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REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS: uma análise com a perspectiva dos trabalhadores “taskers” brasileiros
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, núm. 1, pp. 199-216, 2022
Universidade Federal do Maranhão

Artigos - Dossiê Temático



Recepción: 22 Agosto 2021

Aprobación: 20 Mayo 2022

DOI: https://doi.org/10.18764/2178-2865.v26n1p199-216

Resumo: O objetivo deste artigo é identificar e examinar as condições de trabalho em plataformas de microtrabalho, uma das formas de crowdwork, de modo mais específico, analisar qual a percepção dos trabalhadores sobre a ausência de regulamentação nessa forma de ocupação. Para tanto, aplica questionário para 34 trabalhadores brasileiros de diferentes plataformas de microtarefas e, posteriormente, conduz entrevistas em profundidade com 4 deles. O caráter exploratório do estudo permite compreender que o microtrabalho ainda é visto como uma forma de complementar a renda e que há grande interesse pela flexibilidade possibilitada pelo trabalho em plataformas digitais. Ao mesmo tempo, há divergência de opinião entre os trabalhadores sobre a importância ou não da regulamentação.

Palavras-chave: Plataformas digitais, Crowdwork, Microtrabalho, Taskers, Regulamentação.

Abstract: The objective of this article is to identify and examine working conditions in micro-work platforms, one of the forms of crowdwork, and more specifically, to analyze the perception of workers about the lack of regulation in this form of occupation. To this end, it applies a questionnaire to 34 Brazilian workers from different microtask platforms and, later, conducts in-depth interviews with 4 of them. The exploratory nature of the study allowed to understand that micro-work is still seen as a way to supplement income and that there is great interest in the flexibility made possible by working on digital platforms. At the same time, there is a difference of opinion among workers about the importance or not of regulation.

Keywords: Digital platforms, Crowdwork, Microwork, Taskers, Regulation.

1 INTRODUÇÃO

A disseminação de novas tecnologias a datar da 5ª revolução tecnológica (FREEMAN; PEREZ, 1988; PEREZ, 2005), intitulada de a Era das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), deu origem ao fenômeno da economia digital, caracterizado pelo crescente papel dos dados digitais e pela ampliação do acesso à internet entre a população, possibilitando maior integração entre os governos, as empresas e os indivíduos. Com a ampliação do uso das inovações tecnológicas não somente no setor de alta tecnologia industrial, mas no setor de serviços, ocorreram significativas mudanças tanto para o ambiente produtivo, como para o mercado de trabalho, com destaque para o desenvolvimento das plataformas digitais que propiciaram a digitalização dos serviços tradicionais, além de darem origem a um novo modelo de negócios intitulado de gigeconomy ou “economia do bico”.

De Stefano (2016) separa as plataformas digitais que pertencem à gigeconomy entre as plataformas work on demand. crowdwork. As primeiras intermedeiam relações de trabalho relacionadas às atividades tradicionais, cuja função é realizada presencialmente como no caso do transporte individual ou de carga, tendo como principal representante a empresa Uber. Já as plataformas de crowdwork são intermediárias de relações de trabalho que ocorrem de modo virtual entre as empresas solicitantes e a mão de obra terceirizada dispersa mundialmente.

Verifica-se que a inserção de tecnologias nas relações de trabalho viabilizou condições mais flexíveis aos trabalhadores, permitindo por exemplo a adequação da jornada de trabalho à rotina pessoal, consequentemente gerando maior autonomia para os trabalhadores (GRAHAM et al., 2017). No entanto, em virtude de ambas as formas de trabalho, tanto as atividades sob demanda (on demand) como as atividades para a multidão (crowdwork), serem gerenciadas por algoritmos e pelo fato de estarem associadas à nova tecnologia, há um discurso por parte das plataformas de não caracterização das atividades realizadas como uma forma de trabalho, mas como um serviço extra que pode ser executado nos períodos de lazer, o que justificaria a ausência de proteção jurídica e a transferência de riscos aos trabalhadores (DE STEFANO, 2016).

Além dos riscos comuns às plataformas, aspectos relativos a umas das formas de crowdsourcing, o microtrabalho, explicitam ainda mais a transferência de riscos do trabalho para os trabalhadores. As plataformas de microtarefas, ainda que ofereçam a flexibilidade de jornada característica das novas formas de trabalho, também asseguram aos empregadores o controle do trabalho por meio de uma classificação dos trabalhadores. Essa flexibilidade, portanto, demonstra-se contraditória à medida que os trabalhadores devem estar sempre disponíveis para o trabalho, ao mesmo tempo que a disponibilidade de tarefas é limitada a períodos do dia e à classificação pessoal dos trabalhadores (PRASSL; RISAK, 2015; GUPTA et al., 2014; ALOISI, 2016). Também destaca-se a assimetria de informações entre empregador-empregado, indicando o desequilíbrio no poder de barganha para melhores condições de trabalho para os “microtrabalhadores”. Percebe-se que a ausência de organização entre os trabalhadores ede regulações específicas para esse tipo de trabalho acentuam essa desigualdade (PRASSL; RISAK, 2015).

Considerando as condições de trabalho em plataformas de microtarefas, buscou-se investigar qual a percepção dos trabalhadores a respeito da ausência de regulamentação nesse tipo de ocupação A parte empírica da pesquisa consiste em um estudo qualitativo e exploratório este foi realizado em duas fases. A primeira fase consistiu no levantamento de dados a partir de um questionário online que foi respondido por 34 trabalhadores brasileiros de diversas plataformas de microtrabalho.Para obter o perfil dos trabalhadores, a primeira parte do questionário contém perguntas sobre informações sociodemográficas e a segunda parte apresenta questões fechadas e abertas a respeito das condições laborais no microtrabalho. As perguntas foram baseadas em estudos prévios tanto sobre os trabalhadores brasileiros, como de outros países (MORESCHI; PEREIRA; COZMAN, 2020; KALIL, 2019; GUPTA et al., 2014; OIT, 2018).

Dado a dificuldade de ter acesso aos trabalhadores das plataformas de microtarefas, visto que o trabalho é realizado exclusivamente de forma virtual e, portanto, não se sabe quem são os trabalhadores, o questionário foi divulgado por meio das redes sociais (grupos de trabalhadores que atuam em plataformas de microtarefas no Facebook e WhatsApp). O questionário ficou disponível nas redes sociais entre outubro e novembro de 2020 e obteve 34 respostas (total de 34 trabalhadores, chamados neste artigo de respondentes). A amostra em questão pode ser classificada como uma amostragem por conveniência.

Embora o questionário pudesse ser respondido anonimamente, os trabalhadores que demonstraram interesse em participar de forma mais efetiva do estudo e deixaram seu e-mail no questionário, foram convidados para a segunda fase da pesquisa que consistiu em uma entrevista realizada de modo virtual, com o intuito de obter respostas mais esclarecedoras acerca das condições de trabalho dos brasileiros nas plataformas de microtarefas. Para tanto, foram realizadas também entrevistas semiestruturadas com roteiro de entrevista.

Ao todo foram realizadas 4 entrevistas com trabalhadores das plataformas de microtarefas (chamados neste artigo de entrevistados). Estas ocorreram no mês de novembro de 2020, de forma virtual, por meio da plataforma Microsoft Teams e foram gravadas com a autorização dos trabalhadores entrevistados. As entrevistas tiveram como base um roteiro previamente elaborado, mas que foi adaptado a depender de cada entrevista para ampliar o acesso a informações relevantes para a pesquisa.

Além desta introdução e da conclusão, o presente artigo é composto por quatro partes. Primeiramente apresentam-se as principais características do crowdwork, bem como as condições de trabalho verificadas, em especial, nas plataformas de microtrabalho. Em seguida, discutem-se os riscos presentes nesse tipo de trabalho. A quarta parte do estudo apresenta o perfil dos trabalhadores entrevistados e as especificidades das diferentes plataformas de microtrabalho. Por fim, a última parte tratados resultados obtidos, isto é, a opinião dos respondentes acerca da regulamentação do trabalho em plataformas de microtarefas.

2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CROWDWORK

O crowdwork tem origem com a expansão da internet, em meados nos anos 2000, sendo um movimento de terceirização de trabalhos previamente realizadas por profissionais especializados, que passam a ser disponibilizados como forma de tarefas pelas empresas solicitantes para um grupo indefinido de pessoas, geralmente através do ambiente virtual, proporcionado pelas plataformas digitais. O termo crowdwork origina-se de crowdsourcing que consiste em designar para a multidão de pessoas (“crowd”) tarefas de forma terceirizada (“outsourcing”). Portanto, as plataformas de crowdwork são as intermediárias (sites ou aplicativos) que possibilitam o crowdsourcing (HOWE, 2006).

As plataformas de crowdwork fornecem a infraestrutura para que as empresas tenham acesso à mão de obra barata e sob demanda, disponíveis independentemente da localização geográfica. Dada a ampla oferta de trabalhadores em fusos horários distintos, os projetos são realizados rapidamente. Além disso, essas plataformas avaliam o resultado das atividades e possibilitam o pagamento aos trabalhadores. Ao mesmo tempo, para os trabalhadores oferecem um ambiente centralizado no qual é possível ter acesso às tarefas de diversos solicitantes, bem como viabiliza o recebimento do pagamento pelos serviços concluídos (OIT, 2018).

Dentre os aspectos atrativos para as empresas, destaca-se que os custos envoltos a esse serviço são baixos. As empresas podem deixar de utilizar as plataformas sem precisar arcar com expressivos custos transacionais ou obstáculos logísticos. Quanto às despesas trabalhistas, a remuneração dos crowdworkers é baixa, não há benefícios ou proteção jurídica e as empresas não fornecem suporte e instalações para os trabalhadores. Além disso, as relações de trabalho são fugazes e, em parte das plataformas de crowdwork, anônimas, o que reduz os custos administrativos e, visto que não é preciso contratar um profissional para supervisionar o trabalho virtual, subtraem-se os gastos com rotatividade e recrutamento (FELSTINER, 2011; BERGVALL-KAREBORN; HOWCROFT, 2014).

Para os trabalhadores, a principal vantagem está na flexibilidade, uma vez que é possível definir o local de trabalho, a carga horária diária destinada ao trabalho e quais tarefas serão executadas, de acordo com interesses e conhecimentos preexistentes ou que se pretende desenvolver. Além disso, as barreiras de entrada são mínimas: é necessário possuir um computador ou celular e acesso à internet, sendo uma alternativa para indivíduos excluídos do mercado de trabalho, como quem se encontra afastado dos centros de emprego ou pessoas com deficiência (FERNANDÉZ, 2017). O crowdwork também é visto como uma forma de tornar períodos de ócio em ganhos produtivos, isto é, o tempo despendido online em jogos, por exemplo, pode ser revertido em pequenos trabalhos realizados a partir de conhecimentos adquiridos (FELSTINER, 2011).

De maneira geral, é possível separar as plataformas de crowdwork em três categorias: as plataformas de projetos baseados em concursos; as plataformas de freelancers e as plataformas de microtarefas (OIT, 2018). As primeiras plataformas, como por exemplo a InnoCentive, permitem que empresas solicitem a execução de projetos voltados para a área de pesquisa, cujo intuito é conectar pessoas ao redor do mundo com conhecimentos que auxiliem no desenvolvimento de produtos, acelerando o processo até o mercado. São projetos que exigem habilidades específicas, dada a sua complexidade (HOWE, 2006). Da mesma forma, as plataformas de freelancers também demandam mão de obra qualificada, porém são projetos individuais negociados previamente entre as partes e que se assemelham à condição tradicional dos profissionais autônomos (HOWCROFT; BERGVALL-KAREBORN, 2018). Por fim, as plataformas de microtarefas também terceirizam projetos das empresas solicitantes, entretanto, estes são segmentados em pequenas tarefas como inserir dados, marcar imagens, transcrever textos digitalizados em textos digitais e classificar pessoas. São tarefas que exigem poucas habilidades e podem ser realizadas em um curto espaço de tempo (minutos ou segundos), geralmente por meio de “clicks” de forma repetitiva, resultando na baixa compensação financeira oferecida (WEBSTER, 2016). Segundo Howe (2006), corresponde à terceirização do trabalho voltado para as massas.

O microtrabalho é formado por uma estrutura tripartida, composta pelas empresas solicitantes, os trabalhadores e os fornecedores, responsáveis pelo desenvolvimento das plataformas. Estas fornecem mecanismos como a infraestrutura de programação e a transferência de pagamento entre solicitantes e trabalhadores, possibilitando que as empresas disponibilizem as tarefas e os trabalhadores aceitem, executem e enviem o trabalho para avaliação (FELSTINER, 2011; IRANI, 2015). Além disso, as plataformas se assemelham no modelo de negócios que consiste em cobrar taxas pelos serviços oferecidos aos solicitantes (OIT, 2018).

No entanto, embora as categorias de tarefas sejam semelhantes entre as plataformas de microtrabalho, há diferenças na dinâmica do trabalho. Plataformas como a Amazon Mechanical Turk (AMT), Microworkers e a Clickworkers são voltadas para as microtarefas individuais, em que a remuneração é feita por tarefa realizada e o trabalhador estabelece a quantidade de tarefas que está disposto a fazer, a depender da sua classificação na plataforma (BERGVALL-KAREBORN; HOWCROFT, 2014), bem como da disponibilidade de tarefas. Por outro lado, plataformas como a Appen e a Lionbridge, além das microtarefas individuais, também intermedeiam a solicitação de projetos compostos por microtarefas mais complexas, com duração e remuneração previamente estabelecidos por contrato digital (APPEN, 2020; LIONBRIDGE, 2020).

3 RISCOS DO TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS

A expansão das plataformas de crowdwork como opção de trabalho evidenciada nos últimos anos está associada a aspectos que se complementam. Devido à tecnologia proporcionar a conexão de pessoas do mundo todo, atrai as empresas por ser uma fonte de mão de obra com características e qualificações diversas, com baixos custos trabalhistas, transacionais e poucos obstáculos logísticos, levando à rápida escalabilidade. Além disso, por não existir uma regulação específica para o trabalho da multidão, facilita o processo de criação de valor das empresas (GAWER, 2014; ZHAO E ZHO, 2014; KATZ, 2015 apud HOWCROFT; BERGVALL-KAEBORN, 2018).

O problema que se apresenta com esse tipo de trabalho é que por serem contratados como autônomos, estes não são beneficiados pelos direitos previstos por leis trabalhistas como, a depender da jurisdição, salário mínimo, contribuição previdenciária e auxílio-doença (ROGERS, 2015). Nos Estados Unidos, por exemplo, não somente os crowdworkers não são beneficiados pelo salário mínimo, pagamento de hora extra, entre outros, como também não podem formar sindicatos. Uma vez que a Lei antitruste considera os profissionais independentes como “donos do próprio negócio”, essa ação é entendida como formação de cartel (STANDING, 2018).

Como justificativa para a inexistência de compromisso formal entre as partes, as empresas responsáveis pelas plataformas utilizam-se de estratégias de contratação e gestão do trabalho, como ao enfatizarem a maior autonomia possibilitada pelo trabalho via plataformas, desse modo disfarçando a transferência de riscos para os trabalhadores e o maior controle das plataformas sobre a mão de obra, e ao não aceitarem a condição de empregadores, ressaltando que os trabalhadores são na verdade clientes das plataformas, ou seja, que não há relação empregatícia entre as partes - aspectos que tornam obscurecidas as relações de assalariamento (ANTUNES; FILGUEIRAS, 2020).Vale ressaltar que, assim como no caso da Uber que se refere aos trabalhadores como “motoristas parceiros”, os termos predominantemente utilizados pelas plataformas de microtrabalho para intitular as atividades desempenhadas, como “tasks” e “serviços”, em oposição a “trabalhadores” e “trabalho” reforçam a ideia de que estas não são entendidas como uma forma efetiva de trabalho e que, portanto, não devem ser reguladas como tal (DE STEFANO, 2016).

Não obstante, as plataformas empregam um discurso de que são empresas de alta tecnologia não intensivas em mão de obra, cujo papel limita-se a intermediar as relações entre as empresas solicitantes e os trabalhadores. Essa posição atrai os investidores, fazendo com quetais plataformas sejam valorizadas no mercado e ampliem seu financiamento (IRANI, 2015).

Dado que as novas formas de trabalho não atendem aos princípios de uma relação de trabalho tradicional, isto é, não apresentam o caráter de subordinação em uma relação bilateral e, considerando também que no Brasil as relações que não se enquadram como subordinadas, são consideradas autônomas, traz-se à tona discussão sobre a classificação dos trabalhadores, uma vez que categorizá-los tem efeito direto nos direitos que lhe serão atribuídos (KALIL, 2019).

Em plataformas de crowdwork a relação contratual entre o trabalhador e o solicitante ocorre por um tempo limitado – como o tempo necessário para realizar uma microtarefa –, além das partes envolvidas mudarem frequentemente, o que justificaria ser apenas um contrato de serviços. Visto que o trabalhador não está integrado à empresa solicitante, sua influência sobre o trabalho executado é limitada, além da dependência econômica não estar restrita apenas a essa relação de trabalho, uma vez que cada trabalhador possui diversos contratos com diferentes solicitantes (PRASSL; RISAK, 2015).

Para De Stefano (2016), a maior procura por essa nova forma de trabalho está relacionada ao aumento de trabalhos casuais (casualization of the work force), à informalização e ao processo denominado “demutualisationofrisks1. Mais especificamente, a maior flexibilidade no mercado de trabalho e a transferência dos riscos para os trabalhadores evidenciado nas últimas décadas são parte de um amplo processo que intensifica a criação de trabalhos casuais e que não se restringe aos trabalhos sob demanda e ao crowdwork .gigeconomy), mas que se tornou realidade para significativa parte da força de trabalho por meio das “formas não padronizadas de trabalho”, como os trabalhos temporários e parciais. Em outras palavras, para o autoras ocupações inerentes à gigeconomy não fazem parte de uma nova esfera do mundo do trabalho, não sendo, portanto, necessário o desenvolvimento de novas instituições e regulamentações para acolhê-las.

Por outro lado, a dualidade entre autonomia e subordinação vem gerando discussões a respeito de uma terceira categoria cujo contrato de trabalho se adeque às características das novas ocupações do capitalismo de plataforma (KALIL, 2019). Standing (2018), por exemplo, argumenta que a maior parte dos crowdworkers não poderiam ser classificados nem como empregados em sua definição tradicional -uma vez que não são supervisionados diretamente e, em princípio, tem controle sobre a jornada de trabalho -,nem como autônomos. Embora assim como profissionais autônomos estes arquem com a maior parte dos custos do trabalho, como reparos e manutenção, seguro para acidentes e problemas de saúde, os trabalhadores dependem das plataformas tanto para obterem tarefas, como por terem que aceitar um número de tarefas, isto é, estão sujeitos às regras.Nesse sentido, considerando ser esta uma nova forma de trabalho, o autor defende a criação de uma nova categoria “tasker”.

A dificuldade de regulamentar inovações tecnológicas é explicada por Felstiner (2011). Segundo o autor, quando se trata de tecnologias, há discussões sobre como os órgãos regulatórios devem retardar sua intervenção até que a dinâmica de uma atividade online se torne clara, dado que ações prematuras podem interferir no desenvolvimento saudável desta atividade. Em outras palavras, esses argumentos aparentemente advêm da ideia de que é preciso esperar a completa evolução de uma tecnologia antes de utilizar um aparato regulatório para contê-la ou eliminá-la.

Ao analisarem os vários cenários de emprego com diferentes empregadores que compõe o crowdwork, Prassl e Risak (2015) concluem que uma análise fragmentada das relações bilaterais em detrimento de uma análise que considere as complexas relações de trabalho triangulares ou multilaterais – devido à intermediação das plataformas -,evidenciam a fragilidade da abrangência das leis trabalhistas, o que torna as relações obscuras, incoerentes e fáceis de serem manipuladas.Também deve-se levar em consideração que embora haja uma tendência na literatura de considerar toda forma de trabalho intermediado pelas plataformas como uma mesma categoria,nem todas as plataformas de crowdwork são iguais. O modo como são atribuídas as tarefas e os pagamentos são efetuados diferem entre as plataformas. Os diferentes elementos que compõem as relações de trabalho acarretam diversos problemas jurídicos a respeito dos direitos, obrigações e responsabilidades das partes envolvidas (ALOISI, 2016). Por conseguinte, entende-se que a adoção de uma regulamentação é dificultada pela complexidade das diferentes relações no crowdwork (composta pelo empregador, plataforma e trabalhador) e a heterogeneidade da dinâmica do trabalho entre as plataformas digitais.

Além da ausência de regulamentação, os trabalhadores das plataformas digitais em geral e, em especial os que atuam em plataformas de microtarefas, por ser um trabalho online e invisível2, estão expostos a outros riscos.Uma das particularidade dessas plataformas é que elas conseguem oferecer a flexibilidade, característica das novas formas de trabalho, ao mesmo tempo em que asseguram o controle do processo de produção, mantendo o baixo custo de transação presente nas relações de trabalho hierárquicas. Para tanto, duas pré-condições são necessárias: primeiro, que haja multidão grande o suficiente para que sempre tenha mão de obra disponível nas plataformas, de modo a manter a competitividade entre os trabalhadores e os preços baixos. Segundo, em substituição ao sistema tradicional das relações empregatícias, as plataformas utilizam o mecanismo de “reputação digital”3 – que varia entre as plataformas -, para selecionar a mão de obra e analisar a performance do trabalho desenvolvido. Portanto, os solicitantes garantem acesso à ampla mão de obra, reduzindo o custo de trabalho improdutivo; por meio do mecanismo de reputação digital é possível manter o controle do trabalho desempenhado, assim como sua qualidade e, finalmente, a competitividade entre os participantes das plataformas mantém os salários baixos (PRASSL; RISAK, 2015).

A partir da pesquisa desenvolvida por Gupta et al., (2014) com os crowdworkers da AMT, percebe-se que o horário em que as tarefas são divulgadas pelas empresas na plataforma é um fator que pode limitar a flexibilidade da jornada de trabalho. Dado que estas são disponibilizadas em sua maioria no horário comercial dos Estados Unidos, os trabalhadores de outras partes do mundo devem adequar-se ao trabalho noturno para realizarem as melhores tarefas, caso contrário pela manhã estas estarão concluídas ou só restarão as de menor remuneração. Aloisi (2016), por sua vez, argumenta que embora os trabalhadores tenham autonomia para decidir quando irão entrar na plataforma para realizar as tarefas, sendo possível executá-las de qualquer lugar que tenha acesso à internet, o tempo dedicado às tarefas define a remuneração, bem como a pontuação pessoal, ou seja, para auferir uma remuneração razoável, os trabalhadores devem trabalhar mais horas comparativamente aos trabalhadores “tradicionais”. Portanto, uma vez que não há trabalho disponível a qualquer hora do dia e, não obstante, os trabalhadores das plataformas devem estar disponíveis o dia todo para alcançar uma remuneração razoável caso tenham essa atividade como principal fonte de renda, explicita-se o caráter contraditório da flexibilidade, podendo ser entendida como uma flexibilidade negativa.

Além disso, plataformas como a Amazon Mechanical Turk (AMT)permitem que as empresas solicitantes rejeitem sem justificativa o trabalho já concluído, sem efetuar o pagamento, a depender da qualidade da tarefa entregue. Por possuírem o direito de propriedade sobre o que foi executado, caso os empregadores rejeitem o trabalho, mas resolvam utilizá-lo, os trabalhadores não dispõem de recursos legais contra os solicitantes (IRANI, 2013). Essa condição tem impacto direto na pontuação pessoal dos trabalhadores, influenciando no acesso às melhores tarefas e, consequentemente, a uma melhor remuneração (DE STEFANO, 2016).

Os crowdworkers também devem lidar com a assimetria de informações, exemplificado pelo sistema de reputação unilateral da AMT.O sistema proporciona aos empregadores informações a respeito das performances anteriores dos turkers4, que gera uma classificação pessoal. Os trabalhadores, por outro lado, não têm acesso ao comportamento dos solicitantes na plataforma, isto é, às taxas de rejeição de tarefas, à capacidade de resposta aos trabalhadores e ao histórico de pagamento. Adicionalmente, enquanto os solicitantes podem impor punições aos trabalhadores de diversas maneiras, como ao bloqueá-los para futuras tarefas ou ao rejeitar o trabalho concluído sem justificativa, os trabalhadores não dispõem de mecanismos para reivindicar a solução de problemas ligados aos solicitantes (KINGSLEY; GRAY; SURI, 2015). Outro aspecto é a falta de conhecimento a respeito da totalidade do projeto que está sendo elaborado, principalmente no caso das microtarefas, no qual cada trabalhador é responsável apenas por uma pequena parte do todo, dificultando a compreensão da importância da função por eles assumida (FELSTINER, 2011; KALIL, 2019).

Nesse sentido, percebe-se que a ausência de regulamentação e de uma organização sindical, além da concentração de poucas plataformas que oferecem as tarefas e a insegurança econômica e jurídica às quais os trabalhadores estão expostos, revelam o desequilíbrio do poder de barganha dos crowdworkers, refletido nos baixos salários e nos termos e condições altamente tendenciosos usados pelos acordos com as plataformas (PRASSL; RISAK, 2015).

4 PERFIL DOS RESPONDENTES E CONDIÇÕES GERAIS DE TRABALHO

O questionário foi respondido por 34 trabalhadores brasileiros de plataformas de microtarefas, sendo 17 homens e 17 mulheres com idades entre 19 e no máximo56 anos (média de 28,8 anos). O grupo de idade mais representativo na pesquisa foi o de pessoas com idade entre 25 a 29 anos (39%), seguido pelos grupos que possuem entre 19 e 24 anos (32%) e 30 e 34 anos (21%). Dado que 71% dos respondentes possuem até 29 anos, a amostra em questão é composta por trabalhadores muito jovens. Apenas 7% da amostra tem entre 51 e 56 anos.

A maior parte dos trabalhadores que responderam à pesquisa residem na região Sudeste do Brasil (35,3%), seguido pela região Nordeste (26,5%) e Sul (23,5%). Apenas um dos respondentes (todos brasileiros) não residia no Brasil, mas sim na Espanha. Com relação à raça ou cor, dentre as 34 pessoas, 64,7% se declararam brancos, 23,5% pardos e 11,8% pretos. Quanto ao Estado civil, 88,2% das pessoas são solteiras e 11,8% casadas. Apenas três pessoas (8,8%) que responderam ao questionário têm filhos.

Na Figura 1, verifica-se que a amostra é composta por trabalhadores com elevada qualificação (58,8%), sendo que 17,6% deles possuem mestrado, 41,2% têm ensino superior completo e 20,6% estão cursando o ensino superior, e não há trabalhadores com nível de escolaridade inferior ao médio completo. Adicionalmente, 61,8% afirmaram que conciliam o estudo com o trabalho.


Figura 1
Nível de escolaridade dos trabalhadores(respondentes) de plataformas de microtarefas
elaboração própria.

Dentre os 34 trabalhadores que responderam ao questionário, 20 (58,8%) trabalham em mais de uma plataforma. A maior parte dos respondentes trabalham na Appen, seguido pela Lionbridge eapenas 6 trabalham na Amazon Mechanical Turk (Figura 2).


Figura 2
Distribuição dos trabalhadores respondentes por plataforma de microtarefas
elaboração própria.

É importante destacar que as diferenças entre as plataformas de microtrabalho refletem nos resultados obtidos com a pesquisa. Trabalhadores que atuam em plataformas como a Appen e a Lionbridge, que ampliaram o trabalho com microtarefas ao oferecerem, além das tarefas individuais, projetos compostos por microtarefas, podem trabalhar de 10 a 20 horas semanais e recebem de acordo com as horas empregadas. Portanto, no geral, são trabalhadores que apresentam menor carga horária de trabalho diária e auferem melhor remuneração. Já os trabalhadores que atuam apenas com as tarefas isoladas, em plataformas como a AMT, Microworkers e Crowdworkers, por serem remunerados por tarefa executada, dependerem da disponibilidade de trabalho na plataforma e da sua classificação com base no desempenho em trabalhos anteriores (BERGVALL-KAREBORN; HOWCROFT, 2014), tendem a empregar mais horas por dia às tarefas e receber menor remuneração, uma vez que o valor pago por tarefa é baixo (geralmente centavos ou poucos dólares) (OIT, 2018).Pode-se portanto aventar a existência de segmentação entre os trabalhadores dessas plataformas.

A amostra observada é composta por pessoas que trabalham em média 5 dias ou mais por semana em plataformas de microtarefas (82,4%), sendo que 47,1% trabalham todos os dias da semana. Com relação à carga horária de trabalho diária, 35,3% dos participantes da pesquisa trabalham entre 2 e 4 horas por dia e 26,5% atuam menos de 2 horas por dia em plataformas de microtarefas. Também é preciso ressaltar que, por outro lado, parte significativa dos respondentes (38,3%) trabalha quatro horas ou mais por dia, indicando que as diferenças entre o trabalho oferecido entre as plataformas de microtarefas têm influência sob a carga horária de trabalho.

Finalmente, observa-se que o principal motivo para os trabalhadores buscarem o microtrabalho é para “complementar a renda” (35,3%), seguido pela afirmação “busco por trabalhos que possuam jornada flexível” (20,6%). Dada as condições adversas do mercado de trabalho, o microtrabalho constitui-se provavelmente em uma das poucas opções, haja vista que para 41,2% dos trabalhadores responderam que “é a melhor opção se comparado aos empregos disponíveis” ou “estou desempregado” (Figura 3).


Figura 3
Principal motivo para os respondentes atuarem em plataformas de microtarefas
elaboração própria.

5 OPINIÃO DOS TRABALHADORES SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DO MICROTRABALHO

O trabalho intermediado por plataformas digitais pode ser entendido como uma forma de “trabalho oculto” (IRANI, 2015), em que o uso da tecnologia acentua a dificuldade de percepção do crowdwork como um trabalho de fato, mas como uma oportunidade de realizar uma atividade com horários flexíveis e que gere uma renda complementar, partindo do pressuposto que os indivíduos estão cientes dos riscos aos quais estão expostos, sendo um desses riscos a ausência de proteção jurídica (ROGERS, 2015; DE STEFANO, 2016).

Com o intuito de investigar qual a percepção dos trabalhadores das plataformas de microtarefas, a respeito da relevância da regulamentação para esse tipo de trabalho, foi perguntado para os participantes da pesquisa qual o grau de importância por eles atribuído à incorporação de direitos trabalhistas no microtrabalho. Constata-se que há dois grupos de trabalhadores com opiniões distintas sobre a implementação de direitos trabalhistas no microtrabalho.


Figura 4
Percepção dos trabalhadores sobre a importância da incorporação de direitos trabalhistas no microtrabalho
elaboração dos autores

Para 52,9% dos respondentes, a inclusão de direitos trabalhistas no microtrabalho é considerada “muito importante” (44,1%) ou “importante” (8,8%). Dentre eles, 72,2% são os principais responsáveis pela renda familiar e 55,6% contam com o microtrabalho como principal fonte de renda. Importante ressaltar que menos da metade (46,67%) demonstrou estar satisfeito com o microtrabalho. Percebe-se que são pessoas que, em sua maioria, estãopreocupadas com a falta de segurança característica dessa forma de trabalho.

Ela (regulamentação) traria mais segurança, entre outras coisas, visto que esse é um trabalho bastante instável, trazendo ansiedade e a sensação de que somos descartáveis, onde não podemos confiar que estaremos empregados no mês seguinte (Respondente 22).

Ah é isso né, é horrível, mas ainda tá pagando melhor do que algumas coisas aqui no Brasil então, bom, você abre mão dos direitos pra pegar uma grana maior agora. Pra mim é uma troca, entendo isso como uma troca. É como fazer um freelancer aqui, você pega um dinheiro a mais por um dia de trabalho, mas aquele dinheiro a mais tem a ver com as suas férias, seu 13°, seus direitos indo pro ralo. Então você meio que é pago pra não ter direitos. Mas é triste, eu me sinto incomodada (Entrevistado 4).

É interessante observar que parte dos trabalhadores que defendem a implementação de proteção jurídica afirmam que entendem se tratar de um trabalho de difícil regulação e que, portanto, deveria ser criada uma regulação específica para esse tipo de trabalho.

Algum tipo de regulamentação é importante ter. Ao mesmo tempo, isso não era pra ser um trabalho mesmo, mas um bico, uma complementação de renda, portanto, dependendo das exigências legais que forem impostas sobre as organizações, elas simplesmente não terão mais como oferecer os serviços. O foco da intervenção tem que ser outro (Respondente 21).

Eu acho que o mais ideal seria primeiro ter essa regulamentação de quanto você vai ganhar por horas, (...) eu acho assim, que se houvesse pelo menos essa regulamentação do valor pago por hora, ia ficar mais parecido com uma plataforma freelancer (...). Eu acho que a única regulamentação que precisaria mesmo seria isso. Acho que assinar carteira, isso não ia dar certo, acho que bastava só um contrato digital como a Appen faz na parte dos projetos. Porque aí você teria além desse valor que você recebe por horas, você ia saber também o tempo que vai ficar dentro da plataforma, então acho que seria melhor (Entrevistado 3).

Há, porém, o grupo de pessoas (47,1%) que não consideram importante (23,5%) ou são indiferentes (23,5%)à instituição de direitos trabalhistas no microtrabalho. Em sua maioria, são pessoas jovens, com idade entre 23 e 33 anos e que não dependem do microtrabalho como principal fonte de renda (62,5%), assim como não são os principais responsáveispela renda familiar (62,5%), aspectos que sugerem que o microtrabalho é uma opção de renda complementar e, portanto, a falta de proteção não configura um problema para os respondentes em questão. Ao mesmo tempo, 81,25% desse grupo de trabalhadores afirmaram paradoxalmente estar insatisfeitos com o trabalho desempenhado em plataformas de microtarefas, além de não considerarem a remuneração obtida justa.

No geral, são trabalhadores que demonstraram preocupação caso as plataformas de microtrabalho sejam regulamentadas. As respostas revelam o receio dos trabalhadores de quehaja redução na remuneração por trabalho, em função do aumento dos custos para as plataformas e para as empresas solicitantes ou que os solicitantes deixem de direcionar as tarefas e projetos para os trabalhadores brasileiros.

Também é interessante perceber como esses trabalhadores alinham-se ao discurso das plataformas de que não se trata de uma forma típica ou padronizada de trabalho (FILGUEIRAS; ANTUNES, 2020) e, portanto, não deve ser regulamentado.

Esse tipo de regulamentação seria prejudicial pois reduziria a quantidade de vagas disponíveis. Todos estão cientes que não se trata de trabalho formal, e, portanto, regulamentar a atividade seria criar empecilhos para contratações (Respondente 16).

Não considero importante pelo fato de que quanto mais leis trabalhistas se impõem, menos oferta de trabalho terá. Isso onera as empresas com pagamentos trabalhistas e mais impostos. Acho prejudicial (Respondente 11).

Sou completamente contra a inserção de leis trabalhistas nessa forma de trabalho. Se leis trabalhistas fossem implementadas, a empresa teria que pagar impostos e encargos trabalhistas que seriam tirados dos salários das pessoas que estão trabalhando. Já é difícil conseguir um salário grande no final do mês devido a oscilação no número de tarefas, se o governo for participar da divisão do meu salário, aí vou passar fome (Respondente 17).

Complementarmente, quando perguntados se a flexibilidade do trabalho virtual compensa a ausência de proteção jurídica, no geral os entrevistados demonstraram prezar pela flexibilidade possibilitada por esse tipo de trabalho em detrimento da segurança dos direitos trabalhistas.

Eu acho que sim. Eu acho que a flexibilidade e o pagamento, porque pra eles é pouco mas pra gente é uma baita ajuda, né. Eu acho que sim, eu acho que o brasileiro não se importa de não ter uma proteção, não ter direitos, não ter 13°, isso aí pra gente é o de menos. O que a gente quer é ganhar o dinheiro semanal ou mensal dependendo da plataforma, que nos dá uma baita ajuda (Entrevistado 1).

Na minha opinião depende muito. Porque eu gosto dessa flexibilidade de trabalhar na internet, sem ter patrão, sem ter um chefe. Realmente, assim, eu nunca tive medo de tipo perder meus direitos trabalhistas porque eu tô trabalhando em casa. Eu acho que isso vai muito do perfil de cada pessoa. Na minha opinião vale a pena sim (...) (Entrevistado 3).

6 CONCLUSÃO

Considerando que uma das particularidades do trabalho em ambiente virtual é a inexistência de uma regulamentação para esse tipo de serviço, o artigo buscou analisar essa característica pela ótica dos trabalhadores que atuam em plataformas de microtarefas. Embora o microtrabalho ainda seja considerado uma alternativa para complementar a renda, a pesquisa nos mostra que há opiniões divergentes sobre a implementação de proteção jurídica no trabalho nestas plataformas.

Dentre os participantes da pesquisa, observa-se que o grupo de trabalhadores que dependem do microtrabalho como principal fonte de renda, no geral, afirma que deveria ser instituído alguma forma de regulamentação, principalmente por considerar ser essa uma forma de trabalho “instável” (expressão de entrevistado). Também é interessante ressaltar que parte dos respondentes considera ser necessário a criação de uma proteção trabalhista adequada às particularidades do trabalho virtual.

Por outro lado, há o grupo de trabalhadores que parte do pressuposto de que a regulamentação do microtrabalho seria mais um obstáculo para o acesso às tarefas, visto que oneraria tanto as empresas solicitantes, como as plataformas, gerando um custo que recairia sobre eles por meio da redução dos salários e da diminuição de tarefas disponíveis nas plataformas. Verifica-se que esse discurso vai ao encontro da narrativa utilizada pelas plataformas que se autodenominam empresas de tecnologia que apenas estão oferecendo uma alternativa de atividade que gera renda extra e que a relação estabelecida entre as partes não configura uma relação entre empregador-empregado, mas sim uma relação entre “unidades de produção autônomas” e seus clientes.

Os diferentes pontos de vista sobre os direitos trabalhistas sugerem que as opiniões acerca da regulamentação estão atreladas à situação de cada trabalhador, principalmente se ele tem no microtrabalho sua principal fonte de renda ou não. Aqueles que têm nessa forma de trabalho sua principal fonte de renda, são os mais favoráveis à regulamentação.Percebe-se também que por ser uma alternativa para obtenção de renda, há certa preocupação de que, se regulamentadas, as plataformas deixem de ser uma alternativa de trabalho para os brasileiros.

Para futuras pesquisas e análises, cabe apontar duas questões relevantes que este artigo sugere: a) em que medida uma regulamentação mais intensa em um país, do que em outros, pode fazer com que as plataformas não operem nesse país? b) é possível e recomendável pensar em uma regulamentação mais particular para as plataformas, inclusive considerando as diferenças entre as plataformas?

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Notas

[1] Esse processo corresponde à transferência de riscos - antes assumidos pelos empregadores -, para os trabalhadores, visando, principalmente, as vantagens de custos (OIT, 2015), como por exemplo evitar a compra ou aluguel de equipamentos e máquinas e sua manutenção.
2 Dado que as relações de trabalho ocorrem exclusivamente em ambiente virtual, os trabalhadores executam suas atividades apenas com o auxílio dos mecanismos tecnológicos. O contato limitado entre empresa-trabalhador leva à falta de comunicação entre as partes e ao desconhecimento sobre quem realiza as atividades, gerando uma multidão de “trabalhadores invisíveis” (IRANI, 2015).
3 Segundo Standing (2018, p. 121), o rating consiste em uma nova forma de controle de baixo custo que induz a autoexploração. “Ratings não são apenas um mecanismo de feedback, eles são um meio de monitorar e disciplinar, sem a necessidade de supervisão” (tradução nossa).
4 Os “turkers” é uma expressão que faz referência aos trabalhadores da plataforma AMT.


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