Resumo: Os sistemas previdenciários são distintos, variam de país para país de acordo com a política social adotada. Mas igualam-se no sentido de ser um recurso financeiro que será oferecido à população adulta quando estiverem sem condições de exercer a capacidade laboral. O Chile é considerado o pioneiro quando se trata da implantação de reformas estruturais de caráter neoliberal na previdência. O Brasil também vem instaurando reformas desse mesmo caráter na previdência. A partir dessa problemática, o presente estudo teve por objetivo analisar a aproximação entre as reformas instauradas entre o Brasil e o Chile e os impactos socioeconômicos que tendem a ser causados aos segurados. Para realizar o objetivo proposto, utiliza pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo. Verifica que Brasil e Chile possuem algumas similaridades como idosos tendo os seus direitos duramente conquistados sendo cerceados em cada Reforma e Ementa Constitucional aprovada pelo senado modificando a lógica do sistema de seguridade social em direção à sua financeirização.
Palavras-chave: Repartição, Capitalização, Financeirização da Previdência.
Abstract: Pension systems are different, they vary from country to country according to the social policy adopted. But they are equal in the sense of being a financial resource that will be offered to the adult population when they are unable to exercise their labor capacity. Chile is considered the pioneer when it comes to implementing structural reforms of a neoliberal character in social security. In Brazil, it has also been introducing reforms of the same character in social security. Based on this issue, this study aimed to analyze the approximation between the reforms introduced between Brazil and Chile and the socioeconomic impacts that tend to be caused to policyholders. To accomplish the proposed objective, a qualitative bibliographic research was used. It was found that Brazil and Chile have some similarities as elderly people having their rights hard won, being curtailed in each Constitutional Reform and Amendment approved by the Senate, modifying the logic of the social security system towards its financialization.
Keywords: Repartition, Capitalization, Financialization of Social Security.
Artigos - Temas livres
OS MODELOS CHILENO E BRASILEIRO DE PROTEÇÃO SOCIAL: conjuntura, rupturas e similaridades
Recepción: 21 Noviembre 2021
Aprobación: 20 Mayo 2022
A República do Chile pode-se dizer que foi pioneira em toda a América latina ao implantar reformas de caráter absolutamente neoliberal no que concerne aos sistemas de saúde e previdência social. A transição do modelo de partilha para o de capitalização individual tem se mostrado ineficiente, haja vista o percentual de contribuições estar condicionado ao setor profissional, tornando-se competência do Estado somente a fiscalização dos recursos e o ressarcimento em caso de falência.
Em discrepância ao regime chileno e de alguns países latino-americanos o Brasil, em processo de redemocratização por meio da promulgação da Constituição Federal de 1988, assumiu em um primeiro momento uma perspectiva mais abrangente que abarca a seguridade social. Araújo e Dilligenti (2019) ressaltam a diferenciação entre os conceitos de seguro social e de Seguridade Social. Com caráter universal, financiada pelos tributos, a Seguridade Social instituída no Brasil sob uma perspectiva de aproximação com as políticas de Welfare State restringe a seletividade do seguro social que, por sua vez, é custeado exclusivamente pelo segurado.
Pode-se dizer que nos anos 80 o Brasil foi marcado por significativas conquistas legais. Contudo, na gestão Collor, sucedida por Fernando Henrique Cardoso (FHC) e estendendo-se ao atual governo Jair Bolsonaro, o Brasil tem se firmado na instauração de políticas de inspiração neoliberal sempre à procura de ajustes estruturais através de Reformas e Emendas Constitucionais que têm contribuído à redução direta e indireta dos ganhos da classe trabalhadora com vistas a solucionar a crise fiscal.
Diante do exposto, definiu-se como objetivo analisar a aproximação entre as reformas instauradas entre o Brasil e o Chile e as consequências socioeconômicas que tendem a refletir sobre os segurados.
Sobre a metodologia aplicada, destaca-se que possui uma abordagem qualitativa; conforme explicam Kauark et al. (2010, p.26), esse tipo de estudo apresenta preocupação com a interpretação de fenômenos e a análise de dados não numéricos. O papel do pesquisador é realizar a análise de dados indutivamente, “o processo e seu significado são os focos principais de abordagem”. O procedimento técnico aqui adotado foi a pesquisa bibliográfica, conforme esclarece Gil (2008). Trata-se de uma análise crítica de materiais já publicados (livros, artigos etc) sobre determinado tema. Um procedimento bastante vantajoso, do ponto de vista do autor, pois possibilita que o pesquisador vislumbre diferentes pontos de vista de um mesmo tema.
Acrescenta-se que à metodologia adotou-se a revisão bibliográfica com o intuito de levantar informações acerca das reformas estruturais de caráter neoliberal instauradas no Chile, que têm inspirado reformas de cunho privatizante em outros países latino-americanos, junto ao resgate histórico que compreende o conceito de Seguridade e as peculiaridades que compreendem o percurso da previdência no Brasil abordando dados históricos e atuais. (Onde) Pretende-se discorrer acerca da tendenciosa possibilidade de vigorar no Brasil o Regime de capitalização individual sob várias perspectivas, com apontamentos e olhares de diversos estudiosos.
O presente estudo justifica-se nos seguintes pontos:
a) Contribuir para a construção de um arcabouço teórico relacionado às pesquisas que compreendem essa temática;
b) Oferecer à sociedade uma devolutiva em relação aos conhecimentos (re)construídos na academia e;
c) Do ponto de vista profissional, aprofundar os debates com vistas à construção de novos conhecimentos.
É evidente que no decorrer das reformas que se estabeleceram nos governos brasileiros observou-se não só o estímulo, mas a adesão ao neoliberalismo. Desde a década de 1990 as reformas previdenciárias são direcionadas a minimizar a intervenção do Estado na promoção de uma ampla articulação com o mercado. Dessa forma, vigora o constante movimento em destruir as bases da Seguridade e fortalecer de forma gradual, o Seguro Social no Brasil.
O Brasil tem por perfil os altos índices de informalidade laboral, desigualdades socioeconômicas e a ausência de políticas que estimulem o pleno emprego, o que tende a reforçar a inviabilidade acerca da implantação de um modelo de capitalização individual. A conjuntura atual, em vigor no país, requer a elaboração de políticas que visem o desenvolvimento econômico, geração de empregos e direitos trabalhistas, tendo em vista a atual projeção de disponibilidade da População em idade ativa (PEA) no país apta ao mercado de trabalho.
Destaca-se que a proteção social no Chile começou em 1924, e com leis relacionadas ao trabalho e à proteção do empregador, e isso proporcionou a organização de uma caixa de financiamento entre empregador, trabalhador e o Estado, o que depois resultaria no serviço de Seguro Social (OLIVEIRA et al., 2019).
Em 8 de setembro de 1924 foram aprovadas várias leis sociais que, posteriormente, concluíram com a publicação do Código de Trabalho em 1931. Foram essas leis: a Lei N. 4.053 (Contrato de Trabalho); Lei N. 4.056; Lei N. 4.057 (Lei dos sindicatos) e a Lei 4.054 (Lei do Seguro Social Obrigatório). A partir da Lei N. 4.053 passaram a ser regulamentados os contratos de trabalho sendo descrita as limitações e jornada de trabalho, em especial para mulheres e pessoas menores de idade. Também passou a ser criado o Departamento Geral do Trabalho. A Lei N. 4.056 estava direcionada à conciliação obrigatória, direito à greve diante de autorização do Estado. A Lei N. 4.057, descrita como a lei dos sindicatos, possibilitou a sindicalização obrigatória. A Lei 4.054, chamada de Lei do Seguro Social Obrigatório, proporcionando seguridade social. Sendo a primeira legislação no país a criar um regime de seguro social para trabalhadores industriais (LANZARA, 2012).
O Chile foi o primeiro país da América Latina a implantar reformas estruturais com natureza neoliberal. Vale destacar que o neoliberalismo consiste em poder particular presente dentro do sistema capitalista, cujo centro é restabelecer o poder e a renda das classes capitalistas após situações de retrocesso (DUMÉNIL, LÉVY, 2007; OLIVEIRA et al., 2019).
Em 1973, Augusto Pinochet assumiu o Chile e, como resultado, instaurou-se a ditadura militar com princípios de reduzir os gastos fiscais no âmbito da área social. No ano de 1980 foi criado o INP – Instituto de Normalização Previdenciária. Sua função foi rearranjar a organização do antigo sistema. Com essa mudança, a idade mínima para aposentadoria passou de 65 anos de idade para homens e 60 anos de idade para mulheres (OLIVEIRA et al., 2019; SOUZA, 2019; ESTEVES, GOMES, 2020).
Nitsch e Schwarzer (2009, p.14) explicam que em 1980, a partir do Decreto Lei 3.500, foi criado um novo sistema para aposentadoria e pensão com regime de capitalização “baseado na iniciativa privada, que deveria substituir, a longo prazo, os sistemas públicos de repartição simples”. Ressalta-se que esse último não foi instantaneamente desativado, porém foi sendo descontínuo de forma gradual: “[...] à medida que os seus beneficiários morriam e os seus segurados atuais transferiam-se para o sistema de capitalização, enquanto que os novos integrantes do mercado de trabalho filiavam-se obrigatoriamente ao sistema privado.
Nesse contexto, os autores seguem relatando que o Estado passou a deixar a economia como responsabilidade de setores privados e sua função destinou-se apenas a subsidiar na regulação e supervisionar bancos, empresas de resseguros.
O ditador Pinochet, dando início a suas reformas econômicas em 1981, adotou um novo regime de previdência social com origem na capitalização individual. Foram adotadas políticas anti-inflação com base na redução de gastos públicos (OLIVEIRA et al., 2019; SOUZA, 2019). Esteves e Gomes (2020, p. 2595) explicam: “Tal processo inédito e tão polêmico e impopular só foi possível devido a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), inspirado nas ideias de Milton Friedman (1912-2006), um dos maiores representantes do liberalismo econômico”.
Essa nova organização adotada por Pinochet consistiu em contas individuais, gerenciadas pelo próprio empregado, sem contribuição do empregador e gerenciadas por instituições privadas, as Administradora de Fundos de Pensão (AFPs). Dessa forma, cada trabalhador aposentado tem como aposentadoria o valor do rendimento de sua conta individual. Nesse sistema, é depositado pelos empregados o percentual mínimo no valor de 12,5% do valor de seus salários cujos valores são investidos no mercado financeiro por essas Administradoras, as APFs (OLIVEIRA et al., 2019; SOUZA, 2019).
Nitsch e Schwarzer (2009) relatam que em 1981 39% dos chilenos economicamente ativos migraram do sistema previdenciário público para o novo sistema previdenciário privado. Essa taxa de transferência foi rapidamente crescendo. Em 1993, cerca de 90% da população economicamente ativa encontrava-se nesse novo sistema.
Esteves e Gomes (2020, p. 2597) mencionam uma problemática relacionada à previdência que se iniciou em 1995, sobre a idade para aposentadoria que permanecia 65 anos para homens e 60 anos para mulheres, mas o tempo de serviço mínimo passou a ser de 20 anos para ambos os sexos. O Estado só contribuía em caso de extrema pobreza e não havia contribuição patronal. Em 1999 houve um grande número de filiados, 6,1 milhões, fator este que é atribuído à obrigatoriedade da participação, contudo “as contribuições dependiam da capacidade financeira dos filiados, que é determinada pelo baixo índice de contribuintes”.
De acordo com Oliveira et al. (2019) em 2008 foi criado o Sistema de Pensões Solidárias, uma reforma com a finalidade de reduzir os efeitos perversos da previdência privada e melhorar os três pilares que constituem o sistema chileno: o público solidário, o privado obrigatório e, em especial o pilar voluntário. Além disso, a reforma incluiu dois benefícios direcionados a famílias pobres, mas (que) não se mostrou eficaz:
O primeiro foi a Pensão Básica Solidária (Pensión Básica Solidaria), direcionada aos riscos relacionados à velhice e invalidez dos não contribuintes do sistema. O segundo foi a Contribuição Previdenciária Solidária (Aporte Previsional Solidário), substitutivo da Pensão Mínima, direcionado aos afiliados do sistema privado, com o objetivo de melhorar as aposentadorias e pensões por invalidez insuficientes para a sobrevivência. Entretanto, as mudanças produzidas pela reforma da reforma chilena não foram capazes de modificar a lógica e o desenho do sistema. (OLIVEIRA et al., 2019, p. 3)
Essas reformas geram graves consequências, pois grande parte dos aposentados têm uma aposentadoria com valor inferior a meio salário mínimo. O resultado é que muitos idosos trabalham até os últimos dias de vida, outros estão suicidando-se, sob a ressalva de que a taxa de suicídio entre idosos no Chile é elevada (ARAÚJO, DILLIGENTI, 2019). Oliveira et al. (2019) acrescentam que após a reforma de 2008 houve aumento de aposentados que recebiam algum auxílio, mas como o valor recebido não era suficiente para se manter; eles tiveram que voltar ao mercado de trabalho. Em 2009 8,5% dos idosos estavam trabalhando, já em 2017 esse valor aumentou para 14%. Além desses problemas, ressalta-se que em 2017 cerca de 22,1% de pessoas com 60 anos ou mais estavam em situação de pobreza extrema, resultante dessa reforma previdenciária que fora implantada.
Segundo Esteves e Gomes (2020, p. 2597), essas crises se agravam em 2017:
[...] por causa dos baixos valores pagos aos aposentados, menores que o valor do salário-mínimo local, em oposição aos elevados valores das categorias militares que tinham sido excluídos na reforma de Pinochet. O aumento na taxa de suicídios entre idosos tornou-se destaque mundial e causou uma forte crise política que repercutiu nas eleições presidenciais. Apesar do sistema de previdência do Chile ter sido considerado o 8º melhor do mundo na 10ª edição do estudo comparativo Melbourne Mercer World Pension Index 20188, a situação dos aposentados era extremamente diferente.
O caos está sendo maior ainda desde o início da pandemia da Covid-19, isso porque o Chile mostrou-se fracassado no combate ao coronavírus. Até o mês de junho de 2020 o país tinha perdido em média 2 milhões de trabalhos informais. Os chilenos estão submetidos a trabalhos precários e informais, sem proteção social, com contas atrasadas. Em 2019, alguns protestos foram realizados, sendo o do dia 18 de outubro considerado um grande marco devido esse manifesto. Em 10 de novembro o governo relatou que daria início a um processo político para uma nova constituição (VILLALÓN; YAMAMOTO 2021).
No Brasil, nos contextos atuais, a previdência social consiste em um tipo de poupança, estipulada ao cidadão com a finalidade de garantir sua futura aposentadoria após a perda de sua capacidade de trabalho (BERTUSSI, TEJADA, 2003). Segundo Batich (2004) a Segurança Social do país, responsável pela proteção de grande parte dos trabalhadores do mercado privado é administrada pelo setor público (Estado), mas seu surgimento se deu por iniciativa dos empregados. O autor explica que:
Nas primeiras décadas do século XX, empregados de uma mesma empresa, sem a participação do poder público, instituíam fundos de auxílio mútuo, nos quais também o empregador colaborava, de forma a garantirem meios de subsistência quando não fosse possível se manterem no trabalho por motivos de doença ou velhice. (BATICH, 2004, p.33)
Rozendo e Souza (2019) relatam que a aceitação do estado para um sistema de previdência pública foi vagarosa. A primeira ação do governo se deu em 1923, com a criação da Lei Eloy Chaves1, que outorgou estabilidade aos ferroviários em um contexto de desenvolvimento da economia no Brasil. Considerada por muitos o embrião do Regime Geral de previdência, estabeleceu-se nesse decreto a obrigação da criação de um Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs) pelas companhias ferroviárias com gestão autônoma, onde tornou-se obrigatória a contribuição do trabalhador e empregador. Com o passar dos anos o direito à aposentadoria estendeu-se a outras classes trabalhistas.
Vale destacar que, até então, poucas categorias de trabalhadores apresentavam uma “previdência”, como por exemplo, os trabalhadores da casa da moeda (1911) e os trabalhadores dos portos do Rio de Janeiro (1912).
Para Ferreira (2019), essa lei foi um marco significativo no que tange à regulamentação da previdência pública; foi a primeira política social direcionada aos trabalhadores com o reconhecimento do Estado. Contudo, a previdência financiada unicamente pela folha de salários entrou em crise nos anos 80, haja vista a classe trabalhadora contribuinte ser a mais impactada nos períodos de crise e recessão na economia.
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, estabeleceu-se o direito à aposentadoria a todos os cidadãos, tornando-se obrigação do Estado passar a integrar o Sistema de Seguridade social em conjunto às áreas de saúde e assistência social. Nesse sentido Gentil (2006, p. 77) destaca que:
O conceito de seguridade social evoluiu para a universalização dos direitos sociais, tornando-os um dever do Estado para com todos os cidadãos. Contrapondo-se ao antigo conceito de previdência enquanto seguro social, que alcança apenas os segurados contribuintes, na proporção de suas contribuições. A seguridade tem uma natureza pública e universal, enquanto o seguro é individual e seletivo, portanto, condicionado.
Nesse sentido, a integração da previdência pública junto à Seguridade social tornou o sistema menos vulnerável às oscilações na economia com vistas à proteção social. A partir desse novo contexto legislativo, esperava-se um resgate da dívida social, almejava-se uma equidade, uma forma de redução da desigualdade social (MARQUES et al, 2010). Bertussi e Tejada (2003) relatam que a Constituição de 1988 proporcionou a seguridade social “(...)na ordem jurídica nacional, atribuindo-lhe um orçamento específico, o da seguridade social, distinto do orçamento fiscal”.
Oliveira (2016) relata que na gestão Collor o Brasil observa a instalação de políticas neoliberais. Posteriormente, na gestão FHC, são aprofundados os preceitos neoliberais por meio da privatização das empresas estatais. Nesse seguimento, Bertussi e Tejada (2003) relatam que em 1995 teve início uma discussão sobre a reforma previdenciária. Em 15 de dezembro de 1998, a Emenda Constitucional de nº 20 estava pronta e junto com ela os retrocessos na seguridade social.
Por meio da EC 20/1998, objetivou-se a aproximação entre os Regimes Próprio e o Regime Geral de Previdência Social (RGPS e RPPS), sendo alterados o tempo de contribuição e o tardamento no acesso à aposentadoria para os trabalhadores junto à aprovação de um teto ao Regime Geral. Foi propalada a possibilidade de implantação da previdência complementar aos servidores públicos conforme diretrizes estabelecidas nos parágrafos 14 e 15 do artigo 40 da Reforma. As principais mudanças podem ser vistas nas Figuras 1 e 2.
Conforme descrito, torna-se evidente o início de um percurso neoliberal que abarca o sistema previdenciário a partir das reformas estipuladas pelo presidente da república Fernando Henrique Cardoso (FHC) por meio da EC 20/1998.
Ressalta-se ainda que, nessa proposta, as aposentadorias especiais foram praticamente eliminadas; somente os professores (com exceção dos que atuam em universidades) e pessoas de locais insalubres mantiveram seus direitos conforme o texto da Emenda nos parágrafos 4º e 5º do artigo 40. Em seguida, na gestão Lula é aprovada a Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, sendo instituído um novo teto aos servidores2 do Regime Geral junto à contribuição dos beneficiários do sistema, denominada (por) “taxação dos inativos”.
Nessa Ementa persiste a pretensão de aproximação entre os Regimes Próprio e Geral de previdência. Acreditava-se que haveria uma redução na desigualdade social, quando foi estipulado o valor máximo que um RPPS poderia atingir. A integralidade no cálculo da concessão de proventos dos beneficiários limitou-se ao novo teto ajustado ao Regime Geral, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite. De maneira adicional, o servidor tem a opção de adesão ao Regime complementar de previdência privada conforme estabelecido no novo texto constitucional no artigo 40 e seus incisos. Sob essa perspectiva, o governo apenas deu continuidade à política de restrição no papel do Estado na efetivação e continuidade dos direitos sociais. De forma resumida, essas alterações são visíveis na Figura 3.
No governo Dilma Rousseff (2011-2016), em seu primeiro ano de mandato, é sancionada a Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012. A sanção da presente lei possibilitou a implantação das Funspresp’s, que são os fundos de pensões do funcionalismo público Federal. Aprofundando o assunto, Lourenço, Lacaz e Goulart (2017) reiteram que todo trabalhador com ingresso no serviço público após 2012 obteve os benefícios do Regime Próprio fixado ao teto do INSS. Um convite ou imposição ao servidor de adesão à previdência complementar que, por sua vez, é condicionada ao período de custódia, ao valor aportado e no quanto é capitalizado nas contas individuais com base nas regras de cada plano. Nessa perspectiva, os autores reforçam:
Obrigar funcionários públicos a aderirem à previdência privada – dita complementar, adjetivo este usado para esvaziar o sentido mercadológico dado ao direito- é um excelente negócio para o sistema bancário, tendo em vista que, no caso dos trabalhadores públicos, considerando sua estabilidade, existiriam maiores garantias de pagamento das mensalidades (LOURENÇO; LACAZ; GOULART, 2017, p. 10).
Diante desse cenário, os autores analisam, nesse estímulo, já uma imposição da renda complementar como um pretexto para o fortalecimento da previdência privada. Ainda em consonância com os autores, Granemann (2015 apud LOURENÇO; LACAZ; GOULART,2017, p. 10) afirma que:
Em síntese, o que se pretende frisar é que a contrareforma da PS estatal (Regime Geral e Próprio) praticada pelo governo Lula, já no início do seu primeiro mandato, atende aos interesses do capital financeiro na busca de clientes para os fundos de investimentos. Sob a denominação de fundos de previdência privada aberta e fechada, cria-se no imaginário social a possibilidade de maiores ganhos e segurança, que o termo “fundos de investimentos” não subentende. Ou seja, a noção de risco que acompanha a operação passa para o campo aparentemente “neutro” da previdência privada.
De forma clara, verifica-se, na percepção dos autores, em verdade constatação, que os governos deram seguimento “à política de restrição do papel do Estado na efetivação dos direitos sociais”. (LOURENÇO; LACAZ; GOULART, 2017, p.10).
Outras mudanças foram referentes a medida provisória 664, que passou a ser a Lei no 13.135, que alterou a questão ligada ao auxílio doença e pensão por morte. Dentre essas mudanças, destaca-se que com essa nova legislação passou a ter um período de carência de contribuição. Já a medida provisória 665 deu origem à Lei 13.134, de junho de 2015, que modificou situações ligadas ao seguro-desemprego, abono salarial e o seguro-defeso (SILVA, 2017; ALCANTARA, 2018).
Em 2016, com o impeachment da presidenta, o governo é assumido pelo Vice -presidente Michel Temer com nova proposta de reforma previdenciária no país, denominada: Proposta de Emenda Constitucional (PEC), a PEC nº 287 de 2016. Essa nova reforma abrange tanto o RGPS quanto RPPS. Essa PEC teve como pano de fundo o discurso de que (vai) iria melhorar a previdência social do país. Outro discurso usado pelo governo, para justificar a aplicação da reforma, é que os brasileiros estão vivendo mais tempo. Os brasileiros se mostraram contra essa reforma. Mesmo que as pessoas estejam com mais longevidade, esse tempo de vida não é homogêneo em todo o país (SCHMIDT, 2017; SANTOS, 2017; SILVA et al. 2019).
Na opinião de Schmidt (2017), a PEC almeja apenas retardar a aposentadoria e, para isso, estipula duros requisitos. Essa PEC nº 287 ainda tramita no senado. Mas aumento de idade e de tempo de contribuição são a nova realidade do país. Silva (2018, p.131) acrescenta que essa emenda constitucional é a mais agressiva já vista na história da previdência brasileira, visto que: “Ainda que parcialmente modificada pelo seu relator, antes da submissão ao plenário da Câmara Federal, sua eventual aprovação ou de seu substitutivo trará prejuízos aos trabalhadores e aprofundará as desigualdades sociais no país, sob diversos ângulos”.
Martins e Campani (2019) explicam que as mudanças previstas pela PEC 287 elevam o tempo de contribuição do empregado, a idade mínima e reduz o valor dos benefícios, que são flexibilizados em alguns casos, de acordo com o número de segurados conforme observado no Figura 4 elaborado pelos autores.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 103, em 13 de novembro de 2019, no governo Jair Bolsonaro ficou definido aposentadoria para mulheres com 62 anos de idade e mais 15 anos de contribuição; já homens precisam de 65 anos de idade e 20 anos de contribuição, regra essa que servirá para trabalhadores da iniciativa privada e de municípios. Já a regra para professores passou a ser 52 anos de idade e 25 anos de contribuição para mulheres, 55 anos de idade para homens e 30 anos de contribuição para homens (INSS, 2019).
Chile e Brasil possuem alguns pontos em comum, ambos são países da América Latina, caminhando rumo ao retrocesso provocado pelas reformas previdenciárias de caráter neoliberal. Essas reformas vêm gerando várias problemáticas nesses países (ROSA, 2013; OLIVEIRA et al., 2019).
O Chile instaurou suas reformas previdenciárias em um governo de ditadura onde o estado passou a deixar a responsabilidade econômica pertinente à seguridade por conta dos setores privados. Nesse contexto, a contribuição para aposentadoria é exclusivamente do empregado, sem participação do Estado ou do empregador. Além disso, implantou-se o aumento da idade mínima para aposentadoria (65 anos de idade para homens e 60 anos de idade para mulheres). O tempo de serviço também foi ampliado, atualmente são 20 anos (BATICH, 2004; OLIVEIRA et al., 2019).
A cada governo são implantadas novas reformas previdenciárias que deixam cada vez mais distante o empregado de sua aposentadoria, onde a idade e o tempo de contribuição do trabalhador é postergado e, consequentemente, muitos trabalhadores podem não alcançar o período de receber os seus direitos.
Vale destacar que, inicialmente, o Seguro Social no Brasil era direito de poucos trabalhadores. O marco regulamentatório foi a constituição de 1988, que instituiu a Seguridade. Contudo, a partir das emendas na Constituição os direitos vêm sendo reduzidos (ESTEVES, GOMES, 2020; OLIVEIRA et al., 2019). Sobre a realidade da previdência brasileira, Giambiagi et al. (2004, p. 366) fazem o seguinte julgamento:
[...] o problema central é que o Brasil está muito longe de ter regras de aposentadoria que sejam consistentes com o equilíbrio do sistema previdenciário. Em que pese a circunstância de que a sucessão de reformas alimente em parte da opinião pública a idéia de que “os aposentados estão sempre sendo prejudicados”, o fato é que o país continua tendo regras muito benevolentes de aposentadoria. A rigor, em termos comparativos, as sucessivas reformas brasileiras foram muito tímidas vis-à-vis a intensidade das regras vigentes na maioria dos países.
Dados do INSS (2019) mostram a nova regra para aposentadoria para homens e mulheres, estipulada pela emenda constitucional nº 103 de 2019. Vale destacar que mesmo em meio aos retrocessos e ampliação de idade, o Brasil ainda possui uma distinção de idade para aposentadoria em algumas classes trabalhadoras. Por exemplo: professores, policiais e trabalhadores rurais. Realidade essa que não existe no Chile, ou seja, não há distinção de classes trabalhistas quando o assunto é previdência. Ainda nessa perspectiva, Ferrari (2019) reitera o fato de que o Brasil se encontra em meio a uma possível, já cogitada, nova reforma, inspirada no paradigma chileno, cujos resultados não se mostraram positivos com a implementação do Regime de capitalização individual.
Em estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), é apontado que 60% dos países que adotaram o sistema reverteram a política em razão dos altos custos administrativos, e o baixo valor das aposentadorias em razão da baixa capacidade do trabalhador de aporte em suas contas individuais, visto que a informalidade dominante resulta em um benefício menor, ocasionando uma queda significativa no índice de cobertura e no aumento da desigualdade de renda. (MARCHESAS, 2019).
Diante da conjuntura é válido ressaltar que na possibilidade de uma nova “nova previdência” ou Reforma no Sistema, a mesma deve estar pautada na consolidação de um regime que ofereça cobertura que atenda ao cidadão de forma efetiva na velhice ou incapacidade laboral, haja vista que as Reformas instauradas tanto no Chile quanto no Brasil não representem o enfrentamento do atual contexto de informalidade e ausência de políticas que reconheçam a capacidade de impulso ao desenvolvimento econômico, considerando a atual dinâmica demográfica e projeção da população economicamente ativa. Uma vez que, o percurso das Reformas que se estabeleceram, se resume não só à exclusão de trabalhadores dos direitos sociais duramente adquiridos, mas na contradição e extinção do caráter universalizante em face da tendência de privatização não sendo descartada a possibilidade de capitalização no Regime. Uma vez que a financeirização da previdência constitui um produto custoso para o padrão brasileiro de investimento.
Em suma, relata-se que o Chile e o Brasil caminham para uma situação onde poucos trabalhadores conseguirão aposentar-se, pois o primeiro encontra-se em situação caótica, porque poucos cidadãos conseguem sequer contribuir com a previdência; já o segundo, cada vez mais, cria reformas que elevam a idade mínima, o tempo de serviço, revoga a integralidade dos benefícios, induz servidores ao regime privado não sendo descartada a modificação do atual modelo de Repartição do Sistema com vistas à implantação do regime de capitalização individual cujos benefícios estão condicionados não somente aos aportes, mas à rentabilidade adquirida sob os mesmos. No Brasil, são dominantes os índices de informalidade. A imposição de uma política nesse caráter para o acesso à aposentadoria desconsidera a realidade do contexto vigente de uma população cuja maioria dos trabalhadores se encontram à margem das leis trabalhistas não tendo condições de contribuir de maneira ininterrupta com a previdência.