Artigos - Dossiê Temático
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: inclusão digital nas instituições federais de ensino do Paraná
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: inclusão digital nas instituições federais de ensino do Paraná
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, núm. 1, pp. 181-198, 2022
Universidade Federal do Maranhão
Recepción: 03 Septiembre 2021
Aprobación: 20 Mayo 2022
Resumo: O presente estudo tem como objetivo mapear e analisar as ações de inclusão digital nas Instituições Federais de Ensino do Estado do Paraná em 2020 com o desenvolvimento das aulas remotas emergenciais no contexto da pandemia da Covid – 19. A inclusão digital é uma das ações previstas no Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Para tanto, realiza a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental, tendo como referência um total de sete documentos disponibilizados nos sites das instituições de ensino. A partir dos documentos analisados, verifica que todas as instituições pesquisadas tiveram demandas e viabilizaram ações para inclusão digital. Conclui que a demanda por inclusão digital indica a necessidade de ações contínuas, apesar do cenário de retrocessos nas políticas públicas que vivenciamos na atual conjuntura.
Palavras-chave: Política de Educação, Assistência Estudantil, Inclusão Digital.
Abstract: This study aims to map and analyze the actions of digital inclusion in the federal educational institutions of the state of Paraná in 2020 with the development of emergency remote classes in the context of the Covid – 19 pandemic. Digital inclusion is one of the actions provided for in the National Student Assistance Program (PNAES, in portuguese). For this purpose, bibliographic and documentary research were carried out, having as reference a total of seven documents available on the websites of educational institutions. From the analyzed documents, it was verified that all the institutions surveyed had demands and made possible actions for digital inclusion. The demand for digital inclusion indicates the need for continuous actions, despite the scenario of setbacks in public policies that we experience in the current situation.
Keywords: Education policy, Student Aid, Digital Inclusion.
1 INTRODUÇÃO
O cenário de retrocessos e desmonte nas políticas sociais do Brasil tem se aprofundado nos últimos anos, colocando em xeque as conquistas e direitos garantidos na Constituição Federal de 1988. As políticas de ajuste neoliberal materializadas no Brasil a partir da década de 1990 inviabilizaram os avanços na perspectiva universalista dos direitos conquistados na Carta Constitucional como pontuam Behring e Boschetti (2008, p. 156), a “tendência geral tem sido a restrição e redução de direitos sob o argumento da crise fiscal do Estado”.
A Emenda Constitucional nº. 95/2016, que institui o novo regime fiscal, agrava ainda mais o desmonte das políticas sociais, tendo em vista que congela os gastos sociais por vinte anos. A referida emenda desconsidera taxas de crescimento econômico e demográfico, podendo levar ao sucateamento das políticas sociais (MARIANO, 2017).
Este cenário impacta na política de educação à medida que impossibilita o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, a expansão e a universalização do ensino público, facilitando o amplo processo de mercantilização da educação, que já vem ocorrendo ao longo dos anos. Enquanto isso, o ensino público federal tem sofrido cortes nos orçamentos, como o recentemente anunciado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), de 18% para o exercício de 2021, que impactará no Programa Nacional de Assistência Estudantil e, consequentemente, nas ações de permanência dos estudantes nos cursos.
Além dos desmontes citados no país, no início de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública global em razão do novo coronavírus (Covid-19). A alta transmissibilidade e letalidade do vírus fizeram com que o mundo adotasse medidas de restrição e isolamento. Neste contexto, no Brasil, as instituições de ensino suspenderam as aulas presenciais que passaram a ser desenvolvidas de forma remota, entretanto, o acesso à internet e equipamento mostrou-se como um fator limitante para estudantes, sobretudo em situação de vulnerabilidade socioeconômica, demandando ações para viabilizar a participação e garantir o direito à educação.
Nesse sentido, este estudo tem como objetivo mapear e analisar a execução de ações de inclusão digital nas Instituições Federais de Ensino do Estado do Paraná. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, trazendo algumas discussões acerca da política de educação, por meio de artigos e livros de alguns autores de referências nas discussões acerca das políticas sociais e da política de educação, tais como Behring e Boschetti (2008), Pereira (2002, 2009), Tejadas (2020), Frigotto (2010), Romanelli (2014) e Saviani (2008). A pesquisa documental foi realizada em seis editais e uma resolução de inclusão digital, disponibilizados no site das seguintes instituições: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR), Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR).
2 HISTÓRICO DAS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL: submissão e influência de organismos internacionais na política de educação
A definição de política social não é homogênea. Ao longo da história, tem sido objeto de estudo e contempla diferentes interpretações e perspectivas teóricas. Seu surgimento também não tem uma data definida, todavia, conforme Behring e Boschetti, embora não seja possível precisar o período específico de seu surgimento, “elas se gestaram na confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo com a Revolução Industrial, nas lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal” (BEHRING; BOSCHETTI, 2008 p.47).
Partindo desse pressuposto, pode-se dizer que as políticas sociais surgem no contexto do modo de produção capitalista a partir da mobilização da classe trabalhadora por melhores condições de trabalho e de sobrevivência e como resposta do Estado às expressões da “questão social¹” para amenizar o conflito entre as classes e assegurar as condições para acumulação capitalista. Nesse sentido, o Estado reconhece alguns direitos da classe trabalhadora, com ações para além da repressão como era tratada predominantemente a “questão social”.
Em seus estudos, Netto (2007), afirma que a pobreza e a desigualdade social são inerentes ao modo de produção capitalista e distingue a pobreza, na ordem do capital, da pobreza das formações sociais que o antecederam, porque ela não decorre de uma penúria, mas decorre contraditoriamente de uma contínua produção de riquezas.
À medida que a burguesia acumula capital por meio da expropriação dos meios de produção e da exploração da força de trabalho, a classe trabalhadora é expropriada de seus meios de produção e explorada em sua força de trabalho, que é vendida em troca de salário, produzindo riquezas, mas não usufruindo destas. É neste cenário de desigualdade social que a mobilização e organização da classe trabalhadora se fazem presente e, segundo Behring e Boschetti, são “determinantes para a mudança da natureza do Estado liberal no final do século XIX e início do século XX. Pautada na luta pela emancipação humana, na socialização da riqueza e na instituição de uma sociabilidade não capitalista [...]” (BEHRING; BOSCHETTI, 2008 p. 63).
O processo de industrialização e acumulação capitalista ocorreu de forma distinta entre os países, principalmente entre os países centrais e periféricos, tanto com relação ao período em que ocorreram como ao modelo e alcance das ações de proteção social como resposta do Estado às expressões da “questão social”. Desse modo, como afirmado por Behring e Boschetti (2008), o surgimento das políticas sociais foi gradual e distinto entre os países, ocorrendo de acordo com os movimentos, pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas e da correlação de forças no âmbito do Estado.
Em seus estudos, Behring e Boschetti (2008), Pereira (2009), Felippe (2017) apontam que as primeiras iniciativas de proteção social destinadas aos trabalhadores a partir da intervenção estatal, ocorrem no final do século XIX, na Alemanha, com a implantação de um sistema de seguro social, feito pelo chanceler Otto Von Bismarck. Esse sistema era contributivo e cobria algumas situações de risco da classe trabalhadora.
No entanto, ainda que tenha sido um avançado sistema por abarcar essa concepção do direito, tal iniciativa também traz em seu bojo algumas contradições. Conforme apontado por Pereira (2009), Bismarck tinha uma base conservadora e autoritária, sendo avesso às ideias igualitárias da social democracia. Além disso, tanto Behring e Boschetti (2008), como Pereira (2002), indicam que essa iniciativa instituída em contexto de mobilização dos trabalhadores também tinha como objetivo desmobilizar as lutas da classe trabalhadora.
Segundo Pereira, o surgimento da política social entrelaça com o Welfare State, ou Estado de Bem Estar, ainda que esse termo tenha começado a ser utilizado apenas no século XX, após a Segunda Guerra Mundial, “como instituição diretamente responsável pelo atendimento de necessidades sociais agravadas pelo inexorável desenvolvimento capitalista”. Segundo a autora, as bases para este modelo de Estado, contrário ao modelo liberal, tem início ainda no século XIX e considera que “os acontecimentos econômicos, sociais e políticos que tiveram lugar naquele momento histórico revolucionaram de fato a concepção e prática da proteção social vigente nos séculos anteriores”, atribui-se à política social uma “densidade institucional e dimensão cívica” (PEREIRA, 2009, p. 59)2.
Importante destacar que as primeiras iniciativas de proteção social como direito eram voltadas especificamente para a classe trabalhadora, de modo que a população pobre e sem acesso ao trabalho era atendida por meio da caridade, filantropia e com algumas ações pontuais estatais com caráter mais repressivo do que protetivo. Esse cenário vai ser alterado apenas no século XX, com o surgimento de ações de cunho mais universalistas.
As políticas sociais ganham maior dimensão após a década de 40, do século XX, no período pós Segunda Guerra Mundial; tendo como influência o Plano Beveridge implantado na Inglaterra, contemplando um sistema de seguridade social unificado, universalista e distributivo, superando a perspectiva de seguros sociais bismarckianos. (BEHRING; BOSCHETTI, 2008; PEREIRA, 2002, 2009).
A construção desse padrão de proteção social, segundo Salvador³ (2010), é resultado da luta de trabalhadores e consolidou o chamado Estado Social, no período pós Segunda Guerra Mundial; o referido autor afirma ainda que:
Para tanto, foi decisiva a intervenção do Estado acoplada com as políticas de cunho Keynesiano/fordista, destacando-se as modificações redistributivas no orçamento público: pelo lado do financiamento, a implantação de sistemas tributários mais justos tendo como base a cobrança de impostos diretos e progressivos; pelo lado dos gastos, destaca-se entre as políticas sociais, a edificação da seguridade social, articulando as políticas de seguros sociais, saúde e auxílios assistenciais. (SALVADOR, 2010 apud, SALVADOR, 2010, p. 607).
Levando em consideração as especificidades de cada país no processo de implantação da proteção social, destaca-se que, no Brasil, os direitos sociais na perspectiva universalizada foram contemplados apenas na Constituição Federal de 1988. Antes disso, as ações de proteção social implementadas a partir da década de 1930 eram fragmentadas e focalizadas, contemplando na perspectiva do direito, especificamente a classe trabalhadora (TEJADAS, 2020).
Até a década de 1930, o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro era predominantemente agroexportador de café. Nesse sentido, a primeira legislação de proteção social foi aprovada em 1923, conhecida como a Lei Eloy Chaves, que instituiu as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPS), destinadas para algumas categorias de trabalhadores vinculados a setores da agro exportação (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).
A crise mundial de 1929 impactou na estrutura econômica hegemônica e política do país. O processo de industrialização é alavancado a partir da década de 1930, no governo de Getúlio Vargas e, nesse cenário, outras oligarquias agrárias e setores industriais chegam ao poder alterando a estrutura hegemônica das classes proprietárias rurais para a burguesia industrial. (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 105; TEJADAS, 2020 p. 33).
Nesse contexto, o processo de industrialização e urbanização agudizam as expressões da “questão social” e ampliam na cena política os movimentos de trabalhadores que demandam respostas às suas reivindicações. Desse modo, para garantir as condições de desenvolvimento do capitalismo, o Estado responde com ações voltadas para os trabalhadores, reconhecendo alguns direitos.
Nas décadas de 1930 e 1940 são criadas ações de proteção social voltadas à categoria de trabalhadores, na forma de seguros sociais e a proteção social para os segmentos da população fora do mercado de trabalho que era ofertada por meio da Legião Brasileira de Assistência – LBA - articulada a instituições privadas, sendo as ações marcadas pelo assistencialismo e clientelismo. Nesse período, também foi criado o Ministério do Trabalho, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o Instituto de Aposentadorias e Pensões, além do Ministério da Educação e Saúde Pública para atender as novas demandas. (BEHRING; BOSCHETTI, 2008; TEJADAS, 2020, grifo nosso).
A década de 60, marcada pelo golpe militar em 1964, traz uma série de transformações políticas, econômicas e sociais em um contexto de censura e do cerceamento de direitos. Nesse período, ocorre a abertura para o capital externo, a instalação de multinacionais e a intensificação da industrialização. Dessa forma, as políticas sociais no período da ditadura militar foram impulsionadas e utilizadas como estratégias de legitimação do regime, com maior intensidade na previdência e saúde, ficando a assistência implementada pela rede conveniada e LBA. A política de habitação foi impulsionada por meio da criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) para construção de moradias populares como estratégia de impulsionar a economia por meio da construção civil. Ao mesmo tempo, abriu-se espaço para saúde, previdência e educação privadas, evidenciando a dualidade entre quem pode pagar e quem não pode (BEHRING; BOSCHETTI, 2008 p. 137, grifo nosso).
Na década de 80, a crescente mobilização popular por diferentes segmentos da sociedade pela redemocratização do país e pela garantia dos direitos fundamentais impulsiona a discussão e posterior aprovação da Carta Constitucional de 1988, que amplia os direitos sociais. No entanto, na contramão da Constituição Cidadã, a discussão no mundo centrava-se na crítica ao Estado Social como responsável pela crise econômica mundial (TEJADAS, 2020).
Nesse sentido, as transformações societárias que já vinham ocorrendo desde a década de 70 com a crise econômica mundial, acentuam as propostas de ajuste neoliberal, tais como a redução do Estado com os gastos sociais e, consequentemente, nas políticas públicas. Propostas que ganham materialidade no Brasil a partir da década de 1990, no governo de Fernando Color de Mello, são aprofundadas no governo de Fernando Henrique Cardoso e mantidas nos governos subsequentes.
No contexto do neoliberalismo, à medida que o Estado assume um direcionamento de desresponsabilização com relação aos gastos sociais, as políticas sociais ganham um caráter seletivo e compensatório. Vai perdendo a perspectiva de universalidade e prioriza a focalização. Ao passo que o Estado se afasta da responsabilidade com relação às políticas sociais, o mercado ganha espaço na execução de políticas sociais com o objetivo de lucro, em detrimento da concepção de direito social. Nesse sentido, no âmbito do neoliberalismo, as políticas sociais têm como principal característica a privatização, focalização e a descentralização4 (BERMÚDEZ 1999, apudSANTOS, 2007 p. 67-69; BEHRING; BOSCHETTI, 2008 p. 156).
Com relação à política de educação, que será abordado no próximo item, observar-se-á o impacto das políticas de ajuste neoliberal na expansão das instituições de ensino privadas, no Ensino à Distância (EaD) e do investimento público indireto nas instituições privadas, por meio de Bolsas, financiamento estudantil e na redução do orçamento para as instituições públicas nos últimos anos.
A educação no Brasil passou por fases distintas em cada momento histórico, político e econômico. No entanto, é a partir da década de 1930, com o processo de industrialização e urbanização, que se evidencia a presença do Estado na organização de um sistema nacional de ensino, tendo em vista a necessidade de qualificação da mão de obra para reprodução do capitalismo. Contudo, a educação tinha um caráter elitizante, tendo as classes trabalhadoras uma educação voltada para prepará-los para o trabalho e a elite com as escolas que “classificavam” socialmente, transformando o sistema educacional em um sistema de discriminação social (ROMANELLI, 2014, p. 174, grifos da autora).
Em seus estudos, Romanelli (2014) indica que as propostas privatizantes na política de educação brasileira já eram alvo de debate desde as discussões em torno da LDB, aprovada em 1961 e recebem apoio na Constituição Federal de 1967. No regime militar, a autora ainda destaca que as políticas educacionais nesse período tiveram grande influência externa norte americana em razão do acordo de cooperação realizado entre MEC e a Agency for International Development(AID), conhecido como acordo MEC - Usaid, que tinha como finalidade adequar o sistema educacional brasileiro ao modelo de desenvolvimento econômico que se intensificava no Brasil. Além disso, a Constituição Federal de 1967 desvincula o orçamento de recursos mínimos para a educação, conforme previa as CF/34 e CF/46 e garante apoio às instituições privadas, por meio de “amparo técnico e financeiro” dos poderes públicos, além da concessão de bolsas de estudos. (SAVIANI, 2008 p. 298-299).
Apesar de reconhecida como direito social na Constituição Federal de 1988, a política de educação, ao longo da história, vem sofrendo os impactos da política de ajuste neoliberal e, atualmente, aprofundou-se o processo de desmonte, precarização e redução do orçamento.
3 PRINCIPAIS MUDANÇAS DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A educação é um espaço privilegiado para a formação humana, para a construção do saber, da consciência crítica e da cidadania. A política de educação se desenvolve dentro de um contexto histórico, social, econômico e político e, como tal, tem avanços no decorrer de sua trajetória, mas também sofre retrocessos que são expressos nas contrarreformas e nos cortes orçamentários. É um campo no qual se expressam as correlações de forças e apresenta-se como “[...] campo de disputa hegemônica. Esta disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e [...] nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe” (FRIGOTTO, 2010, p. 27).
A partir da aprovação da Constituição Federal de 1988, posteriormente regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, a educação passa a ser “direito de todos, dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). A Carta Constitucional, resultado das lutas e mobilizações populares pela redemocratização do país e pelos direitos, dá um novo direcionamento para a política de educação na perspectiva do direito, cabendo ao Estado a responsabilidade de universalizar o acesso à educação.
Atualmente, no Brasil, a educação básica é obrigatória e gratuita cabendo ao Estado assegurar e ofertar esse nível de ensino, conforme dispõe o inciso I, do artigo 208, da Constituição Federal de 1988, além dos artigos 4º e 5º da LDB/96 e o artigo 53, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sendo este nível de ensino ofertado majoritariamente pelos governos municipal (ensino fundamental) e estadual (ensino fundamental - anos finais e ensino médio). O inciso V, do artigo 208, da CF/88 e o Inciso V do artigo 4º da LDB/96, dispõe também como um dos deveres do Estado garantir o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (BRASIL,1996). Desse modo, ainda que o ensino superior não seja obrigatório, entende-se que é obrigação do Estado ofertá-lo.
As conquistas recentes com a CF/88 no campo da educação pública, como um dever do Estado, começam a ruir na década de 90 no contexto do neoliberalismo, quando ganham força as propostas privatizantes do ensino. Nos anos 90, no governo de Fernando Henrique Cardoso, conforme Costa (2020), o marco legal da educação é posto pelas regras de mercado, início da expansão do ensino privado no país e a educação pública pautada nos organismos internacionais, no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial (BM), que concedia financiamentos com a exigência de prestar assessoria e consultoria na elaboração das propostas educacionais brasileiras.
Ao analisar o processo de expansão da educação superior a partir da década de 90 nos governos de FHC e Luís Inácio Lula da Silva, Lima (2013), aponta para a ampliação do setor privado e privatização interna das Instituições de Ensino Superior públicas. Destaca ainda que no governo de Lula o conjunto de instrumentos normativos5 apresentados indicaram de fato uma prioridade de reformulação na pauta da ação política do governo. No entanto, apesar do conjunto de ações terem expandido o acesso ao ensino superior, indicam também uma expansão pautada no neoliberalismo, com aumento de instituições privadas, o financiamento público indireto para o setor privado (FIES/PROUNI) e a certificação em larga escala (EaD/REUNI).
Em seus estudos, Tejadas (2020, p. 47) afirma que o governo de Dilma foi uma continuidade do governo Lula “quanto ao desenho das políticas sociais e sua crescente ampliação”. Na política de educação, deu continuidade na expansão do ensino superior público e privado. No governo de Dilma também foi sancionada a Lei 12.711/2012, que dispõe sobre o ingresso no ensino público federal por meio de ações afirmativas, ou seja, a reserva de vagas para estudantes de escola pública, estudantes com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio, estudantes autodeclarados preto/pardo ou indígena e, posteriormente, a Lei 13.409/2016 inclui a pessoa com deficiência.
Apesar da expansão do ensino superior público federal, da política de cotas e do programa de permanência que foram e são extremamente importantes, as vagas nas instituições públicas no geral são muito inferiores às vagas ofertadas em instituições privadas. Conforme o relatório do Censo da Educação Superior de 2019, 94,9% das vagas ofertadas eram de cursos de graduação em instituições privadas e apenas 5,1% de vagas em instituições públicas (MEC/INEP, 2021 p. 19). O que demonstra claramente a extensão da privatização e mercantilização do ensino superior no Brasil.
Esse processo de mercantilização do ensino historicamente é justificado pela crise fiscal do Estado e necessidade de conter os gastos públicos, justificativa que tem se mostrado cada vez mais presente nas ações dos governos. Uma das medidas recentes mais impactantes está relacionada à Emenda Constitucional 95/20166, do governo de Michel Temer, que instituiu um novo regime fiscal, sob a alegação de crise fiscal no país. A referida Emenda congela os gastos públicos por 20 anos, impactando nas políticas sociais, dentre elas a política de educação que, na prática inviabiliza a perspectiva universalista, o desenvolvimento da política de educação e, consequentemente, compromete a garantia do direito Constitucional de acesso e permanência no ensino público de qualidade, amplia as desigualdades sociais e impacta nas condições de trabalho dos servidores das instituições de ensino.
Em análise acerca da Emenda Constitucional 95/2016, Mariano (2017, p. 279), afirma que “o teto de gastos implementado é uma ofensiva conservadora de retirada de direitos sociais, tendo como alvo prioritário o projeto constituinte de 1988 que exige a intervenção do Estado para a redução das severas desigualdades sociais e econômicas”.
Conforme publicado no site da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), em 2017 já apontava uma redução de 28% nos repasses do MEC em 90% das universidades federais, comparadas aos últimos cinco anos, o que vai na contramão da política de expansão da rede federal de ensino e do número de matrículas crescentes (ANDIFES, 2018).
Além disso, vai contra a política de inclusão social por meio das cotas sociais à medida que ingressam nas instituições estudantes com maior vulnerabilidade socioeconômica, o que demanda aporte de recursos para ações de permanência. No tempo presente, a ANDIFES aponta um corte de 18% no orçamento de 2021.
No contexto atual, o governo federal tem promovido fortes ataques à educação, de cunho político ideológico, nos cortes orçamentários e na proposta privatista da educação. Em 2020, o governo federal apresentou o projeto de lei nº. 3.076/2020, que institui o Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores – Future-se, que atualmente está em tramitação na câmara dos deputados. O objetivo do projeto é incentivar fontes privadas adicionais de financiamento para programas e projetos de interesse das universidades e institutos federais, sob a alegação da capacidade limitada do orçamento para atender as demandas sociais, as restrições e os limites orçamentários.
Ao analisar as versões do programa em questão reformuladas pelo Ministério da Educação (MEC), afirma-seque o programa,
Mantém o caráter privatista/mercadológico e de desmantelamento da autonomia universitária. Compreende-se que está em curso um projeto de contrarreforma universitária, cujo escopo é a redução de financiamento estatal e a reconfiguração da gestão universitária sinalizando para o aparelhamento das universidades à racionalidade privado mercantil. (ARAÚJO et al., 2020, p. 12).
Além disso, outros desafios que a educação precisa enfrentar no momento presente e futuro são os impactos da pandemia da Covid – 19. No início de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou emergência em saúde pública por conta do novo Corona vírus. A alta transmissibilidade e letalidade do vírus fizeram com que o mundo adotasse medidas de restrição e isolamento. No Brasil, as escolas fecharam, foi adotado o ensino remoto emergencial e, passado pouco mais de um ano, ainda vivemos em uma situação de pandemia e com ritmo lento de vacinação. Mas observamos por parte de segmentos da sociedade e de representantes nas casas legislativas uma luta pelo retorno às aulas presenciais, mesmo sem as instituições estarem preparadas e desconsiderando o risco à vida.
Atualmente, está em tramitação na Câmara Federal o Projeto de Lei nº. 5.595/2020, que torna a educação essencial e proíbe a suspensão de aulas durante período de pandemia e calamidade pública. Sem dúvida, a educação é essencial, um direito social fundamental, todavia, o referido projeto desconsidera a realidade das instituições públicas, principalmente as que dependem de recursos orçamentários para adequar suas instalações e receber de forma segura os servidores docentes, técnico administrativo e terceirizados, os estudantes e os familiares.
É importante salientar também que as desigualdades sociais e regionais ficaram mais explícitas em tempos de pandemia. Com o desenvolvimento de atividades remotas, estudantes de diferentes níveis de ensino tiveram limitação de acesso, tendo em vista a falta de equipamento digital, acesso à internet ou mesmo locais onde a internet é pouco acessível. Isso demonstra que apenas o acesso não garante o direito à educação, é preciso que se cumpra um dos princípios constitucionais que dispõe sobre a igualdade de condições para acesso e permanência na escola.
4 PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: a inclusão digital em tempos de pandemia e aulas remotas emergenciais
O processo de expansão e interiorização da rede federal de educação no Brasil foi iniciado a partir do Decreto nº. 6.096/2007, que dispõe sobre o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Além disso, há a Lei 11.898, de 29 de dezembro de 20087, que institui a rede federal de educação profissional, científica e tecnológica e cria os institutos federais, fatores que contribuíram para ampliar o acesso da classe trabalhadora ao ensino superior que até então era pouco acessível aos estudantes em condições socioeconômicas vulneráveis.
Em meio ao processo de expansão da rede federal de ensino é criado o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), inicialmente por meio de Portaria Normativa nº. 39/2007 do Ministério da Educação e posteriormente é instituído pelo Decreto 7.234/2010. O Programa tem como finalidade viabilizar a igualdade de oportunidades ampliando as condições para permanência e conclusão do curso e prevenido situações de retenção e evasão.
O Decreto traz em seu artigo 2º os seguintes objetivos:
I – Democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal;
II – Minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência conclusão da educação superior;
III – Reduzir as taxas de retenção e evasão; e
IV – Contribuir para a promoção da inclusão social pela educação (BRASIL, 2010).
Desde então, as instituições federais de ensino passaram a implementar ações considerando os eixos propostos no PNAES, tais como: moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico e acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades e superdotação.
No entanto, ao realizar o levantamento de programas de assistência estudantil nos institutos federais, Prada e Surdine (2018) pontuam que a diversidade de programas universais e seletivos não remete a sua execução, são priorizados programas seletivos em detrimento de universais, tendo em vista a falta de condições materiais no interior das instituições para sua efetivação. As mesmas autoras ainda afirmam que a quantidade de diferentes modalidades de auxílios nas instituições pesquisadas revela,
Além da fragmentação das demandas estudantis, a incapacidade do seu atendimento via programa, dado seu caráter não universal e a limitação de recursos para o atendimento de forma igualitária e universal sem deixar de cobrir as particularidades individuais. A permanência possibilitada por meio do programa perpetua a lógica de desigualdade estrutural e do atendimento aos mínimos necessários de forma residual (PRADA, SURDINE, 2018 p. 280).
Não há dúvidas de que o PNAES é uma importante ação para garantia do direito à educação possibilitando maiores condições para a permanência dos estudantes. Todavia, entende-se que historicamente as políticas sociais são paliativas e focalizadas, pois contribuem no sentido de amenizar as expressões da “questão social”, mas não garantem o atendimento integral das necessidades, assim como o atendimento a todos que necessitam.
Em seus estudos, Behring e Boschetti (2008, p. 157) afirmam que a seletividade e a distributividade na prestação de serviços apontam para a possibilidade de instituir benefícios orientados pela “discriminação positiva”. Nesse caso, a seletividade se expressa no recorte de renda do público a ser atendido prioritariamente com bolsas ou auxílios da assistência estudantil, ou seja, estudante “proveniente de escola pública ou em situação de vulnerabilidade socioeconômica com renda per capita familiar de até 1 e ½ salário mínimo nacional” (BRASIL, 2010).
A inclusão digital é uma das ações previstas no PNAES que, em tempos de pandemia, com as atividades presenciais suspensas e o desenvolvimento de atividades remotas emergenciais, tornou-se indispensável para garantir a participação e a permanência dos estudantes. Nesse sentido, buscou-se identificar nas instituições federais de ensino do Estado do Paraná as ações de inclusão digital desenvolvidas. Para tanto, foi feito o levantamento na página de quatro instituições: Instituto Federal do Paraná (IFPR), com um campus e a reitoria em Curitiba e outros 25 campus distribuídos nas regiões paranaenses; na Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA), com a reitoria e campus localizados no município de Foz do Iguaçu; na Universidade Federal do Paraná (UFPR), com a reitoria e campus localizados em Curitiba e em outros cinco municípios e a Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), com reitoria e campus em Curitiba e campus em outros 12 municípios.
No levantamento de documentos publicados em 2020, nas páginas das instituições, foram localizadosseis editais e uma resolução conforme o quadro a seguir:
INSTITUIÇÃO | DOCUMENTO ANALISADO | AÇÃO DE INCLUSÃO DIGITAL | PÚBLICO-ALVO |
Instituto Federal do Paraná – IFPR | - Resolução nº. 30/2020 – Institui o Programa de Inclusão Digital (PRODIGI) - Edital nº. 144/2020 – Empréstimo de equipamento - Edital 158/2020 Programa de Inclusão Digital – auxílio financeiro) - Edital 188/2020 – Acesso à internet (dados móveis) | 1. Auxílio financeiro para aquisição de equipamento (603,00) – parcela única 2. Empréstimo de Equipamento (celular) 3. Fornecimento de acesso à internet (dados móveis) | Estudantes matriculados em cursos técnicos de nível médio e cursos de graduação |
Universidade Federal da Integração Latino Americana – UNILA | - Edital 08/2020 PRAE/PRPPG - Bolsa de Inclusão digital – acesso à internet | 1. Bolsa de inclusão digital – acesso à Internet (R$ 120, mensal) | Estudantes matriculados em cursos de graduação e pós-graduação |
Universidade Federal do Paraná- UFPR | - Edital/2020 Auxílio Pedagógico – empréstimo de computador | 1. Empréstimo de computador | Estudantes matriculados em cursos de graduação e ensino técnico profissionalizante |
Universidade Federal Tecnológica do Paraná – UTFPR | - Edital 28/2020 PROGRAD/ASSAE – RETIFICADO Bolsa de Inclusão Digital | 1. Bolsa de Inclusão digital I - Auxílio financeiro para dados de Internet (R$ 100,00) 2. Bolsa de Inclusão digital II – Auxílio financeiro para compra de equipamento (R$ 1.600) parcela única. | Estudantes matriculados em cursos de graduação e cursos técnicos de nível médio |
Pelo levantamento realizado, verificou-se que todas as instituições pesquisadas publicaram editais para viabilizar a inclusão digital para estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica com renda per capita de até 1 e ½ salário mínimo e que declararam a necessidade.
Além da renda per capita, nos editais constam outros critérios para inclusão e critérios de prioridade em caso da impossibilidade de atender a todos os inscritos e elegíveis. As distinções em torno de critérios para além da renda per capita em cada instituição é um precedente previsto no PNAES, visto que, o § 2. do artigo 3º dispõe que cabe às instituições federais definir os critérios e a metodologia para seleção.
Entretanto, o primeiro critério de elegibilidade é a renda familiar, o que indica uma característica das políticas sociais brasileiras no que se refere aos benefícios sociais ou auxílios em direcionar as ações estatais para aqueles que comprovem maior vulnerabilidade social, o que não significa atender a todos que se encontram nesta condição, uma vez que os limites orçamentários não permitem o acesso de todos que se encontrem em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Segundo Behring e Boschetti (2008, p. 160), “a seletividade associada à focalização, assegura acesso apenas aos comprovada e extremamente pobres”.
Na maioria das instituições consultadas, no processo de inscrição, estudantes que não estão no programa de assistência estudantil ou não passaram por um processo de análise socioeconômica anterior, é solicitada a autodeclaração de renda per capita mediante comprovação com documentos.
No que se refere aos equipamentos, foram viabilizados por meio de empréstimo ou auxílio financeiro, neste caso, com especificações técnicas mínimas e regras quanto à aquisição e prestação de contas prevista nos editais. Os valores de auxílios são diferenciados, visto que cada instituição os define de acordo com sua realidade, critérios e disponibilidade orçamentária. Dentre as instituições que tiveram a modalidade de empréstimo de equipamento, no caso do IFPR, no edital consta que os celulares são oriundos de doação da Secretaria da Receita Federal do Brasil (9º Região Fiscal).
Com relação à internet, a maioria das instituições publicaram editais específicos, cuja concessão foi predominantemente por meio de auxílio financeiro para custear internet. Além disso, posteriormente, estudantes da rede federal com renda per capita familiar de até 1 e ½ salário mínimo puderam participar de editais para receber chip com pacote de dados móveis por meio do Programa Alunos Conectados, da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa - RNP/MEC.
A partir dos documentos analisados, verificou-se que as instituições buscaram viabilizar o acesso à inclusão digital conforme prevê o PNAES, seguindo os critérios de seletividade característicos de outros programas no âmbito da assistência estudantil que demanda a apresentação de documentação comprobatória. Em razão da dificuldade de acesso a equipamentos e internet, em alguns casos essa exigência pode dificultar a participação do público mais vulnerável socioeconomicamente, o que demanda a busca ativa e o auxílio nos procedimentos para inscrição.
Outro destaque a ser considerado é a disponibilidade orçamentária. A execução do programa de assistência estudantil depende dos recursos orçamentários do governo federal e, neste sentido, os cortes anunciados recentemente irão impactar na política de educação e consequentemente no Programa de Assistência Estudantil. Desse modo, o programa que já tem uma demanda além dos recursos disponíveis para atendimento, poderá ficar ainda mais restrito, focalizado e seletivo.
Isso se coloca como um desafio em uma conjuntura de profundos retrocessos no campo das políticas sociais, dos direitos humanos e sociais. Vivenciam-se tempos em que há lutas não apenas para ampliar, mas para manter as conquistas e direitos adquiridos ao longo da trajetória histórica e das lutas travadas pelos sujeitos sociais.
5 CONCLUSÃO
A inclusão digital é uma das ações previstas no Programa Nacional de Assistência Estudantil; programa este, criado pelo Decreto 7.234/2010, com a finalidade de ampliar as condições para a permanência e êxito na educação superior pública federal. O PNAES é uma importante ação no âmbito da política social de educação, que por meio da diversidade de eixos de ações tem contribuído para viabilizar a permanência dos estudantes nos cursos, sobretudo, daqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Entretanto, para o acesso às ações, predomina a seletividade característica das políticas sociais, principalmente com o advento do neoliberalismo e da redução dos gastos sociais pelo Estado, fato esse agravado pela Emenda Constitucional 95/2016, no governo de Michel Temer. que limita os gastos públicos por 20 anos, o que tem impactado ao longo dos anos, nos bloqueios e nos cortes orçamentários nas diferentes políticas sociais, dentre essas, a política de educação, com consequente comprometimento na manutenção das atividades de ensino, pesquisa e extensão das instituições federais de ensino, lócus prioritário de execução do PNAES, e as ações para a permanência e a garantia do direito à educação.
Diante desse cenário dramático, ainda no início de 2020 fomos impactados com a emergência de saúde pública global, em decorrência da pandemia da Covid-19; que exigiu uma série de medidas na tentativa de conter o avanço da doença, altamente transmissível e letal. No Brasil, ainda que a contragosto do atual governo negacionista, Jair Bolsonaro, as instituições de ensino suspenderam as atividades presenciais e as aulas passaram a ser realizadas de forma remota.
Dessa forma, no contexto da pandemia da Covid-19 verifica-se que as desigualdades sociais se tornaram ainda mais explícitas, uma vez que muitos estudantes não tinham acesso à internet ou equipamentos para participarem das atividades letivas, tornando-se necessário proporcionar condições para assegurar a participação e garantir o direito à educação desse público.
Identificou-se, no levantamento documental realizado, que todas as instituições pesquisadas viabilizaram ações para a inclusão digital destinadas a estudantes em condição de vulnerabilidade socioeconômica por meio de empréstimo de equipamento (computador ou celular) e bolsa/auxílio financeiro para aquisição de equipamento e/ou internet. O instrumento de divulgação utilizado majoritariamente foi o edital. O critério de acesso, a documentação comprobatória e o valor do auxílio variam de acordo com a capacidade orçamentária e o território de cada instituição.
Acredita-se que a pandemia e a suspensão das aulas presenciais evidenciaram uma demanda por inclusão digital já existente e apontam para a necessidade de ações permanentes com relação a essa demanda, apesar do cenário de retrocessos nas políticas sociais que se vivencia no Brasil.
Por fim, ressalta-se que o programa de assistência estudantil é fundamental para a permanência dos estudantes, sobretudo, daqueles em condições socioeconômicas mais vulneráveis. Porém, à medida que a política de educação tem sofrido cortes orçamentários e as instituições federais têm apresentado redução nos orçamentos nos últimos anos, conforme as preocupações apontadas pela ANDIFES em 2018 e 2021, o programa de assistência estudantil poderá ser diretamente impactado comprometendo as ações para permanência dos estudantes e consequentemente o direito à educação. Assim, o tema da defesa da educação enquanto direito torna-se cada vez mais presente e urgente.
REFERÊNCIAS
ANDIFES. Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Repasses do MEC para universidades federais chegam ao menor patamar em sete anos. 2018. Disponível em: https://www.andifes.org.br/?p=57980. Acesso em: 18 abr. 2021.
ANDIFES. Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Andifes trata sobre corte de mais de 18% do orçamento das universidades federais em coletiva de imprensa. 2021. Disponível em: https://www.andifes.org.br/?p=88222. Acesso em: 18 abr. 2021.
ARAÚJO, R. S.; KATO, F. G.; CHAVES, V. L. J. O programa Future-se e o desmonte do financiamento público e da autonomia universitária. Dossiê: Consequências do bolsonarismo sobre os direitos humanos, a educação superior e a produção científica no Brasil. Revista Eletrônica de Educação. v.14, p. 1-21, jan./dez.2020. Disponível em: http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/view/4543/1069. Acesso em: 20 abr. 2021.
BEHRING. E.; BOSCHETTI, I.Política Social: fundamentos e história. 5. Ed. São Paulo, Cortez, 2008.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 abr. 2021.
BRASIL. Decreto nº. 7. 234 de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil-PNAES. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7234.htm. Acesso em: 18 abr. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituições da Rede Federal. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/rede-federal-inicial/instituicoes. Acesso em: 21 abr. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Resumo Técnico Censo da Educação Superior 2019. Brasília, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior/resultados. Acesso em: 20 abr. 2021.
BRASIL. Projeto de Lei nº. 3.076/2020. Institui o Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores – Future-se. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2254321. Acesso em: 20 abr. 2021.
COSTA, C. L. Educação em tempos de pandemia: Ensino Remoto Emergencial e avanço da política neoliberal. Revista Expedições, Morrinhos/GO, v. 11, jan. /dez.2020. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/revista_geth/issue/view/554. Acesso em: 21 abr. 2021.
DRAIBE. Sônia M. Estado de bem estar, desenvolvimento econômico e cidadania: algumas lições da literatura contemporânea. 30º encontro anual da ANPOCS. GT 19 Políticas Públicas, seção 1 – reformas institucionais e políticas sociais. Caxambu, 2006.
FELIPPE, J. M. S. O Estado Social e os fundamentos históricos e conceituais da política social: origem e institucionalização. Disponível em: https://periodicos.unifap.br/index.php/estacao. Acesso em 01 abr. 2021.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 6. ed. São Paulo, Cortez, 2010.
IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 15. ed. São Paulo, Cortez/ CELATS, 2003.
LIMA, K. Expansão da educação superior brasileira na primeira década do novo século. In: Serviço Social e Educação. Larissa Dahmer Pereira; Ney Luiz Teixeira de Almeida (org.),Valeria Forti; Yolanda Guerra (coord.); 2 ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2013, p. 11-34).
MARIANO, C. M. Emenda Constitucional 95/2016 e o teto dos gastos públicos: Brasil de volta ao Estado de exceção econômico e ao capitalismo do desastre. Curitiba, Revistas de Investigações Constitucionais, v. 4 n. 1 p. 259-281, jan./abr. 2017. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/rinc/article/view/50289/31682 . Acesso em: 21 abr. 2021.
NETTO, J. P. Desigualdade, pobreza e Serviço Social. Rio de Janeiro, UFRJ, Revista em Pauta, nº. 19, 2007.
PEREIRA, P. A. P. Necessidades Humanas: Para uma crítica a lós patrones mínimos de sobrevivência. São Paulo, Cortez, 2002.
PEREIRA, P. A. P. Política Social: temas & questões. 2. ed. São Paulo, Cortez, 2009.
PRADA, T.; SURDINE, M. C. C. A assistência estudantil nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Ser Social; v. 20, n.43, p. 268-289, 2018. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/18860. Acesso em: 22 abr. 2021.
ROMANELLI, O. O. História da Educação no Brasil. 40 ed. Petrópolis, RJ Vozes, 2014.
SALVADOR, E. Fundo público e políticas sociais na crise do capitalismo. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 104, p. 605-631, out./dez./2010. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282010000400002. Acesso em: 12 abr. 2021.
SANTOS, R. Rumos da Política Social Brasileira no século XXI: Focalização e seletividade. Pelotas, Sociedade em Debate, jul.-dez., 2007, p. 65-83.
SAVIANI, D. O legado educacional do regime militar. Caderno Cades, Campinas, 2008, v. 28, n. 76, p. 291-312. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622008000300002. Acesso em: 18 abr. 2021.
TEJADAS, S. Si. Avaliação de políticas públicas e garantia de direitos. São Paulo, Cortez, 2020.
Notas