Artigos - Dossiê Temático

IMPACTOS DA COVID-19 NO SETOR CULTURAL PORTUGUÊS: como é que os 308 municípios reagiram à pandemia?

Manuel Gama
Universidade do Minho, Portugal

IMPACTOS DA COVID-19 NO SETOR CULTURAL PORTUGUÊS: como é que os 308 municípios reagiram à pandemia?

Revista de Políticas Públicas, vol. 25, núm. 1, pp. 150-166, 2021

Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 21 Diciembre 2020

Aprobación: 27 Mayo 2021

Resumo: O POLOBS encontra-se a desenvolver uma pesquisa que visa identificar e analisar alguns dos impactos da COVID-19 no setor cultural português. O projeto, que conjuga uma abordagem qualitativa com uma abordagem quantitativa, e integra instrumentos e técnicas diversificadas, iniciou-se a 16 de março de 2020 e vai decorrer até 31 de março de 2021.No presente artigo vamos lançar um olhar sobre seis meses de notícias nos 308 municípios portugueses. A análise efetuada permite-nos afirmar,ainda que provisoriamente, queo fluxo de notícias nos websites dos municípios está em linha com o pouco peso estratégico que a cultura tem em muitas das dinâmicas das políticas municipais, tendo sido possível identificar um número residual de medidas das autarquias locais para a mitigação, a curto e médio prazos, dos impactos negativos nas organizações e profissionais do setor cultural.

Palavras-chave: COVID-19, Cultura, Impactos, Municípios portugueses.

Abstract: POLOBS is conducting a research that focuses on the identification and examination of some of the impacts of COVID-19 on the Portuguese cultural sector. Beginning on the 16th of March 2020 and ending on the 31st of March 2021, this project combines qualitative and quantitative approaches and accommodates different tools and techniques. In this article we are going to take a look at six months of news in the 308 Portuguese municipalities. The analysis carried out allows us to affirm, even provisionally, that the flow of news on the websites of the municipalities is in line with the little strategic weight that culture has in many of the dynamics of municipal policies, and it was possible to identify a residual number of measures of the local authorities to mitigate, in the short and medium term, the negative impacts on organizations and professionals in the cultural sector.

Keywords: COVID-19, Culture, Impacts, Portuguese municipalities.

1 NOTA DE ABERTURA

Em dezembro de 2020, quando concluímos a presente análise parcial e preliminar dos resultados da pesquisa Impactos da COVID-19 no setor cultural português1, estávamos ainda muito longe de perceber verdadeiramente a real amplitude dos múltiplos e diversificados impactos da pandemia de COVID-19, provocada pelo novo coronavírus SARS-COV-2, que foi decretada pela Organização Mundial de Saúde (2020a) nove meses antes. Se, por um lado, é inegável que oritmo acelerado com que vivemos na contemporaneidade podee deve ser encarado como um dos contributos negativos para a rapidez com que a doença se alastrou um pouco por todo o mundo – nomeadamente devido aos modos de vida e hábitos e facilidades de mobilidade entre territórios –, por outro lado, é incontestável que o mesmo ritmo também pode e deve ser encarado como um contributo muitíssimo positivo para a resolução do problema – nomeadamente no campo da saúde pública. A este respeito destaca-se, por exemplo, a aprovação menos de um ano depois de ter sido partilhada pela China da sequência genética do SARS-COV-2 (OMS, 2020b), da primeira vacina contra a COVID-19 pela Medicines and Health Care Products Regulatory Agency (2020).

No setor cultural, os tempos de contaminação e de reação pela pandemia também foram muito curtos. Em Portugal, por exemplo, a contaminação pode ser ilustrada como Despacho n.º 2836-A/2020, de 2 de março, que obrigou os empregadores públicos, nomeadamente os da cultura como a Cinemateca Portuguesa (2020), a elaborarem um plano de contingência alinhado com as orientações emanadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS); e a reação do setor cultural privado é mencionada explicitamente na notícia de 12 de março, no qual se refere que “em dias de coronavírus, o teatro chega às plateias através da Internet” (PINTO, 2020).

Foi com este pano de fundo queo Observatório de Políticas de Ciência, Comunicação e Cultura do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho (POLObs),considero relevante, pertinente e urgente a constituição de uma equipa multidisciplinar com o objetivo macro de monitorizar os impactos da COVID-19 no setor cultural português. Tendo sido definidasquatro dimensões de análise, correspondentes a quatroobjetivos específicos que passamos a convocar sumariamente:

  1. 1. 1) aferir o impacto mediático das consequências da COVID-19 no setor cultural português;

    2) identificar o fluxo de notícias produzidas pelos 308 municípios e pelas 25 entidades intermunicipais (EIM’s) que abordam sincronicamente aspetos relacionados com COVID-19 e cultura;

    3) analisar as iniciativas do Governo, através do Ministério da Cultura e de organismos/entidades tutelados pelo Ministério da Cultura, para enfrentar os constrangimentos provocados pela COVID-19;

    4) avaliar os impactos, esperados e observados, que a COVID-19 teve e terá nas organizações e profissionais do setor cultural português.

Conjugando uma abordagem qualitativa com uma abordagem quantitativa, inspirado nos contributos teóricos e metodológicos de autores como Bardin (2007), Bell (2008), Chaumier (1979), Creswell(2008), Fernandes (2010), Matos (2014), Quivy & Campenhoudt (2005) e Sampieri, Collado & Lúcio (2006), o projeto de pesquisa, desenvolvido entre março de 2020 e março de 2021, integra a utilização de instrumentos e técnicas diversificados, tais como:

No que se refere à disseminação dos resultados do projeto, considerou-se fundamental disponibilizar regularmente a análise, ainda que preliminar, dos dados que vão sendo recolhidos, pois só assim poderão ser relevantes na procura de soluções para os impactos que a COVID-19 terá no tecido cultural português.

É nesse contexto que surge o presente artigo, apresentando uma análise consolidada de dados recolhidos na segunda dimensão do estudo ao longo do primeiro semestre da pandemia. Sobre a pertinência de analisar os Impactos da COVID-19 no setor cultural português através das atividades dos municípios, relembramos que em Portugal a “crescente visibilidade do cultural, não chegou a responder a uma política cultural que, de modo articulado e sistemático, acompanhasse e estimulasse as mudanças emergentes na sociedade civil” (SANTOS, 1998, p.411); e que “acentralidade da cultura nos discursos políticos locais não corresponde necessariamente a concretizações” (CASQUEIRA, 2007, p.493).

2 OS MUNICÍPIOS E AS ENTIDADES INTERMUNICIPAIS PORTUGUESAS

Em Portugal, a administração pública à escala municipal está, genericamente, enquadrada pela Lei n.º 75/2013, que “Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico” (DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2013, p.5688), tendo sido, por isso, no presente estudo, utilizada a Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUT) que agrupam os 308 municípios de Portugal em 25 NUTS 3, que correspondem a outras tantas EIM’s, sete NUTS 2, que agrupam as NUT 3, e três NUTS 1, que agrupam as sete NUT 2.

Para identificar o fluxo de notícias produzidas pelos municípios e pelas EIM’s que abordavam sincronicamente aspetos relacionados com COVID-19 e cultura, fez-se uma pesquisa num total de 333 websites (308 municípios e 25 EMI’s), sendo que, de cada website, só foram retiradas informações provenientes das secções de notícias, ou similares, a partir de três palavras-chave – covid-19, coronavírus e cultura – definidas para o efeito. Realça-se que para a operacionalização da dimensão cultural se optou por utilizar os 10 domínios da cultura definidos em 2016 no âmbito da Conta Satélite da Cultura 2010-2012 (INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA I.P., 2016).

Em termos metodológicos, definimos que de cada notícia seriam registados um conjunto de dados que nos permitissem efetuar, numa primeira fase, uma análise de natureza quantitativa, regressando posteriormente à base de dados para efetuar uma análise de natureza qualitativa, tendo em consideração um conjunto de categorias definidas para o efeito. Assim, na base de dados criada registaram-se as seguintes informações de cada item: designação do município ou EIM de onde a notícia foi extraída; título da notícia; hiperligação de acesso; data de publicação.Sublinha-seque na pesquisa também se procurou identificar, independentemente de estar diretamente relacionada com a cultura, a primeira notícia publicada no mês de março relacionada com a COVID-19, pois assim será possível perceber de forma mais nítida a distância temporal com as notícias sobre COVID-19 e cultura, que podem ser um reflexo visível junto da população em geral de quando é que os respetivos municípios e entidades começaram a colocar a cultura no seu leque de preocupações com o surgimento da pandemia.

Antes de avançarmos para a convocação sintética da análise em curso, sublinha-se que, tendo em consideração o peso residual das notícias identificadas nos 25 websites das EIM’s, se optou por, nesta fase, não integrar as notícias destes websites na análise que se segue. Assim sendo, no presente artigo propomos uma breve viagem pelas 3.955 notícias publicadas, entre 1 de março e 31 de agosto de 2020, nos 308 websites dos municípios portugueses e que nos vão permitir apresentar algumas conclusões preliminares sobre os impactos da COVID-19 nas dinâmicas culturais municipais.

3 UM OLHAR QUANTITATIVO PARA OS WEBSITES DOS MUNICÍPIOS

Para a análise dos itens identificados foram criados subgrupos em função da dimensão territorial – 29 subgrupos (22 ao nível das NUTS 3; três dos territórios em que as NUTS 2 integram uma única NUT 3; e quatro ao nível das NUTS 2 com os territórios que integram diversas NUTS 3) – e da dimensão temporal, com a fragmentação da amostra em blocos de notícias quinzenais, mensais e trimestrais.

Gráfico 1 - Distribuição das notícias e dos municípios pelas NUTS 2

Distribuição das notícias e dos municípios pelas NUT
Gráfico 1
Distribuição das notícias e dos municípios pelas NUT
: Elaboração própria

Um primeiro olhar meramente quantitativo sobre os itens identificados revelou, como se pode observar no Gráfico 1, que o peso que cada NUT 2 tem no território nacional, ou seja o número de municípios que agrega, nem sempre teve correspondência no contributo que os municípios dos diferentes territórios deram para o conjunto de notícias identificadas. O facto de, por exemplo, a Região Autónoma do Açores (RA Açores) representar 6,2% dos municípios portugueses e só ter sido responsável por 3,4% das notícias identificadas, pode ser um sinal, ainda que ténue, sobre o peso que a cultura tem nas prioridades de políticas públicas municipais daquele território. Sendo inegável que, para se poder confirmar e afirmar que existe uma relação entre o peso mediático e o peso político da cultura, é necessário entrar em linha de conta com outras dimensões de análise, a verdade é que não deixa de ser um dado importante a ter em conta. Também estamos conscientes de que se entrarmos em linha de conta com a percentagem de população residente em cada território, se observam alterações nas relações dos resultados obtidos. Sob este ponto de vista e no caso específico da RA Açores, o peso relativo das notícias publicadas ultrapassa em 0,9% o peso que a sua população residente tem na população residente em Portugal no ano de 2019, contudo não se considerou relevante incluir esta dimensão de análise na pesquisa, para não concorrer para a ideia de que a implementação de políticas públicas culturais está diretamente relacionada com a dimensão e o número de residentes em determinado território, o que colocaria os municípios pouco povoados numa situação ainda mais frágil.

O Gráfico 2, que sintetiza as médias globais de notícias publicadas nos 308 websites (por EIM e a nível nacional) sobre a temática de cultura e COVID-19, parece reforçar a ideia de que houve abordagens muito distintas por parte dos municípios para dar resposta ao inesperado da situação e aos constrangimentos da pandemia no setor cultural. Se a média nacional de publicação de uma notícia quinzenal já não é, per si, sinónimo de prioridade municipal de, pelo menos e, por exemplo, prestar informações atualizadas às organizações e profissionais do setor cultural dos territórios dos constrangimentos emanados por orientações do Governo ou à população em geral sobre as necessárias adaptações à oferta cultural local, o que dizer sobre municípios, como os da EIM Alto Alentejo, em que a média é de menos de uma notícia a cada seis semanas. Sobre a média nacional, acresce ainda que tal só foi conseguido devido aos contributos dos grandes centros populacionais da Área Metropolitana de Lisboa e da Área Metropolitana do Porto.

Médias de notícias publicadas por município em cada NUT 3 e a nível nacional
Gráfico 2
Médias de notícias publicadas por município em cada NUT 3 e a nível nacional
Elaboração própria

No que concerne à dimensão temporal, o Gráfico 3 permite perceber rapidamente que, depois do primeiro conjunto de notícias publicadas na primeira quinzena de março (que representam 16,5% do total das notícias publicadas nos seis meses em análise), os municípios portugueses começaram a reduzir paulatinamente o fluxo de notícias sobre a dimensão cultural da COVID-19, o que também pode ser um indicador particularmente importante sobre a presença da cultura na escala de prioridades das políticas públicas municipais para mitigar os efeitos da COVID-19.

Distribuição quinzenal das 3.955 notícias publicadas nos 308 websites
Gráfico 3
Distribuição quinzenal das 3.955 notícias publicadas nos 308 websites

Depois de efetuada a análise quantitativa a partir das dimensões territorial e temporal, que convocamos brevemente e de forma meramente ilustrativa do trabalho que está em curso, segue-se um olhar qualitativo para os títulos das notícias para identificar as grandes temáticas abordadas ao longo do período em análise.

4 UM OLHAR QUALITATIVO PARA OS WEBSITES DOS MUNICÍPIOS

Os 3.955 itens identificados foram categorizados por temática, sendo que para além da subcategoria primeira publicação COVID-19 março e da subcategoria outras temáticas, se estipularam mais 10 subcategorias, a saber: recomendações da DGS; plano de contingência municipal; medidas extraordinárias e temporárias; estado de emergência nacional; adiamento de atividades culturais; cancelamento de atividades culturais; adaptação de atividades culturais; encerramento de espaços e serviços; utilização de recursos culturais (e.g. infraestruturas, financeiros) a favor da COVID-19; e linhas de apoio para a cultura. Realça-se que na análise temática, cada item poderia ser enquadrado em várias das subcategorias definidas e que, na subcategoria outras temáticas, foram incluídos os itens com temáticas não previstas nas subcategorias anteriores, mas também itens em que a dimensão cultural não era exclusiva ou o foco principal das notícias identificadas.

O Gráfico 4 permite perceber a preponderância de medidas que visaram, essencialmente, a adaptação e o cancelamento de atividades culturais, que no fundo não foram mais do que respostas muito imediatas a orientações emanadas pelo Governo, como o Decreto n.º 2-A/2020 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2020a), de 20 de março, que procedeu à execução da declaração do estado de emergência, determinando, nomeadamente, o encerramento de instalações e estabelecimentos destinados a atividades culturais e artísticas, que na realidade já tinha começado a acontecer de forma generalizada um pouco por todo o território nacional com o Decreto-Lei n.º 10-A/2020 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2020b), de 13 de março, que, entre outros, limitou o acesso a espaços frequentados pelo público.

Categorização das 3.955 notícias publicadas nos 308 websites
Gráfico 4
Categorização das 3.955 notícias publicadas nos 308 websites
Elaboração própria

Na Tabela 1 sintetizamos os dados provenientes do cruzamento da dimensão territorial com a dimensão temática:sendo de destacar que em cada uma das 12 subcategorias definidas se pode consultar, nas linhas superiores, os dados referentes à percentagem relativa em função das sete NUTS 2 e, nas linhas inferiores, os dados referentes à percentagem em função da NUT 2 a que a coluna diz respeito, aparecendo salientados os valores máximos e mínimos.

Tabela 1
Categorização das notícias por NUT 2
ALENTEJOALGARVECENTROLISBOA E VALE DO TEJONORTERA AÇORESRA MADEIRA
1) Primeira publicação COVID-19 de março15,2%5,2%24,6%17,2%28,2%6,1%3,6%
9,0%6,0%7,1%5,2%6,6%10,9%11,2%
2) Recomendações da DGS11,8%0%44,1%5,9%35,3%0%2,9%
0,8%0%1,4%0,2%0,9%0%1,0%
3) Plano de contingência municipal12,3%4,9%22,5%19,6%28,4%6,9%5,4%
4,8%3,8%4,3%3,9%4,4%8,0%11,2%
4) Medidas extraordinárias e temporárias16,4%5,7%24,4%23,3%24,2%3,8%2,3%
16,7%11,3%12,1%12,1%9,7%11,5%12,2%
5) Estado de emergência nacional28,6%7,1%7,1%42,9%7,1%0%7,1%
0,8%0,4%0,1%0,6%0,1%0%1,0%
6) Adiamento de atividades culturais14,1%5,1%18,2%31,3%30,3%1,0%0%
2.7%1,9%1,7%3,0%2,3%0,6%0%
7) Cancelamento de atividades culturais9,6%4,8%23,6%20,7%36,3%3,4%1,5%
20,3%19,9%24,3%22,5%30,4%21,8%17,3%
8) Adaptação de atividades culturais9,4%6,3%24,3%28,5%26,9%2,6%2,0%
22,6%29,7%28,4%34,9%25,5%18,4%25,5%
9) Encerramento de espaços e serviços10,0%5,7%24,8%23,0%31,4%3,1%2,0%
9,8%10,9%11,8%11,5%12,1%9,2%10,2%
10) Utilização de recursos culturais a favor da COVID-195,6%0%22,2%22,2%47,2%2,8%0%
0,4%0%0,7%0,8%1,3%0,6%0%
11) Linhas de apoio para a cultura3,9%6,7%23,2%32,8%26,1%5,6%1,7%
1,3%4,5%3,9%5,8%3,6%5,7%3,1%
12) Outras temáticas21,6%12,0%17,4%25,5%15,4%8,9%2,7%
10,7%11,7%4,2%6,5%3,0%13,2%7,1%
Elaboração própria

Seguem algumas breves considerações a partir de um primeiro olhar para a Tabela 1:

Para além dessa análise individual de cada um dos 3.955 títulos das notícias identificadas, nesteolhar qualitativo da amostra também incluímos a análise em blocoa partir das palavras mais usadas em todos os títulos:

A elaboração das listas com as 30 palavras mais usadas nos títulos nas diferentes desagregações elencadas permitiu-nos uma aproximação especial às grandes temáticas abordadas nas 3.955 notícias ao longo do semestre.

A título meramente ilustrativo do trabalho desenvolvido, apresentamos a Tabela 2, que integra na primeira coluna os dados globais e nas duas restantes colunas os dados desagregados em duas dimensões territoriais, à escala das NUT 2, escolhidas por serem, respetivamente, as que têm maior e menor volume de notícias identificadas. A análise da tabela permite-nos identificar algumas diferenças importantes no que concerne aos dois territórios em confronto e que podem ser úteis para, em momentos futuros, efetuar a triangulação com dados provenientes das outras dimensões do projeto de pesquisa:

Tabela 2
Palavras mais frequentes utilizadas nos títulos das notícias identificadas
Total da amostraNorteRA Madeira
PalavraOcorrênciaPalavraOcorrênciaPalavraOcorrência
NpNpnp
Covid6521,86Covid1471,34Covid243,24
Municipal5181,48Municipal1411,29Funchal172,29
Município3711,06Município900,82Municipal152,02
Medidas3511,00Câmara880,80Plano121,62
Câmara2830,81Medidas710,65Contingência101,35
Biblioteca2510,72Casa660,60202091,21
Plano2310,66Plano650,59Medidas91,21
Abril2290,65Biblioteca630,58Cultura70,94
20202120,60Contingência590,54Biblioteca60,81
Apoio2080,59Feira590,54Câmara60,81
Contingência2070,59Abril570,52Edital60,81
Casa1910,542020560,51Feira50,67
Comunicado1620,46Comunicado490,45Casa40,54
Online1600,46Apoio470,43Livros40,54
Municipais1410,40Exposição460,42População40,54
Feira1320,38Teatro400,37Sobre40,54
Concelho1300,37Municipais390,36Abril30,40
Cultura1250,36Museu380,35Amanhã30,40
Museu1210,34Livro370,34Apresenta30,40
Coronavírus1190,34Cultural360,33Comunicado30,40
Exposição1160,33Eventos360,33Concelho30,40
Cultural1080,31Cancelado350,32Concerto30,40
Empresas1060,30Equipamentos350,32Cultural30,40
Eventos1020,29Online330,30Curso30,40
Programa1020,29Culturais320,29Direto30,40
Público1010,29Internacional320,29Encerramento30,40
Internacional1000,29Cultura310,28Esta30,40
Reabre930,27Reabre310,28Festas30,40
Equipamentos920,26Agosto300,27Funchalenses30,40
Reabertura910,26Coronavírus280,26Online30,40
Elaboração própria

Para a criação das nuvens de palavras mais utilizadas nos títulos das notícias, optou-se por fazer, para cada uma das listagens, duas versões: a primeira incluindo as três palavras-chave do projeto, que evidentemente estão muito presentes nos títulos; e a segunda excluindo nas listagens as três palavras-chave, permitindo, desta forma, ter uma melhor perceção visual do peso relativo das restantes palavras de cada listagem.

A título meramente ilustrativo, apresentamos a Figura 1 e a Figura 2 com as 30 palavras mais usadas nos títulos das notícias agrupadas à escala das NUTS 2.

Da Figura 1, referente às 221 notícias identificadas nos 16 websites dos municípios do Algarve, salientamos a referência explícita a vários dos municípios que compõem essa NUT 2 – Albufeira, Faro, Lagos, Loulé, Portimão, Tavira, São Brás de Alportel, Silves, Vila Real de Santo António – o que é particularmente relevante no que diz respeito à descentralização cultural, tanto mais que, não raras vezes, as notícias relacionadas com a cultura estão centralizadas num grupo reduzido de municípios. De entre as nuvens de palavras geradas, decidimos incluir a Figura 2, referente a Lisboa e Vale do Tejo, por ser a única NUT que viu incluída a palavra internacional no conjunto das 30 mais utilizadas, para sublinhar o pouco investimento na dimensão internacional das políticas culturais portuguesas à escala local, apesar de, fruto da pandemia, se ter cancelado ou adiado a generalidade dos festivais internacionais agendados para Portugal no ano de 2020.

5 NOTA DE ENCERRAMENTO

Como referido na Nota de Abertura, mais do que apresentar conclusões fechadas, este artigo integra-se na estratégia de disseminação dos resultados do projeto, no âmbito da qual estamos a disponibilizar regularmente a análise, ainda que preliminar, dos dados que vão sendo recolhidos, pois só assim poderão ser relevantes na procura de soluções para os impactos que a COVID-19 terá no tecido cultural português.

No presente artigo convocamos, sinteticamente, parte da análise consolidada de dados recolhidos na segunda dimensão do estudo ao longo do primeiro semestre da pandemia.A análise dos 308 websites de municípios permitiu identificar 3.955 notícias sobre COVID-19 e cultura – na realidade o fluxo de notícias identificado foi inferior, uma vez que no levantamento de itens se entrou em linha de conta, independentemente de abordar explicitamente questões relacionadas com a cultura, a primeira notícia sobre a COVID-19 publicada no mês de março nos websites. A distribuição das notícias pelo território não foi equitativa, sendo que os resultados obtidos revelam o pouco peso estratégico que a cultura tem em muitas das dinâmicas das políticas municipais, não podendo, contudo, ser estabelecida neste momento uma relação direta entre o fluxo noticioso e a escala ou a localização dos municípios. Observamos, regra geral, um privilégio de temáticas relacionadas com os impactos negativos (e.g. adiamento/cancelamento de eventos, suspensão de atividades, encerramento de instalações), em detrimento de notícias com medidas das autarquias locais para a mitigação, a curto e médio prazo, dos impactos negativos nas organizações e profissionais do setor cultural. Destaca-se ainda como preocupantea presença residual de notícias sobre a temática COVID-19 e cultura na generalidade dos websites das 25 EIM’s.A este respeito convém não esquecer que também cabe às EIM’s assegurar a articulação das atuações entre os municípios e os serviços da administração central na área das redes de equipamentos culturais, e também compete aos conselhos das entidades intermunicipais aprovar os planos, os programas e os projetos de investimento e desenvolvimento de interesse intermunicipal na área da cultura.

Desse modo, apesar de ser um projeto em curso, pensamos que esta análise preliminar já nos apresenta dados importantes sobre o papel das políticas públicas à escala municipal para mitigar os impactos negativos da pandemia no setor cultural português, que se triangulados com os dados provenientes das restantes dimensões do estudo, permitirão analisar em profundidade os Impactos da COVID-19 no setor cultural português.

Assim sendo, e mesmo a terminar, vamos convocar três tópicos sobre os resultados preliminares das restantes dimensões do projeto e que podem ajudar a identificar algumas das tendências que se estão a observar:

  1. 1. 1) a análise efetuada aos impactos mediáticos da COVID-19, através de sete jornais portugueses e da Agência Lusa permite-nos afirmar, ainda que provisoriamente, que a maioria das notícias abordam os impactos negativos da COVID-19 no setor cultural português e que, apesar de ¼ das notícias incidir sobre as iniciativas públicas, a verdade é que, não raras vezes, há um enfoque que não é particularmente positivo sobre o papel do Governo para mitigar os efeitos da pandemia – acresce ainda que, não obstante a considerável cobertura mediática das consequências da COVID-19 no setor cultural português, a cultura continua a não constituir uma prioridade editorial da imprensa portuguesa;

    2) a atividade parlamentar e as iniciativas do Governo para fazer face aos constrangimentos provocados pela COVID-19, foram também reveladores do protagonismo da cultura na escala de prioridades dos atores políticos, tendo o setor cultural sido remetido, não raras vezes, para as medidas transversais adotadas pelo Governo;

    3) as organizações e os profissionais do setor cultural, auscultados através de um inquérito por questionário, não deixaram margem para dúvidas, revelando que, se não forem tomadas medidas urgentes, substantivas e estruturantes, o setor cultural português poderá sofrer danos irreparáveis como fruto da pandemia.

REFERÊNCIAS

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BELL, Judith. Como realizar um projecto de investigação. Lisboa: Gradiva, 2008.

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MUNICÍPIO DE CASCAIS. COVID-19. Já pode ver peças de teatro em casa. 6 abr. 2020. Disponível em:https://www.cascais.pt/noticia/covid-19-ja-pode-ver-pecas-de-teatro-em-casa. Acesso em: 16 abr. 2020.

MUNICÍPIO DE ESPOSENDE. Município de Esposende canaliza verbas dos eventos para combate à pandemia COVID-19. 24 mar. 2020. Disponível em:https://www.municipio.esposende.pt/pages/703?news_id=5213. Acesso em: 1 abr. 2020.

MUNICÍPIO DE MATOSINHOS. As Festas do Senhor de Matosinhos foram canceladas. 7 abr. 2020. Disponível em: https://www.cm-matosinhos.pt/pages/242?news_id=6852. Acesso em: 16 abr. 2020.

MUNICÍPIO DE PALMELA. “De minha casa vejo o mundo”: partilha a vista da tua janela! 31 mar. 2020. Disponível em: https://www.cm-palmela.pt/pages/1717?news_id=6718. Acesso em: 1 abr. 2020.

MUNICÍPIO DE PAREDES. Câmara de Paredes vai reforçar os apoios sociais aos paredenses com mais necessidades aplicando as verbas dos eventos culturais e desportivos.18 mar. 2020. Disponível em:https://www.cm-paredes.pt/pages/1059?news_id=1170. Acesso em: 1 abr. 2020.

MUNICÍPIO DE SINTRA. Abertas as candidaturas ao Fundo Municipal de Emergência Cultural.3 jun. 2020. Disponível em:https://cm-sintra.pt/atualidade/noticias-institucional/abertas-as-candidaturas-ao-fundo-municipal-de-emergencia-cultural. Acesso em: 16 jun. 2020.

MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE CERVEIRA. Verba de eventos culturais suspensos/cancelados reforçam IPSS’s com material de higienização.18 mar. 2020. Disponível em:https://www.cm-vncerveira.pt/pages/348?news_id=1959. Acesso em: 1 abr. 2020.

MUNICÍPIO DO PORTO. Fórum do Futuro não se realizará em 2020 mas vai ter uma edição em livro. 28 jul. 2020. Disponível em:https://www.porto.pt/pt/noticia/forum-do-futuro-nao-se-realizara-em-2020-mas-vai-ter-uma-edicao-em-livro. Acesso em: 1 ago. 2020.

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PORTUGAL Lei n.º 75/2013 de 12 de setembro. Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico. Diário da República n.º 176/2013, Série I de 2013-09-12, p. 5688-5724.

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SANTOS, Maria de Lourdes Lima. (coord.). As Políticas Culturais em Portugal. Lisboa: Observatório das Actividades Culturais. 1998.

Notas

1] Ver mais informações em: http://polobs.pt/estudo/impactoss-da-covid-19-no-setor-cultural-portugues/
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