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A MÍDIA E A PRODUÇÃO DO CONSENSO EM TORNO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: o caso do Novo Ensino Médio
Maria Carolina Andrade; Vânia Cardoso Motta
Maria Carolina Andrade; Vânia Cardoso Motta
A MÍDIA E A PRODUÇÃO DO CONSENSO EM TORNO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: o caso do Novo Ensino Médio
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, núm. 1, pp. 46-61, 2022
Universidade Federal do Maranhão
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Resumo: O artigo apresenta uma análise das propagandas veiculadas por canais de mídia, especialmente de televisão, acerca da principal política educacional em voga, qual seja, o Novo Ensino Médio. A partir dos conceitos de ideologia, em Marx e Engels, e de hegemonia e ideologia em Gramsci, analisa o caráter ideológico das propagandas, buscando demonstrar como as mesmas retratam a realidade agregada de elementos de mistificação e como isto constitui tarefa de classe. Aborda, ainda,o caráter usurpador e retrógrado da reforma, relacionando-a à ascensão ultraliberal e conservadora do Brasil contemporâneo. Conclui que a mídia segue sendo veículo essencial de disseminação da ideologia dominante, e que se fora importante em todo tempo histórico, hoje é absolutamente imperativa.

Palavras-chave: Políticas públicas, Empresariamento da educação de novo tipo, Novo Ensino Médio, Ideologia, Propaganda.

Abstract: The article presents an analysis of advertisements broadcast by media channels, especially television, about the main educational policy in vogue, namely, the New High School. From the concepts of ideology, in Marx and Engels, and hegemony and ideology in Gramsci, analyzes the ideological character of advertisements, seeking to demonstrate how they portray the aggregated reality of elements of mystification and how this constitutes a class task. It also approaches the usurping and retrograde character of the reform, relating it to the ultraliberal and conservative rise of contemporary Brazil. Concluding that the media continues to be an essential vehicle for the dissemination of the dominant ideology, and that if it had been important in all historical times, today it is absolutely imperative.

Keywords: Public policies, new type of education entrepreneurship, New High School, ideology, advertising.

Carátula del artículo

Artigos - Dossiê Temático

A MÍDIA E A PRODUÇÃO DO CONSENSO EM TORNO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: o caso do Novo Ensino Médio

Maria Carolina Andrade
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Vânia Cardoso Motta
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, núm. 1, pp. 46-61, 2022
Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 21 Diciembre 2021

Aprobación: 20 Mayo 2022

1 INTRODUÇÃO

“Tempos difíceis” é muito pouco para caracterizar o que vivemos hoje – se é que, enquanto trabalhadores, podemos falar em vida. No Brasil, notadamente desde 2016, a expectativa da massa trabalhadora tem sido tão somente sobreviver a uma avalanche de perdas: perdas econômicas, políticas e sociais; perdas de direitos, lazer, espaços, saúde, empregos, moradias, alimentação, como corolário, a perda de mais de 600 mil vidas ao final de 2021.

Nesse sentido, é urgente salientar que a despeito da gravidade e letalidade do vírus da Covid-19, a ascensão ultraliberal-conservadora que se gesta no Brasil no período do golpe empresarial-parlamentar que depôs a então presidente petista, é fulcral nesse conjunto de perdas. Ainda em 2016, quando a possibilidade de uma pandemia habitava apenas nossos pesadelos mais longínquos, promoveu-se o desmonte das leis trabalhistas, medidas de (contra)reforma na educação via Medida Provisória e o congelamento dos gastos públicos, corrigidos apenas pela inflação, por vinte anos – medida sem igual em qualquer país do planeta.

A atual crise orgânica do capitalismo brasileiro, consolidada em 2015, é um marco notável nesse processo. Como demonstra Motta e Andrade (2020), entender a complexidade do que o período carrega em seu ventre exige mais do que atentar para a grave crise econômica. A crise de hegemonia que se desenhara paralelamente, sobressaltada pela descolagem das massas dos partidos e ideologias tradicionalmente dominantes, torna a situação “delicada e perigosa, pois abre-se o campo para as soluções de força [...] representadas pelos homens providenciais ou carismáticos (GRAMSCI, 2007, p. 60).

A questão não se reduz, porém, a um problema político entre dominantes e dominados, embora este exista de fato. Na crise orgânica, há também um problema de hegemonia no interior das classes: se os trabalhadores enfrentam problemas de organização que os tornam incapazes de aproveitar a desordem a seu favor, a classe dominante apresenta dificuldades de reestabelecer a mínima homogeneidade necessária para redefinir a direção a seguir, abrindo o caminho para pensamentos que contêm os “perigosos fermentos ideológicos” que alimentam e engrandecem os monstros (GRAMSCI, 1999, p.323). Não surpreendentemente, é precisamente nessas crises de distensão dos vínculos entre estrutura e superestrutura que emergem a descrença nas instituições, na política e na própria democracia; a apresentação de velhas ideias como inovações e, ainda, as tentativas mais bizarras de solucionar o problema.

Não desejamos, nem poderíamos, esgotar a complexidade do tema. No escopo desse texto, abordamos suas relações com as políticas públicas de educação. Demonstramos que, meio ao furacão ultraliberal-conservador, doravante pandêmico, a política educacional empresarial carro-chefe para o Ensino Médio se consolida como o que há de mais obscuro e retrógrado no âmbito da educação pública desde a ditadura empresarial-militar. Outrossim, que a mídia vem servindo como importante nervura no processo de convencimento em torno desse projeto reproduzindo incessantemente ideologia e o projeto dominante de educação pública. Nesse sentido, destacamos que, enquanto aparelho privado de hegemonia (APH), a mídia vem servindo como importante aliado do empresariado educacional (MOTTA; ANDRADE, 2020a), que na disputa de hegemonia com algumas frações mais conservadoras o campo educacional se apresenta, agora como farsa, como solução para os problemas seculares da educação brasileira.

O texto está dividido em três partes: na primeira, fazemos um breve resgate das concepções teóricas que embasam nossa análise. Na segunda, apresentamos o resultado de nossa pesquisa de cunho midiático, apresentando as principais propagandas em torno do tema, seus veículos de comunicação e seus conteúdos, dialogando com a seção anterior. À guisa de conclusão, explanamos os motivos pelos quais urge a luta pela produção de um novo consenso e de uma nova realidade radicalmente distintas das hodiernas.

2 NEXO IDEOLOGIA-HEGEMONIA: a importância da produção do consenso na sociedade de classes

A pluralidade semântica e conceitual do termo “ideologia” é algo inegável: uma vasta literatura histórica sobre o tema oferece distintas formas de apreender e manejar o tema. Mesmo restringindo o conceito ao nosso campo teórico, e tratando apenas dos autores que com ele se identificam, não há convergência total acerca do sentido que o termo assume em um ou outro autor, como, por exemplo, em Marx1.

De nossa ótica, o sentido de ideologia em Marx é essencialmente negativo, isto é, está diretamente vinculado à dominação de classe. Compreendemos a ideologia como uma forma de expressão ideal particular à época em que a externarão e a objetivação, dimensões ontológicas da teleologia humana, configuram-se necessariamente como estranhamento. Noutros termos, é a forma de consciência característica da sociedade produtora de mercadorias fetichizadas, cuja “própria consistência ontológica implica um certo não-conhecimento de seus participantes”, isto é, trata-se de uma “efetividade social cuja própria reprodução implica que os indivíduos ‘não sabem o que fazem’” (ZIZEK, 1998, p. 303).

Precisamente nesse sentido é essa própria realidade, e não só sua expressão ideal, que deve ser concebida como ideológica. Ademais, em se tratando da apreensão ideal, toda e qualquer distorção se configura como necessidade imposta pela própria realidade, e não como erro ou desvio intelectual. Nas palavras de Marx e Engels (2007, p. 94) “também as formações nebulosas na cabeça dos homens são sublimações necessárias de seu processo de vida material, processo empiricamente constatável e ligado a pressupostos materiais”, de modo que todas as ideologias “são privadas aqui da aparência de autonomia que possuíam até então”.

Com base nessa compreensão, entendemos que a ideologia é uma forma particular, que se pretende universal, de expressão ideal da realidade, permeada por elementos de mistificação, naturalização, justificação, inversão e ocultamento. A força dessa expressão reside não na qualidade das mesmas em si, mas, antes, na ressonância que encontram na realidade imediata dos indivíduos. Noutros termos, embora a ideologia, enquanto consciência, seja de fato produto da atividade intelectual, a sua força não é imanente; deriva, antes, das próprias relações materiais de dominação. Isto é, são justamente estas relações que tornam universais as ideias particulares de uma classe, ainda que seu conteúdo real seja transmutado.

Em que pese a introjeção de uma série de representações que conformam os indivíduos em harmonia com o “modo de ser burguês” desde as primeiras fases da vida, Marx e Engels tinham plena consciência de que a monopolização do trabalho intelectual e de seus meios de difusão era fator determinante no âmbito da dominação ideológica. Para os autores,

A classe que tem a sua disposição os meios da produção material dispõe também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos, aproximadamente ao mesmo tempo, os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual [...]. Na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que eles o fazem em toda sua extensão, portanto, entre outras coisas, que eles dominam também como pensadores, como produtores de ideias, que regulam a produção e a distribuição das ideias de seu tempo; e, por conseguinte, que suas ideias são as ideias dominantes da época (MARX; ENGELS, 2007, p. 47).

No limiar do século XX, Gramsci observa a complexificação do movimento de dominação de classe. O autor percebe que a classe dominante, além de monopolizar os meios de produção intelectual, é capaz de realizar ideologias via aparelhos “privados”2 de hegemonia. De tais aparelhos, explica o autor, a classe materialmente dominante se mune não só para promover a interiorização prática de uma nova concepção de mundo, mas também para ajustá-la sempre que necessário, de modo a cimentar socialmente as alterações estruturais e superestruturais ao longo da história. De acordo com Gramsci (2002, p.78), tais aparelhos integram a “estrutura ideológica da classe dominante, isto é, a organização material voltada para manter, defender e desenvolver a ‘frente’ teórica ou ideológica”, da qual “a imprensa é a parte mais dinâmica [...] mas não a única: tudo o que influi ou pode influir sobre a opinião pública, direta ou indiretamente, faz parte dessa estrutura”.

Os aparelhos de hegemonia conferem, concretamente, uma robusta estrutura material às ideologias dominantes que, por sua vez, na perspectiva do autor, formam um complexo de casamatas que protegem de sobremaneira Estado capitalista, funcionando como uma trincheira onde a luta se dá antes de atingir o núcleo da dominação direta. Gramsci (2007, p. 73) observa a complexificação da luta de classes no século XX: o lócus de exercício da hegemonia, ou seja, a sociedade civil, torna-se “uma estrutura muito complexa resistente às ‘irrupções’ catastróficas do elemento econômico imediato (crises, depressões, etc)” e suas superestruturas “são como o sistema das trincheiras na guerra moderna” ou como “sistemas de defesa na guerra de posição”. A luta de classes passará, portanto, e perpassa necessariamente o convencimento e a conquista da confiança dos subalternos.

Gramsci demonstrou a ininterruptividade do abstruso trabalho intelectual das classes dominantes nesse sentido: além de ter organizações materiais voltadas para defender e desenvolver a sua própria visão de mundo, Gramsci mostrou a importância da capacidade organizativa dessa classe e seus impactos positivos no âmbito do exercício da hegemonia, tanto sobre os aliados quanto sobre os dominados – especialmente na chamada fase liberal-democrática do Estado3.

Quando este passa a assimilar as massas e estas aderem à vida econômico-corporativa, colaborando com o desenvolvimento desse Estado, a função diretiva passa aos organismos coletivos, isto é, à sociedade civil, que se distingue da sociedade política apenas em termos teóricos. Tal incorporação, explica Gramsci (2007, p. 119), pressupõe uma certa colaboração das massas, ou seja, a democracia liberal pressupõe que se governe com o consenso dos governados, mas “não genérico e vago tal como afirma-se no momento das eleições: o Estado tem e pede o consenso, mas também ‘educa’ este consenso através das associações políticas e sindicais, que, porém, são organismos privados, deixados à iniciativa privada da classe dirigente”.

Como explica o autor, a produção do consenso é um aspecto constitutivo, inerente à ação intelectual e à tarefa hegemônica. Embora se apresente sob várias formas historicamente, está sempre vinculada à intima interseção entre as tarefas educativas, organizativas, diretivas e conectivas dos intelectuais, que em seu conjunto constroem e difundem uma determinada ideologia4. No que tange à direção-dominação dos subalternos, Gramsci (2007, p. 95), afirma que ela deve ser exercida “sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública”.

O que se chama de ‘opinião pública’ está estreitamente ligado à hegemonia política, ou seja, é o ponto de contato entre a ‘sociedade civil’ e a ‘sociedade política’, entre o consenso e a força. O Estado, quando quer iniciar uma ação pouco popular, cria preventivamente a opinião pública adequada, ou seja, organiza e centraliza certos elementos da sociedade civil (GRAMSCI, 2007, p. 265).

A chamada “opinião pública” está estreitamente relacionada àquilo que Gramsci chamava de “visão ou concepção de mundo”, que no caso dos dominados pode corresponder ao que se chama de “senso comum” – o grau mais baixo de elaboração intelectual, constituído majoritariamente pelos elementos do cotidiano, do imediato e do aparente (GRAMSCI, 1999). Em sendo assim, o “senso comum” é constituído de elementos que acabam por formar um todo caótico, desordenado e muitas vezes incoerente, mas que ainda assim é incorporado pelos indivíduos e opera no seu cotidiano. Para o autor, as ideologias operam como força material, isto é, operam concretamente guiando o pensar, o sentir e o agir dos indivíduos.

É precisamente nesse sentido que a ideologia, isto é, a “concepção de mundo” dos indivíduos, é ponto fulcral da atividade hegemônica do grupo social dominante, assumindo funcionalidade concreta tanto na dominação quanto na direção intelectual e moral dos aliados e dos subalternos. Para Gramsci, exercer hegemonia é exercer uma direção eficaz, que por sua vez depende do quanto os dirigidos consentem e até mesmo colaboram com o projeto hegemônico. Aqui reside a importância da conquista da confiança e da construção do consenso, haja vista que, embora não haja direção aniquilada de elementos de força, “a direção política se tornou um aspecto da função de domínio”, e que “não se deve contar apenas com a força material que o poder confere para exercer uma direção eficaz” (GRAMSCI, 2002b, p. 63).

Outro ponto importante a salientar é que o chamado “exercício da força” transcende o confronto direto e violento. Para o autor, a chamada “coerção “sobre os dominados pode ser exercida tanto pela via repressiva-violenta através das forças policiais quanto pela via jurídica-legislativa, que legitima a coerção econômica e política incluindo a precarização das condições concretas de existência. Ademais, a própria linha da construção do consenso poderia conter aspectos potencialmente coercitivos: para Gramsci (2007, p. 302) “o poder legislativo máximo reside no pessoal estatal, que têm à disposição as forças coercivas legais do Estado. Mas não se pode dizer que os dirigentes de organismos e organizações "privadas" também não disponham de sanções coercivas [...]”.

O exercício hegemônico na sociedade civil pode lançar mão, ainda que em menor escala, dos elementos de força, sobretudo a partir da “‘coação’ [que] não é estatal, mas de opinião pública, de ambiente moral, etc.” (GRAMSCI, 2007, p. 240). Nesse sentido, o consenso segue aqui encouraçado pela coerção exercida não só pelo aparato da sociedade política, pela coerção direta, mas também pela coerção indireta, a partir de diversos elementos de violência subjetiva: simbólica, chantagistas ou massivamente repetitivos – este bastante eficaz para agir sobre a mentalidade popular (GRAMSCI, 1981).

A elaboração nacional unitária de uma consciência coletiva homogênea requer múltiplas condições e iniciativas. A difusão, por um centro homogêneo, de um modo de pensar e de agir homogêneo, é condição principal, mas não deve e não pode ser a única. [...]. A capacidade do intelectual profissional de combinar habilmente indução e dedução, de generalizar sem cair no formalismo vazio, [...] constitui uma “especialidade”, uma “qualificação”, não um dado do senso comum vulgar. E por isso, portanto, não basta a premissa da “difusão orgânica, por um centro homogêneo, de um modo de pensar e agir homogêneo”. [...]. A “repetição” paciente e sistemática é um princípio metodológico fundamental: mas a repetição não mecânica, “obsessiva”, mas a adaptação de cada conceito às diversas peculiaridades [...] (GRAMSCI, 2002, p. 206).

Em suma, tanto Gramsci quanto Marx e Engels oferecem elementos indispensáveis para entendermos a importância da ideologia na luta de classes, bem como a indispensabilidade da construção do consenso em torno do projeto hegemônico, incluindo a conquista do apoio dos subalternos. Os elementos de naturalização, inversão, justificativa e ocultamento integrantes da ideologia, a que se referiam Marx e Engels, parecem ser justamente os elementos compósitos do que Gramsci entendia como “senso comum”, onde a realidade é apreendida tal como se apresenta fenomenologicamente, com amplo apoio e respaldo dos intelectuais dominantes, que dia após dia trabalham na construção da opinião pública que lhes convém.

Deve-se destacar ainda que a realidade ausente de mediações não só é apreendida pelos indivíduos como é vivida pelos mesmos cotidianamente; é a realidade que constantemente lhes salta aos olhos, sobretudo na perspectiva acrítica. Justamente aqui reside a força de ideologia, do senso comum: na ressonância concreta que a mesma encontra no cotidiano humano, cujas lentes pelas quais os dominados o observa é, cada vez mais, as lentes dos próprios dominantes.

Sabemos que, historicamente, a mídia é um aliado importante das classes dominantes. À época da ditadura empresarial-civil-militar, por exemplo, as grandes propagandas dos indicadores do assim chamado “milagre econômico”(crescimento do PIB, das exportações, das matrículas escolares, a baixa inflação e outros), escondiam a fome crônica, as proporções do analfabetismo, o aumento da mortalidade infantil, as relações sociais arcaicas, o aumento da jornada de trabalho e o rebaixamento dos salários, além dos enormes índices de desemprego, alavancados sobretudo pela proletarização dos trabalhadores do campo não acompanhada pela geração de novos empregos.

A mídia segue sendo. Analisaremos, a seguir, um exemplo concreto e hodierno de como a mídia funciona como aparelho de hegemonia difusor de determinada ideologia com vistas à construção do consenso em torno do projeto educacional empresarial, ocultando, invertendo, legitimando, naturalizando e justificando a realidade brasileira a despeito de todos os aspectos cruéis e inaceitáveis.

3 A MÍDIA COMO PONTO NODAL NA ASSIMILAÇÃO IDEOLÓGICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: o caso do Novo Ensino Médio

O Novo Ensino Médio (NEM) é uma política educacional que promove duas grandes mudanças nessa etapa: mudanças no currículo e mudanças na carga horária. Resumidamente, o carro-chefe da proposta é “tornar a etapa mais atraente para o jovem”, deixando que o mesmo escolha uma parte da sua trajetória formativa. Nesse novo modelo, o alunado cursa uma parte denominada “comum”, instituída pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio, e uma parte “diversificada”, instituída pelos chamados itinerários formativos.

O modelo foi aprovado em 2016 via Medida Provisória (MP nº 746/2016), pouco após o golpe empresarial-parlamentar e a assunção do Ministério da Educação (MEC) por parte da coalizão liberal-conservadora representada por Mendonça Filho e Maria Helena Guimarães de castro (antiga integrante do MEC de Fernando Henrique Cardoso, explicitamente aberto ao desmonte da educação pública). À época, a medida baixada de forma autoritária e contendo as propostas mais absurdas e retrógradas (a exemplo da exclusão do currículo de disciplinas como Filosofia, Sociologia) sofreu significativa resistência docente e discente em todo país: ocupações de escolas, interrupção de audiências públicas, notas e moções de repúdio por parte de associações de educação e sindicatos, dentre outros movimentos. Diante de tamanha resistência, a Medida aprovada como lei nº 13.417/2017, em fevereiro de 2017, sofreu algumas alterações e concessões, mas manteve intactos os seus eixos estruturantes.

Diversos autores demonstram como a Reforma do Ensino Médio retroage à política educacional característica da ditadura empresarial-militar; como expropria as bases do conhecimento científico-tecnológico e historicamente acumulado, como educa para o conformismo e aprofunda o apartheid educacional e todas as dimensões do empresariamento da educação de novo tipo (BORBA; ANDRADE; SELLES, 2019; MOTTA; ANDRADE, 2020a; MOTTA; ANDRADE, 2020b; LEHER, 2019). A despeito de todos esses estudos e todas as resistências que sofreu, a proposta segue, atualmente, em fase de implementação.

Entendemos que as propagandas massiva e repetidamente difundidas em emissoras de rádio e televisão foram fulcrais para a conquista de algum apoio da população em geral em relação ao tema. Analisamos a seguir cinco propagandas produzidas pelo MEC, que foram amplamente difundidas no canal Globo de Televisão, entre 2018 e 2021, e a entrevista coletiva realizada por Mendonça Filho, quando da aprovação da medida. As propagandas encontram-se no YouTube, e podem ser acessadas pelos links indicados em nota5. A coletiva de imprensa do então ministro da educação, Mendonça Filho, pode ser encontrada no link indicado nessa nota6.

Como se pode observar sobretudo na coletiva de imprensa, quatro são as justificativas centrais para a aprovação da proposta, quais sejam i) a qualidade da educação é baixa: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) avançou apenas 0,3 pontos percentuais em dez anos; ii) os índices de evasão e repetência são altíssimos, o que reflete a falta de interesse dos alunos em estudar e concluir o Ensino Médio devido ao currículo enciclopédico e ultrapassado; iii) o jovem deixa essa etapa sem estar preparado para o mercado de trabalho, o que faz com que este possua vagas ociosas e iv) a má formação dos jovens trabalhadores é fator causal da baixa produtividade do trabalhador brasileiro e, logo, das péssimas condições de vida desses trabalhadores.

Precisamente nessa lógica, as propagandas difundem centralmente as ideias de que i) “com o Novo Ensino Médio a qualidade da educação vai dar um salto”; ii) “agora é real! Nós (estudantes) vamos poder escolher o caminho que queremos seguir”; iii) “estão disponíveis 500 mil novas vagas para o Ensino Médio em tempo integral, agora focado no projeto de vida do aluno, a partir de um investimento de 1,5 milhões de reais”; iv) de que “com o NEM o ensino tem tudo para ficar mais estimulante e de acordo com o que os alunos querem de verdade: a proposta, semelhantemente outros países, combina o conteúdo obrigatório essencial à formação de todos (definido pela BNCC) com a liberdade de escolha de acordo com os sonhos dos alunos”; v) “com o NEM o aluno tem a liberdade de escolher o que quer estudar conforme sua vocação e por isso quem conhece a proposta a aprova”; vi) “pela primeira vez o Brasil aprova um documento que assegura a igualdade na aprendizagem da educação básica “e vii)“com a Base todos os estudantes do país têm os mesmos direitos de aprendizagem e isso é bom, porque se a base da educação é as oportunidades também serão”.

É Interessante observar como aparentemente não há qualquer problema de encadeamento lógico de ideias, bem como o quanto a proposta é sedutora. Quem se posiciona contra a melhoria da qualidade da educação? Quem não deseja a equidade, a igualdade de oportunidades? Que adolescente não quer estudar somente o que gosta e não quer exercer qualquer tipo de “liberdade? “No entanto, uma análise cuidadosa revela o encadeamento imediato de fatores (no sentido de estar ausente de mediação); a naturalização, a justificação, a inversão e a omissão de tantos outros.

O primeiro ponto a atentar é que a “qualidade da educação” a que se referem as propagandas é inexistente. Isso porque o termo “qualidade”, por si só, comporta uma variedade semântica e subjetiva que não pode ser ignorada. A “qualidade da educação” referida é, na realidade, uma concepção particular que se apresenta como universal; tem um sentido incorporado diretamente vinculado a uma visão de mundo específica, que de modo algum é compartilhada universalmente.

São dois os problemas maiores vinculados a essa primeira ideia: o primeiro, o de que a qualidade da educação da classe dominante é hegemonicamente vinculada à concepção econômica de educação, calcada na Teoria do Capital Humano (SCHULTZ, 1960), ou, conforme Motta (2012), na “Ideologia do Capital Humano”. Nessa variante teórica-ideológica, a função da educação é essencialmente a preparação para o mercado de trabalho; quanto mais associada e restrita a educação estiver às necessidades do mercado, tão maior é a sua qualidade. É uma concepção radicalmente distinta, por exemplo, daquela que considera a educação como potencial meio de emancipação humana; que considera o trabalho como princípio educativo ou até mesmo como educadora de agentes livres e transformadores da sociedade.

Ainda no que tange à qualidade, nessa perspectiva, o já comentado Ideb assume a máxima importância, pois a educação é um processo comensurável e sua qualidade pode ser medida objetivamente por indicadores tal como qualquer outro fator estatístico. O que não se apresenta é que, na verdade, o cálculo do Ideb considera apenas dois grandes fatores: o desempenho dos alunos em avaliações padronizadas e externas e a os dados do fluxo escolar. Ao considerar o Ideb como indicador da qualidade educacional pressupõe-se, necessariamente, que uma boa educação é aquela que condiciona os alunos à realização de testes construídos por profissionais externos à escola. Outrossim, uma educação à qual o aluno segue o fluxo padrão, sem qualquer intercorrência, não importando os motivos ou as condições.

Por fim, mas não menos importante, deve-se lembrar que as chances estatísticas de alterações grandiosas no Ideb, ou mesmo de que ele chegue a patamares altíssimos, é estatisticamente improvável e impossível, respectivamente. Isso porque um Ideb nota dez, por exemplo, significaria que em nenhum canto desse Brasil houve sequer um aluno reprovado ou com nota menor do que dez nas avaliações padronizadas.

É interessante notar que se de fato o novo modelo de Ensino Médio reduz a evasão e a repetência, melhora o desempenho em avaliações padronizadas e prepara os alunos para o mercado de trabalho através de estágios e de um momento da educação voltado especialmente para esse fim (independente das suas condições, como será visto adiante), o modelo realmente, pelo menos em potencial, melhora a qualidade da educação. Nessa perspectiva, a afirmação de que o discurso é “mentiroso” perde totalmente o sentido. Não se trata de uma mentira; trata-se de uma concepção particular, que se apresenta como universal, e que omite fatores importantes para que seja possível esse entendimento.

No que tange a essa preparação para o mercado de trabalho, também deve-se observar que em nenhum momento, de um lado, menciona-se explicitamente que “mercado” é esse, concretamente; de outro, não se questiona as condições desse mercado. Deveríamos ajustar a educação à precariedade do mundo do trabalho ou deveríamos estar debatendo por que esse mercado oferece cada vez menos garantias, direitos e até mesmo condições razoáveis de trabalho?

Em 2017, o Brasil atingiu a maior taxa de desocupação desde 2003, e pela primeira vez na história recente o número de pessoas ocupadas no trabalho informal superou àquelas ocupadas na formalidade (MOTTA; ANDRADE, 2020b). Entre 2015 e 2017, o Brasil fechou 3,5 milhões de postos formais de trabalho; em 2016 e 2017, as reformas trabalhista e da terceirização desmontaram o aparato que garantia alguma segurança ao trabalhador formal.

Em 2013, quando a taxa de desocupação era a menor da história, o mesmo argumento já era manejado para abordar a necessidade de reformulação do Ensino Médio nos moldes atuais. A despeito da fala de que o Ensino Médio não prepara para o mercado e de que o Ensino Superior não faz tanta diferença na empregabilidade, a porcentagem de desocupados como Ensino Médio completo é de 12% - quase a metade daqueles desocupados com essa fase incompleta (20%) e o dobro daqueles com ensino superior completo (6%) (MOTTA; ANDRADE, 2020b). De fato, todavia, a desocupação é maior entre os jovens, mas não exatamente porque são mal formados. Na realidade, trata-se do fato de que o “emprego para os jovens é mais impactado por crises” e que são eles os mais afetados por fatores como a “inexperiência, busca pelo primeiro emprego e menor custo de desligamento” (IBGE, 2018, p.12).

Novamente, vale observar que considerando a estrutura dos itinerários formativos, amplamente voltados para “processos criativos”, “empreendedorismo” e “economia criativa”, bem como a robusta educação soco emocional voltada para a resiliência, para a volatilidade e para as incertezas, o novo modelo, realmente, preparará esses jovens para adentrarem ao mercado. Uma vez mais, não se trata de uma proposta enganosa; ao contrário, ela oferece exatamente aquilo a que se propõe.

Outro aspecto importante e amplamente manejado é sobre as altas taxas de evasão e de repetência – e as afirmações são verdadeiras. De fato, o Brasil tem uma das maiores taxas de evasão e repetência do mundo: de acordo com o último censo da educação, uma média de 12% dos alunos deixavam a escola a cada ano. As taxas de evasão na 1ª, 2ª e 3ª série dessa etapa é de, respectivamente, 12,9%, 12,7% e 11,2%. Na 1ª série, chega a 15,3% a taxa de repetência; Em 2018, 30,7% dos alunos entre 15 e 17 anos (idade média esperada do alunado) estavam atrasados ou não frequentavam mais a escola. Mais precisamente, cerca de 1,3 milhão de adolescentes estão fora (INEP, 2020).

No entanto, os nexos causais estabelecidos entre esses dados reais e o desinteresse, por exemplo, aparece invertido. De acordo com a própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), o abandono escolar se deve, primeiramente, ao advento de uma gravidez inesperada e/ou para ajudar nas tarefas domésticas (52,7%). Em segundo lugar, com 30,4%, estão os jovens que não conseguiram conciliar escola e trabalho, tendo optado pelo trabalho devido à necessidade de colaborar com o orçamento familiar. Questões ligadas à escola, como “ter sido reprovado, não estar interessado na educação/formação, não ter uma escola por perto e dificuldade de transporte são o terceiro grupo mais citado (16,8%)” (OIT, 2018, p. 26).

No que tange à ampliação da carga horária – um dos mais fortes pontos de consenso sobre a proposta – também é verdade que estão disponíveis 500 mil novas vagas de Ensino Médio em tempo integral, a partir do investimento de 1,5 milhão através do “Programa Ensino Médio em Tempo Integral” (EMTI). O que não se explicita é que esse investimento, imediatamente tido como vultoso, abarca uma porcentagem ínfima de alunos: o Brasil tem, hoje, cerca de 7,8 milhões de alunos matriculados no Ensino Médio, dos quais cerca de 1 milhão está na rede privada. Dos 6,7 milhões restantes, cerca de 670 mil alunos já são contemplados com a jornada de sete horas diárias, dita integral. Restam, portanto, 6 milhões de alunos, dos quais apenas 500 mil preencherão as novas vagas anunciadas em propaganda.

Ademais, pressupor que um documento-lei “assegura” direitos de aprendizagem é, no mínimo, uma abstração. Pressupor que mesma “base de educação” reverbera necessariamente em “oportunidades iguais” é elemento de falseamento. Em que pese a realidade que salta aos olhos, bem como o fato de que os indivíduos observam, fenomenologicamente, que piores condições educacionais normalmente reverberam em mais cruéis condições de vida, estabelecer uma relação determinista, linear e imediata entre leis, direitos e igualdade é falsear a realidade.

É, ainda, negar a negação de tantos direitos, garantidos em lei, às nossas crianças e jovens. De acordo com a Fundação Abrinq (2019), cerca de 10 milhões de crianças e jovens brasileiros vivem em situação de extrema pobreza, isto é, com uma renda domiciliar per capita mensal inferior ou igual a um quarto de salário mínimo. Se aumentarmos essa referência para até meio salário mínimo per capita esse número sobe para 47,8%. Isso significa que mais de 20 milhões de jovens vivem em condição domiciliar de baixa renda, sem acesso muitas vezes a moradia, saúde, alimentação, lazer, saneamento e a tantos outros direitos.

Na mesma linha segue a afirmação de que os jovens terão “liberdade de escolha”. Primeiramente, deve-se reparar a omissão de que, embora sejam cinco itinerários formativos previstos, a lei obriga o oferecimento de, no mínimo, dois itinerários. Em sendo assim, a dita escolha entre cinco opções pode ser entre apenas duas, três ou quatro. Ademais, omite-se também que as possibilidades de escolha provavelmente refletirão as conhecidas desigualdades regionais: pensando em termos de estrutura, não parece crível que nos tantos municípios que têm apenas uma única escola de Ensino Médio – como é o caso de Coqueiro Seco (Alagoas), Bom Jesus da Serra (Bahia), Itacuruba (Pernambuco),Afonso Cunha (Maranhão), Barroquinha (Ceará), Alcinópolis (Mato Grosso do Sul), Acaica (Minas Gerais), Porto Real (Rio de Janeiro) e outros – seja possível oferecer tantas possibilidades. Isto sem contar aqueles municípios que não têm sequer uma escola de nível médio, como é o caso de Barro Preto (Bahia).

Considerando o conjunto de argumentos, tem-se uma lógica que em si mesma justifica e naturaliza a realidade. A condição degradante de existência na qual vive grande parcela da população brasileira deriva de uma condição de educação ruim, mas que pode ser melhorada via cartilha realizada. Nessa lógica, a realidade é apresentada como dada e imutável: existe O MERCADO, a entidade que paira acima de qualquer racionalidade e que demanda, imediatamente, novas formas de trabalho e existência. Afirmar a necessidade de reformar a educação para agradar o mercado, isto é, de que uma nova conformação psicofísica é imperativa para melhorar as condições de vida é pressupor, antes de tudo, que o mercado é imutável, inatingível, insuperável. Do mesmo modo, tornar a educação a causa da baixa produtividade do trabalhador brasileiro, e esta a causa das condições desumanas de existência, é considerar que ser produtivo, que produzir para outrem, é condição sine qua non de uma existência menos degradante. Em suma, a totalidade argumentativa pressupõe, indubitavelmente, que o modelo de sociedade em que nós vivemos é o único possível. Acreditamos nisso?

4 CONCLUSÃO

Buscamos demonstrar anteriormente como o conceito de ideologia em Marx e em Gramsci são ferramentas conceituais importantes para entender o conteúdo de propagandas vinculadas em mídias – aqui, especialmente, no que tange às políticas educacionais. Marx e Gramsci continuam atuais e indispensáveis.

Devemos ratificar a gravidade do que se processa. O chamado “novo” modelo de Ensino Médio provoca alterações estruturais nessa etapa que retroagem às políticas educacionais mais obscuras da história da educação brasileira, como a Lei 5.692/1971, que tornou compulsória a profissionalização precária da juventude brasileira. São trinta anos de redemocratização e de luta permanente pela consolidação de um razoável modelo democrático; uma luta que gerou conquistas alcançadas tão recentemente já nos são arrancadas, como a própria obrigatoriedade do Ensino Médio e a inclusão de disciplinas como sociologia e filosofia no currículo. O Ensino Médio passou a integrar a Educação Básica obrigatória em 2013; as disciplinas passaram a integrar o currículo obrigatório em 2008. Pouquíssimos anos após, em 2016, via medida autoritária, destrói-se o modelo de ensino médio que lutamos tanto para que a população pudesse alcançar. e, a despeito disto, está claro para quem quiser ver: “Sob aplausos do mercado financeiro, empresários já lucram com reforma do ensino médio” (BORGES, 2017),

É importante salientar que o episódio revela uma característica importante da democracia capitalista, mas especialmente a democracia típica do capitalismo dependente (FERNANDES, 1981). Os direitos das minorias são tolerados desde que não entrem em confronto com as necessidades mais imperiosas da acumulação capitalista – o que ocorre especialmente em momentos de crise, que aqui são particularmente gritantes. Nesse sentido, é preciso ter claro que a luta pela democracia é essencial, haja vista que a mesma “[...] não teria nenhuma utilidade para o proletariado se não servisse de maneira imediata para realizar algumas medidas que atacam diretamente a propriedade privada e asseguram a existência do proletariado.” (ENGELS, 2016, p. 35). No entanto, é preciso repensar se a luta nos limites da ordem é suficiente para alcançarmos o que realmente desejamos.

No que tange especificamente às propagandas, é preciso ter claro que a ideologia pode congregar elementos mentirosos e de falseamento, mas ela não é, em si, uma mentira. Demonstramos aqui que essa afirmação é descabida. Nesse sentido, é preciso transcender o discurso que se limita ao debate moral sobre as propostas operadas pelas classes dominantes: o problema do capitalismo não é uma questão moral, e tanto Marx quanto Gramsci sabiam muito bem disso. A ideologia é elemento constitutivo do capitalismo porque a realidade assim exige, assim clama, assim se apresenta. Enquanto houver capitalismo, haverá ideologia – e ela jamais poderá ser acusada de “fake news”.

Nós não queremos uma ideologia, no sentido aqui expresso, para viver. E você?

Material suplementario
REFERÊNCIAS
BORBA, Rodrigo Cerqueira do Nascimento; ANDRADE, Maria Carolina Pires de; SELLES, Sandra Escovedo. Ensino de ciências e biologia e o cenário de restauração conservadora no Brasil: inquietações e reflexões. Revista Interinstitucional Artes de Educar, v. 5, p. 144-162, 2019.
BORGES, H. Sob aplausos do mercado financeiro, empresários já lucram com a reforma do Ensino Médio. 2017. Disponível em: https://theintercept.com/2017/10/20/sob-aplausos-do-mercado-financeiro-empresarios-ja-lucram-com-reforma-do-ensino-medio/. Acesso em: 4 dez. 2021.
ENGELS, F. Princípios do Comunismo. In: MARX, K.; ENGELS, F. Educação, Ensino e Marxismo. São Paulo: Iskra, [1847] 2016.
FERNANDES, F. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, [1968] 1981.
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere, v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere, v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere, v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
IASI, M. Política, Estado e ideologia na trama conjuntural. São Paulo: ICP, 2017.
LEHER, R. Uma etapa crucial da contrarreforma. Disponível em: https://diplomatique.org.br/uma-etapa-crucial-da-contrarreforma/. Acesso em: 3 dez. 2021.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Mensal do Emprego – série histórica. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/9180-pesquisa-mensalde-emprego.html?=&t=series-historicas. Acesso em: 2 jan. 2019.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Censo escolar 2019. Disponível em: http://inep.gov.br/censoescolar. Acesso em: 4 dez. 2021.
MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boi tempo, [1846] 2007.
MOTTA, Vânia Cardoso da. Ideologia do capital social: atribuindo uma face mais humana ao capital. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012.
MOTTA, Vânia Cardoso da ; ANDRADE, Maria Carolina Pires de . O empresariamento da educação de novo tipo e suas dimensões. Educação & Sociedade, v. 41, p. 1-13, 2020a.
MOTTA, Vânia Cardoso da ; ANDRADE, Maria Carolina Pires de. Base Nacional Comum Curricular e Novo Ensino Médio. Revista Histedbr on-line, v. 20, p. e020005-26, 2020b.
ZIZEK, Slajov (org). Um Mapa da Ideologia. Contraponto,1998.
Notas
Notas
1 Sobre o tema, ver Iasi (2017).
2 Aspas no original.
3 Vale lembrar que “na noção geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à noção de sociedade civil (Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção)” (GRAMSCI, 2007, p. 244).
4 De nossa ótica, para o autor italiano, direcionar a sociedade em geral significa precisamente dirigir tanto os aliados quanto os subalternos, abarcando a conquista e a organização do consenso, de ambos, em torno de ações, valores, ideias, direções, etc. Nesse sentido, é um erro de implicações teóricas e práticas pressupor, por exemplo, que a classe detentora dos meios de produção busca entrar em consenso com ambas as duas classes fundamentais exatamente da mesma forma. Ainda que no âmbito da sociedade civil o exercício da hegemonia sobre as classes subalternas privilegie os elementos do consenso, sem abandonar os elementos coercitivos, decerto não são os mesmos elementos manejados que para com as classes aliadas – e nem poderiam ser. Afinal, vale lembrar, o consenso das classes aliadas é em torno das condições de seu próprio desenvolvimento e expansão, conquanto o consenso a ser obtido das classes subalternas, em torno dessas mesmas condições, reverbera necessariamente em maior ou menor escala, na degradação de no mínimo uma parcela desta classe. Isso porque, como já havia afirmado Marx (1867, p. 877), “a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, “a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, o suplício do trabalho, a escravidão, a ignorância, a brutalizarão e a degradação moral no polo oposto” e, nesse sentido, deve haver um trabalho que induza uma determinada forma de receber, pensar e sentir a ininterrupta expropriação econômica, política, social, cultural e moral. No escopo desse texto, haja vista que nos interessa especialmente a conquista do consenso das classes dominadas em torno do projeto pedagógico do empresariado educacional, focamos na conquista de consenso por parte dos dominantes em relação aos dominados.
5 Os vídeos das propagandas estão disponíveis em: https://youtu.be/rffon63gGBY; https://www.youtube.com/user/ministeriodaeducacao;https://www.youtube.com/user/ministeriodaeducacao; https://www.youtube.com/watch?v=Fbz-cpct1W4; Acesso em: 16dez. 2021
6 A reportagem está disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/ensino-medio-no-pais-avancou-apenas-03-ponto-em-dez-anos-de-ideb-20076273. Acesso em: 16 de dez de 2021.
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