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A INTERNACIONALIZAÇÃO NA PÓS-GRADUAÇÃO: avaliação traçada, desafios impostos
Revista de Políticas Públicas, vol. 25, núm. 2, pp. 796-814, 2021
Universidade Federal do Maranhão

Artigos - Temas livres


Recepción: 01 Junio 2021

Aprobación: 20 Noviembre 2021

DOI: https://doi.org/10.18764/2178-2865.v25n2p796-814

Resumo: Este artigo, de caráter qualitativo, bibliográfico e documental, visa analisar os elementos imbricados com o neoliberalismo que podem impactar a gestão do processo de internacionalização e a gestão universitária nos cursos de pós-graduação, à luz do Plano Nacional de Pós-Graduação (2011-2020) e do seu relatório de análise. Para a gestão universitária e dos programas de pós-graduação, os desafios se aprofundam quando se tornam requisitos avaliativos que provocam a visibilidade e a atratividade dos programas e da IES; a mobilidade acadêmica; a produção de conhecimento e suas publicações; a concepção das políticas institucionais interligadas às políticas nacionais e internacionais; os currículos, a inserção dos conhecimentos e o financiamento para desenvolvimento da internacionalização. Diante de tantos desafios, encontrar formas de superá-los passa também a ser papel da gestão universitária.

Palavras-chave: Internacionalização, Pós-Graduação, Plano Nacional de Pós-Graduação, Gestão.

Abstract: This qualitative, bibliographical and documentary article aims to analyze the elements intertwined with neoliberalism that can impact the management of the internationalization process and university management in graduate courses, in the light of the National Graduate Plan (2011 -2020) and its analysis report. For the university and Post-graduation management, the challenges are deeper when they become evaluative requirements which cause visibility and the attractiveness of the programs and the IES; the academic mobility, the production of knowledge and its publications; the conception of institutional policies linked to national and international policies; the resumes; the insertion of knowledge and financing for internationalization development. Facing so many challenges, finding ways to overcome them also a role of university management.

Keywords: Internationalization, Postgraduate National Plan, Management.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é de análise qualitativa, bibliográfica e documental, uma vez que se propõe a analisar parte da literatura existente sobre a internacionalização do Ensino Superior, considerando o modelo neoliberal que fundamenta documentos e práticas nesse campo. Também tem caráter documental quando da análise do VI Plano Nacional de Pós-graduação - PNPG (2011-2020), o qual foi prorrogado até maio de 2021 e do relatório divulgado em 2019 pela Comissão Especial de Acompanhamento do PNPG (2011-2020), intitulado de Proposta de Aprimoramento da Avaliação da Pós-graduação Brasileira para o Quadriênio 2021-2030 – Modelo Multidimensional. Tais documentos são analisados focalizando os processos de internacionalização e a gestão universitária.

O intento de realizar uma reflexão crítica e construtiva se concentra na descrição de alguns elementos considerados conceitos-chave para compreender o processo de internacionalização nas instituições de ensino superior, mais especificamente as da pós-graduação no Brasil. Isto porque o delineamento de novos planos carrega consigo novos indicadores de avaliação para a internacionalização, traçando outros desafios, especialmente a gestão universitária.

Com o advento do neoliberalismo nos anos 1970/80, quando, de acordo com Harvey (2005, apud ROBERTSON; VERGER, 2012), há um casamento entre o liberalismo econômico e o social-democrata, se consolida, junto a outros ideais, o lançamento de um conjunto de ideais-chave. Robertson e Verger (2012, p. 1136) destacam esses ideias como sendo: “[...] a fragmentação das políticas estatais protecionistas, de modo a facilitar a livre movimentação do comércio, das finanças e do trabalho, através das fronteiras nacionais (conhecida como desregulação);” além da “[...] implementação de políticas de concorrência entre os setores público e privado destinadas à criação de eficiência; a privatização de uma série de antigas atividades estatais e seu redimensionamento (envolvendo um processo dual de descentralização e recentralização)”.

Diante dessas tensões históricas, este artigo pretende analisar os elementos imbricados com o neoliberalismo que podem impactar a gestão do processo de internacionalização e a gestão universitária nos cursos de pós-graduação das instituições de ensino superior, considerando o VI PNPG (2011-2020) como principal Política Educacional vigente para este nível e o relatório de análise deste plano, o qual traz aprimoramentos ao próximo PNPG, principalmente quando lança indicadores para a avaliação da internacionalização. Sua arquitetura congrega três partes, além da introdução e da conclusão. São elas: Internacionalização e suas políticas educacionais: o neoliberalismo como influenciador; Internacionalização e os documentos-base da pós-graduação; e Desafios da gestão na internacionalização da pós-graduação.

2 INTERNACIONALIZAÇÃO E SUAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: o neoliberalismo como influenciador

Embora a internacionalização na educaçãosuperior não seja algo novo, pode-se ver que as discussões a seu respeito se intensificaram e se encontram em construção no Brasil e no mundo. Este indicador desafia as Instituições de Ensino Superior - IES, que precisam desenvolver e flexibilizar a mobilização de alunos e professores, assim como articular a gestão dessa mobilização, a incorporação e o desenvolvimento dos conhecimentos em sala de aula, na pesquisa e na extensão da instituição.

As transformações socioeconômicas e as influências globais fomentam a sociedade do conhecimento com novos papéis e prioridades gerando uma dinâmica que aniquila as forças, tornando-se quase que inevitáveis. Nesta esteira também vem a internacionalização da educação superior na perspectiva de resposta para a proposta de construção de um projeto de nação, como uma aliada aos impactos da globalização, como espaço para se discutir identidade, referência e sustentabilidade para o bem comum.

A internacionalização é tema que geralmente aparece no conjunto de prioridades das IES que buscam desenvolver metas de qualidade, de desenvolvimento institucional e de pesquisa. A influência da globalização e os múltiplos olhares são comuns neste contexto, do qual emergem pesquisas voltadas ao assunto com pretensão de tencionar e aprimorar práticas de internacionalização, inclusive no Brasil (MOROSINI, 2019). O processo de internacionalização é uma tendência global e o Brasil não pode estar alheio a esta realidade, em níveis político, econômico e sociocultural.

Miranda e Stallivieri (2017, p. 590) destacam que: “[...] historicamente, este tema tem sido conduzido por algumas universidades brasileiras e o governo, no esforço de buscar projetos de colaboração em pesquisa e intercâmbio de estudantes com outros países, porém, de forma nem sempre articulada.” Pode-se dizer que há falta de clareza na definição dos interesses nacionais e um direcionamento dos objetivos por um processo centrado em políticas educacionais é ausente na legislação brasileira. A prática de internacionalização nas IES é considerada uma das formas de atuação dos Estados, o que justifica a necessidade de sua normatização. No entanto, como destacaram, ainda em 2017, Miranda e Stallivieri (2017, p. 600), existem manifestações generalistas por parte do Ministério da Educação (MEC) e de suas agências sobre a necessidade de desenvolvimento da internacionalização no país, porém, carecendo de documentos consolidantes de um modelo político e socioeconômico.

A demanda por uma construção efetiva de políticas educacionais norteadoras do processo de internacionalização no país é um fato que precisa ser superado, uma vez que tal processo é necessário para o futuro da educação superior. A insuficiência de documentos norteadores em nível nacional se reflete nas dificuldades das IES criarem seus próprios projetos e, consequentemente, obter recursos para o processo de internacionalização de seus docentes, discentes e pesquisadores, bem como promoverem a continuidade sólida de intercâmbios e gestarem tal processo de maneira efetiva.

Para Miranda e Stallivieri (2017, p. 529), vive-se um momento de muitas discussões sobre a importância e a necessidade da internacionalização da educação superior no Brasil. Para eles, é um momento que “[...] exige a identificação da existência, ou não, de fundamentos e definições para a construção de políticas públicas para a internacionalização [...]”. Embora no Brasil haja muitas discussões e estudos sobre o assunto, ainda se identifica um percurso a ser percorrido no âmbito da criação das políticas públicas, isto porque o tema é recente – mal passa a marca de meio século no país – e trata-se de um assunto que “[...] nunca esteve fixado na raiz de uma política pública, com diretrizes mais ousadas no sentido de definir os rumos que o país quer seguir com a internacionalização [...]” (MIRANDA; STALLIVIERI, 2017, p. 609).

Nos últimos anos, os significativos cortes de recursos na área da Educação, por parte da esfera federal, impactaram profundamente na internacionalização, tornando difícil às IES manterem políticas internas neste segmento. Um destes cortes atingiu o Programa Ciência sem Fronteiras, o que “[...] impactou nas relações acadêmicas internacionais no sentido de diminuir consideravelmente o interesse de IES estrangeiras em receber os estudantes brasileiros” (MOOG PINTO; ROCHA, 2019, p. 15). Nas instituições brasileiras destaca-se que a internacionalização é um dos elementos que integram sua avaliação pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), o que demanda, inclusive, atenção e organização da gestão na definição de políticas e ações para isso.

Ela é um processo que também envolve estratégias políticas, na interação entre governo e universidades, demandando atenção às diversidades dos enfoques das suas ações que serão promovidas. Exige, portanto, análises da educação superior, do contexto socioeconômico da nação, das tendências globais, além de uma atenção no quesito qualidade, na formação dos recursos humanos, na gestão, no uso dos sistemas de informação, na documentação dos envolvidos, na produção científica e investigativa, etc. (MIRANDA; STALLIVIERI, 2017).

A construção de políticas educacionais por si só não é garantia de resultados satisfatórios dos processos de internacionalização, nem fica assegurada uma mudança neste cenário, porém há a necessidade de o país apresentar seus parâmetros, uma vez que, mantendo-se assim, sem muitos objetivos pontuados em normativas, abre espaço para o exacerbamento de influências por organismos externos e de disputas localmente. Nesse sentido, como denotam Miranda e Stallivieri (2017), as indicações de como a internacionalização da educação superior pode contribuir no fortalecimento da posição internacional do país são frágeis, o que a expõe a influências internacionais e do macrocapitalismo. Tendo consciência disso, gestores, professores e pesquisadores das IES precisam atentar e reivindicar maior espaço para elaboração e implementação de uma política adequada, com bases no desenvolvimento intelectual, político, econômico, social, cultural e ambiental do país.

O atual PNPG (2011-2020) e o Programa Ciência sem Fronteiras[1] são documentos que retratam a internacionalização do ensino superior como um desejo do governo. Contudo, no que se refere aos documentos governamentais referidos, fica clara, em termos de políticas públicas, a ausência de parâmetros que definam o processo, assim como o tema internacionalização, neste nível, se atrela ao “[...] desenvolvimento econômico e social, à cooperação internacional e à promoção da convivência cultural das sociedades” (MIRANDA; STALLIVIERI, 2017).

No que se refere à formação do estudante em tempos de globalização, tal formação demanda currículos revisitados e gestão pedagógica atenta às exigências do momento vivido, organizada e comprometida com ideais democráticos e de equidade social. Como já percebido, a carência de documentos normativos nesta esfera da educação contribui para a implementação de conceitos intimamente relacionados aos princípios neoliberais que, por sua vez, pouco consideram a realidade local, cuja preocupação se dá em uma ordem global baseada principalmente na produção e na forma de “nossa existência” (DARDOT; LAVAL, 2016).

A definição do modo de vida imposto pelo neoliberalismo se constituiu em um universo de competição geral, uma luta econômica desenfreada que justifica as desigualdades por meio do modelo de mercado imposto, e obriga a uma concepção corporativo-empresarial, em que a subjetividade perde a importância, o ser sujeito é concebido dentro dos parâmetros de uma empresa e precisa comportar-se como tal, disputando entre seus pares os espaços econômicos. Teodoro (2011, p. 17) apresenta o neoliberalismo como uma “[...] forma dominante da globalização hegemônica [...]”, construindo argumentos de uma “[...] nova ordem social e uma tecnologia de governo favorável aos mais poderosos.” Na política econômica neoliberal a proposta de bem-estar e desenvolvimento humano se estabelece na liberação empresarial, dos direitos de propriedade privada e no livre mercado e comércio.

O neoliberalismo se dilui entre outras correntes e pensamentos quando o assunto é a educação, camufla-se e fica ainda mais difícil encontrar as suas lógicas norteadoras, tomando formas mundiais específicas, com tendência para aspectos como a ênfase nas tecnologias digitais. A importância focada na tecnologia dispersa o sentido de educar, reorienta seu foco não mais no educar, desenvolver pensamento reflexivo, formar para valores como a justiça, mas sim dedicar-se para que o estudante saiba coletar, selecionar, tratar, memorizar “informações”. Fica atrelado à tecnologia o encaminhamento das novas formas de aprender, pensar, fazer, comunicar. Competências conclamadas pelas empresas e que deveriam ser prioridades das escolas (LAVAL, 2004, p. 221).

O termo globalização ganhou espaço na década de 80 e, conforme Veiga (2006), refere-se a um fenômeno cuja origem se encontra no capitalismo, especialmente no comércio e nas finanças, dentro de um contexto de revoluções de transporte e comunicação. A educação, além do desenvolvimento de capital, de produção e de inovação, também pode se tornar global por meio das informações e dos conhecimentos que circulam entre as nações, condicionadas ao movimento de internacionalização.

Nesse particular, discussões sobre a educação podem trazer o contexto da internacionalização envolto na globalização e no neoliberalismo, requerendo, também, uma reflexão sobre o currículo. Este que pode ser definidor do processo, hoje discutido na perspectiva da internacionalização em casa, que pode ser olhada, também, a partir da temática da cidadania global, mencionada na Agenda Global de 2012. Este documento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) propõe como objetivo dos estados-membros formar cidadãos do mundo, sendo que teriam até 2021 para atingir o objetivo de: “Ensinar os educandos a ser cidadãos mundiais criativos e responsáveis” (UNESCO, 2015, p. 5). O que implica, também, em currículos diferenciados e outras ordenações na gestão educacional, como, por exemplo, o aprendizado de outras línguas, o entendimento legislativo internacional, o desenvolvimento de pesquisas de ponta, etc.

Para que a internacionalização aconteça é preciso que haja a consolidação na gestão de todos os níveis, seja global, nacional, regional e/ou institucional, o que implica em compreender o contexto. O viés do capital humano, a sociedade conservadora e capitalista e a globalização apresentam grandes influências na gestão que se apresenta nas escolas e universidades brasileiras. O conceito da governança participativa adentra neste espaço a partir de uma nova administração pública, influenciada pelo Banco Mundial, principalmente após a Agenda 2030, que buscou reorientar as ações dos Estados e das instituições públicas, com o objetivo maior de combater a pobreza mundial e melhorar a qualidade de vida, incluindo a produção sustentável. No olhar de Shiroma (2020), estas visões e valores passaram a fazer parte de um novo processo de desenvolvimento brasileiro com grande influência internacional.

Para Shiroma (2020), a Agenda 2030 e seus contribuintes, como o Banco Mundial, não negam problemas sociais, tais como pobreza, desmatamento e esgotamento dos recursos sociais, mas visualizam a sustentabilidade como alternativa de crescimento. Cabe ao Estado estabelecer parcerias com a sociedade civil, oferecendo governança participativa, com possibilidade de participação de interessados, inclusive segmentos privados participando da educação pública, às quais se justificam inclusive a necessidade de uma “coordenação internacional” organizada e liderada por organizações representantes do capital. (SHIROMA, 2020, p. 711).

É no período posterior à Segunda Guerra Mundial que um novo modelo de universidade é implementado. Surge o modelo norte-americano, apoiado principalmente nas tecnologias e na globalização econômica. Esse modelo, influenciador da pós-graduação no Brasil, torna a autonomia universitária cada vez mais distante, permitindo inúmeras influências externas e um novo propósito de produzir ciência, o qual se torna não mais exclusivamente da instituição e possibilitando ao mercado participação na tomada de decisão das IES (CANAN; SUDBRACK, 2018).

Nesse sentido, a internacionalização no Brasil vincula-se ao período de políticas neoliberais, as quais são expressas pela globalização, modernização, competitividade, inovação, avaliação, eficiência, excelência, pela organização curricular das instituições que permitem a mobilidade acadêmica e de seus conhecimentos, e, quando de uma gestão atenta e direcionada, possibilitam o alcance de objetivos internos e externos de ensino, pesquisa e extensão, tendo especial destaque na pós-graduação stricto sensu.

3 INTERNACIONALIZAÇÃO E OS DOCUMENTOS-BASE DA PÓS-GRADUAÇÃO

A institucionalização da pós-graduação no Brasil, por meio legislativo próprio, tem caráter contrário às demais legislações da educação, de acordo com Saviani (2005 apudCURY 2005). Isto porque a principal formulação dada a ela ocorre em pleno regime militar, sendo um privilegiado incremento da produção científica, bem como, no caso da área da educação, desenvolvendo-se dentro de uma tendência crítica, a qual alimenta o movimento contra ideológico.

Dois importantes órgãos são implantados anos antes (1951) do parecer que delineia a pós-graduação no Brasil e que são fundamentais em todo o processo histórico e científico do país no fervor do regime militar. São eles: o Conselho Nacional de Pesquisa (CNP) – atualmenteconhecido como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – e a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior, conhecida agora como Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). (VERONEZE; NOGARO, 2018).

Até a década de 60, as configurações da pós-graduação na legislação eram pouco definidas. Careciam de conceitos, de delimitações e deixavam-se impulsionar por políticas externas. A incipiência de pesquisadores brasileiros tornava o país um campo de experimentações de outros países. As políticas de pós-graduação desenvolvidas visavam à criação de recursos humanos e de legislação próprios para atuar nas bases investigativas e na formação de professores da graduação. Isso é salutar quando do vislumbre cooperativo entre as instituições nacionais e internacionais, resultantes de interesses em temas comuns e da necessidade de emissão de pareceres, informações e/ou sugestões. No entanto, até 1965, as legislações apresentadas não compreendiam, delimitavam ou especificavam o que eram os cursos de pós-graduação e quais seriam os regimes de avaliação, ficando a cargo das instituições os promoverem conforme as aberturas e limites dos pesquisadores externos à instituição.

Quatro marcos legislativos instituídos na década de 60 são importantes para a criação da pós-graduação como é conhecida hoje. Primeiro, a criação da Universidade de Brasília (UnB) em 1961, tornando a pós-graduação uma atividade institucional; o segundo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1961, a qual organiza as leis orgânicas anteriores e fundamenta que a pós-graduação deva ser ofertada a candidatos que tenham diploma de graduação; o terceiro, a Lei nº 4.881/65 do Conselho Federal de Educação, que institui o Estatuto do Magistério e solicita, por meio de seu relator, a definição do conceito de pós-graduação e suas características; e o quarto, o Parecer do Conselho Federal de Educação nº 977 de 3 de dezembro de 1965, o qual define as finalidades da pós-graduação no país (CURY, 2005; BRASIL, 1961).

Ao adentrar nos aspectos históricos do parecer, é possível observar a semelhança da pós-graduação brasileira com a norte-americana. O próprio parecer destaca: “Sendo, ainda, incipiente a nossa experiência em matéria de pós-graduação, teremos de recorrer inevitavelmente a modelos estrangeiros para criar nosso próprio sistema. O importante é que o modelo não seja objeto de pura cópia, mas sirva apenas de orientação” (BRASIL, 2005).

O parecer assim define que a pós-graduação deva ser dividida em dois segmentos: lato sensu . stricto sensu. A lato sensu define-se em cursos de especialização cuja cultura dá-se no treinamento para a formação de profissionais especialistas. A stricto sensu tem função essencial de formar pessoal qualificado para fins universitários e de pesquisa avançada, a um determinado ramo de conhecimento científico (BRASIL, 2005). Paoli (1998) expõe que na década de 1960 há uma transformação cultural com relação à produção e consumo do conhecimento. O autor afirma que se passa a entender a pós-graduação como produtora do conhecimento e a graduação como consumidora. Essa mudança cultural é explicada também por Cury (2005), ao destacar excertos do parecer em que define que a pós-graduação esteja além da transmissão do conhecimento, tornando-se locus da elaboração de novos conhecimentos, sendo possíveis pelas atividades de pesquisa criadora.

Do parecer à atualidade, algumas alterações aconteceram, como o caso da institucionalização do Sistema Nacional de Pós-Graduação, do PNPG, da instituição dos mestrados e doutorados profissionais e das bolsas de fomento à internacionalização, seja em modelo pleno ou em sanduíche. Fica evidente, também, pelas pesquisas de mestrado e doutorado realizadas, que a ênfase em não desenvolver e resolver problemas sociais é um divisor de águas aos processos de pós-graduação da época ao presente.

Até o momento, são seis planos regimentados em períodos distintos, elaborados por comissões especiais e deliberados por MEC e CAPES, no entanto o destaque para a internacionalização aparece somente no sexto. Conforme Paiva e Brito (2018, p. 496), no que tange à internacionalização, o VI PNPG é o primeiro documento a considerá-la como um desafio para o Brasil no século 21, argumentando que esse desafio deva fundir-se no cenário internacional com ações como: “[...] ser o celeiro agrícola mundial, buscar padrões demográficos como os europeus e norte-americanos, e aceitar o desafio de construir a sociedade de bem-estar.”[2]

A efetivação da internacionalização no plano está direcionada pelas parcerias e cooperações entre Estado, universidades, instituições e empresas. O texto do VI PNPG destaca que o Brasil se encontra em destaque quando da produção científica no mundo. Atualizando os dados do plano, o presidente da CAPES, Benedito Aguiar, destaca que o país é o 14º em volume de produção científica no mundo e o 11º em produção sobre a Covid-19 (BRASIL, 2020b).

O VI PNPG também demonstra que a presença da ciência brasileira no cenário internacional é relevante, sendo evidenciada “[...] através de notáveis ações de cooperação científica internacional, promovidas pelas agências de fomento, federais e estaduais”, assim como no “[...] prestígio de que desfrutam em todo mundo várias instituições e empresas por sua competência científico-tecnológica” (BRASIL, 2010, p. 231). São destaques, para o plano, os grupos e fóruns em que a pós-graduação e a ciência brasileira participam, bem como instituições de renome nacionais e internacionais, a exemplo do Instituto Butantan (SP), da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz (SP), da Embrapa, da Petrobrás e outras (BRASIL, 2010), que se somam à CAPES e ao CNPq. (BRASIL, 2010).

Cabe destacar que, dos muitos dados, gráficos e tabelas apresentados pelo plano, nota-se que não há uma área específica para Educação, nem que os fomentos e louvores estejam dados à área, o que demonstra a concepção prioritária do plano em compreender a pós-graduação como área explícita e imprescindível na criação de conhecimento para as Ciências Exatas, Agrárias, da Saúde e Biológicas, por exemplo. Não há referência à área das Ciências Humanas, o que dificulta o acesso a benefícios e financiamentos para ela, compreendendo um tratamento desigual entre elas. Assim, observa-se a influência do mercado nas decisões das IES e as prioridades voltadas à sustentabilidade do capital.

No sentido da avaliação da pós-graduação, a internacionalização vem ganhando campo de debate no país, conforme Lima e Contel (2011), desde o ano de 1998, quando se mudam os critérios de avaliação do nível stricto sensu. Atualmente, no tocante ao SNPG e às orientações para o VII PNPG (2021-2030), delineia-se que a internacionalização seja um elemento configurante da pós-graduação, o qual deve ser analisado e acompanhado pela avaliação, qualidade e excelência das pesquisas, do ensino e da extensão.

Ramos (2018) alerta, porém, que mesmo com expressivo crescimento da internacionalização e da pesquisa brasileira, esta não tem acompanhado o aumento correspondente ao impacto intelectual, social e econômico da própria ciência brasileira, sendo preciso superar determinadas disparidades sobre os sentidos da internacionalização no país. Expõe que há uma falta de dados nacionais e institucionais sobre a internacionalização. Essa verificação também é possível de se constatar quando o próprio PNPG (2011-2020) afirma a dificuldade em avaliar a internacionalização do ponto de vista quantitativo.

É notório o reconhecimento da escassez de dados e políticas de viabilização da internacionalização da pós-graduação por parte do governo. Em fevereiro de 2020, a Comissão Especial de Acompanhamento do PNPG (2011-2020) divulgou um relatório sobre a análise do impacto do documento em 2019, assinalando as propostas de aprimoramento da avaliação da pós-graduação brasileira para o quadriênio 2021-2024, dentro de um modelo multidimensional, com cinco importantes indicadores a serem avaliados, a saber: formação de pessoal, pesquisa, inovação e transferência de conhecimento, impacto na sociedade e a internacionalização.

A importância de analisar esse relatório no processo da internacionalização está vinculada ao fato de que ele se coloca como elemento constituinte para o próximo plano e pela sua avaliação do devir do VI PNPG. Para Marrara (2007), essa análise se torna essencial quando a internacionalização acarreta não só vantagens institucionais (renome e importância) ou acadêmicas (melhoria na formação, no ensino e na pesquisa), mas também porque, no Brasil, a avaliação assume relevância adicional para as IES, tendo em vista que a CAPES condiciona ao seu desenvolvimento às suas notas da pós-graduação stricto sensu, ampliando seu reconhecimento e permitindo acesso a determinados recursos financeiros.

O relatório evidencia que todas as iniciativas de cooperação com programas estrangeiros devem ser valorizadas, no envio e no recebimento de pessoas, na parceria de trabalho, no aprendizado de diferentes saberes, nas metodologias qualificantes do processo de pesquisa e na capacitação e intenção estabelecidas entre as instituições (BRASIL, 2020a). O documento focaliza as condições institucionais, cujas possibilidades de avanço se fundamentariam a partir da cooperação internacional, permitindo que cada programa fosse “[...] efetivamente competitivo em relação aos cenários internacionais” (BRASIL, 2020a, p. 20).

Marrara (2007) destaca que não basta a IES determinar planos de internacionalização, é preciso também adequação para implementá-las, posto que somente a criação de objetivos não é suficiente, prescindindo de formas e escolhas e, como consequência, das medidas administrativas, financeiras e acadêmicas dos diferentes setores institucionais. Na concepção da administração, o autor identifica duas formas de internacionalização: a passiva e a ativa. A passiva diz respeito ao envio de docentes, pesquisadores e discentes a instituições estrangeiras, como também à publicação de trabalhos científicos em periódicos internacionais externos à IES. A passividade resulta na dependência de financiamento e amparo a pesquisa, sendo, na maioria das vezes, impulsionada pela CAPES e pelo CNPq. Quanto à ativa, para Marrara (2007, p. 253), refere-se ao recebimento de docentes, pesquisadores e alunos estrangeiros e pela participação destes em publicações em periódicos nacionais da própria IES, isso que leva a dependência do engajamento e da abertura da instituição para a inserção de programas próprios para serem “[...] oferecidos e consumidos pela comunidade acadêmica internacional”.

A forma ativa de internacionalização ainda é um desafio à maioria das instituições pela relação internacional de políticas nacionais e pela visibilidade da maioria das instituições do país no mundo, seja pela não inserção na lista de melhores universidades do mundo, pela língua materna adotada ou pela falta de tradição em conceber o ensino universitário, etc. Para viabilizar a forma ativa de internacionalização, o relatório estimula que sejam analisadas as relações dos cinco principais visitantes estrangeiros para atividades acadêmicas no período de um quadriênio, o percentual de alunos estrangeiros que se matricularam no programa neste período de avaliação e a relação dos alunos estrangeiros recebidos para desenvolvimento de atividades no programa e sua vinculação institucional no período em questão (BRASIL, 2020a).

A competitividade gerada pelo incremento de novas políticas de internacionalização desafia as instituições com menos tradição no ensino superior e na pós-graduação a se lançarem e competirem com instituições mundialmente conhecidas, com um tempo histórico maior, com financiamentos governamentais e localizadas em grandes centros. Os desafios recaem sobre todos os agentes envolvidos, na estrutura e nos tempos universitários, mas principalmente desafia a gestão a criar políticas internas e a buscar parcerias para que consiga dar conta de indicadores amplos e dependentes.

4 DESAFIOS DA GESTÃO NA INTERNACIONALIZAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO

Ser global traz consequências importantes para a instituição e, logo, para o desenvolvimento da humanidade. Saber articular o local e o global, em vistas à qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão torna-se uma tarefa a ser pensada no coletivo dentro das instituições, uma vez que os documentos auferidos pelos entes federados e suas avaliações criam uma trama de responsabilidades e de necessidades, como: a mobilidade acadêmica de pessoas entre instituições, o desenvolvimento de conhecimentos e sua inserção local e global, a produção e publicação destes conhecimentos que geram visibilidade institucional, as políticas internas e externas à instituição, a atratividade da instituição e das políticas de internacionalização, a qualidade e a inserção da internacionalização em âmbito acadêmico local e internacional, os financiamentos e a relação da instituição com as agências de fomento governamental de financiamento da pesquisa.

Cabe destacar que a internacionalização, como requisito da pós-graduação, estabelece-se nos objetivos institucionais, na missão e na visão, seja na configuração própria destes ou na sua interpretação como elemento essencial para o desenvolvimento da excelência institucional inserida em âmbito global. Como observado na análise do PNPG (2011-2020) e no relatório orientador para o PNPG (2021-2030), a institucionalização de políticas avaliativas da internacionalização na pós-graduação requer dos gestores ações alargadas e incentivadoras de inserção internacional dos programas e seus agentes.

Se a internacionalização for focalizada somente do ponto de vista produtivo, eficientista e avaliativo, pode-se incorrer no erro de total convergência aos preceitos neoliberais e capitalistas de competitividade, pouco beneficiando a humanidade no combate às mazelas existentes e no conhecimento científico do mundo, tornando a internacionalização um elemento a mais da mercantilização do ensino superior. A esse respeito, Marrara (2007) destaca dois objetivos propostos para a internacionalização do ensino superior.

Sob o prisma da primeira linha, há a mera institucionalização da internacionalização no ensino superior, voltando seus processos à pura aquisição de renome internacional em benefício da IES, residindo na visão de que internacionalização é uma ferramenta de marketing, o qual favorece o nome da IES e a busca por novos clientes e consumidores de seus serviços. A motivação para tanto seriam os interesses financeiros de colaboração com o desenvolvimento científico (MARRARA,2007).

No outro viés, Marrara (2007, p. 248) distingue a internacionalização como um processo estritamente acadêmico, de política internacional e vista como ferramenta “[...] a serviço da formação de docentes, pesquisadores e discentes”. Para o autor, exigem-se pesados investimentos em bolsas de estudo e auxílios financeiros, os quais são principalmente possíveis pelas agências de fomento governamental. Em última instância, a internacionalização, nesta linha, favoreceria o marketing da instituição e seu renome internacional.

Considerando os documentos analisados, encontra-se as duas concepções envolvidas. No entanto, a questão avaliativa tende a influenciar-se mais pela visão institucionalizada da internacionalização na pós-graduação, tendo em vista a competição acirrada para tornar-se visível no mundo, secundarizando os preceitos da relevância dela como ferramenta acadêmica. Corroboram Silva Junior e Kato (2012 apud PAIVA; BRITO, 2019), quando argumentam que a universidade se tornou a linha contínua do Estado como instrumento de produção voltado ao capital financeiro mundializado, cuja constatação dá-se pela internacionalização e mercantilização do conhecimento e da certificação em massa[3].

Como incorporar políticas que sejam mais voltadas ao fomento acadêmico, de desenvolvimento cultural, científico, tecnológico e cidadão? Como superar lacunas existentes entre instituições tradicionais, de renome já constituído, de história na internacionalização e de localização geográfica culturalmente mais vista? Quais recursos financeiros estariam disponíveis? Para quais instituições? Será que o processo avaliativo é condizente com as diferentes realidades brasileiras? Não se tem a pretensão de encontrar respostas para todas essas perguntas, mas isso não significa que não devem inquietar as IES para que a internacionalização se comprometa para além do mercado neoliberal.

Dessa forma, a internacionalização encontra na gestão universitária e nos programas de pós-graduação agentes primordiais para seu desenrolar. Condiciona-se a ela o pressuposto de instigar e instituir políticas democráticas de mobilidade acadêmica, de parcerias e cooperação, de atratividade, de mudanças curriculares, de qualidade, de desenvolvimento de pesquisa, do financiamento, enfim, de políticas institucionais que acarretam na relação da internacionalização para com o bem comum e a inserção da IES no âmbito global.

Assim, apontam-se alguns desafios à gestão universitária e dos programas de pós-graduação que devem ser enfrentados: a visibilidade e a atratividade dos programas e da IES; a mobilidade acadêmica; a produção de conhecimento e suas publicações; a concepção das políticas institucionais imbricadas nas políticas nacionais e internacionais; os currículos e a inserção dos conhecimentos; e o financiamento para o desenvolvimento da internacionalização.

No tocante à visibilidade e atratividade, apontou-se anteriormente o desafio de instituições brasileiras em competirem com instituições tradicionais locais e estrangeiras. Tender-se-ia, dentro da política nacional de internacionalização e da visibilidade já existente internacionalmente melhor posicionadas em rankings acadêmicos, a “[...] reforçar percepções de prestígio e relevância de IES mais bem colocadas em suas classificações, causando implicações dentro e fora dessas instituições” (GONÇALVES; CALDERÓN, 2019, p. 50).

Ademais, compromete-se com instituições internacionais de países mais bem desenvolvidos, como os países da União Europeia e Estados Unidos, perdendo-se contato com países fronteiriços e orientais. Essa questão acaba por influenciar o financiamento e, além disso, diminui o suporte à superação de problemas locais, quando países com semelhanças geográficas, econômicas e culturais se envolvem por uma causa comum. Entretanto, é importante destacar que a mudança e a inspiração em países que percorreram determinados campos do conhecimento e que se encontram mais bem desenvolvidos (humana, científica e economicamente) podem contribuir muito para o desenvolvimento do país.

Exposto pelo PNPG, algumas áreas também são privilegiadas, como é o caso das Ciências da Natureza, Exatas, Médica e Agrárias. Áreas das Ciências Humanas perdem força quando da internacionalização por produzirem resultados a médio e longo prazo, o que vem a se tornar mais um empecilho e desafio para a gestão universitária em equilibrar e proporcionar a internacionalização para todos. Para Franklin, Zunin e Emmendoerfer (2017), esse fomento leva a uma mobilidade tendenciosa, com concepções econômicas, ameaçando a difusão do conhecimento, principalmente em áreas que não geram diretamente retornos financeiros.

Comumente, como evidenciado por Morosini, Dalla Corte e Anselmo (2017), a internacionalização é confundida com a cooperação internacional e com os intercâmbios feitos pelos seus envolvidos, ou seja, a mobilidade acadêmica de sair do país de origem e/ou receber pessoas de países estrangeiros para estudos e pesquisas. Cabe aqui destacar que a internacionalização é mais ampla e compete a um processo de valores, de trocas, de cooperação, de produção, transferência de conhecimentos e tecnologias, de coorientação, visando a aumentar a qualidade dos processos institucionais.

Sendo a mobilidade acadêmica uma das funções da internacionalização, ela acaba por se apresentar à gestão como um desafio, na forma passiva ou ativa, nos tratados financeiros e na sua finalidade. Quando passiva, gera disfunções no quadro docente, de pesquisadores e de técnicos, levando à necessidade de contratações e/ou realocações destes temporariamente. Salienta-se que, quando do retorno destes à instituição de origem, a correspondência dos saberes precisa expressar-se na prática da instituição; quer dizer, quando do retorno, o capital intelectual da instituição precisa valer-se dos conhecimentos constituídos em outros países e não ficar guardados em produções que, localmente, pouco são conhecidas. Entende-se, como Franklin, Zunin e Emmendoerfer (2017), que o contato direto com outras culturas e pontos de vista auxilia no desenvolvimento pessoal e profissional de quem viajou e precisa incorporar-se na prática acadêmica de origem.

Na forma ativa, compromete-se a adequação curricular, a língua de origem, os embates culturais e burocráticos do país e da instituição. Com vistas nisso, Stallivieri (2009) destaca que os principais problemas enfrentados para o país e instituições captarem mais acadêmicos internacionais diz respeito às questões da língua materna, questões acadêmicas de aproveitamento de créditos e de adequação à carga horária, as questões logísticas, de documentação exigidas pelo país e a moradia, como também as relações administrativas, faltando, em algumas IES, profissionais qualificados para o atendimento de estrangeiros.

Outra questão desafiadora à gestão da instituição que está comprometida com as políticas externas de produção de conhecimento refere-se à produção, disseminação e uso dos conhecimentos. Essa relação encontra campo profícuo na avaliação dos programas de pós-graduação e amplia-se para a difusão de publicações em âmbito internacional, como destacado pelo PNPG (2011-2020) e para o próximo PNPG (2021-2030).

Mas não é apenas o quesito publicação que preocupa a internacionalização da produção científica no Brasil. Outro fator expresso no relatório do PNPG (2011-2020) demonstra a necessidade de o corpo docente da pós-graduação fazer parte do corpo editorial de revistas internacionais. Logo, haveria a necessidade desses docentes serem mundialmente conhecidos. Essa relação também acontece quando da atividade de pesquisadores, docentes e estudantes estrangeiros participarem de pesquisas e serem membros do corpo editorial de revistas brasileiras, como visto no relatório do PNPG. Ressalta-se que os periódicos brasileiros vêm adotando estratégias para atrair também o público externo.

Analisa-se que as exigências na produção, somadas às exigências internas de avaliação da CAPES dos programas de graduação e pós-graduação, geram desafios específicos às instituições e à gestão, principalmente no que tange ao tempo para que os docentes possam desenvolver pesquisas de qualidade, além de desempenharem funções no ensino e na extensão, assim como na necessidade de estrutura laboratorial, tecnológica específica e qualificação dos profissionais envolvidos na pesquisa; sob o risco de, como argumentam Franklin, Zunin e Emmendoerfer (2017), haver uma fuga de cérebros para países com melhores condições.

No meio nacional o desafio da gestão governamental será de criar políticas próprias à internacionalização, a qual vise mais do que aspectos econômicos e mercantis do conhecimento produzido, levando em consideração aspectos de desenvolvimento social, cultural, científico e tecnológico para superar problemas enfrentados em todas as áreas.

Dentre as principais políticas relacionadas à internacionalização vê-se o desafio de superar burocracias, de adequar os currículos dos cursos, de melhorar a qualidade do ensino e da pesquisa e da relação de conhecimentos variados entre IES. Com relação ao currículo, como pontuado anteriormente por Stallivieri (2009), enquadra-se ao processo de administração e do modelo acadêmico como um todo, em que disciplinas podem ser revalidadas entre universidade, bem como a desburocratização de documentos entre países e instituição, proporcionando melhores relações internacionais e novos laços cooperativos para a geração de pesquisas de qualidade.

Para a produção de pesquisas de qualidade e das trocas de conhecimento precisa-se de uma sinergia de recursos (humanos, políticos, físicos...) e, quando dos seus resultados, incorporá-los nas ações da universidade, beneficiando-a de modo geral. Nesse sentido, estratégias de gestão de cooperação interna, de apresentação de resultados e inserção das pesquisas nos diferentes âmbitos da educação superior podem se fazer presentes quando se quer melhorar a qualidade universitária.

É transversal a todos esses desafios o financiamento da internacionalização na pós-graduação. Para Franklin, Zunin e Emmendoerfer (2017), a falta de dinheiro e financiamentos para a produção de pesquisas converte-se em escassez de recursos humanos, pois torna-se difícil manter financeiramente o corpo de pesquisadores e demais estruturas físicas e políticas. Gonçalves e Calderón (2019) argumentam que, para o contínuo desenvolvimento das pesquisas e da internacionalização, bem como para incentivar a competitividade internacional e influenciar pesquisas nas universidades, os governos, por meio dos sistemas de financiamento e dos indicadores de performance, devem criam planos de concessão de financiamentos.

São muitos os desafios. Dos apresentados aqui à gestão compreende-se que podem se tornar mais ou menos amplos dependendo de como as políticas se conduzirão e qual será a aceitação dos atores envolvidos. Cabe ressaltar que não é um processo fácil, uma vez que envolve diferentes sistemas e culturas ao lançar-se no meio internacional. Contudo, a internacionalização é processo sem volta, visto que, quando bem desenvolvido, beneficia a todos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a globalização em acordo com a educação, ativa-se a adoção, por vezes inconsciente, de conceitos neoliberais em desacordo com uma educação emancipatória dos sujeitos. A globalização, quando instituída ao bem comum, contribui para um mundo mais justo e solidário. Um conceito e prática-chave para isso é o da internacionalização no Ensino Superior. Isto porque ela permite a mobilidade acadêmica, o desenvolvimento e a disseminação de conhecimentos caros e necessários às sociedades.

Exemplo claro e atual de internacionalização de conhecimentos é a pandemia da Covid-19, em que estudos entre universidades nacionais e internacionais permitiram e permitem o entendimento da doença e o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde. Para tanto, o compartilhamento de pesquisas, produções, colaboração e publicações foi feito a distância, sem a mobilidade acadêmica de forma presencial, mas com qualidade e agilidade.

É importante a valorização da internacionalização e de pesquisas que promovam cooperação entre universidades, tendo em vista a grande valia que podem causar nas sociedades e seus impactos mundiais. Deve-se ter cuidado, no entanto, para que ela não se torne um mecanismo institucional mercadológico, que sirva apenas para dar maior visibilidade internacional à instituição, esquecendo-se das relações humanas como fatores primordiais.

Na pós-graduação, a internacionalização ainda carece de documentos próprios, como também se espera maior autonomia e desenvoltura do país para além de um berço de implantação de ideias internacionais, como apresentados pela sua história. Os PNPGs, com suas formas de avaliação, devem entrar em processo de discussão nacional, vislumbrando incentivar a internacionalização no país, em razão de seus mecanismos avaliativos, que, quando postos a um determinado fim, asseveram os desafios institucionais. Para tanto, as avaliações precisam também dar conta de análises sociais, históricas e geográficas das instituições e dos seus programas de pós-graduação, para que não prejudiquem aquelas que se encontram em processo de consolidação.

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Notas

[1] O Programa Ciência sem Fronteiras encontra-se desativado.
[2] Antes da concepção da internacionalização no PNPG de 2011-2020, ela era abordada na LDB de 96 e, ainda, como apontado por Marrara (2018), nas interpretações da Constituição Federal.
[3] O VI PNPG fala sobre a necessidade de aumentar o número de pessoas com títulos de pós-graduação, especialmente de mestrado e doutorado, buscando uma maior simetria de programas distribuídos pelo país.


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