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EFEITO DA RENÚNCIA FISCAL NA FORMAÇÃO DO FUNDO PÚBLICO PIAUIENSE - 2015 A 2018
EFEITO DA RENÚNCIA FISCAL NA FORMAÇÃO DO FUNDO PÚBLICO PIAUIENSE - 2015 A 2018
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, núm. 1, pp. 291-310, 2022
Universidade Federal do Maranhão
Recepción: 20 Diciembre 2021
Aprobación: 28 Mayo 2022
Resumo: O artigo tem como objetivo analisar os efeitos da política fiscal de renúncias tributárias na formação do fundo público do Estado do Piauí no quadriênio 2015-2018. Para tanto, realiza uma pesquisa documental nos sítios eletrônicos da Secretaria da Fazenda do Estado do Piauí e da Secretaria de Planejamento do Estado do Piauí. Os dados foram extraídos dos Balanços Gerais do Estado, das Leis de Diretrizes Orçamentárias e dos anexos das Leis Orçamentárias Anuais do referido período, além de informações requeridas nas Ouvidorias da SEFAZ-PI, e TCE-PI e Ouvidoria Geral do Estado do Piauí (OGE-PI), com base na Lei de acesso à informação (LAI). Conclui que em 04 anos houve um montante de mais de R$ 2 bilhões de renúncias, reduzindo a quantidade de receitas e a possibilidade de financiamento de forma autônoma das políticas públicas, em especial das políticas sociais do Estado do Piauí.
Palavras-chave: Fundo público, Renúncia de receitas, Crise do capital, Orçamento público.
Abstract: The article aims to analyze the effects of fiscal policy on tax waivers in the formation of the public fund of the State of Piauí in the 2015-2018 quadrennium. For that, it carried out a documentary research on the websites of the Piauí State Finance Department and the Piauí State Planning Department. The data were extracted from the State General Balance Sheets, Budget Guidelines Laws and the annexes of the Annual Budget Laws for that period, in addition to information required by the Ombudsman of SEFAZ-PI, and TCE-PI and the General Ombudsman of the State of Piauí (OGE -PI), based on the Access to Information Act (LAI). It is concluded that in 04 years there was an amount of more than R$ 2 billion in waivers, reducing the amount of revenue and the possibility of autonomously financing public policies, especially social policies of the State of Piauí.
Keywords: Public fund, Revenue waiver, Capital crises, Public budget.
1 INTRODUÇÃO
A institucionalização da renúncia de receitas públicas no Brasil é um instrumento estratégico utilizado pelo Estado para atrair investimentos e fomentar o desenvolvimento econômico e social, o que na prática constitui-se em transferências de recursos do fundo público para o setor privado da economia de forma indireta e extraorçamentária, pois sua realização não se vincula à execução do orçamento (SALVADOR, 2015).
Ocorre que, muito embora, por natureza, os objetivos da concessão de renúncia de receitas sejam públicos, não há transparência das atividades em volta de sua consecução, mesmo após a edição da Lei de Responsabilidade fiscal (LRF), em especial no que tange à mensuração e acompanhamento dos efetivos benefícios para a sociedade e quais os segmentos beneficiados pela política fiscal, portanto, sem o devido controle social.
Em um contexto do capitalismo financeirizado, marcado pela cessão de recursos públicos para a reprodução do capital, qual o efeito da renúncia de receita na formação do fundo público piauiense? Qual foi o montante, o destino e a relevância das receitas renunciadas pelo governo do estado do Piauí, no período de 2015 a 2018?
Para responder a esses questionamentos, realizou-se uma pesquisa documental junto à base de dados do Balanço Geral do Estado, da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e dos anexos da Lei Orçamentária Anual (LOA) do quadriênio 2015-2018, além das informações requeridas às Ouvidorias da Secretaria de Fazenda do Estado do Piauí (SEFAZ-PI), do Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI) e Ouvidoria Geral do Estado do Piauí (OGE-PI), com base na Lei de acesso à informação (LAI). Os dados foram deflacionados pelo IGP-DI da FGV, tendo como mês e ano base outubro de 2021.
O artigo está organizado em duas seções, a primeira trata da crise do capital, o papel do fundo público no capitalismo contemporâneo e renúncia de receitas, e a segunda faz a análise das receitas renunciadas no Estado do Piauí e seus efeitos na formação do fundo público, além desta introdução e das considerações finais.
2 CRISE DO CAPITAL, FUNDO PÚBLICO E RENÚNCIA DE RECEITAS
A crise do capital para os teóricos clássicos do marxismo está relacionada a uma crise de superprodução, resultado da busca incessante do capital para sua reprodução e acumulação. O processo de acumulação nada mais é do que a reprodução ampliada do capital, que para ocorrer necessita de uma composição orgânica do capital crescente, isto é, “uma progressiva demanda decrescente da força de trabalho e uma contínua ampliação dos meios de produção; dessa forma, o capital, ao se reproduzir de forma ampliada, acumula riqueza” (ALENCAR JÚNIOR, 2021, p. 37).
O crescente aumento da composição orgânica do capital, seja pelo mesmo nível ou maior nível de exploração do trabalhador, proporciona, no longo prazo, uma queda tendencial da taxa geral de lucro (MARX, 1988).
Essa progressiva redução da força de trabalho exigida pelo capital produz um exército industrial de reserva, um contingente de trabalhadores desempregados e/ou subempregados disposto a ser contratado por salários mais baixos, que se constitui numa alavanca da acumulação capitalista e condição estratégica para a existência do modo de produção capitalista. Enquanto a expansão dos meios de produção, que ocorre através da concentração e centralização de capitais, reforça e amplia a dinâmica da acumulação capitalista.
A queda tendencial da taxa de lucro e a progressiva acumulação capitalista constituem expressões diferentes do mesmo processo, pois a acumulação acelera a redução da taxa geral de lucros pelo aumento da composição orgânica do capital e a redução da taxa de lucro acelera a centralização e concentração de capitais. Portanto, a massa do capital, ao expandir, provoca uma taxa de lucro cada vez menor.
Ora, se o lucro é a finalidade da produção capitalista, sua redução dificulta o processo de acumulação, promovendo crises e desemprego/subemprego, comprometendo o desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Para minimizar os efeitos desse processo na redução da taxa geral de lucro, o capital age no sentido de produzir “causas contrariantes” (MARX, 1988, p. 168), reduzir a resistência da classe trabalhadora à exploração e acelerar a rotação do capital mediante a utilização dos recursos do fundo público (BEHRING, 2010).
Sendo assim, na atual fase do modo de produção capitalista, em que a expansão do capital financeiro e fictício leva a crises cada vez mais rotineiras, agudas e planetária, com números alarmantes de desemprego e pobreza e, com saídas que socializam os custos com a classe trabalhadora e retém os lucros na classe e frações de classe burguesas, qual é o papel do fundo público no capitalismo contemporâneo?
O fundo público é uma “punção compulsória – na forma de impostos, contribuições e taxas” (BEHRING, 2010, p. 20), isto é, parte do trabalho excedente, que se transformou em renda do capital e foi apropriada pelo Estado para o financiamento das políticas públicas; e parte do trabalho necessário na forma de tributos diretos sobre a renda e patrimônio e indiretos sobre o consumo de mercadorias. Participa diretamente do processo de reprodução capitalista e se constitui em causa contrariante à queda tendencial da taxa de lucro.
Tem se constituído, na fase atual do capitalismo, como instrumento fundamental do Estado para retardar os efeitos da queda tendencial da taxa geral de lucro, isto é, das crises econômicas cíclicas e crise estrutural capitalista. É funcional ao capitalismo e desempenha dupla função, reprodução do capital e da força de trabalho.
A financeirização do capital alimenta e retroalimenta a crise cíclica do capitalismo, onde há uma maior disputa por recursos do fundo público pelos mercados financeiros que implicam pressão na destinação desses recursos para atender os gastos financeiros em detrimento dos gastos sociais. Essa disputa se torna mais acirrada tendo em vista que a fonte de recursos que remunera o capital é a mesma para o financiamento dos gastos sociais.
Desse modo, o fundo público é solicitado a “amortecer as tendências de crise de superacumulação e superprodução, estimuladas pela queda tendencial da taxa de lucros, e contidas por suas causas contrariantes numa espécie de paradoxo permanente” (BEHRING, 2010, p. 32).
Na medida em que o fundo público torna-se vital nessa perspectiva de comedimento da crise do capital, os impactos dessa crise se dão na sua formação e destinação, quando são instituídas reformas tributárias regressivas, quando há a expansão de políticas de renúncia de receitas para o mercado com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico e social, quando comumente socorre instituições financeiras falidas à custa da tributação dos cidadãos, quando interfere diretamente nos processos de rotação do capital, tem em vista propiciar a sua valorização de forma mais acelerada, por meio de parcerias público-privadas, dentre outros expedientes (SALVADOR, 2010; BEHRING, 2010).
Diante de uma sociedade capitalista, o fundo público, por meio de seu instrumento mais objetivo e visível, o orçamento estatal, reflete as políticas sociais e econômicas do governo que prioritariamente são definidas para atender a diversos interesses existentes (SALVADOR, 2015). Logo, não se refere apenas a uma peça técnica com uma estrutura contábil organizada, mas que o “estudo do orçamento deve ser considerado como um elemento importante para compreender a política social” (SALVADOR, 2012, p. 127).
Trata-se de uma “arena de disputa política, na qual o direcionamento dos gastos e suas respectivas fontes de financiamento refletirão, além da decisão econômica, as correlações de forças sociais e políticas hegemônicas na sociedade” (ALENCAR JÚNIOR, 2021, p. 126). Dessa forma, por meio do orçamento público, é possível identificar quem financia o Estado e a quem são direcionados os gastos públicos.
O conflito distributivo à volta do fundo público envolve a política de obtenção de recursos, com destaque para a tributação bem como as renúncias tributárias, e a política de destinação de recursos materializados no orçamento (SALVADOR, 2020).
Quanto à formação do fundo público, as receitas são as fontes de financiamento dos gastos públicos que integram a base orçamentária, incluídos os gastos sociais e financeiros, que advém da exploração do patrimônio estatal e das atividades de suas empresas, da tributação compulsória à sociedade, do exercício de polícia do Estado, de doações recebidas (ainda que atípicas), dos empréstimos realizados pelos governos (entradas de recursos nos cofres públicos). Todavia, muito embora tenham uma “diversidade de fontes de onde se originam as receitas públicas, são predominantes as que se vinculam ao Estado-empresário e à tributação” (OLIVEIRA, 2009, p. 82).
No Brasil, a vultosa carga tributária brasileira imposta à sociedade configura-se como de natureza regressiva, tendo em vista que se concentra em tributos indiretos que incidem sobre a produção e consumo dos bens públicos e serviços, em contrapartida a uma menor tributação sobre a renda e o patrimônio, ou seja, mantém uma relação inversa com o nível de renda, onerando a classe trabalhadora e os mais pobres (ALENCAR JÚNIOR, 2021; SALVADOR, 2015).
E para melhor compreensão do fundo público, é necessária a análise do financiamento indireto das políticas públicas por meio das renúncias de receitas, consideradas gastos tributários indiretos, que por se configurem desvios do sistema tributário de referência, não constituem a base orçamentária brasileira, mesmo que na prática representem a retirada de recursos públicos consignados orçamentariamente (PIMENTEL, 2019). Trata-se, portanto, de montante de ingressos não recebidos pelo fisco quando este outorga tratamento tributário diferenciado a determinados contribuintes (BRASIL, 2016), que em um primeiro momento possivelmente passe a impressão de que sua operacionalização representa custo zero para a sociedade, quando na realidade o Estado abstém-se de arrecadar receitas públicas (SALVADOR, 2015).
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ao conceituar renúncia de receitas, traz expressamente as espécies de renúncia, incluindo no rol quaisquer benefícios que equivalem a tratamento diferenciado, conforme preceitua no §1º do art. 14:
A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado (BRASIL, 2000).
Segundo o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público – MCASP (BRASIL, 2019, p. 62), a anistia é “o perdão da multa” por infrações cometidas pelo sujeito passivo anteriores à vigência da lei que a concedeu, já a remissão é “o perdão da dívida” em circunstâncias previstas na lei. O crédito presumido constitui o montante do imposto cobrado na operação anterior “neutralizando o efeito de recuperação dos impostos não cumulativos”, onde o Estado se apossa do valor da isenção nas etapas posteriores da circulação da mercadoria. A isenção é a dispensa do débito tributário devido. Quanto à modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, é o incentivo fiscal por meio do qual a lei reduz sua base tributável excluindo quaisquer de seus elementos integrantes podendo ocorrer associada à redução de alíquota.
Quando o Estado renuncia receitas públicas, recursos tributários de determinados setores deixam de ser arrecadados. Logo, há redução de receitas disponibilizadas para a execução direta de políticas públicas, por meio do orçamento estatal, o que equivale a transferências de recursos públicos, dotadas de legalidade, para a iniciativa privada, onde o Estado oferece, por meio de renúncias de receitas, incentivos fiscais de modo a induzir o mercado a investimentos em determinadas regiões ou setores da economia (SALVADOR, 2015).
A LRF, ao estabelecer limites e condições para a concessão ou ampliação de incentivos fiscais, determina que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia, bem como da estimativa e medidas de compensação das renúncias de receita (BRASIL, 2000).
Para atendimento à LRF, no âmbito do Estado do Piauí, o PLOA vem acompanhado da “Estimativa e Compensação da Renúncia de Receita” juntamente com a especificação das medidas compensatórias e o “Demonstrativo do Efeito das Isenções e Outros Benefícios Fiscais sobre as Receitas (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA) por Gerência Regional de Atendimento”, os quais trazem as projeções dos gastos tributários por tributo, modalidade, setores beneficiados e por regional, ainda que de forma consolidada.
Ademais, dos benefícios e incentivos de natureza tributária dos quais decorram renúncia de receita, elencados no artigo 14 da LRF (BRASIL, 2000), o Estado do Piauí faz uso das modalidades anistia, isenção, remissão e regimes especiais, contemplando em sua política fiscal o comércio, a indústria/agroindústria e contribuintes diversos.
Ocorre que, para a análise dos efeitos da renúncia de receitas na formação do fundo público piauiense no terceiro governo do Wellington Dias (2015 a 2018), período que em parte coincide com a adoção no Estado, nos moldes do governo federal, do Novo Regime Fiscal (NRF) instituído pela Emenda Constitucional 47/2016 com alterações advindas da EC 50/2017, estabelecendo limites individualizados para as despesas primárias correntes com repercussão para os exercícios financeiros de 2017 a 2026, sem, contudo, afetar os benefícios tributários, faz-se necessário o levantamento da origem e montante dos recursos públicos arrecadados e a avaliação do impacto dos gastos tributários nas receitas do Estado.
Destarte, diante desse cenário de crise econômica e política, do capital financeirizado e de ajuste fiscal permanente no Brasil, qual a situação da receita pública, em especial, da arrecadação tributária no estado do Piauí? Quais os efeitos da política de concessão de renúncia de receitas tributárias na formação do fundo público e sua repercussão no financiamento das políticas públicas?
3 RENÚNCIA TRIBUTÁRIA: implicações na formação do fundo público piauiense no período de 2015 a 2018
Na tentativa de minimizar os efeitos da crise econômica mundial de 2008, sentida com mais vigor no Brasil no final do segundo governo Lula, o governo federal da presidenta Dilma Roussef deu continuidade e expandiu a política de incremento das renúncias tributárias, o que afetou as receitas federais e trouxe consequências diretas no financiamento da seguridade social. Enquanto o orçamento fiscal e de seguridade social apresentou aumento de 18% entre os anos de 2011 e 2014, os gastos tributários elevaram-se em 32% (SALVADOR, 2015).
Segundo Salvador (2015), entre 2010 e 2014, o gasto tributário comprometeu quase 20% das receitas públicas federais, o equivalente a 4,76% do PIB. Em 05 anos, houve uma variação de 42,67% do montante total renunciado, saltando de 184,44 bilhões em 2010, em valores atualizados pelo IGP-DI, para valores estimados de R$ 263,15 bilhões em 2014.
Esse crescimento expressivo do gasto tributário federal, resultado em grande parte da desoneração dos impostos de renda e dos produtos industrializados, afetou sobremaneira as receitas dos Estados e municípios, Os dois impostos são fontes de receitas que compõem o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e tiveram uma perda potencial estimada de 17,04% acima da inflação no período de 2010 a 2014.
Segundo dados publicados no Demonstrativo dos Gastos Tributários do governo federal (BRASIL, 2021), no qual apresenta a estimativa de renúncia em base de dados efetivos – ano calendário 2018, série 2016 a 2021, a trajetória dos gastos tributários da União manteve-se estável no período de 2015 a 2018, em relação ao PIB. Em 2018, o gasto tributário federal foi estimado em R$ 310,52 bilhões, representando 4,43% do PIB e 22,74% das receitas administradas pela Receita Federal do Brasil (RFB). A elevação nominal do gasto tributário em 2018 foi de 129% em relação às renúncias estimadas em bases efetivas no ano 2010, enquanto a da arrecadação no mesmo período foi de 76%.
Quando se compara a renúncia tributária estimada por região com a respectiva arrecadação prevista, verificou-se que a região Sudeste possui a menor renúncia tributária em relação à sua arrecadação (17,24%), enquanto as regiões Norte e Nordeste possuem os maiores percentuais de participação da renúncia em relação às suas respectivas arrecadações, com 116,67% e 41,33% respectivamente (BRASIL, 2021).
Sob a ótica orçamentária, a previsão dos gastos tributários apontou uma concentração de 78,35% do valor dos gastos em cinco funções de governo: Comércio e Serviço (25,0%); Saúde (17,11%); Trabalho (13,56%); Agricultura (11,50%); e Indústria (11,17%). Ademais, foi possível constatar que a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS é o tributo que concentra a maior parte dos gastos tributários e representa 22,31% do total (BRASIL, 2021).
Diante do contexto nacional, em que o governo federal expande as renúncias de receitas numa proporção superior à arrecadação das receitas públicas, como se comportou a formação do fundo público piauiense no período de 2015-2018? Quais foram os montantes de receitas total, tributária e das renúncias tributárias do governo estadual no quadriênio 2015-2018?
O montante de receita bruta arrecadada no Estado do Piauí, incluídas as receitas orçamentárias1 e intraorçamentárias2, sem considerar as deduções da receita3, totalizou R$ 10,61 bilhões em 2015, R$ 13,04 bilhões em 2016, R$ 14,24 bilhões em 2017 e R$ 14,29 bilhões em 2018, um crescimento de 34,65% no período 2015-2018. Um total de R$ 52,19 bilhões arrecadados pelo governo estadual no quadriênio analisado, conforme Tabela 1.
ESPECIFICAÇÃO | DEMONSTRATIVO DA RECEITA | QUADRIÊNIO 2015-2018 | VARIAÇÃO 2015/2018 (%) | |||
2015 | 2016 | 2017 | 2018 | |||
Receitas Correntes | 9.479.670 | 11.088.229 | 12.610.640 | 12.792.260 | 45.970.799 | |
Receitas de Capital | 497.269 | 969.501 | 629.025 | 579.826 | 2.675.621 | |
Receitas Correntes Intraorçamentárias | 604.526 | 662.443 | 871.097 | 919.368 | 3.057.434 | |
Receitas de Capital Intraorçamentárias | 32.158 | 328.572 | 131.031 | 0 | 491.761 | |
Total Geral (a) | 10.613.623 | 13.048.745 | 14.241.794 | 14.291.454 | 52.195.615 | 34,65% |
Deduções da Receita Corrente (b) | 2.199.831 | 2.480.054 | 2.785.565 | 2.887.836 | 10.353.286 | 31,28% |
Total Receita Líquida c=(a-b) | 8.413.792 | 10.568.691 | 11.456.229 | 11.403.617 | 41.842.329 | 35,53% |
Var. (%) em relação ao ano anterior (Receita Bruta) | - | 22,94% | 9,14% | 0,35% | ||
Var. (%) em relação ao ano anterior (Receita Líquida) | - | 25,61% | 8,40% | -0,46% |
Apesar de a receita bruta arrecadada ter expandido 34,65%, a taxa de crescimento das receitas do Estado do Piauí vem sendo reduzida ano após ano: em 2016, o crescimento em relação ao ano anterior foi de 22,94%; em 2017, foi de 9,14% e em 2018, foi de apenas 0,35%, conforme tabela 01, o que evidenciou uma forte desaceleração no crescimento das receitas estaduais no período 2015-2018.
A receita líquida realizada, por sua vez, foi de R$ 8,41 bilhões em 2015, R$ 10,56 bilhões em 2016, R$ 11,45 bilhões em 2017 e R$ 11,40 bilhões em 2018, totalizando no quadriênio 2015-2018 o montante arrecadado de R$ 41,84 bilhões, de acordo com a Tabela 1.
A receita líquida arrecadada cresceu 35,53% entre 2015-2018. Todavia, ao analisar ano a ano, a receita cresceu 25,61% em 2016 comparado com 2015, 8,40% em 2017 e -0,46% em 2018. Portanto, a receita líquida sofreu forte desaceleração no seu crescimento até 2017 e uma redução no montante arrecadado em 2018, quando comparado com o ano anterior.
Do total bruto arrecadado de R$ 52,19 bilhões, R$ 22,09 bilhões referem-se às receitas de transferências correntes, R$ 20,27 bilhões às receitas tributárias e R$ 9,83 bilhões às demais receitas, conforme o Gráfico 1.
Constata-se que aproximadamente 81% das receitas arrecadadas pelo Estado do Piauí decorrem das transferências correntes (42%) e das receitas tributárias (39%). Nas receitas tributárias, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) representaram 34% (R$ 17,55 bilhões) do total de recursos do estado no período analisado, enquanto que as fontes decorrentes dos demais impostos, taxas e contribuições corresponderam a 5% (R$ 2,72 bilhões), de acordo com o Gráfico 1.
As receitas tributárias arrecadadas pelo governo Wellington Dias, oriundas do ICMS, IPVA, IRRF, ITCMD e taxas, apresentaram valores de R$ 4,11 bilhões em 2015, R$ 4,67 bilhões em 2016, R$ 5,54 bilhões em 2017 e R$ 5,99 bilhões em 2018, um crescimento de 45,78% no montante das receitas, conforme a Tabela 2.
RECEITAS TRIBUTÁRIAS | |||||
TRIBUTO | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | VARIAÇÃO 2015/2018(%) |
ICMS | 3.377.821 | 3.719.002 | 4.442.431 | 4.862.650 | 43,96% |
IPVA | 231.412 | 278.908 | 318.859 | 316.592 | 36,81% |
IRRF | 311.855 | 364.747 | 450.756 | 437.028 | 40,14% |
ITCMD | 18.009 | 15.874 | 16.038 | 56.854 | 215,70% |
TAXAS | 176.803 | 226.450 | 318.200 | 326.867 | 84,88% |
TOTAL | 4.115.900 | 4.604.981 | 5.546.284 | 5.999.991 | 45,78% |
Var. (%) em relação ao ano anterior | - | 11,88% | 20,44% | 8,18% | -31,16%* |
Quando analisada ano a ano, a taxa de crescimento da receita tributária teve um acréscimo de 11,88% em 2016 comparado com 2015, 20,44% em 2017 e 8,18% em 2018. Portanto, apesar do crescimento expressivo das receitas tributárias no quadriênio, foi perceptível sua desaceleração, principalmente, no biênio 2017-2018.
E quanto aos tributos arrecadados no Estado, o ITCMD foi o que apresentou a maior variação positiva (215,70%) no período, seguido das taxas (84,88%), ICMS (43,96%), IRRF (40,14%) e IPVA (36,81%). No entanto, o ITCMD e as taxas são os impostos, em termos de volume de recursos arrecadados, que menos contribuem com arrecadação tributária, enquanto o ICMS e IPVA são os impostos de competência estadual que mais arrecadam recursos da sociedade piauiense.
No Estado do Piauí, as renúncias de receitas decorrem exclusivamente das desonerações sobre o ICMS e o IPVA; assim, se faz necessária a análise da trajetória das receitas oriundas desses dois impostos, segundo o Gráfico 2.
A arrecadação de receita com o ICMS foi de R$ 3,37 bilhões em 2015, R$ 3,71 bilhões em 2016, R$ 4,44 bilhões em 2017 e R$ 4,86 bilhões em 2018, um crescimento de 43,96% no quadriênio, como pode ser visto no Gráfico 2.
Quando analisado ano a ano, o crescimento do ICMS foi de 10,10% em 2016, 19,45% em 2017 e 9,46% em 2018. Ao longo do período analisado, a receita de ICMS sofreu uma desaceleração no seu crescimento, principalmente, no biênio 2017-2018.
Já a arrecadação com o IPVA, o governo estadual realizou receitas na ordem de R$ 231,41 milhões em 2015, R$ 278,90 milhões em 2016, R$ 318,85 milhões em 2017 e R$ 316,59 milhões em 2018, um crescimento de 36,81% no período 2015-2018. No entanto, quando analisado ano a ano, as receitas de IPVA cresceram 20,52% em 2016 comparado com 2015, 14,32% em 2017 e -0,71% em 2018. Desta forma, a receita de IPVA teve seu crescimento desacelerado até 2017 e recuou em 2018 quando comparado com o ano anterior.
Somando o montante dos impostos com o ICMS e o IPVA, o governo estadual arrecadou receita no valor de R$ 3,60 bilhões em 2015, R$ 3,99 bilhões em 2016, R$ 4,76 bilhões em 2017 e R$ 5,17 bilhões em 2018, um crescimento 43,5% no período analisado, conforme Tabela 3.
ESPECIFICAÇÃO | RECEITAS ICMS/IPVA | VARIAÇÃO 2015/2018(%) | |||
2015 | 2016 | 2017 | 2018 | ||
ICMS e IPVA | 3.609.234 | 3.997.911 | 4.761.289 | 5.179.243 | 43,50% |
Var. (%) em relação ao ano anterior | - | 10,77% | 19,09% | 8,78% |
No entanto, quando analisadas as receitas ano a ano, a arrecadação com os dois impostos cresceu 10,77% em 2016 em relação a 2015, 19,09% em 2017 e 8,78% em 2018, evidenciando uma aceleração no crescimento até 2017 e uma desaceleração no último ano da série histórica.
No quadriênio, as receitas tributárias provenientes desses dois tributos totalizaram R$ 17,547 bilhões e representaram 86,72% das receitas tributárias (R$ 20,267 bilhões) arrecadadas do período, de acordo com os dados da tabela 2 e 3.
Em contrapartida, durante o mesmo período (2015-2018), quanto deixou de entrar nos cofres públicos do governo piauiense, isto é, qual foi o montante da renúncia tributária estadual no período de 2015 a 2018?
O montante de receitas renunciadas foi R$ 450,26 milhões em 2015, R$ 421,2 milhões em ICMS e R$ 29 milhões em IPVA; R$ 471,65 milhões em 2016, R$ 408,4 milhões em ICMS e R$ 63,1 milhões em IPVA; R$ 592,1 milhões em 2017, R$ 540 milhões em ICMS e R$ 52 milhões em IPVA; e R$ 541,5 milhões em 2018, R$ 490,2 milhões em ICMS e R$ 51,3 milhões em IPVA, conforme Tabela 4.
RENÚNCIA DE RECEITAS | ||||||
TRIBUTO | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | QUADRIÊNIO 2015-2018 | VARIAÇÃO 2015/2018 |
ICMS | 421.224 | 408.484 | 540.051 | 490.247 | 1.860.005 | 16,39% |
IPVA | 29.038 | 63.167 | 52.080 | 51.325 | 195.609 | 76,76% |
TOTAL | 450.261 | 471.650 | 592.130 | 541.572 | 2.055.614 | 20,28% |
Var. (%) em relação ao ano anterior | 4,75% | 25,54% | -8,54% |
Em 2016, o valor renunciado apresentou um crescimento de 4,75% em relação ao ano de 2015. Em 2017, aumentou 25,54% em relação a 2016, e em 2018, apresentou uma redução de 8,54% em relação ao ano anterior. Não obstante o decréscimo apresentado em 2018, as renúncias de receitas no estado apresentaram um crescimento real de 20,28% acima da inflação medida pelo IGP-DI, no período realizado.
As renúncias de receitas com o ICMS e o IPVA foram responsáveis, respectivamente, por 90,48% e 9,52% do montante renunciado no Estado no período 2015-2018. E se comportaram de maneira diferente ao longo da série histórica, como pode ser visualizado no Gráfico 4.
A renúncia de receita de ICMS foi reduzida em 3,02% no biênio 2015-2016, depois cresceu 32,31% em 2017 para desacelerar em 2018 e obter um crescimento de -9,22% em relação ao ano anterior, atingindo o valor renunciado de R$ 490,2 milhões, conforme o gráfico 4. Já as renúncias de IPVA tiveram acréscimo de 118% no biênio 2015-2016, para em seguida decrescerem 17,55% em 2017 e 1,45% em 2018, atingindo o valor renunciado de R$ 51,3 milhões.
Portanto, no quadriênio analisado, o governo Wellington Dias, do Partido dos Trabalhadores, renunciou receitas no valor de R$ 2,05 bilhões, sendo R$ 1,8 bilhão de receitas de ICMS e R$ 195 milhões de receitas de IPVA. Houve um crescimento de 20,28% nas renúncias tributárias do Estado, puxado pelos incrementos de 16,39% na renúncia de ICMS e 76,76% na renúncia de IPVA, de acordo com a Tabela 4.
Diante do volume de receitas renunciadas pelo governo estadual, qual foi a relevância das renúncias tributárias para a formação do fundo público piauiense?
A análise da relevância das renúncias tributárias na formação do fundo público estadual passou pela análise de indicadores que mediram a representatividade das renúncias de receitas realizadas ao longo de 2015-2018, em relação às variáveis: receita bruta, receita líquida, receita corrente líquida (RCL), receita tributária e receita de impostos (ICMS e IPVA) e o PIB, conforme apresentado na Tabela 5.
INDICADORES | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | VARIAÇÃO (2015-2018) |
Renúncia de Receitas Realizada / Receita Bruta em %. | 4,24% | 3,61% | 4,16% | 3,79% | -10,67% |
Renúncia de Receitas Realizada / Receita líquida em %. | 5,35% | 4,46% | 5,17% | 4,75% | -11,26% |
Renúncia de Receitas Realizada / Receita Corrente Líquida (RCL) em %. | 6,46% | 5,70% | 6,30% | 5,74% | -11,02% |
Renúncia de Receitas Realizada / Receitas Tributárias Geral em %. | 10,94% | 10,24% | 10,68% | 9,03% | -17,49% |
Renúncia de Receitas Realizada / Receitas ICMS/IPVA em %. | 12,48% | 11,80% | 12,44% | 10,46% | -16,18% |
Renúncia de Receitas Realizada / Produto Interno Bruto (PIB) em %. | 1,09% | 1,04% | 1,11% | 0,98% | -9,55% |
O indicador renúncia de receita/receita bruta, que mede o percentual da receita bruta que não foi arrecadada pelo Estado atingiu 4,24% em 2015, 3,61% em 2016, 4,16% em 2017 e 3,79% em 2018. Entre 2015-2018, o governo do Estado reduziu em 10,67% o percentual da receita bruta que deixou de ser arrecadado, conforme os dados da Tabela 5.
O indicador renúncia de receita/receita líquida, que mede o percentual da receita líquida que não foi arrecadada pelo Estado atingiu 5,35%, em 2015, 4,46% em 2016, 5,17% em 2017 e 4,75% em 2018. Entre 2015-2018, o governo do Estado reduziu em 11,26% o percentual da receita líquida que deixou de ser arrecadado, consoante os dados da Tabela 5.
Quanto ao indicador renúncia de receita/receita corrente líquida4, que mede o percentual da receita corrente líquida que não foi arrecadada pelo Estado, atingiu 6,46%, em 2015, 5,70% em 2016, 6,30% em 2017 e 5,74% em 2018. Entre 2015-2018, o governo do Estado reduziu em 11,02% o percentual da receita corrente líquida que deixou de ser arrecadado, conforme os dados da Tabela 5.
Importante mencionar que a receita corrente líquida (RCL) é um dos principais balizadores das finanças públicas, considerado um parâmetro para diversos indicadores tais como “Reserva de Contingência; Antecipação da Receita Orçamentária (ARO); Garantias; Dívida Consolidada Líquida; Operações de Crédito; Despesa com Pessoal; Regime Especial Pagamento de Precatórios; Orçamento Impositivo” (PIAUÍ, 2019, p. 37). Já o indicador renúncia de receita/receita tributária, que mede o percentual da receita tributária geral que não foi arrecadada pelo Estado, atingiu 10,94% em 2015, 10,24% em 2016, 10,68% em 2017 e 9,03% em 2018. Entre 2015-2018, o governo do Estado diminuiu em 17,49% o percentual da receita tributária que deixou de ser arrecadado, de acordo com dados da Tabela 5. Contudo, no período, as renúncias comprometeram em média mais de um décimo da arrecadação das receitas tributárias estaduais.
O indicador renúncia de receita/receita de ICMS e IPVA, que mede o percentual da receita de impostos oriundos do ICMS e IPVA que não foi arrecadado pelo Estado atingiu 12,48% em 2015, 11,80% em 2016, 12,44% em 2017 e 10,46% em 2018. No quadriênio 2015-2018, o governo do Estado reduziu em 16,18% o percentual da receita de ICMS e IPVA que deixou de ser arrecadado, conforme os dados da Tabela 5.
Ocorre que as receitas tributárias ao serem reduzidas tornam o Estado mais dependente de receitas de transferências correntes, reduzindo sua autonomia de financiar as políticas públicas. Caso as transferências ou outras receitas não sejam suficientes para compensar as perdas nas receitas tributárias, o endividamento público é aumentado.
Aumento das renúncias de receitas e da dívida pública, por um lado, reduzem a capacidade dos governos arrecadarem recursos e, por outro lado, aumentam os gastos governamentais comprometendo a capacidade do fundo público de financiar os gastos públicos.
O indicador renúncia de receita/PIB, que mede o percentual da riqueza produzida que não foi apropriada pelo Estado através do sistema tributário, atingiu 1,09% em 2015, 1,04% em 2016, 1,11% em 2017 e 0,98% em 2018, uma variação negativa de 9,55% da razão receitas renunciadas e PIB. Portanto, o percentual da riqueza não apropriado pelo Estado na forma de tributos foi reduzido no período de análise.
Apesar da redução do peso das renúncias de receitas frente às variáveis apresentadas na Tabela 5, observa-se que o valor renunciado no Estado do Piauí é superior à despesa conjunta empenhada no período (2015-2018) da Secretaria da Assistência Social e Cidadania – SASC-PI (UG: 30010, 300102 e 300105), Secretaria da Cultura do Estado do Piauí – SECULT/PI (UG: 510101), Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico – SDE (UG: 20010, 200103, 200201 e 200203), Secretaria do Trabalho e Empreendedorismo – SETRE (UG: 480101), Secretaria Estadual para inclusão da pessoa com deficiência – SEID (UG: 380101), Fundação Universidade Estadual do Piauí – FUESPI (UG: 140201), Agência de Desenvolvimento Habitacional do Piauí – ADH (UG: 450202) e Hospital Getúlio Vargas – HGV (UG: 170117) (PIAUÍ, 2016b, 2017b, 2018, 2019). Trata-se, em grande parte, de unidades gestoras relacionadas ao Estado Social que por sua natureza objetivam “garantir direitos no âmbito das políticas públicas” (SALVADOR, 2020, p. 380).
Constata-se ainda na presente análise que os meios adotados pelo Estado do Piauí na divulgação dos dados referentes às renúncias de receitas e seus efeitos na formação do fundo público não permitem o controle social, tendo em vista não apresentar informações consolidadas e pormenorizadas das cessões efetivas de incentivos e benefícios fiscais que decorram dessas renúncias e os seus beneficiários, bem como dos métodos utilizados para sua mensuração, tampouco apresentam dados quanto à eficácia e efetividade na concessão e ampliação dessas renúncias tributárias.
Outrossim, o Estado não promove ações com vistas a ampliar a transparência sobre essa fonte indireta de financiamento de políticas públicas, em locais que permitam o amplo e fácil acesso. Em consulta realizada no portal da transparência do Estado do Piauí na aba “Renúncia Fiscal” não há qualquer informação publicada sobre as renúncias de receitas do estado.
Os dados levantados revelam a redução de recursos públicos, proporcionada pela política fiscal de renúncia de receitas adotada pelo governo do Estado do Piauí, que comprometeu a formação do fundo público e, por consequência, o financiamento das políticas públicas, em especial as sociais.
4 CONCLUSÃO
O Estado do Piauí tem utilizado as desonerações fiscais decorrentes da política tributária implementada, com vistas a atrair empresas, objetivando “a defesa do mercado interno de oferta de mercadorias, a ampliação da oferta de emprego e geração de renda”, conforme justificativas apresentadas em seus instrumentos de planejamento (PIAUÍ, 2014b, 2015b, 2016c, 2017c, s.p).
Contudo, este artigo demonstrou os efeitos produzidos pela política fiscal de renúncia de receitas sobre o fundo público piauiense, no terceiro governo de Wellington Dias, a partir da análise da execução orçamentária das receitas estaduais, e dos demonstrativos das renúncias fiscais, seu montante, destino e relevância no período de 2015 a 2018, permitindo constatar o comprometimento de parte dos recursos públicos com a iniciativa privada sem a devida avaliação da eficácia e efetividade da política adotada.
Em 2015-2018, a receita bruta total arrecadada foi de R$ 52,19 bilhões, destes, R$ 17,54 bilhões corresponde às receitas provenientes dos impostos ICMS e IPVA que juntos equivalem a 34% da fonte de recursos do fundo público do Estado.
Em contrapartida, a política de concessão de renúncia de receitas do governo estadual, incidente exclusivamente sobre o ICMS (90,48% das receitas renunciadas) e IPVA, acarretou em 04 anos (2015-2018) uma perda de 2,05 bilhões para o orçamento do estado, o que equivale a cinco vezes o que foi gasto com a Secretaria da Assistência Social e Cidadania do Piauí ou ao somatório da despesa conjunta das secretarias de estado SASC-PI, SETRE-PI, SEID-PI, SED-PI, SECULT-PI, Secretaria dos Transportes – SETRANS-PI e Secretaria da Infraestrutura – SEINFRA-PI.
A trajetória das renúncias de receitas no Estado é de crescimento até 2017 (31,51%), com decréscimo de 8,54% em 2018, resultando em uma variação positiva no período de 20,28% acima da inflação medida pelo IGP-DI, enquanto a arrecadação apresentou um crescimento de 34,65%.
As receitas tributárias renunciadas comprometeram em média 11,78% da arrecadação estadual oriunda do ICMS e IPVA, o que implica na redução acima de 10% da capacidade do fundo público de financiar diretamente as políticas públicas.
Os dados levantados da execução orçamentária e dos demonstrativos de renúncia de receitas concedidas pelo poder executivo estadual corroboram o encolhimento na captação de recursos públicos, proporcionado pela política fiscal adotada, e a apropriação dos recursos do fundo público para reprodução do capital em detrimento da expansão de investimento no financiamento das políticas sociais, apesar da redução do percentual das renúncias de receitas frente aos indicadores realizados.
E no contexto do novo regime fiscal (NRF), com a limitação obrigatória ao crescimento dos gastos sociais em contrapartida à liberação do pagamento de despesas financeiras com a dívida pública, os valores renunciados sem critérios mensuráveis contribuíram para colapsar os recursos já ínfimos destinados ao financiamento das políticas sociais do estado piauiense, que ocupa a 21ª posição em relação ao valor do PIB no cenário nacional, o que equivale apenas a 0,7% de participação no PIB do Brasil (BRASIL, 2021).
Portanto, diante de um cenário de capitalismo financeirizado e de permanente ajuste fiscal, conclui-se que os efeitos da renúncia fiscal no fundo público piauiense – 2015 a 2018, do ponto de vista do montante, deixaram de ser arrecadados mais de R$ 2 bilhões aos cofres públicos do estado, reduzindo a possibilidade de financiamento de forma autônoma das políticas públicas, em especial das políticas sociais do Estado do Piauí. E que na perspectiva do destino das renúncias de receitas, favoreceu a acumulação capitalista na forma de lucro ou da redução do ônus do patrimônio, o que foi demonstrado pelas renúncias dos tributos ICMS e IPVA.
Dessa forma, é primordial a transparência dos dados advindos da política de concessão de renúncia de receitas no Estado do Piauí, o seu montante renunciado e setores beneficiados, para que possam ser avaliados concomitantemente os efeitos desses benefícios fiscais sobre o fundo público, a eficácia e efetividade da estratégia escolhida pelo governo estadual no alcance dos resultados pretendidos bem como o acompanhamento e mensuração dos benefícios para a sociedade.
Diante do exposto, tornam-se necessários estudos complementares voltados ao levantamento dos efeitos da política fiscal de renúncia de receitas na destinação dos recursos do fundo público no cenário piauiense, informações públicas cruciais para um controle social efetivo de recursos basilares ao financiamento das políticas públicas.
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Notas