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“NÃO TEVE UMA POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO NOS GOVERNOS LULA E DILMA”: um balanço das políticas públicas de comunicação do Governo Federal (2003-2016)
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, núm. 1, pp. 217-221, 2022
Universidade Federal do Maranhão

Entrevistador – O senhor foi uma das expressões de sua geração. Das armas às urnas, qual é o balanço que o senhor faz do processo democrático no Brasil?

Franklin Martins – Eu tenho um orgulho, digamos, discreto de minha geração. Porque a minha geração viveu tempos extraordinariamente difíceis. Nós tivemos vinte e poucos anos de Ditadura Militar [1964-1985], e uma Ditadura que durante muito tempo foi uma Ditadura de terror do Estado. Ou seja: as pessoas eram presas, desaparecidas, torturadas, assassinadas. Vivíamos um clima de opressão monumental.

E a minha geração cometeu erros políticos, quis lutar de uma forma que não era melhor, quis lutar de outra que também não foi a melhor. Mas ela também teve um grande mérito, um grande acerto, que foi não se submeter à Ditadura Militar. A Ditadura tentava passar uma mensagem de que “Quem vier contra mim eu aniquilo. Quem vier contra mim, não adianta, eu sou forte demais”. E a minha geração criou um espírito que era o seguinte: você pode me perseguir, pode me bater, pode me prender, pode me torturar, pode me exilar, pode me matar, mas você não vai me obrigar a viver calado debaixo da Ditadura. Eu vou lutar de algum jeito. Não importa qual, mas eu vou lutar de algum jeito para que a gente reconquiste a democracia, tenha inclusão social e que não vivamos em um regime de trevas como a gente viveu durante tanto tempo.

Eu penso que, independente dos erros cometidos, um aqui, outro ali, isso foi de uma força tão extraordinária que, depois, no processo de redemocratização da sociedade, foi mais ou menos o caldo de cultura que foi alimentar essa redemocratização. As grandes greves operárias, as grandes greves estudantis, a reorganização do movimento sindical, o movimento das Diretas Já, a reconquista da democracia e, em seguida, a Constituinte de 1988, que foi desembocar na Constituição Federal de 1988. Então, a minha geração, independente dos erros, teve esse grande mérito. Não se submeteu ao que estava errado.

Entrevistador – O senhor foi Ministro-chefe da Secretaria de Comunicação do governo Lula. Na sua opinião, quais os acertos e quais os erros em relação às políticas de comunicação dos governos petistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff?

Franklin Martins – Não teve uma política de comunicação. Eu penso que houve três fases. Teve uma primeira fase de deslumbramento, que foi o primeiro mandato do Lula. Não se percebia que a Comunicação era um problema relevante. Ele estava focado em outras coisas. Estava focado em que todo brasileiro tivesse três refeições por dia. Estava focado na inclusão social e não percebia a importância disso. Então, eu costumo dizer que era fase meio que de deslumbramento. Achava que a imprensa ia ser uma boa imprensa necessariamente. Porque, registro, a imprensa teve um comportamento correto na primeira eleição do Lula.

O grau de desmoralização e desgaste do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) era tamanho que era inevitável a imprensa perceber que tinha que mudar e a mudança era o Lula. Ela aceitou aquilo e teve um comportamento correto. Ela começou a mudar isso quando veio a crise do mensalão. Foi uma tentativa de criar esse ambiente de que é necessário combater o PT e combater as políticas de inclusão social pelo lado da questão da corrupção. Ela começou com isso e o PT e o Lula perceberam que não dava mais para continuar naquela lua de mel, de ficar olhando para o teto e não fazer nada.

O segundo mandato do Lula foi o que deve ser uma política de comunicação de um presidente de extração democrática, popular e com disputa política. O Lula fez a disputa política o tempo todo. Passou a dar entrevista, usar o “quebra-queixo”3, como se dizia à época. Quer dizer, ele foi fazendo uma disputa política, no período que eu fui secretário de comunicação dele. Foi o período que se realizou a Conferência Nacional de Comunicação, a CONFECOM. Foi o período que se preparou um anteprojeto para a regulação da comunicação eletrônica, basicamente da radiodifusão. Então, foi um período, ao meu ver, que essa questão da democratização da comunicação entrou na pauta do governo e entrou na pauta da sociedade e isso não tinha nada de censura, não tinha perseguição à imprensa. Era a busca de pluralismo. Era a busca de entender que as concessões de Estado, porque rádio e televisão são concessões de Estado, precisam cumprir obrigações, precisam fazer determinadas coisas e não podem fazer outras, como é em toda democracia do mundo. Tem que ter regras. E isso foi feito.

Depois, em um terceiro momento, que é o do governo da Dilma, no qual, infelizmente, eu não sei por qual razão, e isso é algo que tem que ser perguntado a ela, ao invés de prosseguir com uma questão que tinha entrado na agenda dos governos progressistas democráticos, e tinha entrado na agenda da sociedade, a sociedade sentia que tinha que discutir isso no Brasil... E aí, o que aconteceu? Entrou, sentou em cima e pior, adotou a tese que “o melhor controle é o controle remoto”.

Primeiro que, quando você muda de canal da Band para o SBT, Globo ou Record, é tudo a mesma coisa. É todo mundo falando a mesma linguagem. É todo mundo contra a inclusão social. É todo mundo não querendo mais democracia no país. É todo mundo incomodado com o crescimento do povo pobre na sociedade. Eles tinham o mesmo discurso. Então é o seguinte: quando usava a expressão “controle”, legitimava a ideia de que a democratização da mídia era um controle. E isso não tinha nada de controle. Ou seja, legitimava o discurso da maioria das forças conservadoras do país. Eu avalio que isso foi ruim. Acho que um dia a presidente Dilma dará explicação sobre isso e eu espero que dê. Então, eu acho que, entre altos e baixos, durante os governos democráticos e populares, infelizmente se avançou menos nas políticas de democratização da comunicação. E essa é uma questão que a realidade está demonstrando, continua na ordem do dia e precisa ser enfrentada.

Entrevistador – Acerca do futuro da televisão, quais transformações o senhor identifica nesse momento de digitalização da televisão?

Franklin Martins – É muito difícil falar do que vai ser a televisão no futuro. Você tem um processo de mudança muito grande, no qual você tem com a digitalização, com a internet, muita gente podendo fazer coisas de televisão. Usar o YouTube para colocar coisas, mas a televisão aberta continua a ter um papel muito grande. Especialmente em países como o Brasil, que boa parcela da população não tem renda para ter outros tipos de acesso à televisão, ela vai acessar apenas a TV aberta. Então, é um processo de transição que estamos vivendo.

Em outros países, a TV aberta já não tem a mesma importância que tem no Brasil. No Brasil, a TV aberta ainda tem muita importância e vamos continuar a viver isso. E o que é importante, a meu ver, é que é necessária a pluralidade na TV aberta. Ou seja, não pode ter um discurso só valendo em todas as emissoras. Você troca de uma para outra e é tudo a mesma coisa. Nós temos as denúncias da [série de reportagens] Vaza Jato4 sobre os escândalos cometidos pela Operação Lava Jato, quer dizer, o grau de afrontas ao devido processo legal que foram cometidos, e não isso foi noticiado na televisão e no rádio no Brasil. É uma coisa impressionante!

Nós tivemos a censura da Ditadura Militar e, agora, temos a censura dos donos de televisão. A população está tomando conhecimento? Está, por meio da internet, mas é um conhecimento que vai comendo pelas beiradas. Isso que estão fazendo não é jornalismo. Isso é o um antijornalismo, é censura. E a censura pode ser feita por quem está com concessão de Estado? Evidente que não. Isso é um tema para a reflexão.

Entrevistador – Na sua opinião, a ágora sobreviverá à bolha e às fakenews?

Franklin Martins – Eu sou otimista. A sociedade humana só chegou aonde chegou, até hoje, porque ela foi capaz de enfrentar os problemas que foram sendo criados no seu desenvolvimento. A ágora, o espaço público, a praça pública, se ela não prevalecer sobre as bolhas, a sociedade não consegue se encontrar. Ela fica uma sucessão de individualidades batendo, de segmentos batendo, se dispersa, se enfraquece e se deteriora. Então, é um processo de construção. Em alguns momentos, a bolha predomina sobre a ágora, mas a ágora volta a prevalecer. Eu penso que nós estamos vivendo no Brasil e no mundo, e aqui de uma forma muito dramática hoje em dia, a necessidade de que o debate público e a praça pública voltem a ser aquilo que definam o rumo do país. De um jeito ou de outro, se a gente não se submeter ao que está aí e enfrentar, nós vamos reconquistar a praça pública.

Entrevistador – Concluindo por onde iniciamos, o que seria uma insubmissão que a sua geração deixou como legado para as gerações de hoje?

Franklin Martins – É se indignar com o que está errado e lutar contra isso. Não é se indignar e ficar em casa, não é se indignar e falar mal pelos cantos. É indignar e dizer assim: isso não pode continuar! A minha geração fez isso. Às vezes, não fez com inteligência que devia ter feito. Ela foi para um choque frontal, para uma luta armada. Um choque frontal onde ela sofreu severas derrotas e foi massacrada em alguns sentidos, mas ela teve a insubmissão. Então eu penso que tem que ser insubmisso. Tem que se indignar. Não pode aceitar o que está errado e tem que fazer isso com inteligência.

Notas

[3] Expressão jornalística usada no Brasil para entrevistas coletivas informais, nas quais o entrevistado está cercado de gravadores e microfones, próximos ao rosto. “Em inglês, o quebra-queixo jornalístico é um media scrum, termo que é mais usado entre jornalistas canadenses na cobertura legislativa. O nome é inspirado em um momento do rugby, quando a partida é iniciada, ou reiniciada, e os jogadores se agrupam em um círculo para disputar a posse da bola. [...]: no jornalismo mexicano [...] usa-se o termo chacaleo. A referência é ao chacal, especialista em roubar a presa de outros predadores. A presa, no caso, seria uma informação que poderia exclusiva caso a entrevista não estivesse rodeada de chacais. (LJR-LatAM Journalism Reviem, 2020. Disponível em: https://latamjournalismreview.org/pt-br/articles/expressoes-jornalisticas-portugues-ingles-espanhol/).
[4] Série de reportagens do site The Intercept Brasil, que trouxe a público as mensagens secretas da Operação Lava Jato. A Vaza Jato (THE INTERCEPT BRASIL, 2019, disponível em <https://theintercept.com/series/mensagens-lava-jato/>) foi o estopim da deslegitimação da ação do Ministério Público Federal (MPF) e da relação de parcialidade com o ex-juiz Sérgio Moro, no julgamento das ações judiciais oferecidas pelo MPF à justiça federal, cujas sentenças levaram o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva à cadeia e que, posteriormente às reportagens de The Intercept, os processos que as originaram foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).


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