Editorial
Editorial
A edição v. 25, n. 1, janeiro/julho 2021 da Revista de Políticas Públicas (RPP) traz ao debate público o tema: “POLÍTICAS PÚBLICAS EM TEMPOS DA PANDEMIA DE COVID-19: dinâmicas, contradições e enfrentamentos em defesa da vida e dos direitos”. A escolha desse tema tem fulcro na ideia de que a crise sanitária em curso desnudou fragilidades e dissensões de que se nutre a ordem capitalista para legitimar a produção desenfreada e promover a enorme concentração de riqueza, apontada como causa primordial da catástrofe ecológica que, conforme Santos (2020) se anuncia iminente1. Em resposta aos movimentos insurrecionistas que se adensam, em nível global, a estratégia ultraliberal em ascensão, vem buscando estimular, de um lado, o ódio de classes e, de outro, o uso extremo da função coercitiva do Estado para refrear essas formas de contestação. O propósito é manter a atual ordem social, portanto, o sentimento de pertença e de segurança aos historicamente privilegiados e que se expressam através do sagrado, da hierarquia, da religião e da tradição (MBEMBE, 2016, p.2)2. A pandemia vem colocando em risco este senso comum de segurança, na medida em que se aguça sua periculosidade em contexto de tensão global, secundada por problemas nas economias nacionais. Isto porque o hiperconsumo, chave basilar para a mobilização da demanda nos circuitos do sistema, ao se tornar inoperante nas limitadas condições impostas pela ação do vírus, não só aponta para a possibilidade de bancarrota de organizações envolvidas em diferentes níveis da produção e da comercialização de produtos, como provoca o aumento do desemprego e da pobreza (SOUSA, 2020)3.
Nesse novo contexto, as próprias noções de solidariedade, diante das ameaças a vida, têm sido testadas. Ora, como impossibilidade concreta de praticar o isolamento social recomendado, por alguns que precisam deslocar-se para o exercício laboral, sobretudo considerando os altos índices de destituição em países da América Latina, África e Ásia. Ora, por aqueles que negam a periculosidade do vírus e, portanto, optam por não seguir as recomendações preventivas quanto à Covid-19. E, ainda por aqueles que se desdobram em exercícios variados de filantropia praticados em meio ao caos.
Particularmente, no Brasil, os representantes do Poder Executivo Federal e seus aliados abraçam arranjos voltados para a defesa da austeridade econômica ao tempo em que negam a virulência da enfermidade. Nesse sentido, além de lentas e pontuais, intervenções como o PL 3023/2020 que criou o Auxílio Emergencial e a Lei nº 13.979/ 2020 que instituiu medidas, no campo da saúde (isolamento, quarentena, pesquisa científica, vigilância sanitária), seguindo as recomendações da OMS, têm sido efetivadas no país tão-somente a partir de pressões de organizações da sociedade, de parte da mídia e de representantes de outros poderes constituídos. Essa ação errática pode ser responsável pelo grande número de mortes por Covid 19 que, no dia do fechamento do presente Editorial (dia 21/06/2021), somam 503.025 (quinhentos e três mil e vinte e cinco) mortes registradas pelos veículos consorciados de imprensa.
Sem nunca abdicar de compreender o que nos trouxe até aqui, mas como uma forma de esperança quanto a rápida superação da grave e dramática conjuntura de crise de amplo alcance que atravessamos, pensamos num tempo pós-pandemia e valemos de uma das passagens das reflexões de Almerindo Janela Afonso, Doutor em Educação e Professor da Universidade do Minho (Portugal) provocadas pela Doutora em Ciências Socias e Professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Ilse Gomes Silva, na rica entrevista que compõe o Dossiê Temático intitulada reflexões sociológicas NO CONTEXTO DA PANDEMIA: Diz o professor:
Em relação ao período pós-pandemia todos os cenários estão em aberto. E todos os dias surgem contributos importantes que precisamos conhecer e debater. E depois retirar ilações para a educação e para todas as outras dimensões da sociedade, que nos permitam avançar para formas de vida mais ecológicas, mais fraternas, mais solidárias, mais justas. Desejo muito que não voltemos a mimetizar realidades anteriores, como se nada tivesse acontecido. Mas também não acredito em mudanças radicais, para as quais não estamos preparados (embora seja urgente que nos preparemos). A minha posição é de um realismo esperançoso em relação a mudanças importantes que estão a desenhar-se, a começar por uma nova consciência ética e política.
A edição atual da RPP foi acolhida por autores e autoras que refletiram sobre diferentes aspectos relacionados à questão expressa no Dossiê Temático “POLÍTICAS PÚBLICAS EM TEMPOS DA PANDEMIA DE COVID-19: dinâmicas, contradições e enfrentamentos em defesa da vida e dos direitos” e sobre outros temas conexos ao extenso campo das Políticas Públicas. É importante salientar que os textos publicados são parte de um bloco mais extenso de artigos submetidos à Revista que tiveram seu mérito reconhecido pelos pareceristas ad hoc. A nova seleção que resultou em vinte e quatro artigos disponibilizados aos leitores comporta, portanto, além do mérito, da diversidade regional e institucional e dos recortes temáticos, a presença internacional das autorias. A seguir, são apresentados, por ordem alfabética dos seus títulos, os quinze textos do Dossiê Temático nove da Seção Temas Livres.
Os artigos do Dossiê Temático são: AGRAVAMENTO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19 de Aline Martins Mesquita, Anna Júlia Giurizatto Medeiros, Elvira Simões Barretto e Jerônimo da Silva; ASSISTÊNCIA SOCIAL NO NEOLIBERALISMO: uma análise no contexto da pandemia da COVID-19 de Robson Roberto Silva; A PANDEMIA E SEUS IMPACTOS PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA de Verônica Martins Tiengo; AS POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS NO CONTEXTO PANDÊMICO: uma análise comparativa entre Brasil e América Latina de Mariana de Araujo Aguiar e Luciana de Araujo Aguiar; CONSELHOS EM “QUARENTENA”? participação e controle social na política urbana na pandemia da Covid-19 de Liana Silvia de Viveiros e Oliveira, Aparecida Netto Teixeira, Maria Auxiliadora da Silva Lobão e Camila Martins de Abreu Farias; COVID-19 E INFORMALIDADE URBANA: diálogos entre Moçambique e Brasil de Gabriel Barros Bordignon, Jacinta Dias e Alefe Abraão da Silva dos Santos; IMPACTOS DA COVID-19: contradições e enfrentamentos em defesa da vida da população negra de Margarida Cassia Campos e Ângela Ernestina Cardoso Brito; IMPACTOS DA COVID-19 NO SETOR CULTURAL PORTUGUÊS: como é que os 308 municípios reagiram à pandemia? de Manuel Gama; INVENTANDO UMA CLÍNICA POSSÍVEL: acompanhamento remoto de usuários de saúde mental na pandemia da Covid-19 de Bárbara Trentin Perdonssini, Moisés José de Melo Alves e Jessica Mabel Soares Teixeira Menezes; O REGRESSO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: um sintoma da pandemia de COVID-19? de Carla Alessandra da Silva Nunes; PANDEMIA DE COVID-19 E PROMOÇÃO DA SAÚDE DO IDOSO NA PERSPECTIVA DE TRABALHADORES DA SAÚDE de Xavéle Braatz Petermann e Sheila Kocourek; PROJETOS SOCIETÁRIOS EM TEMPOS DE PANDEMIA E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DE ASSISTENTES SOCIAIS DO PARÁ de Cilene Sebastiana da Conceição Braga, Ediane Moura Jorge, Lais Ribeiro Gama e Mickaely de Lima Gomes; PROTEÇÃO SOCIAL EM TEMPOS DA PANDEMIA DE COVID-19: os casos de Brasil, México e Argentina de Mônica de Castro Maia Senna, Aline Souto Maior Ferreira e Valentina Sofia Suarez Baldo; SARS-CoV-2: pandemia, negacionismo científico populista de extrema direita e a utilização off label de medicamentos de Ana Taís Bassani, Gabriela Fabris e Sergio Simoni Junior; SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: Covid-19 e os reflexos em um ambiente de “pandemia estrutural” de Paulo Roberto Felix dos Santos, Izy Rebeka Gomes Lima, Maria Suelen Santos; SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL LATINO-AMERICANOS E RESPOSTAS À PANDEMIA DE COVID-19: Argentina, Brasil e México de Mônica de Castro Maia Senna, Aline Souto Maior Ferreira, Valentina Sofia Suarez Baldo.
Encerra-se o Dossiê Temático com uma entrevista concedida por Almerindo Janela Afonso, Doutor em Educação e Professor da Universidade do Minho (Portugal) denominada REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS NO CONTEXTO DA PANDEMIA à Professora Doutora Ilse Gomes Silva da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e uma Resenha elaborada pela profa. Dra. Marly de Jesus Sá Dias da obra de autoria de Boaventura de Sousa Santos denominada A CRUEL PEDAGOGIA DO VÍRUS. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.
A seção seguinte denominada de “Temas Livres” comporta os seguintes artigos: AGENDA INTERNACIONAL DE TRABALHO DECENTE: avanços no diálogo social no Brasil e no Chile de Letícia Mourad Lobo Leite e Maria Cristina Cacciamali; ALIENAÇÃO, PAUPERISMO E "QUESTÃO SOCIAL" de Maria Norma Alcântara Brandão de Holanda; A PARTICIPAÇÃO NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: debates a partir da literatura dos eventos científicos de Paula Raquel da Silva Jales e Solange Maria Teixeira; MOTORISTAS DE APLICATIVOS DE TRANSPORTE PRIVADO E A POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO de Saulo Nunes de Carvalho Almeida e Bianca Lima Barros; O CIGARRO E A SAÚDE: instruir positivamente ou provocar o medo? de Lorenna Glenda Medeiros Dias, Rejane Alexandrina Domingues Pereira do Prado, Marli Auxiliadora da Silva, Jussara Goulart da Silva, Edson Arlindo Silva, Tayná Mendonça Sobottka; O ENSINO DA LÍNGUA NHEENGATU EM ALDEIAS URBANAS DE MANAUS de Hellen Cristina Picanço Simas, Amanda Ramos Mustafa, Ytanajé Coelho Cardoso; O PROGRAMA MAIS MÉDICOS E SEUS IMPACTOS NO MERCADO DE TRABALHO MÉDICO DO BRASIL de Gamaliel da Silva Carreiro, Paula Katiana da Silva Carreiro e Antônio Paulino Sousa; POLÍTICA DE PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL: rumos da produção do conhecimento sob o domínio do capital de Moisés Henrique Zeferino Alves, Kátia Oliver de Sá e Jaildo Calda dos Santos Vilas Bôas Junior; POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS À LUZ DA TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS de Rafael Soares de Lima e Murilo Chaves Vilarinho; PROBLEMAS NO PARAÍSO: fenomenologia do atraso e o “sentimento brasileiro do mundo” de Saulo Pinto Silva; PROGRAMA NACIONAL DE HABITAÇÃO RURAL E CONDIÇÕES DE MORADIA EM PEQUENAS CIDADES NA AMAZÔNIA PARAENSE de Walkiria Maria Sousa da Silva, Joana Valente Santana, Katia Maria dos Santos Melo e Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares.
A Comissão Editorial conclui esperando que o material disponibilizado nesta edição da RPP contribua para ampliar o debate público a propósito do tema “POLÍTICAS PÚBLICAS EM TEMPOS DA PANDEMIA DE COVID-19: dinâmicas, contradições e enfrentamentos em defesa da vida e dos direitos” e sobre os diferentes temas abordados nos textos publicados na seção Temas Livres.