Resenha

HAIDER, Asad. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Tradução: Vinicius Liberato. São Paulo: Editora Veneta, 2018. 144 p.

Claudia Alves Durans
Universidade Federal do Maranhão - UFMA, Brasil

HAIDER, Asad. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Tradução: Vinicius Liberato. São Paulo: Editora Veneta, 2018. 144 p.

Revista de Políticas Públicas, vol. 25, núm. 2, pp. 788-795, 2021

Universidade Federal do Maranhão

HAIDER Asad. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje.. 2018. São Paulo. Editora Veneta. 144 p.pp.

O livro Armadilha da Identidade: raça e classe nos dias de hoje, do autor Asad Haider, filho de paquistaneses e nascido no estado da Pensilvânia-EUA, expõe uma rica e necessária reflexão sobre a questão da identidade, envolvendo duas outras categorias fundamentais: raça e classe. Parte da reflexão sobre sua experiência pessoal desde a infância, com garotos brancos na escola, onde não o reconheciam como do lugar; das férias em Karochi (Paquistão), quando visitava seus familiares e estes apontavam o seu sotaque americano, passa, ainda, pelo 11 de setembro de 2001, data do ataque às torres gêmeas nos EUA, a partir do qual emergiu violenta hostilidade com os de aparência árabe, não interessando se nascido no Iraque, Paquistão etc., todos acusados de terroristas. São acontecimentos que forçaram o autor a pensar sobre a sua identidade.

Extremamente estudioso, Asad Haider tratou de buscar compreender a questão da identidade aliando sua vivência e questionamentos pessoais e individuais à leitura de autores como Marx e Engels, especialmente o Manifesto Comunista (Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos!) e Henri Millerno e seu nomadismo (Tudo é partida, mudança, passagem, salto, daemon, relação com o exterior), que levam ao reconhecimento da impossibilidade de estabelecimento de um território fixo. Também, chama a atenção de Asad Haider a biografia de Newton Huey P., fundador do Partido dos Panteras Negras que, na prisão, no confinamento em uma solitária, se empenhou em aprender a ler, debruçando-se sobre clássicos como A República de Platão. Huey e a vivência de uma exclusão que jamais sonhara viver, mas enfrentada mediante a união de crescimento intelectual e prática política, que o fez ir além da sua questão de identidade, assumindo uma política de solidariedade a Cuba, China, Palestina e Vietnã; serão inspiração para o autor e leva-o a reforçar as conclusões do Manifesto Comunista e a pensar que a pobreza do Paquistão e a opressão racial na Pensilvânia andam de mãos dadas, daí a necessidade de confrontar a ambas. Mais ainda: conclui que as análises de Marx não pertencem à Europa e sim a todo o mundo, aos que lutam contra as injustiças. Esse legado não podia ser circunscrito geograficamente. (HAIDER, 2018, p. 26).

A leitura da autobiografia de Malcolm X também foi fundamental para as reflexões de Haider, na medida em que, mesmo sendo cético com as religiões, mesmo sofrendo o preconceito contra os muçulmanos, nunca foi tentado a defender o Islã. Todavia, a experiência de Malcolm X, que foi além do Islã e em direção à solidariedade com aqueles/as que quisessem mudar o mundo, levou o autor a pensar que a esse tipo de muçulmano ficaria orgulhoso em se unir. “E, por mim, me unirei a qualquer um, que queira mudar essa situação miserável que existe neste planeta” (Malcolm X). (HAIDER, 2018, p. 27). Então compreende não haver solução para o duplo vínculo que muçulmanos e brancos estabeleceram com ele. “Era possível responder aos ataques dos muçulmanos sem assumir a ideologia conservadora e reacionária do islã? Por outro lado, era possível criticar o dano causado pelo fundamentalismo islâmico sem fazer o jogo dos racistas brancos? (HAIDER, 2018, p. 27).

Asad Haider segue em busca de respostas na teoria e na vida real. Conclui que é devastador viver com perguntas sobre quem você é e em um mundo com tantas injustiças. “Para opor-se a essa injustiça, o projeto de emancipação universal, de uma solidariedade global, só pode ser realizado através de organização e ação. Acredito que é possível alcançar isso, levar adiante a luta daqueles que vieram antes. Mas a ideologia dominante trabalha intensamente para nos convencer de que não há alternativa. Nessa realidade rasa e sem esperança, alguns escolhem os consolos do fundamentalismo. Mas outros escolhem o consolo da identidade”. (HAIDER, 2018, p. 29).

Para enfrentar esse debate, Asad Haider bebe ensinamentos na fonte do Coletivo Combahee River (CCR), grupo de militantes negras e feministas, que em 1977 utilizaram inicialmente a expressão “”. “Somos socialistas porque acreditamos que o trabalho deve ser organizado para o bem coletivo daqueles que fazem o trabalho e criam os produtos, e não para o lucro dos patrões. Os recursos materiais devem ser igualmente distribuídos entre aqueles que criam esses recursos. Porém, não estamos convencidas de que uma revolução socialista que não seja também uma revolução feminista e antirracista garantirá a nossa libertação.” (HAIDER, 2018, p. 32).

Como mulheres que enfrentavam o racismo e o machismo, assim como a lesbofobia (embora não citada pelo autor), que não encontravam espaço no movimento negro e no movimento feminista, compreenderam e anunciaram que os grandes sistemas de opressão estão articulados e a classe trabalhadora tem sexo e raça? Destacaram, inclusive, que a política mais profunda e potencialmente mais radical vem da própria experiência de identidade, o que não significa que a política deva ser reduzida às identidades específicas dos indivíduos. O CCR apresentou uma perspectiva de prática política real na qual se destaca a política de aliança com outros grupos oprimidos e explorados. Asad Haider sublinha que o início dessa proposta política alternativa real, potencialmente mais radical, que superaria as limitações do socialismo na construção de algo mais diversos, rico e inclusivo, foi deturpado e utilizado por uma política exatamente contrária. Denuncia a utilização dos termos interseccionalidade, privilégio e política identitária por Hilary Clinton com a intenção de combater o setor à esquerda no Partido Democrata. O liberalismo dos Clinton acabou fazendo mais mal às comunidades negras do que Reagan fez. (HAIDER, 2018, p. 34).

Recorre a Judith Butler para explicar como o liberalismo utiliza as identidades nas sociedades contemporâneas. Para o discurso liberal, as relações de poder são reduzidas à lei e a unidade básica é o indivíduo. Nessa perspectiva, o sujeito tem dois sentidos: 1) ter capacidade de ação, de exercer poder; 2) sujeição ao poder. Para a autora, o que chamamos de política identitária é produzida por um Estado que só pode dar reconhecimento e direitos a sujeitos totalizados na particularidade com o status de demandante. (HAIDER, 2018, p. 35). Se podemos reclamar que somos lesados com base em nossa identidade, podemos demandar o reconhecimento do Estado com base nisso. Sendo condição da política liberal, as identidades se tornam cada vez mais totalizantes e reducionistas. (HAIDER, 2018, p. 35). Então, Asad Haider adverte: a nossa capacidade de ação política através da identidade é exatamente o que nos prende ao Estado em condição de sujeição. Para Butler, a tarefa urgente é propor formas de recusar o tipo de individualidade correspondente ao aparato disciplinar do Estado moderno.

Seguindo a sua interlocução com Butler, Haider, porém, afirma que não poderemos alcançar tal proposição se considerarmos como dadas essas formas de individualidades, se as aceitarmos como ponto de partida da nossa análise e da nossa política. “Identidade é um fenômeno real: ela corresponde ao modo como o Estado nos divide em indivíduos, e ao modo como formamos a nossa individualidade em resposta a uma ampla gama de relações sociais. Entretanto, ela é uma abstração que não nos diz nada sobre as relações sociais específicas que a constituíram”. (HAIDER, 2018, p. 35). Haider propõe a utilização do método do materialismo histórico-dialético, que vai do abstrato ao concreto, para fazer aterrissar essa abstração. Nesse âmbito, deve-se rejeitar a “identidade” como base para pensar a política identitária. “Por essa razão, não aceito a divina trindade 'raça, gênero e classe' como categorias identitárias. Essa ideia de Espírito Santo da Identidade que ganha três formas divinas consubstanciadas não tem lugar na análise materialista. Raça, gênero e classe nomeiam relações sociais inteiramente diferentes e elas em si são abstrações que precisam ser explicadas em termos de histórias materiais específicas”. (HAIDER, 2018, p. 36).

Por seguir a análise materialista histórico-dialética, o autor enfatiza que o livro Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje é totalmente focado na raça e na história dos movimentos negros e as hipóteses baseadas em pesquisa sobre história racial, racismo e movimentos antirracistas, sem abandonar, evidentemente, o conceito de gênero, por exemplo. Define política identitária como “a neutralização de movimentos contra a opressão racial. É a ideologia que surgiu para apropriar esse legado emancipatório e colocá-lo a serviço do avanço das elites políticas e econômicas. (HAIDER, 2018, p. 37) A concretização dessa orientação teórico-metodológica ganha força nas análises feitas por Assad Haider sobre autores e experiências concretas que ocorreram nos EUA, a exemplo de Malcolm X, o Partido dos Panteras Negras, o movimento pelos direitos civis, o nacionalismo negro, os Black Lives Mater e a construção da ideologia da política identitária construída a serviço de interesses de uma elite negra.

Sobre Malcolm X, assinala aspectos pouco conhecidos como o aprofundamento de sua análise estrutural sobre a supremacia branca, favorecida por sua posição de classe: operário da Ford em Michigan, porteiro da Pullman, onde vivenciou as tensões e conflitos entre patrões e empregados, bem como o freio da burocracia sindical. O rompimento com o nacionalismo Cultural da Nação do Islã, a aproximação com movimentos anticoloniais na África e Ásia, que o levou a concluir que “Não existe capitalismo sem racismo” e a ser assassinado em 1965. (HAIDER, 2018, p. 37).

Ressalta a experiência do Partido dos Panteras Negras, seguidor da linha revolucionária de Malcolm X, que criticava a Nação do Islã, denominada por Huey Newton (líder dos Panteras Negras) de “nacionalismo costela de porco”, afirmando que essa se preocupava em voltar à antiga cultura africana para conquistar identidade e liberdade, mas, na prática, apagavam as contradições políticas e econômicas existentes entre os negros. Haider dá um exemplo dessa política: os Duvalier, no Haiti, quando o “papa doc” usava o discurso da identidade racial e cultura negras para justificar a sua ditadura corrupta e repressora. Para Huey, era preciso demarcar as diferenças entre esse tipo de nacionalismo e o nacionalismo revolucionário defendido pelos Black Panters, que pregava a luta inter-racial de classe e o poder para o povo e identificava o capitalismo como grande obstáculo aos interesses dos negros, que construíram a riqueza do país. “Devemos destruir tanto o capitalismo como o racismo” (HUEY apud HAIDER, 2018, p. 38).

Sobre o Movimento pelos Direitos Civis, Assad Haider nos informa sobre a configuração de um primeiro momento em que este se assemelhava aos movimentos operários de massa na Europa no pós-guerra, que se constituíram como construtores do projeto revolucionário que contribuiu para a formulação da teoria de Marx e, também, nos mostra como esse Movimento foi se tornando palatável. Nesse prisma, acentua que mesmo o Dr Martin Luther King, hoje propalado como um grande pacifista, teve seu discurso esvaziado dos conteúdos mais contundentes: sua oposição à guerra do Vietnã, com uma análise que ligava a segregação racial ao imperialismo; seu compromisso socialista democrático com a sindicalização; seu apoio à greve dos garis, ocasião em que foi assassinado em Memphis, no Tennessee. O período mais conhecido do Movimento pelos Direitos Civis liga-se a conjunturas específicas, nas quais enfrentaram limites estratégicos e organizacionais particulares. “A opressão racial estava vinculada não apenas à segregação legal, mas também à organização do espaço urbano, a hierarquias de representação política, à violência do aparato repressivo estatal e à exclusão e marginalidade econômica[...]” (HAIDER, 2018, p. 42) As vitórias fabulosas do movimento, no entanto, não foram capazes de reverter as estruturas fundamentais da opressão. Após 1965, as mobilizações de massas teriam que incorporar diferentes estratégias e diferentes demandas e as linguagens do Black Power e do nacionalismo negro responderam a essa necessidade”. (HAIDER, 2018, p. 42).

Na análise da gênese e expressões históricas da questão da identidade, envolvendo as categorias fundamentais raça e classe, nosso autor também demarca o papel das elites negras que impuseram limites às lutas de massas, as contenções da burocracia às novas formas de lutas e auto-organização. O nacionalismo negro, que tinha como perspectiva organizar os ativistas negros independentes, ao invés de seguir as lideranças brancas e entrar em suas organizações, ganhou corpo. Apoiado em Huey, o autor assinala diferenças e conflitos entre o nacionalismo reacionário e o nacionalismo dos Panteras Negras. “O nacionalismo reacionário apresentou uma ideologia de identidade racial, mas era baseada também em um fenômeno material. A desagregação tornou possível a empresários e políticos negros entrarem na estrutura de poder americana numa escala que não havia sido possível anteriormente. E essas elites foram capazes de usar a solidariedade racial como meio de encobrir suas posições de classe”. (HAIDER, 2018, p. 43).

Assad Haider afirma que o legado dos movimentos antirracistas foi canalizado para o desenvolvimento de indivíduos como Barack Obama e Bill Cosby, que acabaram por liderar ataques contra comunidades marginalizadas.

No capítulo Contradições entre as pessoas, Haider expõe mais fortemente o debate de raça, classe e partido tendo como referência movimentos como o Occupy e o Black Lives Matter. Para o autor, o Occupy Wall Stret, apesar de apresentar uma pauta importante, como a bandeira contra a desigualdade econômica “Somos os 99%” (contra os 1% mais ricos) e ganhar o caráter de movimento de massas nunca incorporou, de modo efetivo, a pauta negra, não entrou nos bairros negros e periféricos. Ser apresentado pela imprensa como um movimento dominado por brancos com reivindicações dos brancos é demarcado, por Assad Haider, como a principal limitação do Occupy. De fato, não havia só negros, mas como estes eram desproporcionalmente os mais afetados pela política econômica o movimento arrefeceu.

A pauta de raça volta em 2014 e desmascara o multiculturalismo liberal, pois apesar de uma família negra ocupar a Casa Branca, os negros, além da precária situação econômica, continuavam sendo assassinados, presos. O linchamento de Michael Brown e a não condenação do policial branco detonaram fortes ondas de protestos. Nesse contexto, a supremacia branca ficou exposta, assim como as contradições de classe na comunidade negra. Após a morte por estrangulamento, de Eric Garner, em Nova York, emerge o Black Lives Matter. Esse famoso movimento surge retomando o legado de Malcolm X, no discurso “Mensagem às Bases” e a sua análise do “negro da casa”. Uma dura crítica às lideranças negras que controlam a ação autônoma das massas em favor dos antagônicos. O Black Lives Matter representou o surgimento de uma nova liderança que foi qualificado por Erin Gray, como o movimento revolucionário antilinchamentos do século XXI, com forte conteúdo de classe.

A trajetória de vida de alguns intelectuais negros é abordada por Assad Haider no sentido da demarcação do que apreende como a assimilação ao mundo dos brancos e sonho americano. Destaca, em especial, o poeta e militante negro Amiri Baraka, que vivia permanente crise de identidade, saindo da revolta individual à organização coletiva, do nacionalismo negro sustentado na identidade ao universalismo marxista. “Estou dentro de alguém que me odeia. Olho pelos olhos dele” (BARAKA apud HAIDER, 2018, p. 102). Discute como ocorreu a formação e a incorporação de uma elite negra às instituições e a assimilação às políticas neoliberais que atacam toda a classe trabalhadora, em especial negros e negras. Nesse ponto, tendo Baraka como referência, cita o exemplo do Pastor Jesse Jackson que “emprestou sua aura colorida de legitimidade à direita do Partido Democrata” (HAIDER, 2018, p. 112) e registra suas conclusões ao ver o crescimento da diferenciação de classe na comunidade negra e a incorporação de políticos negros para os quais a ideologia identitária não era mais suficiente. “[…] por tanto tempo embranquecida, agora alegando freneticamente uma 'negritude' que era de diversas formas uma farsa. Uma espécie de boemia negra que colocava a classe média novamente na posição de criticar as massas negras, de modo a seguirem a classe média negra porque essa classe média negra saberia como ser negro enquanto os trabalhadores negros não saberiam” (BARAKA apud HAIDER, 2018, p. 113)

No capítulo 6, denominado Lei e Ordem, Assad Haider recorre a Stuart Hall, reconhecido teórico da questão racial e identitária, e a Paul Gilroy para estabelecer uma comparação entre as lutas das classes trabalhadoras, populares e antirracistas no Reino Unido e EUA. De Hall utiliza o livro de 2013 Policing the Crisis: Mugging, the State, and Law and Order,que mostra como os crimes foram tratados na mídia, associando-os propositalmente aos negros. Assinala que a força desse livro foi situar as representações econômicas que propiciaram o declínio do consenso pós-guerra, quando o Partido Trabalhista chegou ao governo. Para responder ao pânico moral, instabilidade econômica e ascenso das lutas das classes trabalhadoras não mais controladas pelo pacto fordista, contexto denominado por Hall de crise de hegemonia, o Estado utilizou a repressão, racionalizando e normalizando o policiamento. “O grande mérito de Policing the Crisis foi entender como essas duas composições de classes se desenvolveram a partir de uma lógica estrutural unificada. A população negra no Reino Unido assim como nos EUA, também participavam do trabalho industrial. E os trabalhadores negros tinham nesse período um papel central nas lutas de classes desestabilizadoras. Hall e seus colegas escreveram, 'os operários negros e brancos se engajaram numa luta comum'. No entanto, os operários negros eram ao mesmo tempo representados desproporcionalmente nos trabalhos não qualificados ou semiqualificados, carregavam o fardo da desqualificação e eram os mais visados nas demissões” (HAIDER, 2018, p. 120). Por fim, Assad Haider ressalta que o livro em tela representa a análise materialista de como, em uma conjuntura particular, membros da classe trabalhadora desenvolveram a consciência de luta de classes através da experiência de raça.

No último capítulo do livro Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje, nosso autor faz um crucial debate sobre identidades específicas, universalidade e emancipação. Afirma que “a universalidade não existe em abstrato, como princípio prescrito a ser mecanicamente aplicado independentemente das circunstâncias. Ela é criada e recriada pelo ato de insurgência, o qual não reivindica a emancipação unicamente para aqueles que compartilham a minha identidade, mas para todos; a universalidade diz que ninguém será escravizado. Ela igualmente recusa congelar os oprimidos num status de vítimas que necessitam de proteção de cima; insiste que a emancipação é autoemancipação”. (HAIDER, 2018, p. 148). Chega a essas conclusões a partir de diversas fontes: observando e vivendo a luta e solidariedade de estadunidenses com imigrantes muçulmanos; a partir das reflexões de Marx em A Questão Judaica na polêmica com Bruno Bauer; na Revolução Haitiana quando Toussaint L'Ouverture se recusa a escrever na bandeira do Haiti, por exigência da França, 'Bravos negros, lembrem-se de que somente a França reconhece a liberdade e a igualdade dos vossos direitos”. Isso porque a escravidão continuou em outras colônias francesas: Não é uma liberdade circunstancial, concedida apenas a nós, que queremos; é a absoluta adoção do princípio de que nenhum homem, nascido vermelho, amarelo, preto ou branco possa ser propriedade de outro. (HAIDER, 2018, p. 149).

Analisa então o capitalismo na sua igualdade formal, que supera o poder absoluto do soberano do feudalismo, mas mantém a escravidão, mantém pobres, mulheres, negros, e todos os que são diferentes do homem branco burguês, na condição de sujeição. Nesse sentido, destaca, a partir do feminismo do Coletivo Combahee Viver, que a luta dos oprimidos, para ser consequente, tem que ser anticapitalista. Aprofundando o seu interesse em discutir as armadilhas da identidade, com foco na raça, deslinda o papel das elites negras na traição das lutas legítimas dos movimentos negros nos EUA. Cita CLR James: A traição não é monopólio da raça branca. E essa traição abominável logo após as insurreições mostra que a direção política é uma questão de programa, estratégia e tática, e não da cor de quem dirige, de sua unicidade de origem com seu povo e nem dos serviços prestados. (HAIDER, 2018, p.1 49).

Por fim, é preciso dizer que o livro Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje, escrito Assad Haider, é uma leitura indispensável que nos oferece a oportunidade de conhecer, refletir e analisar uma realidade tão complexa a partir do materialismo histórico-dialético, desmistificando o debate de raça e classe. É uma preciosidade que nos desafia a pensar em sociedades concretas como o Brasil que utiliza o mito da democracia racial para submeter a população negra à vivência do super encarceramento, do feminicídio, do genocídio da juventude negra, da exclusão da escola e profissionalização, da ausência de acesso à saúde de qualidade, da perseguição à religiosidade de matriz africana, dentre outras formas de violência. Pensar os movimentos negros no Brasil a partir de uma análise de raça e classe, tendo em vista conquistar a emancipação humana: eis o desafio!

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