públicas não decorreu dos gastos primários.

Apesar dessa economia forçada de mais de R$ 1 trilhão, que absorveu recursos que deveriam ter financiado o desenvolvimento socioeconômico, ao longo desses 20 anos, o estoque da dívida interna federal saltou de R$ 85 bilhões para R$ 4 trilhões, em 2015; e continua crescendo exponencialmente, tendo alcançado R$ 5,523 trilhões em dezembro de 2018.

Toda essa sobra de recursos que superou R$ 1 trilhão no período de 1995 a 2014 serviu para garantir o pagamento de parte dos juros da dívida pública (despesa não primária); porém, não foi suficiente para cobrir todo o déficit nominal gerado pela política monetária do BC. Portanto, o déficit nominal histórico tem sido provocado pelas despesas financeiras e não pelo gasto social, e isso irá agravar-se ainda mais, devido à absurda EC 95/2016.

Outro mecanismo perverso de geração de dívida pública é o esquema da “Securitização de Créditos Públicos”, que na prática, representa a geração ilegal de dívida pública e o desvio de arrecadação tributária durante o seu percurso pela rede bancária arrecadadora, por meio de cessão fiduciária de créditos. Trata-se de esquema financeiro escondido na complexa “engenharia financeira” semelhante à que descobrimos durante a auditoria da dívida grega (FATORELLI, 2015).

No Brasil, tal esquema utiliza empresa pública para operá-lo, a exemplo da CPSEC S/A, criada no estado de São Paulo e a PBH ATIVOS S/A, no município de Belo Horizonte. Essas empresas estatais emitem papéis financeiros com garantia pública do respectivo ente federado. Essa garantia configura uma dívida pública – uma obrigação financeira estatal – e esses entes terão que pagá-la, o que é feito por meio do desvio da arrecadação tributária.

Ou seja, os contribuintes pagam os seus tributos, mas o dinheiro não vai para os cofres públicos, mas para uma conta vinculada a esse mecanismo, criada na rede bancária (como mostra a figura 1) e, dessa conta, somente uma pequena parcela alcançará o orçamento público, enquanto grande parte irá para os bancos privilegiados que adquiriram os papéis financeiros emitidos pelas empresas estatais criadas para operar esse esquema.

Diagrama do desvio de recursos arrecadados pelo esquema de securitização
Figura 1
Diagrama do desvio de recursos arrecadados pelo esquema de securitização
ACD (2017b).

Ademais, o esquema viabiliza a realização de operação de crédito ilegal e não devidamente autorizada, por meio de ingresso de dinheiro inicial, quando da venda das debêntures sênior pela estatal criada para operar o esquema, como mostra a figura 2.

Diagrama de contratação disfarçada de dívida pública
Figura 2
Diagrama de contratação disfarçada de dívida pública
ACD (2017b).

Toda a legislação de finanças do país, que é estruturada no princípio do orçamento único, está sendo burlada por esse esquema, razão pela qual há graves questionamentos por parte de órgãos federais de controle (ACD, 2019); porém, tudo isso foi ignorado por parlamentares, que em 2017 aprovaram o PLS 204/2016 no Senado.

No caso de Belo Horizonte, em troca de R$ 200 milhões recebidos inicialmente na operação de crédito ilegal, o município se comprometeu com garantias e cedeu o fluxo de arrecadação no montante de R$ 880 milhões, acrescidas de IPCA + 1% ao mês, o que configura um verdadeiro escândalo!

Caso não tivesse sido implementado esse esquema em Belo Horizonte, o município teria R$ 70 milhões a mais em caixa; então, numa operação de R$ 200 milhões, em apenas 3 (três) anos, o município já teve perda comprovada de R$ 70 milhões, conforme dados oficiais analisados pela CPI da Câmara Municipal de Belo Horizonte, que permitiu acesso a escrituras, documentos contábeis e contratos da PBH Ativos S/A (ACD, 2017b).

Ao contrário do falso e recorrente discurso de que a única saída para o controle das contas públicas seria a austeridade sobre os gastos sociais, reduzindo-se o tamanho do Estado social e realizando contrarreformas – em especial a da Previdência – que suprimem direitos sociais, na realidade, o gasto delinquente que precisa ser controlado é o financeiro com a chamada dívida pública, que tem crescido de forma exponencial, sem a devida transparência, colocando o Estado brasileiro a serviço do privilégio de grandes bancos rentistas de maneira cada vez mais escandalosa, chegando a desviar diretamente o fluxo de arrecadação tributária, como no esquema da ‘Securitização de Créditos’.

3 A CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

O que está em jogo nas sociedades capitalistas contemporâneas em tempos de crise do capital é a disputa antidemocrática pelo fundo público. Quem pagará a conta dos desequilíbrios econômicos e financeiros provocados pela globalização econômica e pela mundialização do capital?

Esse jogo em curso, patrocinado pelo capital e por frações da elite dominante e garantido pelo Estado, em resposta à última partida disputada e vencida pelos trabalhadores, com placar mínimo, no final dos anos 1960, na Europa ocidental rica, e na primeira década de 2000, em parte da América Latina, dificilmente terá outro placar agora, senão a vitória do seu patrocinador.

Em sua fase competitiva, o capital sangrou para manter sua reprodução e acumulação; atualmente em seu estágio monopolista, avança sem piedade na sua sanha de reproduzir e acumular riquezas de maneira destrutiva e permeada por crises em intervalos cada vez mais curtos.

Para conter as crises intermitentes, a estratégia adotada passa, em termos econômicos, pela contínua transferência de recursos públicos – garantida por meio do cumprimento de metas de superávits fiscais a partir da contenção de gastos sociais ─ via sistema da dívida pública e outras artimanhas capitalistas, para a fração de classe hegemônica: a financeira nacional e internacional.

No Brasil presidido por Lula e Dilma, esse processo foi fortemente impulsionado e, atualmente, com Temer e Bolsonaro, toma uma velocidade e uma insanidade preocupantes, dos pontos de vista trabalhista e social.

Com toda a celeridade possível e negociada no Congresso Nacional, a “reforma” ou contrarreforma da Previdência Social que pairava nas alturas ameaça aterrizar sobre os lares dos trabalhadores brasileiros com a energia de uma bomba atômica. Sustentada por seus algozes, os fatores determinantes para a sua execução seriam: o impacto financeiro da valorização real do salário mínimo; o descompasso nas contribuições entre urbanos e rurais e entre homens e mulheres; o desequilíbrio dos benefícios pagos no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e Regime Próprio da Previdência Social (RPPS)1; as aposentadorias precoces; as renúncias de receitas, a sonegação e a evasão fiscal; os custos administrativos elevados e o dramático choque demográfico de envelhecimento da população, em função do aumento da expectativa de vida e da queda contínua da taxa de natalidade.

Todas essas causas teriam gerado um “déficit” previdenciário, isto é, uma crise financeira na Previdência Social, que precisaria urgentemente ser reformada para garantir, segundo eles, a sustentabilidade do sistema a curto e longo prazos.

O cálculo do déficit na Previdência Social proposto pelos defensores da “reforma” revela apenas parte do resultado operacional da Seguridade Social, pois o equipara ao Saldo Previdenciário Negativo (SPN). Esse é obtido da diferença entre as receitas das contribuições do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho e os benefícios previdenciários pagos pelo RGPS.

No entanto, desde a Constituição de 1988, a Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social fazem parte do sistema de Seguridade Social, e seu financiamento passou a ser realizado de forma integrada, por meio de uma diversidade de fontes de custeio. Portanto, ao SPN foram adicionadas outras fontes de receitas, como por exemplo: a Contribuição para Fins de Seguridade Social (COFINS), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), as receitas de concursos e prognósticos e outras, as quais configuram o Saldo Operacional da Seguridade Social (SOSS).

Segundo Marques (2007), enquanto o saldo previdenciário foi negativo em R$ 140,3 bilhões pelo conceito restrito, o SOSS foi positivo em R$ 12,1 bilhões no período de 2000-2006; e nesse sentido, os dados mais recentes da ANFIP (2017) evidenciaram superávit da Seguridade Social acima de R$ 525 bilhões no período 2007-2015, configurando uma média positiva anual de mais de R$ 58 bilhões.

Ao difundir a ideia do resultado previdenciário negativo e, portanto, da previdência deficitária, a partir da base de cálculo da receita rebaixada, contrariando a amplitude do conceito de seguridade social e de sua gama diversa de fontes de financiamento, a ideologia dominante neoliberal busca confundir, ganhar audiência e apoio da população para implementar medidas de reformulação do sistema previdenciário brasileiro.

Outro argumento determinante da crise da Previdência, que deve ser desmitificado, é o “letal” choque demográfico decorrente do envelhecimento da população brasileira. Segundo dados do IBGE em pesquisa realizada sobre a projeção da população brasileira por sexo e idade no período 1980-2050, o extrato etário de 0-14 anos reduzirá sua participação na população total, de pouco mais de 35% atuais para quase 15%; o extrato de 15-64 anos passaria de atuais 55% para 65% e o extrato de 65 anos ou mais passará de menos dos 5% atuais para um pouco mais de 15%.

Os dados evidenciam o envelhecimento da população brasileira, porém, a dramaticidade entoada no discurso encontra-se fora de propósito, uma vez que a faixa etária mais produtiva que financia de forma solidária a faixa mais envelhecida e aposentada mostra uma leve tendência de crescimento da participação para acima de 65% até 2020, seguida de um recrudescimento e uma trajetória de estabilidade abaixo desse teto. Nessa perspectiva, ajustes podem até ser considerados, mas desajustes e contrarreformas são completamente desnecessários.

No entanto, se o déficit da previdência é minimamente questionável, qual é a finalidade das contrarreformas no RGPS e no RPPS? Para vários estudiosos do tema, tais como Rosa Maria Marques, Denise Gentil Lobato e Evilásio Salvador, a finalidade desta contrarreforma previdenciária, que já vem acontecendo no Brasil e ganhou recentemente mais um capítulo, é desmontar o RGPS no campo das receitas, retirar os benefícios do trabalhador do setor privado da economia por leis infraconstitucionais e emendas constitucionais e atacar o RPPS – a previdência do servidor público, abrindo espaço para o capital apropriar-se de mais recursos públicos e viabilizar a sua saga interminável de reprodução e acumulação.

O desmonte do RGPS no campo das receitas acontece através da desestabilização das receitas das contribuições sociais, enquanto principal fonte de financiamento da Seguridade Social e que, em média, na última década, representou mais de 85% das suas receitas. Por outro lado, os recursos provenientes de impostos praticamente não cresceram, os do fundo de combate à pobreza pouco incrementaram e os recursos de outras fontes não vinculadas, tiveram uma expansão gigantesca de 743,3% (influenciada por novas receitas financeiras, operações de crédito e outros recursos); entretanto, sua participação média foi de 2,22% (ALENCAR JR.; SALVADOR, 2015).

Especificamente, a Contribuição dos Empregadores e Trabalhadores para a Seguridade Social (CETSS), principal fonte dentre as contribuições sociais, que incide sobre a folha de pagamento das empresas e da contribuição direta dos trabalhadores para a Previdência Social, representa mais de 50% do total da sua receita e arrecadou, em 2010, mais de R$ 236 bilhões (R$ 138.620 milhões oriundos dos empregadores, R$ 80.747 milhões dos trabalhadores e R$ 17.622 milhões de outras contribuições) está em risco nos anos recentes devido à chamada desoneração da folha de pagamento proposta para “debelar” a crise e “garantir” os empregos dos trabalhadores.

Os gastos tributários advindos da desoneração da folha de pagamento alcançaram o montante de R$ 24 bilhões em 2014, representando mais da metade das desonerações alocadas na função trabalho e 9,64% dos gastos tributários previstos no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2014. Essas desonerações da folha de pagamento afetam diretamente o Orçamento da Seguridade Social (OSS). [...]. O governo federal incluiu no âmbito do plano Brasil Maior, lançado em agosto de 2011, a desoneração da folha de pagamento para alguns segmentos econômicos (confecção, calçados, móveis e softwares), que será compensada no faturamento desses segmentos. Diante do agravamento da crise econômica internacional, essas medidas foram ampliadas em 2012. Em abril de 2012, ampliaram-se as desonerações tributárias por meio da substituição da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamento (20% do INSS) de 15 setores da indústria por uma alíquota entre 1,5% e 2,5% sobre o faturamento bruto das empresas. De acordo com o Ministério da Fazenda, somente esta renúncia é estimada em R$ 7,2 bilhões. [...]. A desoneração da folha de pagamento foi sendo ampliada, alcançando, em janeiro de 2014, 56 segmentos da economia (dos setores de indústria, serviços, transportes, construção e comércio) (ALENCAR JR.; SALVADOR, 2015).

Outro exemplo do desmonte das receitas previdenciárias é a Desvinculação de Receitas da União (DRU), ampliada no governo Temer de 20% para 30%, que aumenta a retirada de recursos da Previdência e demais gastos sociais e, mais ainda, promove a desvinculação de fontes de receitas da Seguridade Social – até então intocáveis para salvaguardar os interesses sociais – deslocando-as para o pagamento do serviço da dívida pública brasileira: uma verdadeira “pá de cal” nos direitos sociais dos trabalhadores para êxtase da finança, fração de classe dominante no Brasil.

A retirada de benefícios do trabalhador do setor privado da economia brasileira por leis infraconstitucionais e emendas constitucionais significa a redução dos gastos primários, mais especificamente dos gastos sociais, abrindo espaço nas contas públicas para o pagamento do serviço da dívida pública e, no mercado, para a mercantilização de serviços públicos.

Como a Previdência Social é o mais expressivo lócus de gasto social, responsável, em média, por pelo menos 30% do orçamento federal nos últimos 10 anos, tornou-se uma área muito atrativa para o capital, que, com o apoio do Estado através de reformas contínuas no sistema, buscou unificar RGPS e RPPS com teto rebaixado, entregar a poupança dos trabalhadores produzida ao longo de sua vida para o capital financeiro e promover a previdência complementar junto aos trabalhadores do setor privado.

O desmonte da Previdência do servidor público dá-se na forma discursiva de demonização deste enquanto parte de uma categoria “privilegiada” em relação aos demais trabalhadores do setor privado, retirando-lhes direitos e vantagens específicas da sua função social, adquiridos nas jornadas de lutas políticas; e nessa perspectiva, introduz e promove a previdência complementar no serviço público mediante fundos privados abertos e fechados (o caso do FUNPRESP, para os servidores públicos federais) e ampliação dos fundos de pensão entre os trabalhadores e os servidores.

Nesta etapa de favorecimento da previdência privada, o estabelecimento do teto do servidor público igual ao do INSS teve um papel impulsionador, já que a persistente redução deste teto acabou por estimular a busca pela previdência complementar. Desta forma, passaram a existir várias modalidades de aposentadoria entre os servidores públicos; enquanto isso, os militares continuaram a ter direito a previdência pública e integral, apesar de contribuírem bem menos que os servidores federais civis, os quais deixaram de ter este direito depois de 2012. Convém observar que os servidores que entraram no setor público antes de 1994 continuavam a ter direito a integralidade2, enquanto os que entraram depois de 2003, perderam este direito (apenas 80% da média da remuneração).

Vale lembrar que a iniciativa de contrarreforma previdenciária do governo Bolsonaro constitui o projeto final de desconstrução da Seguridade Social como concebida em 1988, tendo como eixo a introdução do sistema de capitalização o que poderia implicar na eliminação do regime de repartição simples, em que trabalhadores e empregadores contribuem para o financiamento da Previdência Social. Tal proposta visa aprofundar o sistema de capitalização já existente, nos moldes do modelo chileno.

A proposta também busca eliminar a solidariedade entre as gerações e também o fim da solidariedade de classe, já que na capitalização tem-se a velhice colocada nas mãos do mercado financeiro. Sendo assim, para garantir o futuro das aposentadorias e pensões, se comprometeria o presente das políticas públicas, já que o orçamento público estaria cada vez mais dirigido ao pagamento do serviço da dívida pública, destruindo os direitos sociais. Com isso, quanto maior for a taxa de juros paga pelo Estado aos compradores dos títulos públicos, maior seria o rendimento destas formas de “aposentadorias” privadas.

Todavia, quanto maior for o volume do orçamento público destinado ao serviço da dívida pública, maiores serão o ajuste fiscal (cortes) e o ataque aos serviços públicos. Por outro lado, a outra parcela desses recursos seria destinada à compra de ações ou implicaria na perda da solidariedade de classe, já que o pagamento de dividendos aos pensionistas iria depender do aumento do grau de exploração da força de trabalho.

A aprovação deste sistema de capitalização em substituição ao regime de repartição simples implicaria uma queda brutal de arrecadação para o pagamento das aposentadorias e pensões. Para tanto, o governo Bolsonaro pretende retirar vários direitos especialmente dos mais pobres, de forma a economizar R$ 1 trilhão para supostamente financiar esta transição. O ministro da economia chegou a propor a privatização das estatais para cobrir a privatização da Previdência Social.

Além de propor um sistema de capitalização para a previdência social, a PEC 06/2019, denominada de “Nova Previdência”, retira da Constituição Federal as regras para aposentadoria e desmonta o sistema de Seguridade Social da CF 88. Como afirma Queiroz (2019):

[...] A PEC desconstitucionaliza as regras de elegibilidade e acesso a benefícios, inclusive os de natureza assistencial, define diretrizes gerais, inclusive com ajustes automáticos, como no caso da idade mínima, e remete para a lei complementar a regulamentação dessas diretrizes gerais. Como revoga todas as regras atualmente em vigor, para que não haja vaco legal, institui regras transitórias que deixarão de existir quando as leis complementares forem aprovadas. Trata-se da mais radical proposta de Reforma da Previdência, que atinge os três fundamentos da concessão do benefício previdenciário, todos em prejuízo do segurado: a) a idade mínima, que aumenta; b) o tempo de contribuição, que aumenta; e c) o valor do benefício, que diminui. A proposta institui o regime de capitalização, em conta individual, como alternativa ao regime de repartição, atualmente praticado nos regimes próprio e geral de previdência. Isto, na prática, significa a privatização da previdência pública, nos moldes do modelo chileno, um dos mais excludentes do mundo.

Para os servidores que ingressarem ao serviço público até a promulgação da PEC 06/2019, as regras de transição estabelecem os seguintes critérios para a concessão da aposentadoria voluntária:

A paridade e integralidade ficam asseguradas para os servidores que ingressaram em cargo público de provimento efetivo até 31 de dezembro de 2003, desde que cumpram os seguintes requisitos:

Os servidores que ingressaram em cargo público de provimento efetivo entre 1º de janeiro de 2004 e 04 de fevereiro de 2013, para que tenham direito à aposentadoria correspondente à média aritmética simples de todas as contribuições, serão submetidos à regra “60% + 2%”. Com 20 anos de contribuição, terão direito a 60% do valor calculado pela média aritmética de todas as contribuições, acrescidos de 2% para cada ano trabalhado após os 20 anos mínimos de contribuição. Portanto, somente após 40 anos de contribuição terão direito a 100% do valor correspondente à média aritmética simples de todas as suas contribuições.

Os servidores que ingressaram a partir de 04 de fevereiro de 2013 ou migraram para a previdência complementar (FUNPRESP) continuarão submetidos ao teto do RGPS, também sob a regra “60% + 2%”; ou seja, para terem direito ao teto do RGPS, terão que contribuir durante 40 anos.

4 O DESMONTE DA SEGURIDADE SOCIAL NO GOVERNO BOLSONARO

A “reforma” da Previdência Social apresentada pelo governo Bolsonaro na forma da PEC 06/2019 (BRASIL, 2019c) apresenta alcance muito mais abrangente do que aparenta. Além de mudanças operacionais nas regras do sistema previdenciário, propõe retirar direitos sociais adquiridos e pacificados na Constituição Federal de 1988.

O primeiro consiste na desconstitucionalização dos direitos sociais dos trabalhadores, isto é, a constitucionalização do “não” e a desconstitucionalização do “sim” na ordem social brasileira. A proposta de contrarreforma retira do texto constitucional e transfere para Lei Complementar de iniciativa do Poder Executivo federal as regras gerais de organização, de funcionamento e de responsabilidade previdenciária na gestão dos regimes de Previdência Social.

Isto significa dizer que o governo federal poderá alterar as regras de funcionamento da Previdência sem ampla discussão no parlamento e na sociedade, de forma mais rápida e de acordo com os seus interesses; portanto, a reforma desautoriza o Legislativo e confere ao Executivo o poder de retirar os direitos sociais dos trabalhadores, para salvaguardar a lucratividade do capital ameaçada em tempos de crise.

O segundo reside no fim do sistema de Seguridade Social, por meio da segregação contábil do Orçamento da Seguridade Social (OSS) nas ações de Saúde, Previdência e Assistência Social. Este mecanismo representará um retrocesso para o financiamento da Seguridade Social, o qual deixará de ter uma base diversa de fontes de recursos – que dá estabilidade ao financiamento conjunto das políticas de Saúde, Previdência e Assistência Social.

Desta forma, o sistema retroagirá à lógica anterior à CF 88, em que cada política social tinha uma fonte específica de recursos para financiar o seu gasto, o que era insuficiente para garantir a execução do gasto, principalmente, em momentos de crise econômica no país. Nesse sentido, a separação contábil da Saúde, da Previdência e da Assistência Social caracteriza o fim do OSS e do sistema de Seguridade Social, o que provocará um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), da Previdência pública e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Brasil.

O terceiro representa o fim da Previdência Social pública e a ascensão da “previdência” por capitalização privada e obrigatória. O termo “previdência”, utilizado em acepção dúbia, escamoteia a insegurança de um investimento de alto risco em fundos privados, em contrapartida à segurança proporcionada pela Previdência pública.

Assim, o novo modelo proposto retira os princípios da repartição e da solidariedade no financiamento da Previdência, isto é, suprime a participação dos patrões, inclusive a do Estado, na contribuição para o fundo previdenciário dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que acaba com o pacto intergeracional no financiamento da Previdência Social. Por um lado, reduz o custo e amplia os lucros dos patrões e, por outro, força todos os trabalhadores a transferir para o capital financeiro as poupanças arduamente produzidas ao longo de toda a sua vida laboral.

E o último configura-se no comprometimento das receitas próprias de impostos com o pagamento da dívida pública. A contrarreforma permite a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos à prestação de garantia e contragarantia pelos entes federativos à União ou para pagamento de débitos que tenham em favor desta. Tal vinculação viola o preceito constitucional de não permitir que as receitas de impostos sejam dadas como garantia de dívidas.

Essa proposta abre caminho para que os credores da dívida pública brasileira se apropriem dos recursos públicos provenientes da arrecadação de impostos, principal fonte de recursos próprios do Estado, antes mesmo que ela componha o fundo público. Dessa forma, os governos comprometerão cada vez mais os recursos arrecadados da sociedade para o pagamento dos gastos financeiros com a dívida pública junto aos banqueiros e rentistas, em oposição à necessidade de ampliar os gastos sociais com os trabalhadores.

5 CONCLUSÃO

A contrarreforma da Previdência Social proposta por Bolsonaro, ao mesmo tempo em que modifica as regras gerais do sistema previdenciário, desmonta o sistema de proteção social brasileiro e coloca em risco a seguridade social. Tais medidas visam reduzir os gastos sociais, principalmente os relativos à Previdência (maior item de gasto social no orçamento federal), de forma a cumprir a EC 95/2016 e assim garantir que mais recursos sejam aplicados no pagamento dos gastos financeiros, isto é, do serviço da dívida pública.

Tratam-se de iniciativas que visam transformar os direitos sociais em mercadorias. Desta forma, a tentativa de destruir a Seguridade Social é parte fundamental da expansão de mercado para os bancos, que passarão a oferecer saúde e previdência privadas, ampliando ainda mais seus gigantescos lucros.

Isso demonstra a decisão política do governo Bolsonaro de privilegiar a fração da burguesia financeira em oposição à classe trabalhadora. Nesse sentido, a “Nova Previdência” é o ato mais cruel contra o direito à aposentadoria, pois flexibiliza a legislação previdenciária na Constituição Federal e desmonta o sistema de seguridade social; possibilita a privatização do mesmo, através do regime de capitalização, que poderá ser gerido por empresas financeiras; permite o aumento da idade mínima por lei complementar, que exige apenas quórum simples (metade mais um voto) para aprovação no Congresso Nacional; admite que o setor privado possa fazer a gestão de benefícios de risco (invalidez ou morte) e autoriza, por meio de lei complementar, a instituição de contribuição extraordinária, por até 20 anos, para o equacionamento do suposto “déficit” previdenciário.

A fim de desmontar o inaceitável cenário de escassez existente no Brasil, precisamos modificar o modelo tributário para que se transforme em instrumento efetivo de justiça fiscal e distribuição de renda; alterar a política monetária para que atue em favor dos interesses do país e do povo, e não apenas do setor financeiro; rever completamente a exploração mineral predatória e agronegócio voltados para exportação, e enfrentar o sistema da dívida por meio de auditoria integral, com participação cidadã, interrompendo esse processo de sangria de recursos e submissão aos interesses do mercado financeiro.

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Notas

1 A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a Previdência Social fosse organizada sob a forma de Regime Geral, Regime Próprio e Regime Complementar: o RGPS é de caráter contributivo, solidário e de filiação obrigatória, congrega todos os trabalhadores da iniciativa privada; o RPPS tem o mesmo caráter do Regime Geral, aglutina os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações e o Regime Complementar ou de previdência privada, de caráter individual e organizado de forma autônoma em relação ao RGPS, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar (BRASIL, 2019).
2 Esta integralidade não pode ser confundida com a integralidade do teto do INSS.
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