Resumo: Este artigo apresenta análise sobre a Política de Assistência Social (PAS), tomando como referência empírica, o Estado do Maranhão, concebendo-a como uma das políticas públicas responsáveis por garantir a proteção social, com destaque ao contexto específico da pandemia de COVID-19. Nesse tempo históricode crise sócio-sanitária a PAS afirma-se como política pública essencial, requisitada a oferecer respostas para minorar os efeitos datragédia social da pandemia, em um momento de gradativo desmonte dessa política. Traz dados sobre a questão social, no Brasil e no Maranhão, como forma de subsidiar a reflexão sobre o enfrentamento à situação de vulnerabilidade social, agravada, no país, no contexto da pandemia. Resulta de uma revisão bibliográfica e documental, relativa ao assunto, com a realização de entrevista para levantamento de informações acerca da especificidade da PAS nesse cenário.
Palavras-chave: Assistência Social, Essencialidade, Desmonte, Pandemia, Maranhão.
Abstract: This article presents an analysis of the Social Assistance Policy (PAS), taking the State of Maranhão as an empirical reference, conceiving it as one of the public policies responsible for guaranteeing social protection, highlighting the specific context of the COVID pandemic. -19. In this historic time of socio-sanitary crisis, PAS asserts itself as an essential public policy, required to offer answers to alleviate the effects of the social tragedy of the pandemic, in a moment of gradual dismantling of this policy. It brings data on the social issue, in Brazil and Maranhão, as a way to subsidize the reflection on facing the situation of social vulnerability, aggravated, in the country, in the context of the pandemic. To this end, a bibliographic and documentary review was carried out, with an interview to gather information about the specificity of PAS in this scenario.
Keywords: Social Assistance, Essentiality, Dismantle, Pandemic, Maranhão.
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A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19 NO MARANHÃO: entre o desmonte e a essencialidade
Recepción: 11 Junio 2021
Aprobación: 30 Noviembre 2021
A necessidade de garantia dos direitos da classe trabalhadora encontra-se no centro das contradições das sociedades democráticas capitalistas. Nesse sentido, a implementação de políticas sociais configura-se como respostas às necessidades dessa classe,em meio ao movimento contraditório do sistema do capital, em diferentes contextos históricos.
No Brasil, a Seguridade Social, como conquista democrática da luta dos trabalhadores, a implementar-se nos percursos do processo de ajuste do país ao capitalismo financeirizado, atende exigências da “classe-que-vive-do-trabalho” (ANTUNES, 2013), no contexto contraditórioda contemporaneidade capitalista brasileira. Assim, as políticas que dão materialidade a esse sistema de Seguridade Social – Saúde,Previdência Social e Assistência Social – nas suas trajetórias, ao longo de mais de 30 anos, encarnam contradições decorrentes de exigências do capital, a impor limites estruturais à sua plena implementação na garantia de direitos sociais na perspectiva da Proteção Social Brasileira.
No “Brasil do Presente”,as imposições do ajuste fiscal e das políticas de austeridade implicam um desmonte de tais políticas, comprometendo o Sistema de Proteção Social (CARVALHO, 2020). Especificamente, a Política de Assistência Social, nos últimos 5 anos pós-golpe de 2016, vem sofrendo drásticos cortes orçamentários, justamente no momento em que se vivencia um recrudescimento da pobreza, no âmbito do desemprego e da precarização do trabalho informal, a ampliar demandas de proteção social. Deste modo, a cena brasileira é marcada por um paradoxo: agravamento da Questão Social/desmonte da Seguridade Social.
Partindo-se desse entendimento, neste artigo, aborda-se a Política de Assistência Social (PAS), tomando-se, como referência empírica, o Estado do Maranhão,considerando-a como uma das políticas públicas responsáveis por garantir a proteção social, no contexto social em que está inserida e que a condiciona e determina, a imprimir determinado desenho, de acordo com os interesses sociais e a correlação de forças existente. O intento dessa produção é analisar a Política de Assistência Social, no Maranhão, no contexto específico da pandemia de COVID-19. De fato, nesse momento histórico, extremamentedesafiador, a PAS afirma-se como política pública essencial,requisitada a oferecer respostas para minorar os efeitos da pandemia, no momento de um processo gradativo de desmonte dessa política.
O artigo, ora apresentado, resulta de revisão bibliográfica sobre as temáticas analisadas e de levantamento de dados einformaçõesrelacionados à temáticacentral.Igualmente, inclui aportes sobre a implementação da Assistência Social, no Maranhão, no contexto da pandemia, enfatizando seus desafios. Nesse sentido, efetivou-se pesquisa documental em relatórios e documentos sobre o período em estudo e realizou-se entrevista com a Secretária Adjunta de Estado de Desenvolvimento Social do Maranhão, assistente social e mestra em políticas públicas Margarete Cutrim Vieira. A discussão ampliou-se com base em dois Webinários, realizados em 2020, no âmbito do estágio Pós-Doutoral:“Política de Assistência Social: novas configurações em tempos de desmonte da Seguridade Social” e “A Política de Assistência Social em tempos de desmonte (2016/2020): gestão, financiamento e oferta de serviços e benefícios socioassistenciais”.
Cumpre ainda ressaltar que essa produção constitui síntese de reflexões, estudos e pesquisas desenvolvidos no interior do Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas direcionadas à Pobreza (GAEPP) da Universidade Federal do Maranhão. E as análises, aqui circunscritas, consubstanciam estudos desenvolvidos no pós-doutoramento, realizado, desdemarço de 2020 e em curso, junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal do Ceará,desenvolvendo a pesquisa “Formas de Resistência em tempos de Desmonte da Política Nacional de Assistência Social/SUAS”[1].
A pandemia da Covid-19 que acometeu o mundo, em 2020, com a disseminação donovocoronavírus (SARS-CoV-2), teve início na China, em 2019, espalhando-se pelos países em todo o mundo, no contexto de uma crise estrutural do capitalismo,com aprofundamento de políticas neoliberais, a desmontar serviços públicos, comprometendo o Sistema de Seguridade Social. De forma inconteste, a tragédia do coronavírus, com mais de 1,6 milhãode mortes em nível mundial, revela, com nitidez, o desmonte da proteção social, após quarenta anos de neoliberalismo.
No Brasil, a pandemia do coronavírus acirra as desigualdades sociais, agravadas nos circuitos doultraneoliberalismo, a partir de 2016, ao desmontar o Sistema de Proteção Social Brasileiro. Nessa perspectiva, são emblemáticas a Reforma Trabalhista, durante o Governo de Michael Temer (2016), a Reforma da Previdência Social, no Governo de Jair Bolsonaro (2019 e em curso) e com a instituição da Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que congelou por vinte anos os investimentos em áreas sociais.
Dados da Síntese de Indicadores Sociais - SIS (2019) mostram que a pobreza extrema no país aumentou e atingiu 13,5 milhões de pessoas, em 2018, representando o maior nível, em 7 anos. Nesse cenário, os extremamente pobres viviam com uma renda mensal per capita inferior a R$ 145,00. A SIS (2019) aponta, ainda, que a pobreza atinge sobretudo a população preta ou parda, a representar 72,7% dos pobres, ou seja, 38,1 milhões de pessoas. Aponta que cerca da metade dos brasileiros (47%), situados abaixo da linha de pobreza, em 2018, encontravam-se nos estadosda região Nordeste. E, dentre esses, o Estado do Maranhão destaca-se com maior percentual de pessoas com rendimento abaixo da linha de pobreza, na ordem de 53%.
Os dados expressam o recrudescimento da pobreza, no país, num contexto marcado por um projeto ultraliberal, conservador e autoritário a desestruturar direitos trabalhistas e sociais, com o desmonte de políticas públicas fragilizando o Sistema de Proteção Social Brasileiro.
Em um cenário de avanço da pobreza, com taxa média de desemprego de 11,9%, taxa de informalidade de 41,1% (IBGE, 2020c), em meio a uma forte recessão econômica, com as políticas públicas de corte social combalidas pelodesfinanciamento dos sistemas públicos, a pandemia da COVID-19irrompe, no Brasil, com forte tendência de acirramento do processo de degradação das condições de vida de parcelas significativas da população. Deflagra-se, assim, uma crise sócio-sanitária como um marco histórico do Brasil, em 2020.
Dados do IBGE, referentes a PNAD COVID-19, de agosto de 2020, revelam que a população desocupada, no Brasil, atingiu 12,9 milhões de pessoas, o que significou um aumento de 27,6%, desde maio, mês em que esse número era de 10,1 milhões. Entre as mulheres, essa taxa foi 16,2% maior que a dos homens, na ordem de 11,7%. Ademais, essa taxa de desocupação é maior entre pessoas de cor preta ou parda (15,4%) em relação aos brancos (11,5%). Para os grupos com nível superior completo ou pós-graduação, as taxas de desemprego foram menores, na ordem de 6,8%. A PNAD COVID-19 informa que a pandemia ocasionou o afastamento de 3,4 milhões de pessoas do trabalho. (IBGE, 2020b).
Esses são alguns dados que bem circunscrevem o quadro de acirramento das desigualdades e apartações que marcam a cena brasileira. De fato, com a pandemia os grupos e segmentos mais atingidos são os mais vulneráveis que vivem às margens da vida social, vivenciando dificuldades estruturais para proteger-se do coronavírus e para ter acesso aos serviços de saúde, protagonizando a ‘saga’, muitas vezes mortal, por leitos das unidades de saúde e, especialmente de UTI. Indiscutivelmente, no contexto da pandemia,‘não estamos no mesmo barco’, posto que as possibilidades de enfrentamento da pandemia estão na razão direta da inserção social.
Trata-se, portanto, de uma conjuntura crítica,permeada de desafios a impor aos gestores, sobretudo dos estados e municípios, um nível de tomada de decisões e de intervenção para além das possibilidades reais dos sistemas públicos. Ademais, esses gestores enfrentam pressões de diferentes ordens, decorrentes do agravamento da questão social, a expressar-se sobremaneira a nível local onde vive a população das cidades.
Uma das especificidades brasileira no contexto das tragédias da pandemia é o posicionamento do Bolsonarismo, em âmbito nacional. A rigor, o Presidente da República, nos seus desgovernos, assume publicamente uma postura de negação das ciências, inclusive em relação à pandemia e às formas de enfrentamento reconhecidas nos diferentes países do mundo. Nos termos de Avritzer (2020), tem-se um negacionismo da ciência e das evidências da pandemia:“[...] o capitão resolveu lançar todas as fichas na negação da pandemia. Bolsonaro entrou em rota de colisão com os governadores, com o STF, com o ministro da Saúde e com uma parte significativa do seu ministério” (AVRITZER, 2020, p. 7).
É importante observar que, em consonância com a maioria, quase absoluta, dos países, o Governo Federal do Brasil precisaria assumir a condução da crise sanitária, a intercruzar-se com a crise contemporânea brasileira, tomando medidas de impacto, capazes de garantir níveis de proteção à sociedade brasileira.De forma inconteste, é esta “[...] uma situação de emergência, em que se age com todos os meios legítimos disponíveis para poupar vidas e o colapso da economia e depois discute-secomo reorganizar a sociedade, a economia e o Estado” (OBSERVATÓRIO DAS DESIGUALDADES p. 12).
Todavia, assiste-se, no Brasil, a um quadro de instabilidades e inseguranças, em função da ausência de uma coordenação política de responsabilidade do Governo Federal. Ao longo dos meses, Jair Bolsonaro assume uma rota decolisãocom as orientações da OMS, ignorando a tragédia de mais de 186.000 mortos (número de 20/12/2020), assumindo, mesmo frente a essa tragédia, uma posição de indiferença que beira o cinismo, ignorando a própria liturgia do cargo que ocupa. Em síntese, conforme afirma Avritzer (2020), o Bolsonarismo, como expressão do autoritarismo, não aceita uma resposta politicamente organizada à crise do coronavírus, porque implicaria na reabilitação da política e o atual Presidente da República do Brasil opera mediante a antipolítica, por meio da rejeição das próprias instituições políticas inerentes à vida democrática.
A ação mais expressiva do Governo Federal, na pandemia, embora não tenha sido iniciativa do Executivo,foi a implementação do Auxílio Emergencial, instituído pela Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, para atendimentos dos segmentos vulneráveis. Registre-se que, até o mês de setembro/2020, foram atendidos com o Auxílio Emergencial 43,6% dos domicílios brasileiros, cujo valor médio de renda era de R$ 894,00. (IBGE, 2020b). Indiscutivelmente, esse auxílio emergencial constitui uma alternativa frente ao caos social, instaurado com a pandemia. No entanto, essa medida que, inclusive, vai de encontro à política do ajuste fiscal, que orienta o governo, teve o efeito ideológico de legitimação de Bolsonaro por parte significativa dos beneficiários. De fato, “como quem distribui o dinheiro é o governo ele virou opai de todos” (WEID, 2020, p. 2-3).
Nesse contextoda crise do coronavírus em território brasileiro, a preocupação de parte significativa da sociedade e de gestores dos estados e municípios com a preservação de vidas permanece por várias razões: o vírus continua circulando; há politização em relação à aquisição das vacinas; existe descompasso entre governo federal e governos estaduais pela letargia apresentada pelo Ministério da Saúde e não existeo devido planejamento federal para concretização da imunização da população. Desse modo, a crise sócio-sanitária do coronavírus depara-se com o negacionismo do Governo Federal.
Estudos têm demonstrado, historicamente, a preocupante situação de pobreza a que está submetida a população maranhense. Segundo Lemos (2003), delineia-se um quadro social fortemente marcado por uma elevação dramática dos níveis de pobreza, em decorrência da concentração fundiária e dos projetos de ajuste econômico. Tal situação,determinada por questões estruturais, é agravada pela ocorrência de migrações e ocupações desordenadas do meio urbano, a configurar condições de moradias insalubres, aumento da mão de obra sem qualificação, crescimento do desemprego, violência, com depreciação das condições de vida da maioria das famílias.
O Maranhão, dentre os estados brasileiros, foi o único a possuir mais da metade da população,em situação de extrema pobreza, em 2016,com alcance de 52,4% das pessoas. Uma das expressões dessa extrema pobreza revela-se nas condições precárias de moradia, visto que mais de 20% das pessoas residiam em domicílios construídos com palha, taipa, dentre outros materiais (IBGE, 2017).
No que se refere às condições de saneamento básico, condição importante para dimensionar parcialmente a capacidade de enfrentamento da COVID-19,pelasfamílias,nos domicílios, os dados expressam uma situação de precariedade, no Estado. Registros da PNAD (2015) revelaram que somente 62,4% dos maranhenses tinham seus domicílios ligados à rede geral de abastecimento de água, contra 79,7%, na Região Nordeste e 85,4% no Brasil. Dos domicílios pesquisados, apenas 15,8% eram vinculados à rede de esgoto e 3,0% utilizavam fossas sépticas ligadas à rede coletora. Também outro elemento sanitário desfavorável, no contexto do Maranhão, refere-se ao manejo do lixo, verificando-se que somente 59,5% dos domicílios maranhenses tinham coleta de lixo, comparados a 79,1%, no Nordeste e 89,8%, na média brasileira.
De acordo com dados da SIS (2019), coletados mediante pesquisa realizada, em 2018, o Maranhão foi o estado com maior percentual de pessoas com rendimento abaixo da linha de pobreza na ordem de 53%. Tal informação permite afirmar que o Maranhão continua sendo o Estado com maior índice de pessoas vivendo na extrema pobreza,que atingemais de 1 milhão de maranhenses.O índice de Gini, que mede a concentração de renda, ratifica a situação de desigualdade, no Estado, com alcance de 0,526, em 2018.
A insegurança alimentar, no Maranhão, denuncia e constitui-se numa das expressões da situação de vulnerabilidade social de significativas parcelas, posto que o Estado detém o maior percentual de insegurança alimentar do país. Conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares Contínua - POF (IBGE, 2020a), mais de 1,4 milhão de maranhenses alimentam-se inadequadamente, perfazendo um total de 62,2% das famílias. Ressalta-se que este levantamento excluiu pessoas em situação de rua, o que indica que a expressão da fome pode ser maior do que o registrado.
O desemprego também se constitui em problema crescente, no Maranhão. No ano de 2012, o Estado apresentou uma taxa de 6 a 10% de desempregados. Em 2016, esse percentual saltou para 10 a 14% (SIS, 2017) e, em agosto de 2020, o Estado apresentou uma das maiores taxas de desocupação do país,alcançando o percentual de 18,1% expressos nas 59 mil pessoas ocupadas que foram afastadase deixaram de receber remuneração em plena pandemia (IBGE, 2020b).
A composição de todos esses dados bem revela a gravidade da questão social no Maranhão. Desse modo, a crise sócio-sanitária da pandemia do coronavírus impacta fortemente o contexto maranhense, agravando os índices de pobreza e comprometendo a própria sobrevivência de amplo contingente de famílias já mergulhado em situação de vulnerabilidade.
A desestruturação do mercado de trabalho, em decorrência das medidas de distanciamento e isolamento social, já era um impacto esperado. Todavia, a expectativa era de que as medidas adotadas pelos gestores públicos tivessem uma capacidade maior para amortecê-lo, principalmente nos Estados mais pobres do país, como o Maranhão. Nesse sentido, afirmam pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão:
A destruição de postos de trabalho no Nordeste, em decorrência da Covid-19, foi severa. No trimestre finalizado em junho, a taxa de desemprego real apresentou alta em relação ao trimestre anterior, chegando a 34,2% [...]. O patamar mais elevado da taxa de desemprego real na Região foi “puxado” pelos estados do Maranhão e de Alagoas, cujas taxas no último trimestre foram de 39% e 40% respectivamente (GAPE/UFMA, 2020, p.11).
A rigor, a crise desencadeada pela pandemia exacerba a problemáticado trabalho,no Nordeste, ao destruir cerca de 600 mil empregos formais do setor privado e 854 mil empregos informais, o que representa perda de 1,45 milhão de postos de trabalho. Tais dados revelam, no contexto nordestino, uma redução de 11,30%, no total de trabalhadores com carteira de trabalho assinada e de 24,4%, no de trabalhadores sem carteira (GAPE/UFMA, 2020).
Conformeestudos, o Maranhão constitui-se lócus onde os vulneráveis, trabalhadores informais, são ainda mais vulneráveis às oscilações da economia. Enquanto no Nordeste, para cada 1 emprego formal, teve-se 1,4 empregos informais extintos, no Maranhão, para cada 1 posto formal destruído, 15 postos informais foram eliminados. Tais dados permitem avaliar o grave impacto da crise da pandemia no contexto maranhense, visto que as atividades informais concentravam a maior parte da população ocupada naordem de 64,5% (GAPE/UFMA, 2020, p. 23).
Como forma de enfrentamento da pandemia do coronavírus, o Governo do Estado do Maranhão tomou medidas significativas circunscritas em atos normativos de implementação doPlano Estadual de Contingência do novo coronavírus, cabendo destacar: estabelecimento de medidas sanitárias; criação de centros de testagem da COVID-19; criação de hospital de campanha;implementação de lockdown; contratação de profissionais de saúde; suspensão temporária de serviços não essenciais; distribuição de cestas básicas a famílias em vulnerabilidade social;adoção de tarifa zero para água destinada a segmentos populacionais vulneráveis;assistência às pessoas em situação de rua abrigadas;fornecimento de refeições nos Restaurantes Populares, dentre outras ações (OBSERVATÓRIO DAS DESIGUALDADES, 2020).No entanto, mesmo com a implementação do Plano de Enfrentamento à COVID-19, no Maranhão, tem-se registrado um elevado número de contaminados, na ordem de199.000 e mais de 4.000 vidas foram ceifadas (dez./2020).
O atendimento de 63,7% famílias maranhenses com o Auxílio Emergencial, cujo valor médio de renda é de R$ 1.033,00 (set./2020)(IBGE, 2020b), aliado a outras transferências monetárias, tem amenizado a situação de desemprego, de perda ou redução de renda em decorrência da pandemia. Todavia, tais medidas não têm a capacidade de resolver questões complexas, histórico-estruturais, como a fome, a pobreza e o desemprego, marcantes na questão social maranhense.
No Brasil, o Sistema de Seguridade Social,inscrito na Constituição Federal Brasileira de 1988 e assentado no tripé Saúde, Previdência Social e Assistência Socialconfigura-se como um sistemahíbrido, com políticas de caráter contributivo e não contributivo.
A não contributividade da Política de Saúde e da Política de Assistência Social reveste-se de relevância, em um país marcado historicamente pela pobreza, miséria e desigualdade social e commercado de trabalho que exclui parcelas significativas de trabalhadores da possibilidade de contribuição efetiva na garantia da proteção social.
No âmbito do Estado Democrático de Direito, conquistado nos processos de democratização e reconhecido constitucionalmente, a Proteção Social no Brasil passa a ser implementada como direito de cidadania e dever do Estado. No contexto contraditório da contemporaneidade capitalista, especificamente nos percursos da experiência de ajuste brasileiro ao capitalismo mundializado, o sistema do capital, centrado na proeminência do mercado, tem investido em um processo gradativo de desmonte do sistema da proteção social.
No “Brasil do Presente” acirra-se esse desmonte, no contexto das contrarreformas, que vêm atingindo frontalmente os direitos dos trabalhadores, como a Contrarreforma Trabalhista (2017) e a da Previdência Social (2019). E, uma expressão, por excelência, da magnitude de tal desmonte é a Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que definiu o‘Teto dos Gastos Públicos’, instituindo um Novo Regime Fiscal,a presidir, por vinte anos, o Orçamento daUnião.LucianaJaccoud,ao referir-se à configuração da então PEC-95, enfatiza que esta “[...] parece ancorar-se em uma concepção de progresso que desconsidera o papel proeminente dos investimentos públicos em educação, saúde, assistência social e cultura no desenvolvimento”. “[...] nesse modelo, o crescimento da economia, as melhorias na base tributária da União ou a qualificação da política tributária com aumento na arrecadação não poderão ser mobilizados na expansão e no avanço dos serviços sociais prestados à população” (JACCOUD, 2019, p. 20-21).
No Brasil, nos termos de Carvalho (2019),a partir de 2019vivencia-se o Bolsonarismo, fundado no ultraneoliberalismo dependente que consiste no “agravamento da agenda de ajuste do Governo Temer, a efetivar as chamadas políticas de ajuste fiscal e de austeridade, significando, na prática, privatizações, cortes de gastos públicos e contrarreformas” (CARVALHO, 2019, p.90). Nessa perspectiva, Campos; Teixeira (2019) sustentam que “[...] o desmonte da proteção social pública interessa, pois, aos agentes do mercado, às forças políticas conservadoras e aos representantes da “Casa Grande” que não aceitam o povo fora da senzala” (CAMPOS; TEIXEIRA, 2019, p. 42). Assim, efetiva-se o desmanche da Seguridade Social, com a desestruturação dos sistemas públicos, a exemplo do SUS e do SUAS. Dentre as políticas públicas, atingidas fortemente pelo desmonte do ultraneoliberalismo, destaca-se a Política de Assistência Social que, cada vez mais, assume essencialidade, no cenário contemporâneo, do agravamento da questão social a intensificar-se pós-golpe de 2016.
No contexto do enfrentamento dacrise sócio-sanitária da COVID-19, a Política de Assistência Social é requisitada a oferecer respostas para minorar a tragédia social da pandemia. Todavia, ao considerar a desestruturação gradativa do SUAS, especialmente com basena EC 95, intensificam-se as dificuldades para implementação da PAS em tempos de pandemia do coronavírus. De fato, o campo específico da proteção social a ser assegurado por essa Política, expresso nas seguranças por ela afiançadas - de sobrevivência e de renda, de acolhida, de autonomia e de convívio – é fortemente comprometido, justamente no momento em que as reconfigurações da pobreza, decorrentes da pandemia ampliam as demandas postas para essa Política que, assim, reafirma o seu caráter de essencialidade.
O decreto presidencial nº 10.282/2020, ao delimitar as atividades essenciais a serem mantidas nos circuitos de isolamento social da pandemia,ratifica a natureza essencial da Assistência Social, ao inclui-la dentre os serviços públicos e atividades, considerados insdispensáveis ao atendimento das necessidades da população. Por conseguinte, a PAS é requisitada a oferecer respostas a situações de pobreza e miséria, que se exacerbam nesse contexto cabendo destacar:viabilização de serviços e benefícios para aqueles que, ao perderem o trabalho no âmbito da informalidade de sobrevivência, mergulham na extrema pobreza; abrigamento de pessoas em situação de rua;seguranças socioassistenciais a pessoas idosas, a pessoas com deficiência, a crianças, a adolescentes e mulheres, expostos a diferentes formas de violência acirradas pelo isolamento social.
É necessário considerar que, no interior da sociedade brasileira e, especificamente no âmbito do Estado presidido por políticas ultraliberais, constata-se a ausência de reconhecimento efetivodaPAS,como política pública de proteção social,no âmbito da Seguridade Social, com caráter de política de Estado e não simplesmente de governo. De fato, ao focar o SUAS como espaço de gestão pública, a essencialidade da PAS fica evidente pela magnitude dos beneficiários dessa política,atendidos em todos os 5.570 municípios brasileiros, nos 8.428 CRAS, 2.766 CREAS, 235 Centros Pop, 8.808 Centros de Convivência e 7.115 Unidades de Acolhimento (REDE SUAS, em 26/10/2020).
Ao longo da construção da PAS, como política pública no estado brasileiro, foi sempre enfatizado que, para esta Política garantir proteção social aos estruturalmente desprotegidos, se faz necessário o provimento das condições pelas três esferas de governo, conforme definido no Pacto Federativo,a explicitar a corresponsabilidade no financiamento dessa Política. Contudo, contraditoriamente vivencia-se, no país, um processo marcado pelo desfinanciamento da PAS, iniciado no Governo Temer e acirrado no Governo Bolsonaro.
Conforme Vieira (2020a), ao referir-se aos efeitos da Emenda Constitucional nº 95/16, no âmbito da PAS/SUAS, mais que congelar recursos, o governo vem reduzindo, ano a ano, o orçamento das políticas públicas. Em 2016, ano da aprovação da EC nº 95/16, foi destinado para Assistência Social R$ 2,1 bilhões; já para o ano de 2020,sob a égide da EC 95,foi aprovado R$ 1,3 bilhões. Verificando-se uma redução de mais de 60%. Em 2021, o orçamento é de apenas R$ 1.085 bilhões. Ademais, Vieira (2020a) ressalta o déficit orçamentário no SUAS expresso pelas dívidas de exercício anteriores, no valor de aproximadamente 2 bilhões. Convém lembrar que a liberação de crédito extraordinário de R$ 2,5 bilhões, destinado para provisão do Serviço de Proteção em Situação de Calamidades Públicas e Emergências, não exime o governo da responsabilidade de repasse regular e sistemático dos recursos ordinários, com recomposição do orçamento de forma a garantir o funcionamento da rede socioassistencial, sobretudo nesse contexto de pandemia (CARNEIRO, 2020a).
Logo, considerando o desfinanciamento a atingir as políticas públicas no Estado brasileiro, particularmente a PAS,a pandemia do coronavírus e sua tragédia social, a ampliar demandas, já encontrou o SUAS enfraquecido diante das reduções orçamentárias constantes, a ameaçar a implementação da Política de Assistência Social no país, desconsiderando a sua essencialidade no âmbito da Seguridade Social.
A Frente Nacional em Defesa do SUAS, ao referir-se ao contexto da pandemia, sustenta que “[...] na realidade do desastre é preciso afirmar e reafirmar a primazia do Estado como garantidor do direito e a participação complementar da sociedade civil” (FRENTE NACIONAL EM DEFESA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2020, p.7). Essa afirmação não exclui a relevância das doações e ações de solidariedade num quadro de pandemia, mas antes de tudo enfatiza a responsabilidade pública para o seu enfrentamento, inclusive no campo da Política de Assistência Social.
Diante desse cenário, os estados e municípios são requisitados a manter a proteção social à população já atendida pela Assistência Social e a garantir proteção aos segmentos mais vulnerabilizados com a pandemia, diante dos agravos causados pela Covid-19. Isso significa que estados e municípios encontram-se diante de demandas que implicam a ampliação da proteção social básica e especial, sem ter a garantia das condições necessárias para efetivo atendimento. Impõe-se o desafio da reorganização dos serviços ofertados pela Rede SUAS a partir das recomendações sanitárias.
É inconteste o esgarçamento e sucateamento dos serviços e das condições de trabalho na rede socioassistencial do SUAS, a despeito da exigência de atendimento digno à população que necessita da PAS. É deveras interpeladora a reflexão de Silva (2020):
[...] como uma política social de institucionalidade recente e fragilizada face aos atuais ataques, desfinanciamento e desmonte, pode responder às demandas de proteção social, quando o país vê desmoronar o tímido sistema protetivo alcançado com a Constituição Federal e com as leis e direitos trabalhistas? (SILVA, 2020, p. 61).
Desse modo, questiona-se como proceder à reorganização da estrutura do SUAS, especialmente no contexto da crise sócio-sanitáriada pandemia, tendo em vista o conjunto de medidas regressivas de desmanche da PAS – é essa uma questão enfrentada por gestores, pesquisadores e, de modo especial, pelos trabalhadores do SUAS que, na ponta do sistema, enfrentam a avalanche de demandas que chegam às unidades de atendimento.
O quadro nacional de desmanche e de desfinaciamento da PAS,circunscrito ao longo das abordagens anteriores,exige compreender as dimensões específicas e peculiares de tal quadro, na implementação da PAS, no Maranhão, no contexto da pandemia, identificando os principais desafios enfrentados para garantir o atendimento à população.
No Maranhão, a Assistência Social, na condição de política pública, oferta serviços e viabiliza benefícios a quem dela necessita,mediante arede socioassistencial do SUAS,constituída por 319 CRAS, 123 CREAS municipais, 08 Centros POP e 03 Centros Dia. O Estado também possui unidades de acolhimento para a oferta dos serviços de alta complexidade, com o envolvimento de 25 municípios, a saber: 10 Residências Inclusivas, 03 Casas Lar, 07 unidades de Acolhimento adulto (população em situação de rua), 01 Instituição de Longa Permanência para Idosos, 03 unidades de Acolhimento para idosos, 03 Serviços de Acolhimento em Família Acolhedora e 24 unidades de Acolhimento de Crianças (SILVA et al, 2019).
A constituição dessa rede socioassistencial, no âmbito do SUAS, no Maranhão, consubstancia um expressivo avanço na implementação da PAS, no Estado. Contudo, o quantitativo de unidades, aqui circunscrito, está aquém da estrutura institucional necessária para atender a demanda de proteção social posta para a PAS, em um dos estados com maiores índices de pobreza e de extrema pobreza do país. Essa exigência da ampliação de unidades constitutivas do SUAS tem sido enfatizada em estudos e pesquisas, como a investigação regional, “Avaliando a implementação do Sistema Único de Assistência Social na Região Norte e Nordeste:significado do SUAS para o enfrentamento à pobreza nas regiões mais pobres do Brasil” concluída em 2019 (SILVA et al, 2019).
Essa situação estrutural de insuficiência da rede de unidades constitutivas do SUAS agrava-se com o expressivo aumento da demanda em tempos da pandemia, inclusive com a inclusão ao público da Assistência Social de novos sujeitos, como pequenos trabalhadores rurais e urbanos, artesãs/ãos, catadores/as de materiais recicláveis, prestadores de serviços e profissionais liberais, ou seja, “pessoas que dependem diariamente do trabalho produtivo e/ou comercial para aferir algum ganho e garantir a sobrevivência do núcleo familiar e que ficaram em situação de vulnerabilidade com a pandemia” (VIEIRA, 2020b).
A despeito do desfinanciamento federal da Assistência Social, registrado a partir do governo Temer e intensificado noBolsonarismo,observa-se,no Maranhão, uma atuação por parte do Governo Estadual que indica o esforço para garantia do atendimento da população nas unidades de referência do SUAS. A esse respeito, destaca-se a emissão de uma Nota de recomendações direcionada aos gestores municipais, no início da pandemia, produzida em conjunto pelo Conselho Estadual de Assistência Social – CEAS e pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – SEDES, órgão gestor da Política de Assistência Social, no Estado.
As orientações constantes na referida Nota direcionam-se para a permanência do trabalho socioassistencial nas unidades do SUAS, preservando o risco de contágio para o público atendido e para os trabalhadores do SUAS. Dentre as orientações destacam-se: manutenção de atendimento individualizado nas unidades,comsuspensão das atividades em grupo; instituição do trabalho home office paraprofissionaispertencentes ao grupo de risco; disponibilização de itens de proteção aos trabalhadores e usuários em atividade presencial como máscaras e álcool em gel; manutenção dos serviços de acolhimento institucional; acolhimento e proteção à população em situação de rua; suspensão temporária das visitas às gestantes e crianças do Programa Primeira Infância no SUAS e suporte socioassistencial às pessoas com deficiência, cujos pais, cuidadores ou responsáveis foram acometidos pelo coronavírus.
Mapeamento realizado pela SEDES junto aos gestores dos 217 municípios maranhenses, com quase a totalidade de respostas à entrevista, configura a realidade da PAS, em meio à pandemia, buscando constatar possíveis alterações na dinâmica dessa Política, com destaque para asdemandas por serviços e benefícios, pela população e para as estratégias utilizadas pelas Secretarias Municipais de Assistência Social para enfrentar as situações de desproteção, nesse contexto específico da disseminação do coronavírus.
As informações oriundas do Mapeamento, conforme Vieira (2020b), mostram que as unidades de referência: CRAS, CREAS, Centros POP e unidades de acolhimento foram reorganizadas para manutenção do funcionamento com revezamento de equipes.Asatividades presenciais, previstas em algumas unidades,passaram a ser controladas com agendamentos. Em alguns municípios (29,02%),essa modalidade de atividade foi suspensa e substituída pelo atendimento, mediante call center. Em 59% dos municípios, as Secretarias de Assistência Social permaneceram abertas. A Secretária Adjunta da SEDES ressalta que “essa realidade se altera de acordo com o fluxo de contágio do vírus e ocorrência de óbitos no interior do Estado ora intensificando-se, utilizando o trabalho remoto e, mais recentemente, abrindo para o atendimento presencial” (VIEIRA, 2020b).
Esse Mapeamento, realizado pela SEDES, revelou que os Benefícios Eventuais (BEs) foram mantidos pelos municípios e disponibilizados à população. Essa demanda por Benefícios Eventuais cresceu consideravelmente nos municípios, considerando o fato de a “demanda bater diretamente nas Secretarias Municipais de Assistência Social e na porta dos gestores público” (VIEIRA, 2020b). E dentre os Benefícios Eventuais os mais concedidos em atendimento às situações emergenciais foram: o Auxílio Alimentação (Cesta Básica), Aluguel Social, Auxílio Natalidade e Auxílio Funeral.
Para melhor avaliar a ‘saga’ dos municípios, no Maranhão, na viabilização dos Benefícios Eventuais, convém resgatar dados circunscritos no âmbito da referida pesquisa regional de 2019: dos 217 municípios maranhenses, 180 municípios tinham Benefícios Eventuais regulamentados e somente 33 deles contavam comcofinanciamento estadual. Logo, embora haja a possibilidade de utilização de parte dos recursos extraordinários, recebidos pelos municípios, para incremento desses benefícios, o aumento exponencial da demanda,no contexto da COVID-19, exigiu uma ampla mobilização da gestão municipal para responder a essa demanda, embora parte dos demandatários não tenha sido contemplado com esse benefício.
Indiscutivelmente a pandemia do coronavírus, no contexto de profundas apartações sociais marcantes no Maranhão, revelou as múltiplas faces da desproteção social. Neste cenário, merecem especial destaque duas situações limite, o isolamento das comunidades tradicionais, sem condições de auto sustentabilidade; a situação das Pessoas Com Deficiência – PCD que moram sozinhas e que contraíram o vírus, sem condições de autocuidado. Em relação às PCD’s, as secretarias municipais atenderam e acompanharam os casos identificados. No que se refere às comunidades tradicionais, a articulação entre SEDES e a Secretaria de Igualdade Racial – SEIR foi necessária para a distribuição de alimentos e materiais de higiene. Ademais, a SEDES disponibilizou alimentos e materiais de higiene para a população em situação de rua e para os serviços de acolhimento institucional, inclusive com repasse de recursos para os serviços sob gestão não governamental, habilitados para este fim.
Outra articulação intersetorial identificada, a partir do Mapeamento SEDES, foi com a Política de Saúde, pela necessidade de acompanhamento específico do público mais vulnerável atendido pela PAS. Nessa direção, a ação conjunta SUS e SUAS mostra-se estratégica no atendimento às famílias e aos indivíduos acometidos pela COVID-19, com apoio, orientações e viabilização no acesso ao auxílio funeral.Ademais, a SEDES instituiu um serviço de plantão, com rodízio de trabalhadores, para acompanhamento dos casos, considerando a alta incidência dos óbitos no Estado.
No trágico cenário da pandemia, com agravamento da pobreza e da miséria, tem-se o Auxílio Emergencial viabilizado pelo Governo Federal com a mediação da Caixa Econômica e, estranhamente, desvinculado da PAS.De fato, o Auxílio Emergencial não foi concebido com a participação da Assistência Social. “Foi um benefício gestado no campo do econômico, puramente, e utilizou aplicativos tecnológicos para acesso do público que ficou sem trabalho e renda no momento da pandemia” (VIEIRA, 2020b). Todavia, demandas têm sido apresentadas pela população maranhense, para a Assistência Social, a despeito de nenhuma vinculação ter sido feita a esta Política. A esse respeito Vieira (2020b) assim avalia o Auxílio Emergencial:
[...] apesar de ter sido uma conquista da sociedade brasileira por meio do parlamento que propôs e aprovou a legislação, e assumida pelo governo, passou ao largo do SUAS e foi implantado numa concepção de operacionalização estritamente bancária, gerando dificuldades de acesso que rebatem nas secretarias municipais de assistência social para resolução de soluções para as quais o SUAS não foi credenciado (VIEIRA, 2020b).
Carneiro analisa que a não vinculação do Auxílio Emergencial à PAS, ratifica a existência de uma cultura de Política Social, no Brasil, que reforça a personificação do benefício na figura de quem o concede e fortalece posturas assistencialistas e clientelistas ao transmutar direito em favor/dádiva, em detrimento da ênfase à cultura do direito (CARNEIRO, 2020b).
De forma inconteste, este benefício constitui uma alternativa, embora temporária, em face do caos social do desemprego e da inviabilização do trabalho informal, deixando famílias empobrecidas, sobretudo as que habitam as periferias, sem condições de sobrevivência.
No Maranhão, 61,4% dos domicílios foram contemplados com este Auxílio até o mês de outubro de 2020 (IBGE, 2020b). O Mapeamento Sedes nos municípios ratificou a existência de limites de acesso do público-alvo, cabendo mencionar situações típicas do cenário de exclusão: falta da devida documentação exigida; ausência de telefonia móvel e internet em alguns povoados distantes das sedes dos municípios; dificuldades de determinados grupos de pessoas de constituírem a via de acesso via telefonia móvel e internet; ausência de rede bancária e correspondentes e as intermináveis filas junto às agências da Caixa em um verdadeiro jogo de obstáculos.
Diante das dificuldades surgidas com a gestão do Auxílio Emergencial,gestores e técnicos da Assistência Social realizaram encaminhamentos,no sentido desuperaçãodas barreiras de acesso: orientações às lideranças locais sobre procedimentos para acesso ao Auxílio; distribuição de chips para viabilização do cadastro e acompanhamento do processo de análise e liberação do benefício.
Mascaro (2020) enfoca os sentidos e significados do Auxílio Emergencial, no sentido de legitimação da figura do presidente Jair Bolsonaro que“[...] reivindica à sua imagem o protagonismo da condução da crise” (MASCARO, 2020). Em verdade o Auxílio Emergencial confere ao Bolsonarismo uma base de massa, embora paradoxalmente esse Auxílio Emergencial não se constitua um projeto estratégico amarrado do governo às imposições do ajuste fiscal, com proeminência do mercado.
Nesse contexto da pandemia da COVID-19, desafios estão postos para implementação da PAS, no Estado do Maranhão, cabendo mencionar: a baixa arrecadação do Estado e municípios maranhenses; redução de valores das parcelas de recursos destinados aos serviços do SUAS; não pagamento de despesas de exercícios anteriores, como implicação direta da Portaria nº 2362/2019 do Ministério da Cidadania.Tais limites comprometem “a oferta dos serviços e a garantia do atendimento compatível com a necessidade da população mais vulnerável [...] quando se fazem necessários maior investimento e proteção às pessoas” (VIEIRA, 2020b).
A morosidade de repasse dos recursos ordinários, provenientes do Governo Federal, para manutenção da rede, a não recomposição do orçamento (déficit orçamentário), a desconsideração do orçamento deliberado pelo Conselho Nacional de Assistência Social, constituem fatores limitantes na implementação da PASe mais: a liberação de crédito extraordinário não tem a capacidade de resolver as fragilidades carregadas pelo SUAS ao longo dos últimos anos.Assim, faz-se evidente a ruptura do Pacto Federativo, pela esfera federal, para garantia da Política da Assistência Social, num contexto que exige uma intervenção pública compartilhada, robusta, responsável e célere para salvaguardar vidas, com investimento público expressivo, que garanta a valorização e proteção dos trabalhadores e a oferta sistemática de serviços em distintos momentos da vida social.
O agravamento da desproteção social de amplos segmentos da sociedade,impulsionada pela COVID-19, vem causando forte pressão sobre os sistemas públicos, principalmente SUS e SUAS, que não se encontram estruturados o suficientepara responder demandas regulares e novas demandas. Em verdade, são sistemas que apresentam fragilidades intensificadas, desde 2016, no âmbito de políticas ultraliberais, direcionadas para os interesses do capital, sobretudo do capital financeiro, com forte desmonte de direitos e desmanche de políticas públicas. A proteção social perde, então, centralidade nesse cenário do “Brasil do Presente”. Especificamente, no interior do Bolsonarismo vivencia-se o agravamento, sem limites, da desproteção social, que se revela, com nitidez, nas posturas negacionistas e autoritárias do Presidente da República.
No que se refere especificamente à Política de Assistência Social, constata-se que o desfinanciamento federal tem comprometido a capacidade de estados e municípios de responderem às necessidades sociais da população, em conformidade com o preconizado pela Constituição Federal Brasileira de 1988 e demais regulamentações atinentes à garantia de proteção social não contributiva.
Tendo como referência empírica a implementação da Assistência Social no Estado do Maranhão, no contexto da pandemia, pode-se observaro comprometimento da oferta dos serviços e da garantia do atendimento da população mais vulnerável, apesar dos esforços do Estado e dos Municípios. Em face da ruptura do Pacto Federativo, com consequente desfinanciamento da proteção social, em nível federal, gestores estaduais e municipais têm assumido a responsabilidade de execução de serviços e benefícios, cujo financiamento foi pactuado conjuntamente.
Essa configuração exige urgente cumprimento de atribuições e competências pelos entes federativos, ou seja, o reestabelecimento das pactuações federativas, com recomposição do orçamento, regularização dos repasses de recursos para manutenção da rede socioassistencial, além da manutenção do repasse de recursos extraordinários para fazer face às demandas surgidas durante a pandemia.
Para tanto, a resistência e enfrentamento ao desmonte da Assistência Social são fundamentais. Diferentes sujeitos sociais e coletivos estão em mobilização permanente, em todo o país, para resistir à desestruturação do SUAS, a exemplo do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS), Fórum Nacional de Secretários/as de Estado de Assistência Social (FONSEAS), Fóruns de Usuários e de Trabalhadores/as do SUAS, Conselhos nacional, estaduais e municipais de Assistência Social, Coalizão Direitos Valem MaiseFrentes Nacional e estaduais em Defesa do SUAS.São instâncias que lutam e demandam a urgente revogação daEC nº 95/2016 e Portaria nº 2362/2019para que o SUAS possa garantirproteção social a todos que necessitam da PAS.
Sabe-se que as contradições da Política de Assistência Social não são superadas nos marcos do sistema capitalista. Todavia, compreende-se sua essencialidade para garantia da vida digna de diversos segmentos de trabalhadores no Brasil, o que justifica sua defesa intransigente num cenário de desvalorização de sistemas protetivos públicos.