Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar o processo de desenvolvimento da política nacional de pós-graduação no Brasil, considerando uma análise dos planos nacionais de pós-graduação (PNPG), sobretudo no que diz respeito aos principais objetivos e diretrizesAnalisa, ainda, cinco PNPG, através do método de análise imanente,buscando a relação entre a lógica interna dos documentos e seus determinantes históricos. Constata que a realidade em que se coloca a produção do conhecimento tem nexos e relações com a Política Nacional de Pós-graduação presente nos PNPG, que traçam os rumos da produção do conhecimento em direção à valorização do capital e com o modo de produção capitalista em sua fase imperialista.
Palavras-chave: Política de pós-graduação, Planos Nacional de Pós-graduação, Produção do conhecimento.
Abstract: This article aims to analyze the development process of the national postgraduate policy in Brazil, considering an analysis of the national postgraduate plans (PNPG), especially with regard to the main objectives and guidelines. Analyzes the five PNPGs, using the immanent analysis method, looking for the relationship between the internal logic of documents and their historical determinants. It was found that the reality in which the production of knowledge is placed has links and relations with the National Postgraduate Policy present in the PNPGs, which trace the paths of knowledge production towards capital appreciation and with the capitalist production mode in its imperialist phase.
Keywords: Postgraduate policy, National postgraduate plans, Knowledge production.
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POLÍTICA DE PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL: rumos da produção do conhecimento sob o domínio do capital
Recepción: 10 Julio 2020
Aprobación: 25 Mayo 2021
Este artigo é parte de estudos de uma dissertação de mestrado produzida no programa de pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) desenvolvido no grupo de pesquisa Educação, Esporte e Lazer (LEPEL), a partir de uma pesquisa documental. Tem como objetivo analisar o processo de desenvolvimento da política nacional de pós-graduação no Brasil, considerando uma análise dos Planos Nacionais de Pós-graduação (PNPG), sobretudo no que diz respeito aos principais objetivos e diretrizes.
A importância da investigação sobre a política nacional de pós-graduação no Brasil, em especial a contida nos PNPG, consiste no fato de que ela constitui as coordenadas materiais para o desenvolvimento de atividades no interior dos programas de pós-graduação e, portanto, é um fator determinante para o processo de desenvolvimento da produção do conhecimento stricto sensu.
Tendo em vista a necessidade de apreender a realidade concreta da política nacional de pós-graduação, o que significa reproduzir o lógico e o histórico, nos pautamos no processo de análise imanente[1], que nos permitiu compreender a realidade dos planos analisados para além do texto imediato, na medida em que buscamos estabelecer os nexos e relações com as determinações históricas.
Reconhecemos que a produção do conhecimento stricto sensu hegemônica, que se desenvolve por dentro dos programas nas universidades, tem se tornado alheia aos interesses da maior parte da população, a classe trabalhadora, e vem se configurando, predominante, como força produtiva a favor do capital em seu processo de valorização, contribuindo para manutenção do processo de alienação da sociedade capitalista[2].
Portanto, são imprescindíveis as investigações que tomam a produção da ciência como objeto de estudo, questionando não só a sua lógica interna hegemônica de desenvolvimento, mas também, os seus nexos e relações com as determinações históricas. Neste sentido, problematizamos a pós-graduação, levando em conta o que a determina em sua base ontológica, sua política de ciência e tecnologia desenvolvida em nosso país e, dentro desta, mais especificamente, os fundamentos que imprimem os PNPG.
Foi durante o governo militar no estado ditatorial brasileiro que surgiu pela primeira vez a preocupação com a formação do professor e do pesquisador no contexto universitário. Tal preocupação com a pós-graduação esteve atrelada aos interesses do governo militar alinhado à política pró-imperialista em um contexto de abertura para o capital estrangeiro, principalmente estadunidense; sua implementação ocorreu, portanto, em meio a acordos com o governo dos Estados Unidos (EUA). Esse aspecto é importante de destacar porque ao longo da história da universidade brasileira e da pós-graduação, todas as mudanças ocorridas na sua estrutura guardam profundas relações com as orientações emitidas por organismos supranacionais comandados pelos EUA.
No que concerne ao domínio da economia, segundo Paulo Netto (2014, p. 18), a ditadura instaurou um modelo econômico pautado fortemente nos interesses do grande capital, tanto no que diz respeito aos monopólios estrangeiros, como também aos monopólios de origem no próprio país. Dentro deste cenário, a ditadura, através da superexploração da força de trabalho dos trabalhadores, operou um processo expressivo de crescimento do parque industrial e impulsionou um processo de modernização do setor agropecuário, mas mantendo o caráter oligárquico da terra, isto é, impedindo a realização da reforma agrária.
Embora a Coordenação Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tenham reconhecido algumas experiências sendo desenvolvidas desde a década de 1930, a pós-graduação no Brasil só foi oficialmente reconhecida como nível de ensino a partir de 1965, com o parecer Newton Sucupira (977/65), que trouxe pela primeira vez uma conceituação deste nível de ensino, logo após que o então Ministro da Educação, Raymundo Muniz de Aragão, do governo Castelo Branco, solicitou ao Conselho de Ensino Superior (CES) a definição e regulamentação necessária aos cursos desta natureza, estabelecendo a forma de funcionamento e os fins da pós-graduação no país.
Os cursos de pós-graduação, diferentemente dos cursos de simples especialização, segundo o parecer, destinava-se à formação de professores e pesquisadores para a atuação nos cursos superiores, tendo como modelo a sistemática de formação de pós-graduação norte-americana, que estabelece a formação em dois ciclos sucessivos, máster . doctor, sendo da responsabilidade das universidades a oferta destes cursos. (BRASIL, 1965, p. 4)
O parecer Newton Sucupira estabelecia em seu texto que o grande objetivo dos cursos de pós-graduação se situava no aprofundamento do saber adquirido nos cursos de graduação e na criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento da livre investigação científica, mediante a oferta de recursos adequados para tanto. (BRASIL, 1965, p. 3)
A construção da definição conceitual dos cursos de pós-graduação stricto sensu, sua estrutura de funcionamento e objetivos foram profundamente influenciados pela política norte-americana pensada para a América Latina neste período. Dois fatores são elucidativos nesse sentido: os acordos firmados entre a Agência Norte-Americana de Desenvolvimento Internacional (USAID) e o Ministério da Educação (MEC) do Brasil; e as mudanças operadas nas estruturas organizacionais das universidades brasileiras, tendo como modelo as universidades de pesquisa norte-americanas.
Os acordos do MEC com a agência norte-americana abrangiam todos os níveis da educação no país. Na pós-graduação esses acordos buscavam aplicar a ideologia do progresso empresarial, que se baseia na prioridade das mudanças quantitativas, na valorização da ciência aplicada, da engenharia, das relações públicas e da perícia administrativa. Além disso, esses acordos tinham como meta reforçar a autoridade, a tradição e a repetição, bem como, estabelecer a identificação com grupos poderosos, assumir uma postura conformista e valorizar a sistematização e as normas burocráticas. (SILVA, 1997, p. 30)
Os acordos visavam garantir a construção de um grande contingente de força de trabalho com um valor muito baixo, possibilitando a consecução de uma elevada taxa de exploração do trabalho excedente, de extração de mais-valia[3]e eram facilitados devido ao fato de que o desenvolvimento científico e tecnológico representava para os militares no poder uma estratégia importante em seu projeto“desenvolvimentista”, que levou o governo a implantar em 1969 o I Plano Básico de desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT), assim como o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), dentro dos quais se creditava grande expectativa no poder de uma pretensa ciência neutra, embora tenham sido registrados alguns casos de censura e repressão que tinham como vítimas alguns membros da comunidade científica.
Foi na esteira deste movimento que em 1968 a universidade brasileira passou por uma reforma que criou entre outros elementos: a) departamentos baseados no modelo norte-americano, que eliminaram o antigo sistema de cátedras baseado no modelo europeu; b) sistema de créditos, que terminou com o antigo sistema de cursos seriados e anuais nos programas; c) instituições de pesquisa; d) reformulação da estrutura dos programas com a criação dos cursos de mestrado e doutorado; e) um “ciclo básico” nas universidades, com o objetivo de promover uma espécie de educação geral nos dois primeiros anos de curso.
Todas essas mudanças promovidas na estrutura das universidades e na legislação brasileira a respeito da pós-graduação colocaram a exigência da formação qualificada de professores para poder trabalhar nestes cursos, assim como o necessário incentivo para a expansão da pós-graduação. Exigia, também, uma regulação consistente do nível de qualidade dos cursos, que ocorreu por meio de um Conselho Federal de Educação, e um órgão interno pertencente ao MEC e a CAPES.
A CAPES é um órgão que já existia antes da reforma de 1968, mas que após sua efetivação mudou o seu papel, que antes era o de exclusivamente conceder bolsas de estudos para professores e alunos de pós-graduação, dentro e fora do país. Após a assinatura do Decreto 74.299 no ano de 1974, sua estrutura é alterada e seu estatuto é modificado, passando a CAPES a se constituir como um órgão central superior, gozando de autonomia administrativa e superior. É neste contexto que a agência assume o papel principal na avaliação dos cursos.
É dentro dessa conjuntura que, na fase final do governo militar, sob a presidência de Ernesto Geisel, a pós-graduação, assim como a CAPES passaram por um processo significativo de crescimento, a partir do qual podemos destacar o desdobramento de algumas iniciativas, tais como, o apoio à criação de Associações Nacionais por área de conhecimento e a implantação do Programa Institucional de Capacitação de Docentes (PICD), que concedia bolsas de estudos e liberação com salário integral para professores universitários cumprirem programas de pós-graduação nos principais centros do país e do exterior, e a aprovação dos PNPG; estes constituem um marco histórico para o desenvolvimento da pós-graduação brasileira, pois são os documentos oficiais que traduzem a política do Estado para esta área, traçando as diretrizes, as metas, os objetivos, em suma, as orientações de seu desenvolvimento.
Esse período em que começa a ser pensada a política de pós-graduação no Brasil através dos PNPG foi marcado no contexto mundial pela crise estrutural do sistema capitalista. Essa crise foi decorrente da inevitável desvalorização crescente do capital produtivo, que requereu, para a retomada das taxas de lucro, mudanças na estrutura do estado burguês, alteração na forma de organização do trabalho na escala mundial e a transferência maciça de capital para o setor financeiro, que estavam situados na base de uma economia política baseada no ajuste permanente fundo monetarista[4] comandada pelos organismos supranacionais, representantes dos interesses do capital monopolista estadunidense.
[...] as transformações então operadas levaram a novos processos de concentração/centralização do capital, deram mais preeminência ao que Lenin caracterizou como capital financeiro, que incidiram sobre as modalidades da acumulação, modificaram a estrutura técnica da produção e alteraram a divisão internacional do trabalho – reconfigurando a relação entre os países capitalistas centrais e os periféricos e conferindo nova ponderação aos grupos monopolistas transnacionais ligados a produção (as chamadas ‘empresas multinacionais’) a às agências financeiras. (PAULO NETTO, 2014, p. 187).
Na base dessas determinações, o contexto socioeconômico brasileiro aprofundou o processo de industrialização, que engendrou mudanças em seu papel dentro da divisão internacional do trabalho, deixando de ser mero produtor e fornecedor de matérias primas e passando a incentivar a produção de produtos industrializados no país, mediante a chegada das empresas transnacionais; o governo militar teve um papel fundamental na aprovação de medidas facilitadoras para a entrada de capital estrangeiro. (SILVA, 2015, p. 229)
No que diz respeito às mudanças na estrutura técnica da produção no mundo, esse período é marcado pela crise do padrão de acumulação baseado no sistema taylorista/fordista, que deu lugar a um dos novos padrões de acumulação na forma de mesclas do taylorismo e do fordismo com outros processos produtivos ou de sua substituição pelo sistema toyotista proveniente da experiência japonesa que instituiu a chamada acumulação flexível. É, sobretudo na década de 1980, que os países do capitalismo avançado sofrem essas profundas transformações no mundo do trabalho.
Nesta década de grande salto tecnológico, a automação e a robótica invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho e de produção do capital. [...] O fordismo e o taylorismo já não são únicos e mesclam-se com outros processos produtivos (neofordismo e neotaylorismo), sendo, em alguns casos, até substituídos, como a experiência japonesa permite constatar. Novos processos de trabalho emergem; onde o cronômetro e a produção em série são substituídos pela flexibilização da produção, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado. (ANTUNES, 1997, p. 61).
O principal objetivo dessas alterações no mundo do trabalho é aumentar a capacidade de extração de mais-valia da força de trabalho do trabalhador e, neste sentidotraz, também, profundas implicações no que diz respeito aos direitos do trabalho que são desregulamentados e flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para adequar-se à sua nova fase.
No Brasil, a expansão das transnacionais em seu território na dinâmica econômica – que vinha ocorrendo desde o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) com a abertura para o capital internacional e que foi se consolidando ao longo dos governos subsequentes – foi um fator importante no processo de incorporação pela indústria brasileira das novas formas de organização do trabalho.
Essa nova forma de reorganização do trabalho engendra implicações profundas na subjetividade do trabalho, acarretando metamorfoses na essência do trabalho, que podem ser reconhecidas, segundo Antunes (1997, p. 62), no abandono do sindicalismo de classe dos anos de 1960-1970 e a adoção ao acrítico sindicalismo de participação e negociação que não questiona a ordem do capital e do mercado, mas apenas as suas manifestações imediatas.
Portanto, foi nessa conjuntura, a partir das determinações do desenvolvimento do capitalismo monopolista, em sua fase imperialista e marcada por sua crise estrutural, que gerou a imposição do ajuste a escala mundial, tendo como resultado o processo de reestruturação produtiva e intensificação da exportação de capitais, que o Brasil enfrentou a necessidade de formação de mão de obra qualificada para o setor produtivo, cuja pós-graduação constituía, neste sentido, um setor estratégico que exigia sua regulamentação.
Dessa forma, é nesse contexto que surge pela primeira vez, em 1973, uma política específica para a área de pós-graduação sob a forma do I PNPG que vigorou no período de 1975 a 1979, aprovado pelo governo Geisel, que tinha como Ministro da Educação e Cultura Ney Braga, instituído pelo Conselho Nacional de Pós-graduação, enquanto grupo interministerial, criado pelo Decreto 73.441 no governo Médice[5].
O I PNPG foi produzido tendo por base as diretrizes pertencentes ao II PND, que foi elaborado levando em consideração as imposições da UNESCO na Recomendação sobre Educação para a Compreensão Internacional, Cooperação e Paz e educação relativa aos direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 19 de novembro de 1974. O documento possui 57 páginas e está dividido em quatro capítulos: 1) Introdução; 2) Análise da Evolução da Pós-graduação no Brasil; 3) Objetivos e Diretrizes Gerais e 4) Programas e Metas de Expansão.
O foco central do I PNPG foi a expansão da pós-graduação, tendo em vista transformar as universidades em verdadeiros centros de atividades criativas permanentes voltadas para a formação de professores para atuar no magistério superior e na formação de mão de obra para o mercado de trabalho em expansão, tal como se apresenta em seus objetivos principais:
a) Formar professores para o magistério universitário, a fim de atender à expansão quantitativa deste ensino e à elevação da sua qualidade; b) Formar pesquisadores para o trabalho científico, a fim de possibilitar a formação de núcleos e centros, atendendo às necessidades setoriais e regionais da sociedade; c) Preparar profissionais de nível elevado, em função da demanda do mercado de trabalho nas instituições privadas e públicas. (BRASIL, 2004 p. 125, grifo nosso).
Para atingir esses objetivos, o I PNPG estabeleceu as três principais diretrizes que deveriam ser postas em movimento, tendo em vista o desenvolvimento e expansão da pós-graduação:
1ª – institucionalizar o sistema, consolidando-o como atividade regular no âmbito das universidades e garantindo-lhe um financiamento estável;
2ª – elevar os seus atuais padrões de desempenho e racionalizar a utilização dos recursos, aumentando o rendimento e a produtividade dos processos de trabalho, assegurando a melhor qualidade possível dos cursos;
3ª – planejar sua expansão em direção a uma estrutura mais equilibrada entre as áreas de trabalho educacional e científico e entre as regiões do País, minimizando a pressão atualmente suportada por esta parte do sistema universitário, aumentando a eficácia dos investimentos, e ampliando o patrimônio cultural e científico. (BRASIL, 2004 p. 126, grifo do original).
É possível ver muito claramente nessas diretrizes a intenção de alcançar a expansão da pós-graduação, tendo em vista constituir um sistema consolidado, através da introdução de elementos inerentes a estruturas organizacionais empresarias, enfatizando que a melhor “qualidade” possível dos cursos passa pelo aumento dos padrões de desempenho, da racionalização dos recursos, eficácia dos investimentos e aumento do rendimento e produtividade. Apesar de almejar a melhor qualidade possível dos cursos, o I PNPG apresenta apenas fatores de ordem quantitativa, desconsiderando questões importantes como a relação entre a pós-graduação, a produção do conhecimento e as questões sociais.
Portanto, o I PNPG dá início ao processo de expansão da pós-graduação sob o controle do Estado como estratégia para o desenvolvimento econômico, apontando objetivos e diretrizes voltados para a formação de um novo quadro de recursos humanos e o atendimento das necessidades postas pela realidade conjuntural do mercado de trabalho no modelo de expansão urbano-industrial dependente de capital estrangeiro norte-americano.
Deste modo, no contexto das mudanças ocorridas no âmbito educacional e do processo histórico-social brasileiro como um todo, a pós-graduação se estabelece como fruto de uma sociedade que é forçada a se adaptar a uma condição de dependência cultural. O processo de estruturação, regulamentação e expansão dos cursos se apresentou, portanto, como mais um importante mecanismo de discriminação social, uma vez que esteve claramente direcionado para a reprodução das hierarquias sociais, procurando diversas formas de ligar-se ao processo de desenvolvimento capitalista. (SILVA, 1997, p. 39).
O próprio I PNPG reforça a condição de dependência cultural sob a qual se desenvolvia a sociedade brasileira quando apontava a necessidade de “absorção de tecnologia e de métodos político-administrativos novos e mais eficazes, o que tem sido parcialmente suprido com a importação de conhecimentos e serviços”, embora exista, também, a necessidade da produção científica própria e regular (BRASIL, 2005, p. 122).
Todavia, os objetivos e diretrizes principais apresentados pelo I PNPG, na prática, apontaram para uma contradição neste período da história do desenvolvimento da pós-graduação que, segundo Hostins (2006, p. 137), consiste no fato de que se formou um contexto que abriu espaço para a atuação de uma intelectualidade crítica e atuante no horizonte cultural do país, pois até então a formação nas universidades se restringia a pequenos setores da elite brasileira.
Uma realidade que não se observou, por exemplo, nos regimes militares instituídos no Chile, na Argentina e no Uruguai, onde o sistema universitário passou por um processo de desmantelamento. Isso porque o ideal nacionalista do “Brasil-potência[6]” – contudo, não livre de contradições – levou o governo a promover articulações, junto a representantes da comunidade científica e universitária, com o objetivo de fomentar a modernização da universidade e da ciência e tecnologia que resultaram na implementação de políticas como o I PBDCT, o II PND e, mais tarde, o I PNPG que produziram efeitos transformadores, ainda que tenham ocorrido através do autoritarismo do governo militar.
Por outro lado, muitos desses efeitos transformadores levaram a um processo de burocratização nas universidades, que ao serem transformadas em complexas organizações pautadas no ideal liberal, consequentemente, passaram a ter todas as suas atividades desenvolvidas absolutamente regulamentadas e controladas por organismos externos a sua própria estrutura, principalmente no que diz respeito à pós-graduação. A avaliação da pós-graduação passou a ser aspecto nodal no seu desenvolvimento e, neste contexto, a CAPES, assumindo este papel, implantou em 1976 a sistemática de avaliação de consultores (avaliação por pares), aplicada desde 1978.
Com esse novo papel, a CAPES passou a adquirir gradativamente uma maior importância no contexto da pós-graduação até se tornar oficialmente a agência responsável pela elaboração do PNPG, com a extinção, em 1981, do Conselho Nacional de Pós-graduação (CNPG). Foi esta agência que formulou o II PNPG e todos os subsequentes.
O II PNPG, instituído durante o governo presidencial de João Baptista de Oliveira Figueiredo, que vigorou no período de 1982 a 1985, caracterizou-se por um momento histórico de consolidação dos cursos já existentes. Para isso, o II PNPG reafirmou os princípios já ressaltados no parecer 977/65 e no I PNPG e apontou novos aspectos para tentar solucionar problemas que impediam essa consolidação.
A primeira metade da década de 1980 foi marcada pelo esgotamento do chamado “milagre econômico”[7], frente a qual o governo Figueiredo não rompeu com o modelo econômico da ditadura militar, assumindo medidas que apenas empurrou para frente os efeitos da crise. Essa realidade culminou no fracasso do modelo econômico da ditadura que se expressou em uma grande recessão econômica que gerou um desastre econômico-social. Crise que foi impulsionada pela conjuntura mundial configurada pelo denominado “segundo choque do petróleo”[8], considerando que o Brasil era o terceiro importador mundial desta mercadoria.
Com a expressão desastre econômico-social, nos referimos ao grande e brutal impacto que a recessão econômica exerceu sobre a massa da população. Entre 1979 e 1984, a renda per capita reduziu-se em 25%; entre junho de 1982 a abril de 1985, os salários reais caíram 20%; entre 1981 e 1983, com o setor industrial experimentando uma retração de 52%, a taxa de desemprego nele registrada foi de 7,5%, sendo que em agosto de 1981, apenas nas regiões metropolitanas, havia 900 mil desempregados.
Dados do DIEESE apontaram que, em 1981, 30,3% da população economicamente ativa do país estavam desempregada ou subempregada. Os índices de pobreza atingiram níveis alarmantes: se em 1979 a população com renda familiar per capita inferior à linha da pobreza somou 38,7%, em 1984 passou para 48,39%; cresceu, também, a extrema pobreza, que saltou de 17,25 milhões em 1979 para 23,70 milhões em 1985. (PAULO NETTO, 2014, p. 215)
Outra questão importante para a caracterização do panorama econômico do país, naquele período, é que em função da própria crise do sistema capitalista, os EUA, por meio FED (Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos), tomaram a decisão de elevar as taxas de Juros, o que gerou grande impacto dos países latino-americanos, principalmente naqueles que contraíram dívidas externas baseadas predominantemente em juros flutuantes, como foi o caso do Brasil.
Dentro deste quadro, que contava com o assessoramento do FMI, em 1982 o governo militar se viu obrigado a reconhecer o fracasso de seu modelo econômico e declarar uma moratória, ainda que parcial, pois atingiu apenas as amortizações, deixando o pagamento dos juros intactos, que era o que realmente interessava aos banqueiros imperialistas. (PAULO NETTO, 2014, p. 213) Tudo isso apontou para o esgotamento do regime empresarial-militar e para o início de uma reabertura democrática republicana.
Durante esse período de desastre econômico-social, o II PNPG apresentou de maneira muito mais explícita a relação entre a pós-graduação, enquanto área estratégica para o desenvolvimento técnico e científico, e as exigências do setor produtivo. A pós-graduação foi concebida naquele plano como uma área que pudesse suprir as demandas de formação profissional para atuar na produção de bens e consumo que se desenvolveu rapidamente no Brasil no período em que vigorou aquele plano. Por isso, os dois focos apontados pelo II PNPG foram: formar professores para atuar no ensino superior e profissionais para o trabalho nos mercados de bens e consumo em expansão.
A formação de professores para trabalhar no ensino superior era, evidentemente, uma necessidade decorrente do objetivo da própria expansão da pós-graduação para formar um número maior da mão de obra. Portanto, a ênfase se situou na formação profissional para o mercado de trabalho.
[...] as funções da pós-graduação se dividem entre a formação de docentes pesquisadores para a esfera acadêmica; a capacitação e o treinamento de pesquisadores e profissionais destinados a aumentar o potencial interno de geração, difusão e utilização de conhecimentos científicos no processo produtivo de bens e serviços e a formação de recursos humanos para o desenvolvimento cultural do país (BRASIL, 2005, p. 184).
Pouca ênfase foi dada no II PNPG à questão da produção do conhecimento científico e sua relação com o desenvolvimento social e cultural do país que ficaram relegados a um segundo plano frente ao papel que o documento atribui à pós-graduação de se constituir como setor estratégico para criação de força de trabalho, tanto para atender ao mercado emergente, como para fomentar o seu desenvolvimento, tarefa para qual era importantíssima a formação de profissionais altamente qualificados com titulação de mestre e doutor.
[...] o País deverá criar sua força de trabalho, não só para municiar o mercado emergente como também estimular a sua abertura, no sentido de uma crescente autonomia na área científica e tecnológica. É necessário, pois, assegurar a absorção de um número crescente de mestres e doutores e dar-lhes condições para o efetivo exercício de sua capacidade produtiva e criativa. (BRASIL, 2005, p. 183).
É por esse motivo que o II PNPG, ao constatar a existência de universidades sem condições para o desenvolvimento da pesquisa – principalmente no setor privado, mas, também, em algumas universidades públicas menores – devido a condições precárias de trabalho e sobrecarga de ensino, não apontou um fator negativo a ser superado, mas uma realidade favorável de mecanismos diferenciados para atender necessidades distintas. (BRASIL, 1981, p. 183-184)
Nesse sentido, o II PNPG estabeleceu três objetivos básicos: 1) aumentar qualitativamente o desempenho global do sistema, pela criação de estímulos e condições favoráveis, bem como acionando mecanismos de acompanhamento e avaliação; 2) compatibilizar pós-graduação e pesquisa com as prioridades nacionais e com a natureza das matérias de formação básica que a precedem na universidade; 3) favorecer uma melhor coordenação entre as diversas instâncias governamentais que atuam na área de pós-graduação. (BRASIL, 1981, p. 184-186)
Uma preocupação muito grande foi dada à questão da avaliação dos programas, como se observa no primeiro objetivo básico, tendo em vista o aumento do desempenho do sistema como um todo. Foi justamente no período de vigência do II PNPG que se consolidou a sistemática de avaliação que, compatível com a concepção de pós-graduação presente no documento, trouxe como características: a) o predomínio dos indicadores quantitativos; b) a valorização do produto em detrimento do processo; c) a classificação hierárquica; d) a constituição de um único padrão de universidade e de pós-graduação e a penalização dos já penalizados. (HOSTINS, 2006, p. 140)
O segundo objetivo, ao salientar a compatibilização da pós-graduação às prioridades nacionais, como está expresso em várias partes do documento, se refere, obviamente, à questão de colocá-lo a serviço das necessidades do mercado, formando mão de obra para supri-lo.
Entre as premissas apontadas pelo II PNPG, destacamos a última que salienta a necessidade de criação de fontes múltiplas de financiamento para o êxito da política nacional de pós-graduação, considerando mecanismos que auxiliam na complementação do orçamento das instituições. Essa é uma tendência que foi se fortalecendo ao longo do desenvolvimento da pós-graduação brasileira, através das parcerias entre universidades públicas e empresas privadas, assim como através da cobrança de taxas.
As buscas por fontes diversificadas de financiamento para a pós-graduação e a preocupação com a criação de um sistema de avaliação dos programas são reafirmados, entre as principais prioridades e diretrizes contidas no II PNPG, que devem nortear a política de pós-graduação. Além disso, foi defendida entre as diretrizes a ampliação das opções de formação pós-graduada, cuja intenção foi a de criar cursos que se voltem mais para a questão da atuação profissional, outra tendência que avançou, anos mais tarde, através da proliferação dos mestrados profissionais.
De acordo com Silva (1997, p. 49), durante a vigência do II PNPG ocorreram muitas críticas referentes a estrutura dos cursos de mestrado e doutorado, as tendências filosóficas e aos interesses políticos; se faziam denúncias ao engessamento que representavam as áreas de concentração e reivindicavam-se novas concepções de pós-graduação. Essas mudanças, porém, só começaram a se concretizar na vigência do III PNPG.
O III PNPG foi aprovado em 1986, durante o governo de José Sarney, e vigorou no período de 1986 a 1989. Aquele plano, logo em sua introdução, apontou que muitos estudos, por parte de órgãos do governo e da comunidade científica foram realizados no intuito de resolver problemas relacionados à política de formação de recursos humanos; entretanto, alertou para o fato de que o país ainda não possuía um número suficiente de cientistas que possibilitasse atingir, a curto prazo, a plena capacitação científica e tecnológica, sendo, portanto, necessário um programa agressivo de formação de recursos humanos qualificados com o objetivo de atingir a independência econômica, científica e tecnológica do país no século XXI. (BRASIL, 2004, p. 193).
Esse momento histórico do Brasil compreendeu a reabertura democrática do regime político. Com a imersão das contradições da política econômica frente ao desastre econômico-social decorrente do fracasso do modelo econômico da ditadura, o governo militar atingiu o seu esgotamento, com o proletariado jogando um importante papel na dinamização da abertura democrática; “a insatisfação generalizada, o descrédito da política econômica do governo e os sinais de deterioração da sua base político-parlamentar levaram, ao longo de 1983 e especialmente de 1984, à acentuação do desgaste do isolamento do regime”. (PAULO NETTO, 2014, p. 238)
Apesar da abertura democrática, não houve mudanças radicais na orientação da economia política do país. Com o agravamento da crise econômica que resultou em mais uma moratória da dívida pública em 1987, e em sintonia com muitas das recomendações do FMI, Sarney aplicou, em seu governo, uma política de austeridade, cortando verbas de serviços públicos para garantir o pagamento dos juros da dívida.
Foi nessa conjuntura de verbas escassas para os serviços públicos que foi elaborado o III PNPG, que traçou no documento os seguintes objetivos: 1) consolidação e melhoria do desempenho dos cursos de pós-graduação; 2) institucionalização da pesquisa nas universidades para assegurar o funcionamento da pós-graduação; 3) integração da pós-graduação no sistema de Ciência e Tecnologia, inclusive com o setor produtivo. (BRASIL, 2004, p. 195).
Apesar da apresentação muito clara da ideologia da autonomia nacional, que segundo o próprio documento passou pela independência no âmbito da economia, da ciência e da tecnologia, o III PNPG restringiu esses fatores à questão econômica, sem questionar os problemas sociais candentes do país em áreas como saúde, educação, segurança, infraestrutura urbana, mobilidade social e transporte público. Assim, a pretendida construção de um sistema de pós-graduação que contribuísse para superação da condição de subdesenvolvimento e dependência externa foi diluída na proposta de integrá-la com o setor produtivo, ou seja, submeter os programas à lógica de funcionamento das empresas e subsumi-las ao capital produtivo, em uma clara linha de continuidade aos planos anteriores.
Levando em consideração a análise da situação da pós-graduação naquele período, entre as premissas lançadas e os objetivos propostos, o III PNPG estabeleceu uma relação mais estreita entre a pós-graduação e a produção do conhecimento e colocou a necessidade de orçamento específico, infraestrutura adequada, fomento a projetos de pesquisa por meio de agências, a partir de critérios baseados na meritocracia, para institucionalizar, portanto, a pesquisa e a pós-graduação, visando garantir sua qualidade, considerado como necessário para o desenvolvimento científico, tecnológico, social, econômico e cultural do país. (BRASIL, 2004, p. 209)
Em um de seus objetivos, o III PNPG destacou a necessária articulação com o setor produtivo. Isso indica a articulação da produção do conhecimento com a atividade produtiva, sua aproximação com o desenvolvimento das tecnologias para o aumento da produtividade. O referido plano desconsiderou problemas sociais cruciais que a produção do conhecimento pudesse vir a investigar, mediante o pensamento crítico, como a desigualdade social, o desemprego estrutural, o analfabetismo, justamente problemas sociais que estavam se agravando ano após ano.
Apesar dessas preocupações no que se refere ao desequilíbrio do desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa entre as regiões do país, cuja concentração maior se encontra nas regiões sul e sudeste (BRASIL, 2004, p. 203), este quadro pouco mudou, não só no período em que vigorou o III PNPG, mas, também, em outros planos subsequentes, de forma que, até hoje, ainda vivenciamos um quadro semelhante.
Segundo Silva (1997, p. 57), embora apresentasse um caráter aparentemente crítico, o III PNPG, reconhecendo, inclusive, os problemas gerados pela política inicial dos cursos de pós-graduação, não conseguiu atingir os objetivos propostos para superar este quadro; isto porque o governo assumiu uma postura de total desrespeito e descaso com a pós-graduação, resultando em seu sucateamento e abandono; tanto o governo Sarney quanto o governo Collor, que o sucedeu, pautaram-se numa política de cortes orçamentários que reduziram drasticamente as verbas federais para o desenvolvimento da pesquisa, além de terem extinto o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)
No governo de Itamar Franco não houve mudanças significativas na política de pós-graduação e de ciência e tecnologia, mas teve um avanço com a volta do MCT, que resultou em ganhos imediatos como o aumento de verbas para a área, a criação de carreira de pesquisa para os órgãos federais, a correção nos valores das bolsas, a criação de novos programas e a retomada de outros que haviam sido interrompidos.
Mas, muitos problemas ainda perduraram, e a comunidade científica continuou denunciando o descaso do governo com relação ao setor de ciência e tecnologia que trouxe muitas implicações, tais como: a) baixo índice de publicações científicas dos professores ligados às universidades; b) abandono da carreira acadêmica por pesquisadores jovens, devido aos obstáculos de ordem econômica, política e burocrática; c) evasão de pesquisadores para outros países com melhores condições objetivas para o desenvolvimento da pesquisa científica; d) baixa qualidade das pesquisas desenvolvidas no país.
Segundo Hostins (2006, p. 142), a década de 1990 foi marcada pela mudança ou redirecionamento das funções da universidade pública do status de identidade pública, própria do Estado de Bem Estar, para o status de identidade mercantil, própria do Estado Empresarial, o que trouxe implicações expressas: a) na expansão significativa da matrícula; b) na diversificação da oferta; c) em propostas de mestrados profissionalizantes; d) diversificação das fontes de financiamento; e) nas alianças estratégicas entre agências internacionais, governos e corporações; f) na diferenciação dos docentes em função de indicadores de produtividade; g) internacionalização e globalização do conhecimento; h) predomínio de Tecnologias da Informação e da Comunicação e de alternativas de aprendizagem à distância; i) redefinição das estruturas que regulam a produção e circulação do conhecimento em âmbito global.
As políticas de ajustes pautadas no neoliberalismo atingiram seu auge durante os dois mandatos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e impulsionaram o processo de privatização e mercantilização da universidade sob o pretexto da melhoria e democratização da educação superior. Neste sentido, muitos documentos que orientaram a política de pós-graduação neste período suscitaram mudanças como a diminuição do tempo de certificação, a redução do número de bolsas e de seu tempo de duração, a redefinição do mestrado com o privilegiamento do doutorado e a vinculação de teses e dissertações a projetos de pesquisa institucional.
Houve, nesse período, uma tentativa de um novo plano de pós-graduação, mas uma série de circunstâncias, como sucessivas crises na economia, geraram cortes no orçamento para aplicação deste plano; o afastamento de agências de fomento do seu processo de elaboração impediu que este fosse concretizado. Todavia, segundo Martins (apud HOSTINS, p. 154, 146), algumas das recomendações que faziam parte deste plano foram implantadas pela diretoria da CAPES, em que se destaca: a) expansão do Sistema Nacional de Pós-graduação; b) diversificação do modelo vigente de pós-graduação de modo a atender, também, ao meio profissional; c) mudanças no processo de avaliação; d) implantação do portal de periódicos e inserção internacional da pós-graduação.
No que tange à diversificação do modelo vigente de pós-graduação, visando atender ao meio profissional, ocorreu o processo de criação de mestrados profissionais, ancorados na formação voltada para outras funções distintas do perfil da tradicional pesquisa acadêmica. Os mestrados profissionais, inicialmente, receberam muitas críticas, principalmente por parte da comunidade acadêmica ligada à área da educação. Entretanto, se fortaleceu a partir de um crescente movimento em prol da profissionalização induzida pelas políticas da CAPES.
Somente em 2004, durante o governo Lula (2003-2011), foi construído o IV PNPG que vigorou no período de 2005 a 2010; este plano afirmou que um dos seus objetivos fundamentais é a expansão do sistema de pós-graduação, visando o aumento do número de pós-graduandos necessários para a qualificação do sistema de ensino superior, de ciência e tecnologia e do setor empresarial do país. (BRASIL, 2004, p. 9)
O IV PNPG retomou os pontos centrais de todos os planos anteriores, assim como defendeu interesses históricos e apontou os limites de cada plano, para, basicamente, reafirmar os objetivos e diretrizes para o desenvolvimento do sistema nacional de pós-graduação, já tratados nos planos anteriores. Neste sentido, o IV PNPG apontou como aspectos fundamentais para sua formulação os seguintes fatores: a) evolução das formas de organização da pós-graduação brasileira; b) formação de recursos humanos para pesquisa, desenvolvimento e mercado de trabalho; c) integração entre pós-graduação e graduação; d) carreira acadêmica e qualificação do corpo docente do sistema de ensino superior; e) avaliação pela CAPES; f) expansão da pós-graduação via crescimento das áreas e discussão do desequilíbrio regional; g) financiamento e custo da pós-graduação. (BRASIL, 2004, p. 17)
Através de um diagnóstico detalhado da evolução da pós-graduação no país, o IV PNPG indicou que a expansão do sistema deveria considerar quatro vertentes: a) capacitação do corpo docente para as instituições de Ensino Superior; b) qualificação dos professores da educação básica; c) especialização de profissionais para o mercado de trabalho público e privado; d) formação de técnicos e pesquisadores para empresas públicas e privadas. (BRASIL, 2004, p. 48)
Além desses indicadores, o IV PNPG apresentou orientações voltadas para a avaliação do sistema, que deveria tomar como medida da qualidade da pós-graduação: a) qualidade da produção científica e tecnológica dos grupos de pesquisa que a compõem; b) o quantitativo de doutores titulados que sairiam da Iniciação Científica diretamente para o Doutorado; c) a interação da pós-graduação com o setor empresarial.
Podemos reconhecer como o IV PNPG, até mesmo quando ainda não efetivado na década de 1990, mas com algumas de suas orientações implementadas, vem desde esse período até 2010 estruturando a sistema nacional de pós-graduação. Havia interesses da comunidade científica internacional, alicerçados a um processo de dependência da educação superior, que engendrava a produção do conhecimento por meio de políticas neoliberais de ajustamento do sistema de privatização. A produção do conhecimento, enquanto força produtiva, estava aliada ao processo de ampliação do capital e à concentração da riqueza, que historicamente vem se expressando na forma de mercantilização do conhecimento.
Nos governos de Lula e Dilma o modelo econômico foi marcado por um processo contraditório de ruptura e continuidade com o ideário neoliberal. De fato, esses governos se basearam na continuidade da política neoliberal, beneficiando o setor financeiro do capital, inclusive na área da educação superior. Além disso, as políticas públicas se direcionaram para os programas de alívio à pobreza, isto é, se caracterizaram por políticas compensatórias que, se não combateram os problemas pela sua raiz, (mas) serviram para remediar as consequências sociais de um modelo econômico essencialmente excludente.
Situado nesta conjuntura, o V PNPG apresenta três pontos centrais para compreendermos as perspectivas da pós-graduação nesta década. O primeiro se refere ao forte apelo educacional na forma de políticas públicas direcionadas para todos os níveis de ensino, que destacam: a) a preocupação com a formação técnica para alunos de baixa renda, do ensino médio, através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC); b) democratização do acesso ao ensino superior, através do Programa Universidade Para Todos (PROUNI); c) modalidade de educação à distância e expansão de universidades públicas e privadas d) a expansão da pós-graduação através de programas como - Ciência sem Fronteiras; e) incremento nas verbas da CAPES e do CNPq ao fomento de bolsas e de pesquisas, através de editais de apoio que privilegiam áreas tecnológicas e pesquisas fortemente vinculadas à Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). (SILVA JÚNIOR; KATO; FERREIRA, 2013, p. 451)
Esses dados, aparentemente, podem expressar uma preocupação com a democratização do ensino em todos os níveis e elevação do padrão cultural da população; mas, trata-se, na verdade, de uma política voltada para a formação de recursos humanos necessários à valorização do capital estrangeiro, que adentra o país sob o pretexto de melhorar a sua infraestrutura; entretanto, dados divulgados pelo DIEESE em 2014[9]demonstram que grande parte do valor produzido pela força de trabalho brasileiro, qualificados pelos programas apontados, acima, são enviados ao exterior desvendando a falácia por trás do discurso desenvolvimentista.
O segundo ponto se refere ao sistema de avaliação, classificação e orientação da pós-graduação que coloca uma camisa de força na autonomia universitária, comprometendo fortemente a formação de professores e a produção do conhecimento
Dessa maneira, a produção do conhecimento é fortemente afetada pelo modelo de avaliação da CAPES, pautada em indicadores de excelência que burocratizam o processo de produção do conhecimento na universidade e restringem a crítica e o debate livre.
Por fim, o terceiro aspecto do V PNPG que apontamos é o das diretrizes do sistema nacional de pós-graduação para a década em que nos encontramos; nelas está contida a preocupação em realizar uma diferenciação institucional dos programas de pós-graduação stricto sensu. Destaca-se o papel da CAPES de incentivar e conduzir, sob o pretenso discurso do desenvolvimento econômico e social do país, a expansão da formação de pós-graduados voltados para atividades extra-acadêmicas, apresentando entre as estratégias o incentivo à criação dos mestrados profissionais. (SILVA JÚNIOR; FERREIRA; KATO, 2013, p. 453)
Mediante o exposto, reconhecemos que há indicadores que nos permitem reconhecer que no atual processo histórico a universidade se transformou em instrumento para o processo de produção e valorização do capital, que atende aos interesses de uma classe minoritária. O esforço de análise dos PNPG que realizamos confirma essa tese. Os planos são apenas uma expressão no plano político do domínio material exercido pelo interesse do Estado burguês.
A investigação que realizamos nos permitiu identificar que os PNPG, enquanto diretrizes que traçam as coordenadas materiais para a produção científica desenvolvida nos programas de pós-graduação no país, desde a década de 1970, apontam em seus principais objetivos uma dada lógica que alimenta a subsunção dos projetos de pesquisas dos programas de pós-graduação stricto sensu, assim como a formação de professores/pesquisadores aos interesses do capital.
Embora os cinco planos tenham, em linhas gerais, traçado ao longo destes anos uma política de expansão da pós-graduação no Brasil vinculada à necessidade de superar sua condição de subdesenvolvimento e dependência técnico-científica, há de se reconhecer que o processo histórico de consolidação da pós-graduação foi conduzido de modo a atender, hegemonicamente, aos interesses do setor privado.
Com a crise estrutural do capital a partir da década de 1970 e o fenômeno crescente da financeirização da economia mundial, o imperialismo estadunidense, por intermédio de seus instrumentos de dominação, os organismos supranacionais (FMI, BM, OMC etc.) impuseram ao mundo a política do ajuste permanente fundometário cujo principal objetivo foi o de operar na escala mundial a diminuição do valor da força de trabalho como forma de enfrentar a crescente dificuldade de valorização do capital.
Os ataques aos direitos democráticos, privatizações dos serviços públicos, desmantelamento do poder dos sindicatos, cortes de gastos públicos, flexibilização/precarização do mercado de trabalho foram elementos que fizeram parte das contrarreformas dos Estados, visando a garantia dos ganhos da fração dominante do capital (o capital financeiro). Este fenômeno chegou com maior força no Brasil nos anos de 1990, sobretudo a partir do governo de FHC. Essas políticas, no essencial, se mantiveram nos governos que se seguiram, de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, apesar do reconhecimento de determinadas rupturas com os regimes anteriores de governo e de terem adotado medidas mais progressistas.
Nesse sentido, a política nacional de pós-graduação foi traçada nos PNPG sobre a base da defesa da necessidade histórica de integração da produção do conhecimento ao capital produtivo, em detrimento dos problemas vitais da sociedade brasileira, como as questões do combate à fome e a miséria, a saúde, a educação, moradia, transporte, violência, esporte, lazer, cultura e outros.
Os PNPG foram engendrados historicamente na mesma lógica de transformação da função social da universidade pública, enquanto instituição social voltada para a organização operacional, na qual a pesquisa científica é, em grande medida, regida por interesses alheios à função social do professor/pesquisador e é determinada por fatores externos à universidade. Nesta realidade, o professor/pesquisador é sujeitado a produzir conhecimento na lógica mercantil com objetivo de vender conhecimento ou alcançar metas estabelecidas, de produzir um conhecimento útil e disponível para o consumo imediato na lógica do descartável e da obsolescência instantânea, conforme as determinações dos editais das fundações de amparo à pesquisa e órgãos financiadores.
Essa lógica gera a intensificação do trabalho docente com o aumento de horas-aulas dos professores e reduz o tempo de dedicação para a formação stricto sensu; a avaliação dos programas é pautada, prioritariamente, no quantitativo de publicações em periódicos com qualis considerados privilegiados (A1 a B2); ocorre, também, a multiplicação de criação de comissões e a exigência de elaboração de múltiplos relatórios para responder à execução de pesquisas, cujos recursos são alocados, muitas vezes, em fundações privadas. Esses e muitos outros fatores externos e internos, que se inserem na vida das universidades, vêm precarizando substancialmente o trabalho intelectual dos professores/pesquisadores.
Portanto, a realidade em que se coloca a produção do conhecimento tem nexos e relações com a Política Nacional de Pós-graduação, presentes nos PNPG, que traçam os rumos da produção do conhecimento em direção à valorização do capital e com o modo de produção capitalista em sua fase imperialista.
Para enfrentar as contradições que determinam a política de pós-graduação no Brasil, é necessário considerar a superação das contradições da Política Nacional de Pós-graduação delineada nos PNPG que, por sua vez, passa pelo esforço da luta da classe trabalhadora pelo fim do regime da propriedade privada dos grandes meios de produção, que se constituem, hoje, em um obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas da humanidade, incluindo a expansão e democratização do que é produzido de conhecimento científico nos programas de pós-graduação.