Resumo: A superação da crise dos tempos pós-modernos implica determinações sociais, ecológicas, culturais e geopolíticas como um todo, na luta contra o imperialismo global. Nesse contexto, a alternativa crítica e revolucionária considera o proletariado como sujeito emancipador consciente e, portanto, recusa tanto a regulação liberal conservadora, quanto a regulação historicista populista. Busca, enfim, atualizar a antecipação concreta comunista de um mundo melhor para os seres sociais e naturais.
Palavras-chave: Questões social e ecológica, consciência de classe, crise da pós-modernidade, partido proletário.
Abstract: Overcoming the crisis of postmodern times implies social, ecological, cultural and geopolitical determinations as a whole, in the struggle against global imperialism. In this context, the critical and revolutionary alternative considers the proletariat as a conscious emancipatory subject and, therefore, rejects both conservative liberal regulation and historicist populist regulation. Finally, it seeks to update the concrete communist anticipation of a better world for social and natural beings.
Keywords: Social and ecological questions, class consciousness, postmodernity crisis, proletarian party.
Conferências
A CONSCIÊNCIA DE CLASSE NA CRISE DOS TEMPOS PÓS-MODERNOS
CLASS CONSCIOUSNESS IN THE CRISIS OF POST MODERN TIMES
Recepción: 12 Febrero 2022
Aprobación: 14 Marzo 2022
Neste texto, contestam-se certas reificações pós-modernas vinculadas à grande ideologia burguesa dominante, que apregoa a inexistência de alternativa ao capitalismo, a despeito de seu caráter cada vez mais destrutivo da humanidade e da natureza. Considera-se que a resolução proletária da crise estrutural na escala mundial, passa por um processo de socialização democrático e racionalmente organizado para a satisfação de necessidades humanas, compatíveis com as possibilidades produtivas humanas, de maneira ecologicamente sustentável, sem subsunção à produção como um fim em si mesma. Considera-se, também, que o proletariado é o principal antagonista do imperialismo global, no contexto da guerra permanente e sem limites.[1]Quanto ao método, pretende-se romper com o isolamento abstrato entre a questão social e a questão ecológica, como também com a questão geopolítica, em tempos de pós-modernidade. Nessa situação historicamente determinada, em que vigoram as condições objetivas para a permanência da luta de classes, ambiciona-se analisar o processo de totalização concreta no qual a reprodução unitária do capital social total torna-se, também, luta no quadro dos capitais numerosos em grande crise estrutural, criando as condições objetivas para a radicalização das lutas subjetivas sejam intercapitalistas, sejam entre os capitalistas e os proletários(MARX,1976).
De acordo com a ideia geral de totalização concreta e contraditória entre a superestrutura (política, ideológica, estatal, cultural etc.)e a base (técnica e econômica), própria ao materialismo dialético e histórico (MARX, 1977),no qual tem referência este texto, considera-se decisiva a implicação do sujeito coletivo, isto é, a ação das “classes sociais, cuja práxis – e a partir daí a consciência e a afetividade – é orientada para a organização global da sociedade, para a estruturação de conjunto das relações inter-humanas e das relações entre os homens e a natureza.” (GOLDMANN, 1970, p. 330). Por isso, faz-se aqui uma crítica ao historicismo populista, que tenta revisar a categoria marxista de hegemonia (especialmente em Gramsci) para desconstruir as categorias marxianas de revolução, emancipação e classe social, na situação historicamente determinada da pós-modernidade (LACLAU, 2015, Prefácio, p. 5 et seq.).
Enfim, neste texto, procura-se sublinhar a relação dialética entre a integração sistêmica real e a ruptura proletária possível, como também entre a espontaneidade e a organização, – e, portanto, entre a consciência de classe e a organização do proletariado –, na situação de crise dos tempos pós-modernos, em que urge superar a exploração econômica, a dominação política e a humilhação social do homem pelo homem, como um todo, através de uma autêntica experiência de socialismo, não como um fim em si mesmo, mas como transição voltada para a utopia concreta comunista (BLOCH, 1981). Visa-se, em suma, compreender e transformar o processo histórico da experimentação que se faz atualmente com o mundo social e natural, marcado por amplas e profundas agressões do imperialismo global, inclusive a uma produção cultural criativa e autônoma.
Ao abordar o ser social e histórico como gênese, desenvolvimento e superação, conforme a antecipação concreta comunista, Ernst Bloch (1991, Tomo I, p. 190) se engajou na grande ideologia proletária, para combater “uma das características mais importantes” da grande ideologia burguesa: “a harmonização prematura das contradições sociais. ”Nesse sentido, em meio às regulações estatizantes e autoritárias de uma grande crise mundial, em 1942, o fundador da Teoria Crítica, Max Horkheimer (1978, p. 352)sublinhou a discordância entre a principal tarefa histórica do proletariado e a reificação que mais importa à classe capitalista, a saber: “enquanto o proletariado não fizesse sua própria revolução, não lhe seria deixado, nem para ele, nem para seus teóricos, outra escolha além daquela de seguir o Espírito do mundo no caminho que este Espírito escolheu de uma vez por todas.” Na geopolítica da Guerra-Fria, as organizações da classe proletária foram marcadas pela dominação das grandes ideologias do socialismo democrático e do socialismo real, ambas voltadas tanto para a garantia da “coexistência pacífica” entre os blocos ocidental e oriental, quanto da “emulação” entre o socialismo e o capitalismo (BORDIGA, 1958, p. 1). Uma
[…] afirma um programa de colaboração social e política, concebe relações pacíficas entre as classes, encerra a defesa dos interesses operários no quadro da constituição, rejeita por princípio o emprego da violência e da ditadura do proletariado, lhes substituindo por uma gradual evolução da economia privada para o socialismo [… A outra] pretende não rejeitar por princípio os métodos da insurreição, da ditadura, do terrorismo. Mas, ao mesmo tempo, sustenta que convém adotar, nos países capitalistas, não somente métodos de ação, mas também reivindicações e postulados de propaganda que podem ser compartilhados por classes proprietárias e não proletárias, assim como a possibilidade da coexistência pacífica de classes sociais com interesses opostos no quadro das instituições; da democracia eletiva e parlamentar; do bem-estar do povo e da nação; do futuro e do destino da pátria... (Ibidem).
Uma vez derrotadas e descartadas as alternativas totalitárias centrais (fascismo e nazismo),prevaleceu uma manipulação imperialista ocidental tanto de uma regulação positivista do capitalismo (estatizante e socializante), no domínio da luta entre as classes fundamentais, buscando a integração socialdemocrática e a neutralização da ruptura proletária, quanto de uma regulação positivista da primazia do capital-função (industrial e comercial) sobre o capital-propriedade (bancário e financeiro), no domínio da luta intercapitalista, prometendo controlar as forças do mercado (o liberalismo, o privatismo, o rentismo, a especulação financeira etc.)através de três modalidades de planejamento, a saber:o econômico (keynesiano),o administrativo (taylorista)e o político (fordista). Durante os trinta anos dourados dos países centrais (de 1945 a 1975), entretanto, houve certa alternância com a implementação de políticas públicas concebidas por intelectuais comprometidos com a burguesia, vulgarizadores e apologistas da moeda e do poder do capital (hayekismo, friedmanismo), do mesmo modo que as gestões privatistas e autoritárias nunca deixaram de ser praticadas nos países centrais. Por sua vez, os países periféricos foram mantidos sob a dependência socioeconômica e a dominação neocolonial do capitalismo imperialista, sobretudo através da política da canhoneira. Tudo isso não implica um processo sem subjetividade emancipatória, através de uma socialização capitalista capaz de eliminar a luta e a consciência de classe dos proletários, que, ao contrário, conquistaram ativamente muitos direitos sociais, no centro; e, na periferia, venceram muitas guerras de liberação nacional. Em detrimento de uma abordagem dialética, em favor de uma suposta antinomia, formulada como integração sistêmica (reformista) ou ruptura proletária (revolucionária), nenhuma forma de Estado capitalista, nem tampouco o complexo militar industrial, configurariam um deus ex machina, impondo de forma absoluta e imediata a alternativa que interessa ao capitalismo imperialista. De fato, a geopolítica da Guerra-Fria favoreceu, nos países avançados industrialmente, o compromisso da direção política e sindical proletária com o reformismo do estatismo providencial. Entretanto, no estádio supremo do capitalismo tardio (MANDEL, 1982; 1991; 1992), em que vigora a primazia do mercado livre e eterno, posto que a tarefa revolucionária proletária não fora cumprida (no socialismo real ou estatal) e diante do impasse do reformismo socialdemocrático (na sociedade do trabalho ou salarial), a política socioeconômica neoliberal foi instaurada com mão visível por Henry Kissinger e com mão de ferro, primeiro pelo ditador chileno Augusto Pinochet, depois pela primeira-ministra inglesa conservadora Margaret Thatcher (no suposto fim da história ou da luta de classes), de modo que a TINA (There Is No Alternative) tornou-se a melhor expressão da manipulação burguesa, há mais de quatro décadas, nos tempos pós-modernos, marcados pela reestruturação e pela globalização neoliberais do capitalismo. No auge da Guerra-Fria, os intelectuais articulados com as classes sociais que buscaram encontrar soluções dentro do status quo, todos vieram a aceitar e, até mesmo, a colaborar com um capitalismo imperialista autoritário, na escala global. Para sua implementação consciente, tanto fora desencadeada a política externa de aproximação entre a China e os Estados Unidos da América, em 1971, quanto surgira a Comissão Trilateral, em 1973, constituída pela elite política e econômica dos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão, que passou a orientar uma aliança burguesa em torno do poder das multinacionais, das finanças e das políticas neoliberais. Nesse momento, a consciência da classe burguesa se colocou na mesma vaga da grande transformação social e histórica neoliberal, para alcançar a era suprema da globalização capitalista, sob o “Consenso de Washington”. Na filosofia política da nova era, “o pós-moderno” foi “explicado às crianças”, pretensiosamente, por Jean-François Lyotard (1988, p. 23 etseq.); por sua vez, Gianni Vattimo (1995, p. XIX) proclamou “o fim da modernidade” e contextualizou “a cultura pós-moderna”, em que “a verdade” tornar-se-ia “uma experiência estética e retórica”.[2]Ontem e hoje, contra as experiências políticas autoritárias de manipulação, marcadas por mentiras modernas ou fakenews pós-modernas, caso se aplicasse uma pedagogia acessível a todos, a começar pelas crianças, “se se mostrasse à escola o que é a demagogia por oposição com um discurso que vise a verdade, os estudantes poderiam estar imunizados contra a sedução demagógica” (HORKHEIMER, 1978, p. 367). Para uma verdadeira alternativa, a defesa do processo de emancipação proletária também se determina pela negação consciente das experiências demagógicas, sejam em práticas políticas distintas (stalinismo, keynesianismo e hayekismo), sejam em práticas políticas ecléticas ou mescladas (neofascismo ultraliberal, nacional-populismo e social-liberalismo).A partir dos anos 1980,tanto a decadência do socialismo real, quanto o sucesso da resolução conservadora da crise da economia mista providencial, impulsionaram a atualização pós-moderna ou neoliberal da velha alternativa “reformista integrada à sociedade capitalista”, em que “as organizações políticas e sindicais da classe operária só colocam em palavras e, de maneira alguma, em sua ação real o problema da superação do capitalismo.” (GOLDMANN, 1970, p. 348). Ao mesmo tempo em que o programa de grande transformação trabalhista, socialdemocrata ou socialista se converte, regressivamente, em social-liberalismo, isto é, em variante do neoliberalismo.
Uma vez consumada a dupla derrota da primavera dos oprimidos de 1968, tanto para a brutalidade da repressão desencadeada pelos aparelhos estatais, quanto para a sutileza da manipulação democrática formal realizada pelos capitalistas, – implicando uma regressão nos processos de democratização e socialização, sob a modalidade neoliberal, combinada com uma falta de totalização da luta e da consciência de classe do proletariado como sujeito coletivo revolucionário[3]–, um populista neo-gramsciano se engajou na problemática pós-moderna nos seguintes termos: “talvez seja a impossibilidade de continuar a relacionar a um centro transcendental as expressões concretas e finitas de uma subjetividade multiforme que torna possível de se concentrar, desde então, sobre o próprio fato da multiplicidade.” (LACLAU, 2015, p.71).[4] Em geral, o novo historicismo populista decorre da retomadapelos intelectuais pós-modernos do velho pensamento idealista antinômico, ao mesmo tempo em que se opõem à atualização da emancipação do proletariado conforme o materialismo dialético e histórico[5], tido por enterrado, junto com a social-democracia (keynesianismo) e o socialismo real (stalinismo), pelo neoliberalismo (hayekismo). A crítica feita aqui ao historicismo populista, próprio ao reformismo neo-gramsciano de Laclau e Mouffe (2009), decorre naturalmente tanto da hipótese de que acontece nos tempos pós-modernos uma grande transformação social e histórica, sobretudo com a globalização e a reestruturação do capital, quanto da implicação ampla e profunda da luta de classes na resolução da crise dos tempos pós-modernos, marcada por uma forte intromissão estatal em favor do grande capital como um todo e, especialmente, do chamado setor de finanças, seguros e imobiliário. A “via intelectual” historicista de negação da emancipação como universalidade de Laclau (2015, p. 72-73), que se contrapõe à tese da luta de classes como motor da história, sublinha “a multiplicação das identidades novas –e não tão novas assim – como corolário do abatimento dos espaços a partir dos quais falavam os sujeitos universais...”Em vez de engajamento na “guerra das identidades”, conforme a utopia abstrata da emancipação no plural (Ibidem), na situação concreta da guerra de classes do imperialismo global, o referencial teórico e metodológico marxista aqui adotado sublinha tanto a potencialidade da luta e da consciência de classe do proletariado, quanto a possibilidade de transformar por sua ação o ser social e suas relações com os seres orgânicos e inorgânicos, para superar a anarquia e o despotismo do sistema industrial burguês, de modo a barrar a destruição capitalista da humanidade e da natureza, na escala mundial. Em termos gramscianos, trata-se da futura sociedade regulada, e não da regulação da sociedade atual (FARIAS, 2000).Com efeito, a situação concreta de grande crise do capitalismo explicita tanto o fracasso patente da integração sistêmica capitalista, quanto a urgência da ruptura anti-sistêmica proletária, em que a consciência de classe tem uma importância decisiva para uma práxis consciente, seja no fazer, seja no agir do proletariado, pois, como sublinhou Lenine (1975, vol. 1, p. 459), “a emancipação dos operários só pode ser obra dos próprios operários; sem a consciência e a organização das massas, sem a preparação e a educação destas pela luta de classe declarada contra a burguesia por inteiro, então, a questão não seria de revolução socialista.” Com efeito, a emancipação da classe proletária da exploração econômica, da dominação política e da humilhação social inerentes ao capitalismo só pode ser alcançada por iniciativa dos próprios oprimidos (no sentido amplo), conscientes de que a utopia concreta do comunismo só pode ser realizada por meio do processo socialista de abolição da sociedade de classes e, portanto, pela superação do capital e pela extinção do Estado como uma totalidade historicamente determinada. Em defesa da autêntica emancipação do proletariado para além do capitalismo imperialista, é pertinente rechaçar também as ideologias fatalistas e conformistas, que ignoram a realidade, a potencialidade e a possibilidade da luta classista atual, a saber: seja entre os diversos segmentos da classe capitalista, seja entre as classes fundamentais, cujo antagonismo foi acirrado, a partir de 2008, pela regulação neoliberal da grande crise dos tempos pós-modernos.
Certo historicismo populista acha que “reler a teoria marxista à luz dos problemas contemporâneos implica necessariamente desconstruir as categorias centrais desta teoria.” (LACLAU; MOUFFE, 2009, p. 20). Porém, para o avanço da consciência de classe do proletariado no contexto da pós-modernidade, – marcada pela reificação neoliberal de ausência de alternativa ao capitalismo sob o pretexto do fim da história –, em consonância com o materialismo dialético e histórico, importa que as questões atinentes à sociedade e à natureza sejam tratadas em bloco, como totalidade concreta, complexa e contraditória, a partir da crítica da economia política, sem a qual não se chega a uma posição crítica e revolucionária diante do ser social e do ser natural. Na trilha da crítica de Gramsci (2001, v. II, p. 1220) ao historicismo pequeno-burguês, que tem pavor “de cada intervenção ativa da grande massa popular como fator de progresso histórico”,
[...] é preciso desconfiar da resistência unicamente passiva, a reivindicação do “mal menor”, porque isso conduz raramente a um amadurecimento e à vitória; mas, mais ou menos rapidamente, a um projeto de contrarrevolução passiva na classe burguesa, que, para acabar com seus próprios medos, chega a vontades de ofensivas, a atos de contrarrevolução ativa, de “restauração nacional”, à destruição dos direitos conquistados por lutas e liberdades individuais (COURS-SALIES, 2019, p. 26).
Portanto, a luta contra o caráter destrutivo do capitalismo deve ser, simultaneamente (no tempo e espaço), voltada tanto para o modo segundo o qual ele diminui socialmente, domina politicamente e explora economicamente o proletariado, quanto para modo segundo o qual ele diminui ecologicamente, domina tecnicamente e explora materialmente a natureza (orgânica e inorgânica). Isto exige a superação dialética da abstração real do valor de uso (riqueza material), sob a primazia do valor (riqueza social), que é inerente à produção capitalista como um fim em si, cuja raiz fundamental se encontra no duplo caráter contraditório do trabalho envolvido na produção de mercadorias (MARX, 1976). Na produção mercantil desenvolvida, “a produção capitalista, portanto, só desenvolve a técnica e a combinação do processo social de produção, exaurindo as fontes originais de toda riqueza: a terra e o trabalhador.” (Ibidem, L. I, p. 361).Na abordagem específica do ser social, no quadro de unidade e luta entre base e superestrutura, que atribui primazia ontológica ao modo de produção capitalista, a totalidade é central, enquanto a contradição é fundamental (LUKÁCS, 1976, posfácio, p. 383 et seq.). Para os populistas neogramscianos, ao contrário, “os problemas de uma sociedade globalizada e informatizada são impensáveis no interior dos dois paradigmas ontológicos que governam o campo da discursividade marxista: primeiramente hegeliano, em seguida naturalista.” (LACLAU; MOUFFE, 2009, p. 22). Eles tomam motivação e impulso revisionista no combate a moinhos de vento, na sua filosofia política contra um pensamento marxiano fictício, imaginário, ou melhor, falsificado. Com efeito, eles chamam de governo paradigmático aquilo que foi uma herança de aspectos metodológicos, no que diz respeito ao “fundo racional”, na dialética dos seres sociais e naturais, que foi “desmistificado” por Marx (1972b, p. 83), por um lado, e, por outro, foi criticado por ele no sentido de que, em Hegel, “a sociedade burguesa figura sob o nome de reino animal intelectual, enquanto em Darwin é o reino animal que faz figura de sociedade burguesa.” (Ibid., p. 119). Em compensação,
Darwin chamou a atenção para a história da tecnologia natural, isto é, para a formação dos órgãos das plantas e dos animais considerados como meios de produção para sua vida. A história dos órgãos produtivos do homem social, base material de toda organização social, não seria ela digna de semelhantes pesquisas? E não seria mais fácil conduzir esta tarefa para uma conclusão bem-sucedida, posto que, como diz Vico, a história do homem se distingue da história da natureza nisso que nós fizemos aquela e não esta? A tecnologia desnuda o modo de ação do homem relativamente à natureza, o processo de produção da sua vida material e, consequentemente, a origem das relações sociais e das ideias ou concepções intelectuais que decorrem delas. A história da religião ela própria, caso se faça abstração dessa base material, é desprovida de critério. É, com efeito, bem mais fácil encontrar pela análise o conteúdo, o núcleo terrestre das concepções nubladas das religiões, do que fazer ver por uma via inversa como as condições reais da vida assumem pouco a pouco uma forma etérea (MARX, 1976, L. I, nota 4, p. 631-632).
Além de recusar o método científico materialista e dialético de abordagem do ser social e histórico como um todo, o paradigma historicista do casal neogramsciano “é fundado sobre o privilégio atribuído ao momento da articulação política, e a categoria central da análise política”, para este casal, “é a hegemonia.” (LACLAU; MOUFFE, 2009, p. 22). Os historicistas populistas chegam tortuosamente, em última instância, ao seguinte diagnóstico, no início do século XXI:
A desafetação para com o processo democrático atinge proporções inquietantes, e o cinismo para com a classe política está tão difundido que ele mina a confiança elementar que têm os cidadãos no sistema parlamentar […] Em certos países, está situação é inteligentemente explorada por demagogos populistas de direita, e o sucesso de pessoas como Haider e Berlusconi está aí para atestar que tais discursos podem encontrar uma audiência muito significativa. Contanto que a esquerda renuncie à luta hegemônica e continue a querer ocupar o terreno do centro, existe pouca esperança de que tal situação possa ser revertida. (Ibid., p. 35).
Trata-se, então, de questões atuais atinentes à práxis e, portanto, à sociologia e à ecologia, abordadas por uma grande ideologia com duas vertentes distintas, a saber: uma marxista (crítica e revolucionária), outra populista neogramsciana (crítica e reformista), enquanto alternativas às soluções ultraliberais e neofascistas da crise dos tempos pós-modernos. No processo de democratização, em termos de avanço da hegemonia proletária conforme sua consciência de classe para si, a eficácia da vitória contra o ultraliberalismo e o neofascismo depende da superação do dilema entre democracia socialista e democracia burguesa, cuja escolha decisiva fora encontrada há mais de um século pelo marxismo radical, a saber:
[...] a tarefa histórica do proletariado quando ele toma o poder é de substituir a democracia burguesa pela democracia socialista e não de suprimir toda democracia. A democracia socialista não começa somente em Terra Prometida, quando a infraestrutura da economia socialista é criada, isto não é um presente de Natal preparado para o povo gentil, que muito bem quis, enquanto isso, apoiar fielmente um punhado de ditadores socialistas. A democracia socialista começa com a destruição da hegemonia de classe e a construção do socialismo (LUXEMBURG, 1978, tomo II, p. 88).
Em ligação orgânica com o proletariado, “os dirigentes dos partidos revolucionários” têm um relevante papel, especialmente no oceano turvo e tempestuoso de uma grande crise capitalista, a saber:
É preciso que suas palavras de ordem sempre estejam à frente da iniciativa revolucionária das massas, lhes servindo de farol, lhes mostrando em toda sua grandeza e em toda sua beleza nosso ideal democrático e socialista; lhes indicando a trilha mais curta e mais direta para uma vitória completa, absoluta e decisiva (LENINE, 1975, v. 1, p. 527).
Na contemporaneidade, infelizmente, a falta de iniciativa contra a ordem opressiva (no sentido amplo) e o compromisso social-liberal dos dirigentes políticos abrem uma avenida para ofensivas de massa neofascistas e ultraliberais.Sobre o caso francês, Pierre Cours-Salies (2019, p. 392) diz que“os Coletes Amarelos oferecem uma ocasião de polarizar em torno de objetivos, de exigências imediatas e de práticas que colocam em pé uma alternativa”às políticas públicas de governos autoritários.De modo similar ao que ocorreu nas jornadas brasileiras de junho de 2013, para além das manipulações e recuperações fascistóides, os Coletes Amarelos exprimiram – na sua especificidade temporal e espacial, na luta contra a governamentalidade[6] neoliberal do capitalismo global em crise – latência e possibilidade de um processo de democratização seja revolucionário proletário, seja reformista popular. Para a primeira vertente, que sublinha o caráter classista,
O movimento dos Coletes Amarelos é seguramente compósito, dividido entre tendências divergentes, repleto de possíveis contrários. Sua plataforma reivindicativa inicial era pobre e seu horizonte político limitado [...] Mas, seu potencial de luta era e resta enorme, como já o mostraram o enriquecimento da primeira e a ampliação da segunda. A missão das organizações sindicais e políticas anticapitalistas reside, precisamente, em intervir no seu seio e ao seu lado para amplificar, acelerar este duplo processo e orientar o movimento num sentido globalmente favorável aos interesses de classe dos seus membros (BIHR, 2018, p. 47).
Conforme a segunda vertente, esse evento tem por eixo a solidariedade, a justiça social e a democracia, os “Coletes Amarelos” são uma expressão política da “subjetividade hegemônica”[7], na “era do povo”, de modo que, progressivamente,
O movimento popular se constrói, se instrui e se fortalece por ele mesmo e na opinião pública. Enquanto isso, as fortalezas do Estado, ao abrigo das quais o poder pensa que tudo é possível, se fissuram de todos os lados. O processo político-social em curso revela uma novidade radical em todos os aspectos de seu desenrolar concreto. Ele é, portanto, suficientemente amplo e imprevisível, posto que sem precedente. Mas, nem por isso mesmo deixa de conter um programa assumidamente dégagiste [fora todos os opressores], que traz no seu bojo uma dinâmica de revolução cidadã (MÉLENCHON, 2019, p. 1).
Alianças políticas táticas podem ser construídas, pois ambas as vertentes contribuem para a crítica e a superação das políticas neoliberais implementadas desde fins dos anos 1970 – cuja ideologia dominante decretou o fim da história e reificou o mercado livre e eterno. Porém, as respectivas visões do mundo implicam estratégias de luta distintas, seja precisa, essencial e concreta de emancipação proletária, seja vaga, superficial e pseudo-concreta de emancipação popular.[8]Para Lukács (2001, p. 48), importa considerar dois aspectos decisivos:
Em primeiro lugar: Marx admitia que um país poderia estar objetivamente maduro para a revolução, e a consciência do proletariado estar, entretanto, para trás da evolução econômica objetiva […] Em segundo lugar: a tarefa da Internacional, do partido proletário internacional, consiste em intervir ativamente nesse processo de desenvolvimento que leva a consciência de classe proletária de seu nível real para seu nível objetivamente possível.
Enquanto totalização dialética do real e do possível, a ação política da classe proletária se desenvolve “como uma tentativa consciente de intervir na vida social para nela introduzir certas transformações” (GOLDMANN, 1984, p. 33), que implicam antecipações concretas de um mundo melhor, negando o estado de coisas presente no capitalismo, em que a mediação do socialismo se torna transição para o comunismo. Entretanto, a vertente populista neogramsciana busca, em última instância, a hegemonia política dentro da ordem, até mesmo quando
[...] o político que se contenta em querer obter o sucesso eleitoral ou em conservar um lugar dirigente pode limitar-se a um conhecimento intuitivo ou científico da consciência real do grupo, qualquer tentativa para transformar a estrutura deste último coloca o problema do grau de solidez dessa consciência real e dos limites em que ela pode ser modificada, antes que a própria estrutura atual do grupo tenha sido transformada de maneira radical (Ibid.).
Ao contrário da vertente historicista populista, na autêntica vertente marxista, a universalidade da luta de classes reside no antagonismo econômico e não na particularidade do antagonismo político, situados na base e na superestrutura, respectivamente. Mas, ambas as vertentes são compatíveis com “um novo movimento social ecológico popular”, que “busca a unidade de ação”, com “reivindicações sociais, fiscais, ecológicas e democráticas”, mas sendo também “consciente de que deve combater um sistema global, considera que é preciso sair do capitalismo.” (Apelo da 2ª Assembleia das assembleias dos Coletes Amarelos, Saint-Nazaire, 7/4/2019)[9]. Para tanto, seria pertinente adotar a estratégia política radical que, inicialmente, supera o falso dilema “reforma social ou revolução?” (LUXEMBURG, 1972), pois não se opõe à reforma social, nem se torna reformista, por ser, também, revolucionária; nenhuma reforma capitalista lhe seria suficiente a ponto de abandonar a antecipação concreta de um mundo melhor, em última instância, superando a opressão de classes; em seguida, “distingue a evolução das estruturas de sua revolução, de sua derrubada”, na ótica dialética da gênese, do desenvolvimento e da superação; finalmente, recusa a tese revisionista de “adaptação do capitalismo” (enquanto eternização conformista), pois é falsa a “sua capacidade de resolver suas contradições fundamentais”; porém, “para sobreviver, o capitalismo se adapta constantemente aos progressos da técnica e às flutuações da luta de classes mas, fazendo isso, ele não resolve nenhuma de suas contradições fundamentais e até mesmo suscita novas contradições.” (LUXEMBURG, 1971, Prefácio de Ernest Mandel, p. XXI). Aliás, “existem situações históricas nas quais as reformas e, sobretudo, as promessas de reformas, têm exclusivamente por finalidade acalmar a efervescência do povo e obrigar a classe revolucionária a cessar ou pelo menos a enfraquecer sua ação.” (LENINE, 1975, vol. 1, p. 776). Isto vale para as experiências trabalhistas sociais-liberais do tipo “terceira via” (GIDDENS, 1998),[10]também realizadas em países subimperialistas na periferia (como nos governos lulistas, no Brasil) e no centro (como nos governos socialistas, na França).
No momento recente da luta de classes, um movimento do tipo dos Coletes Amarelos poderia se inserir na configuração pós-moderna e neoliberal exigindo reformas contra a intensificação da totalização dialética entre Estado e capital na escala global, isto é, contra a tendência imperialista global à redução da autonomia relativa do primeiro elemento diante do segundo elemento.[11] Porém, quanto à necessidade de uma ação revolucionária do proletariado, conforme sua consciência de classe objetivamente possível, resta válida a tese da Rosa Vermelha contra o revisionismo reformista, isto é, nos marcos do processo de socialização capitalista:
As relações de produção da sociedade capitalista aproximam-se cada vez mais das relações de produção da sociedade socialista. Mas, em compensação, as relações políticas e jurídicas erguem entre a sociedade capitalista e a socialista um muro cada vez mais alto. As reformas sociais e a democracia não derrubarão esse muro, mas ao contrário, o fortalecem e consolidam. O que poderá́ derrubá-lo é apenas a martelada da revolução, isto é, a conquista do poder político pelo proletariado. (LUXEMBURG, 1972, p. 41).
Além de negar este caráter de classe fundamental do processo de totalização dos capitais industriais (na produção e na circulação, no país e no mundo), o pressuposto hipotético da abordagem historicista populista dos capitais numerosos também é falso: ele consiste em isolar o perverso capital financeiro dos capitais comercial e industrial, quando as três formas constituem uma mesma totalidade que se exprime por um silogismo (universal, particular, singular). Conforme a visão regulacionista dos historicistas populistas, a opressão de classe não é exercida pelos capitalistas que personificam a produção pela produção, como um fim em si mesma, essencialmente, despótica e destrutiva da humanidade e da natureza, mas por certos capitalistas que personificam o capital propriedade e provocam tanto a exuberância financeira, quanto a desigualdade de renda. Assim,
[...] o que se percebe no nível macroeconômico como uma mudança na distribuição da riqueza produzida entre capital e trabalho é baseada tanto no relativo, se não absoluto, declínio nos salários e no aumento dos dividendos, quanto nos mecanismos públicos de "transferência inversa", serviços dos juros sobre a dívida pública e reduções de impostos sobre o capital e a fortuna. O processo é cumulativo. Quanto mais forte o capital se torna no campo das finanças, mais ele pode aumentar sua agressividade nas empresas, contra os trabalhadores e seus sindicatos (CHESNAIS, 2018, p. 16).
Importa perceber que a grande defasagem entre a taxa de crescimento dos direitos de tiragem sobre o lucro bruto e a taxa de expansão do mesmo, que se mostra superficialmente como financeirização (para os capitalistas) e o empobrecimento (para os proletários) decorrem, essencialmente, da especificidade da situação concreta da produção como um fim em si mesma, na escala global, mediada pelo modo estatal global, no quadro do imperialismo global, em que “tudo é permitido [aos opressores], mas nada é possível [aos oprimidos]”(CLOUSCARD, 2008, p. 184).Assim,
[...] à permissividade da abundância, do crescimento, dos novos modelos de consumo, sucede a proibição da crise, da penúria, do empobrecimento absoluto. Estes dois componentes históricos fusionam nas cabeças, nos espíritos, criando assim as condições subjetivas do neofascismo (ibidem).
Portanto, à política socioeconômica ultraliberal, que impulsiona uma totalização de capitais numerosos causadora dos fenômenos de exuberância financeira e desigualdade de renda, corresponde a filosofia política repressiva, bárbara, autoritária, neomalthusiana e genocida do neofascismo atual. Trata-se de um produto do capitalismo imperialista em tempos pós-modernos de reestruturação e globalização. Em 1942, Horkheimer (1978, p. 337) já fizera a constatação seguinte:
[...] cuidar para que entre as camadas dominadas tenham diferenças econômicas, sejam entre operários comuns e operários qualificados, ou entre os sexos, ou entre as raças, cuidar para que o isolamento dos indivíduos seja praticado sistematicamente com a ajuda de todos os meios de comunicação: jornal, cinema, rádio, eis o que é da competência do catecismo da arte de governar de maneira autoritária.
Em oposição ao neofascismo dos tempos pós-modernos, os regulacionistas neogramscianos repetem a estratégia de eutanásia do rentista e distributiva de renda (pós-keynesiana), em que a soberania e a hegemonia populares penetram nas instituições para promover o bem-estar social, por um lado, e, por outro se rendem à prática transformista (pós-gramsciana), em que a social-democracia, através da realpolitik que lhe é inerente, torna-se, in fine, uma nova regulação ou “acomodação” estatal-industrial (GALBRAITH, 1982, p. 37), educada (pela da ordem liberal) e insubmissa (em favor do progresso social e natural) conforme a revolução keynesiana (liberal-burguesa). Sob as formas administrativa(taylorista), econômica(keynesiana) e política(fordista), o planejamento indicativo, enquanto resposta liberal-burguesa à grande crise dos anos 1930, tanto implicou uma modificação no imperialismo e, portanto, na guerra entre superpotências, quanto viabilizou um neocapitalismo industrial, relativamente capacitado para escapar de um rápido colapso no caos e na anarquia, numa configuração de capitalismo dito organizado ou regulado pelo intervencionismo estatal e contratual. Portanto, o dilema da sociedade mundial, a saber: “ou manutenção do capitalismo, com novas guerras e um rápido colapso no caos e na anarquia, ou abolição do capitalismo” (LUXEMBURG, 1969, p. 226), formulado nas circunstâncias da 1ª Grande Guerra Mundial, era pertinente, só que apenas quanto à antecipação da barbárie da 2ª Grande Guerra Mundial, mas não sobre a resiliência e a persistência do capitalismo, especialmente depois de 1945, no período da economia mista, com seus trinta anos dourados (MANDEL, 1982; MATTICK, 1975), após a conclusão violenta da passagem do capitalismo liberal em crise para o capitalismo fordista, dito organizado e regulado. Além de buscar especificamente a regulação da exuberância financeira, “o apogeu da social-democracia coincidiu com a aceitação universal dos métodos keynesianos de regulação do capitalismo, em ligação com um sistema de Estado-providência, no seio do qual o Estado nacional assumia um papel decisivo na redistribuição das rendas.” (LACLAU, 2015, prefácio, p. 6). Evidentemente, trata-se de uma política socioeconômica marcada pelo reformismo e obnubilada pelo pseudo-concreto dos capitais numerosos, bem adequada à realpolik de união popular.
Vale para as grandes transformações do capitalismo imperialista a constatação geral de que “a humanidade não foi traída pelas tentativas intempestivas dos revolucionários, mas, precisamente, pela sabedoria oportunista dos realistas.” (HORKHEIMER, 1978, p. 431). Em 1942, este teórico crítico, ainda radical e, portanto, livre do princípio da realpolitik de “ser pessimista teórico e otimista prático” (ibid., p. 369), percebera que “o capitalismo de Estado é o Estado autoritário do tempo presente” (Ibid., p. 330) uma tendência cada vez mais realizada na escala global, novamente impulsionada pelas tentativas atuais de regulação neoliberal da grande crise estrutural dos tempos pós-modernos, desde 2008.
No final dos anos 1970, veio a resolução conservadora da grande crise da economia mista (taylorismo, keynesianismo e fordismo). Ao longo de quarenta anos de globalização neoliberal, prevaleceu a ideologia dominante do mercado livre e eterno. No momento da sua recente crise estrutural aguda, a partir de 2008, as abordagens estatistas, ecologistas e subconsumistas do modo de produção capitalista se refugiam atrás de uma barricada de especulações teóricas sobre a solução da crise global, referenciadas em grandes ideologias formuladas tanto à direita (PIKETTY, 2013), enquanto questão de equilíbrio macroeconômico, quanto à esquerda (TOMBAZOS, 2020), como questão de reprodução do capital social total ou como questão de financeirização (CHESNAIS, 2016) e capitalismo gerencial (DUMÉNIL; LÉVY, 2018). O positivismo dessas agregações quer de valores de troca, quer de valores, impedem essas abordagens antinômicas de perceberem a crise do capital no quadro de um processo de totalização historicamente determinado, em que se estabelece um mesmo contexto de alienação e reificação entre os capitalistas e os proletários, como classes com interesses contraditórios. Por exemplo, na análise da grande crise dos anos 1930, feita por Mandel (1976, p. 54), “esta crise não consolidou, mas pelo contrário enfraqueceu a ordem social, e aumentou assim as condições subjetivas que tornavam possível a existência de uma estratégia apontada para a tomada do poder pela classe operária.” Na crítica da economia política, Marx (1976; 1977) percebeu este processo, em que produção, acumulação, reprodução e crise do capital formam uma totalidade concreta, complexa e contraditória. As três razões da crise do capital como um todo que passa pelos momentos da produção e da circulação, se exprimem na queda da rentabilidade (causa imediata), no aumento da financeirização (causa mais profunda) e na persistência do subconsumo das massas (causa última). Para a superação do pseudo-concreto e das reificações numéricas, em torno da busca da lucratividade, da exuberância financeira e da desigualdade de rendimentos, importa considerar as categorias essenciais da luta econômica de classes, nos sentidos horizontal e vertical (ver Quadros 1 e 2, abaixo), para além das medidas contratuais e estatais favoráveis a uma taxa de exploração relativamente superior à composição orgânica do capital, que logo evidenciam antagonismos classistas. Para Mandel (1976, p. 55),
[...] quando o movimento operário reconhece a amplitude da crise estrutural e declara explicitamente que tem a intenção de resolver esta crise exclusivamente pelos seus próprios métodos, e assim define a luta pelo poder como um objetivo imediato, poderá ganhar as camadas médias e os outros sectores hesitantes da população, sectores que o status quo, incluindo a estrita defesa das organizações operárias, não atrai.
Mas, sem considerar o ser social do proletariado como um todo, a posição específica que ele ocupa no processo de totalização dos capitais numerosos não lhe estabelece todas as condições de ruptura consciente com o trabalho alienado, com a reificação e com a ideologia dominante no capitalismo. Até em situação revolucionária,
[...] haverá sempre camadas proletárias que assistirão passivamente à luta emancipatória de sua própria classe e que, no limite, aderirão ao campo inimigo, de um lado; e, de outro lado, a atitude do próprio proletariado, sua firmeza e seu grau de consciência de classe não são de maneira alguma o produto fatal resultante da situação econômica (LUKÁCS, 1972, p. 42).
A experiência do século XX evidenciou a possibilidade de superar as grandes crises estruturais através de regulações estatais e contratuais liberais, favorecendo uma grande transformação social e histórica, assim como uma reestruturação capitalista na escala mundial, capazes de assegurar o crescimento do capitalismo industrial. Porém, em última instância, o desenvolvimento absoluto das forças produtivas resta antagônico com as relações relativas do capitalismo industrial, o que evidencia cada vez mais o seu caráter destrutivo do homem e da natureza. Além disso, hoje, a garantia da rentabilidade aos capitais numerosos envolvidos na produção pela produção, como um fim em si mesma, na escala global depende de mediações contratuais internacionais e do modo estatal global (FARIAS, 2015; 2013a) atinentes à busca de elevação da taxa de exploração diante do aumento da composição orgânica do capital (determinada pela substituição de homens por máquinas), num contexto de mutações cognitivas e patrimoniais favoráveis à concentração e centralização do grande capital industrial, comercial e financeiro, assim como de desenvolvimento imperialista desigual e combinado.[12]A expansão de atividades e rendas dos gestores capitalistas industriais e estatais, acentuando a exuberância financeira e a desigualdade de renda, não se desvincula da produção pela produção, como causa essencial da luta econômica de classe na era atual.
Quando essas mediações[13] não impedem a queda da taxa média de lucro, o fenômeno torna-se a causa imediata da crise global, que implica tanto a desvalorização da riqueza social capitalista industrial (falências generalizadas e luta de classe intercapitalista), quanto o aumento da superpopulação relativa (desemprego massivo e luta entre as classes fundamentais). Recentemente, por exemplo, “a economia capitalista gera esses tremores e nenhuma vacina pode controlar as convulsões desatadas pela ambição de lucro. Mas a miséria, o desemprego e os sofrimentos populares que provocam esses terremotos ficaram agora diluídos pelo terror que a pandemia [Covid-19] suscita.” (KATZ, 2020, p. 1).
A crítica da economia política do jovem Marx (1972a) tanto questionou o pensamento proudhoniano por sua miséria e seu socialismo conservador (pequeno-burguês), quanto repudiou a obra Filosofia da miséria por sua incapacidade de totalizar dialética e historicamente as determinações compreensivas e transformadoras, essenciais e aparentes, objetivas e subjetivas, os efeitos e as causas da miséria que assola o proletariado. Além disso, o jovem Marx
[...] reprovava o representante ideológico da pequena-burguesia de querer distinguir o que é bom e o que é ruim no capitalismo, sem ser capaz de compreender que os lados bom e ruim são simplesmente dois aspectos de uma mesma funcionalidade e de uma estruturação global comum, que não podem se separar nem existir um independentemente do outro (GOLDMANN, 1973, p. 127).
De acordo com a crítica da economia política do velho Marx (1976; 1977), a razão mais profunda da crise do capital reside no fato de que a produção pela produção, como um fim em si mesma, totaliza na escala global atividades industriais, comerciais e financeiras contraditórias, cujas mediações estatais e contratuais (guerra fiscal, endividamento, socialização dos prejuízos, normalização social, científica e tecnológica etc.) não impedem nem a violenta disputa intercapitalista pela distribuição do lucro bruto (diante de um capital fictício exuberante), nem o antagonismo irreconciliável de classes decorrente do desenvolvimento desigual dos capitais e da anarquia despótica da produção capitalista industrial, que se manifesta na cupidez do capital propriedade, na ganância dos especuladores e na exorbitante dívida pública, favorecidos pela desregulação estatal e contratual. Para além de produzir uma riqueza material destrutiva da natureza e que só atende implícita e insuficientemente as necessidades do proletariado, qualquer que seja a manifestação fenomênica das leis da produção pela produção em termos de exuberância financeira e de desigualdade de rendimentos, e por mais que possam ser manipuladas por um ou outro segmento da classe capitalista, e até mesmo da classe proletária (aristocracia operária), em nenhuma circunstância podem ser usadas em favor de toda a classe proletária, alcançando a sua integração sistêmica ao capitalismo. A análise da produção pela produção como um todo evidencia que “não é o mercado que controla as pessoas e determina as relações sociais prevalecentes, mas sim o fato de que um grupo separado na sociedade possui ou controla os meios de produção e os instrumentos de repressão.” (MATTICK, 1947, p. 1). Para a infelicidade dos reformistas pequeno-burgueses, não há mediação estatal capaz de separar o joio do trigo, isto é, o capital função do capital propriedade, nem tampouco o Estado do capital, porque ambas as categorias estão envolvidas no mesmo processo de totalização.
Atualmente, a financeirização enquanto primazia dos interesses privados sobre os interesses públicos, do capital passivo sobre o capital ativo criou uma “nova bolha” que “se concentra nos passivos das grandes empresas (dívida corporativa) e nas obrigações de muitos estados (dívida soberana). Além disso, há sérias suspeitas sobre a saúde dos fundos de investimento, que aumentaram sua preponderância na compra e venda de títulos.” (KATZ, 2020, p. 1). Este economista argentino deixou de considerar que a crise global do enriquecimento social (produção de valores) tem primazia ontológica sobre a crise global do enriquecimento material (produção de valores de uso), que ambos os aspectos da crise global fazem parte de um mesmo todo, cujos elementos foram separados por força da abstração. O processo de produção do capital como um todo, por estar voltado primordialmente para a obtenção do lucro bruto (riqueza social), faz abstração do valor de uso, numa operação marcada pelo consumismo, pelo armamentismo, pelo descaso com os serviços públicos, com a ecologia etc., sem se importar com o consumo das massas trabalhadoras, nem com as modalidades concretas de atendimento das necessidades humanas (riqueza material), que prejudicam os seres naturais orgânicos e inorgânicos na escala global. Ainda que com suas especificidades naturais, temporais e espaciais, a crise estrutural global resulta da mesma racionalidade oportunista e lucrativa, que contribui para os desastres ecológicos como os de Mariana e Brumadinho ou acidentes industriais como os da vaca louca e o nuclear de Fukushima, como também as pandemias como a SARS, a Gripe Suína, H1N1, o MERS, o Ebola, o Zika, a Dengue e a Covid-19. Hoje,
[...] as terríveis consequências da crise para a economia latino-americana estão à vista. O colapso dos preços das matérias-primas é complementado por massivas saídas de capital e grandes desvalorizações da moeda no Brasil, no Chile e no México. O colapso que sofre a Argentina começa a se transformar em um espelho de sofrimentos para toda a região. É evidente que o coronavírus golpeará os mais pobres e produzirá tragédias inimagináveis, se chegar aos países com sistemas de saúde inexistentes, deteriorados ou demolidos. Pela elevada contagiosidade da pandemia e seu forte impacto sobre as pessoas mais velhas, a estrutura hospitalar já se encontra em crise nas economias avançadas (KATZ, 2020, p. 1).
A razão última da crise ecológica e sanitária está combinada com a razão última da crise do capitalismo global, a saber: a contradição entre o desenvolvimento absoluto das forças produtivas e a configuração relativa do modo de produção capitalista, em que o complexo militar-industrial pós-moderno (neoliberal e globalizado) determina, por exemplo, que a guerra permanente e sem limites tenha primazia sobre o combate aos vírus, à cura do câncer, ao aquecimento global etc. Efetivamente, o processo de globalização capitalista do lucro bruto faz abstração das implicações ecológicas e sanitárias inerentes à utilização das forças produtivas sob o império do mercado mundializado (privatização, desregulação, liberalização etc.). Há uma evidente antinomia entre a gestão capitalista da crise estrutural global e a gestão capitalista da crise sistêmica dos serviços públicos (saúde, transporte, educação etc.) na era da mundialização pós-moderna e neoliberal. Assim, a pandemia da Covid-19 desnuda que as deslocalizações produtivas das multinacionais farmacêuticas determinadas pela lucratividade na escala global são incompatíveis com o fornecimento de teste, material e equipamento de primeira necessidade demandado pelos serviços nacionais de saúde pública. É fácil constatar, então, que
[...] a crise econômica mundial se aprofunda a um ritmo tão vertiginoso como a pandemia. Já́ ficou para trás a redução da taxa de crescimento e a freada brusca do aparato produtivo chinês. Agora se derrubou o preço do petróleo, colapsaram as Bolsas e se instalou o pânico no mundo financeiro (KATZ, 2020, p. 1).
Enfim, o imperialismo global (FARIAS, 2015;2013a, b) implementa restrições à mobilidade e reificações como a guerra ao vírus – que serve de bode expiatório, na naturalização de soluções estatistas autoritárias para a crise do capitalismo global. Em contraposição, a democratização socialista é uma experiência que implica planejamento ecológico e “a exigência de uma autogestão das empresas industriais e das instituições sociais que permitiria antes de tudo uma democratização das responsabilidades [...]” (GOLDMANN, 2014, Prefácio, p. 14), como um meio eficaz de enfrentar o caráter destrutivo do homem e da natureza, inerente à evolução atual do capitalismo.
Uma simples análise crítica admite a possibilidade de que “a melhoria efetiva dos métodos de produção não tenha somente acentuado os riscos de repressão, mas tenha também melhorado as chances de sua supressão.” (HORKHEIMER, 1978, p. 341).Neste intuito, o gênero de trabalho taylorista “não pode ser transfigurado, é preciso suprimi-lo.” (WEIL, 1951, p. 375).A emancipação do trabalho alienado envolve dialeticamente, no mesmo todo, a possibilidade de cada um(na produção)e a necessidade a cada um (na circulação),a saber: “todos os problemas da técnica e da economia devem ser formulados em função de uma concepção da melhor condição possível do trabalho”, em que tem primazia a norma segundo a qual “toda a sociedade deve ser constituída, antes de tudo, de tal maneira que o trabalho não puxe para baixo aqueles que o executam”; mas, “não basta querer evitar-lhes sofrimentos”, que são inerentes ao trabalho alienado, falta ainda “querer a felicidade deles”, através do atendimento concreto de suas necessidades humanas; enfim, “se a vocação do homem é de atingir a felicidade pura através do sofrimento, eles estão melhor colocados do que todos os outros para realizá-la da maneira mais real possível.” (ibidem). Para além da experimentação proletária de sua ViaCrucis – o trabalho alienado –, existe a tarefa histórica de se livrar dela própria, no processo de democratização socialista. Aliás,
[...] a vitória do fascismo exprime a incapacidade do movimento operário em resolver de acordo com os seus próprios interesses e objetivos a crise estrutural do capitalismo decadente. De fato, tal crise oferece sempre de início ao movimento operário uma possibilidade de se impor; só quando este não aproveitar tal possibilidade porque mal-conduzido, dividido e desmoralizado, o conflito pode levar ao triunfo do fascismo (MANDEL,1976, p. 36).
Nos anos 1950, após a queda do fascismo e a transfiguração do taylorismo pelo advento do fordismo, marcado por produção e consumo de massa, Pierre Naville (2016) assumiu uma posição dialética, sobre as tendências contraditórias do automatismo social, em vez de assumir o progresso social como o outro polo antinômico do progresso técnico e material. Os automatismos da produção poderiam contribuir para a redução do trabalho alienado. Com efeito, desde o período histórico do capitalismo imperialista desencadeado com a grande crise dos anos 1930, torna-se patente que, “sem revolução socialista”, como sublinha Trotsky (1938, p. 2), “toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, isto é, antes de mais nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária.” Com efeito, através da análise concreta da luta econômica (vertical e horizontal), foi desvendada a realidade das relações capitalistas como um todo concreto, que envolve essência e aparência, núcleo interno e casca superficial, em favor do interesse do proletariado, ao explicitar a possibilidade de que este sujeito coletivo se torne emancipado, para além classe em si coisificada e objetivamente integrada ao capitalismo, enquanto classe para si humanizada e subjetivamente em ruptura com o capitalismo.
Como disse Lenine (1975, vol. 3, p. 401), “é somente quando « os de baixo »não querem mais e que os de cima não podem mais continuar a viver da antiga maneira, é somente então que a revolução pode triunfar.” Portanto, à lei fundamental da produção pela produção, como um fim em si mesma, que implica tanto a luta de classe intercapitalista, quanto a luta de classe fundamental entre capitalistas e proletários, corresponde “a lei fundamental da revolução”, a saber: “para que a revolução ocorra, não basta que as massas exploradas e oprimidas tomem consciência da impossibilidade de viver como antes e reclamem mudanças. Para que a revolução ocorra, é preciso que os exploradores não possam mais viver e governar como antes.” (Ibidem). No quadro dos capitais numerosos, a posição ocupada no sistema produtivo industrial pelo proletariado possibilita uma consciência autêntica sobre a realidade do capital na sua totalidade concreta, embora não signifique que o proletariado tenha efetivamente, ao mesmo tempo, consciência real e o máximo de consciência possível, ou melhor, “que tenha chegado à conclusão de que, ao tomar o poder político e ao exercê-lo para suprimir os fundamentos da alienação humana e que suprimindo esta, ele se dissolve ele próprio como classe.” (JAKUBOWSKY, 1971, p. 186). Este processo emancipatório não se configura no quadro de um país isolado, a luta e a consciência de classe do proletariado têm um porte e uma natureza internacional. Por um lado, “o comunismo não é”, para Marx e Engels (1976, p. 33, nota 1), “nem um estado que deve ser criado, nem um ideal sobre o qual a realidade deverá se regular. Chamamos comunismo o movimento real que abole o estado atual.” Por outro lado, na antecipação concreta comunista, em que “as condições desse movimento resultam da pressuposição que existe atualmente”, o ser revolucionário que incarna a consciência real e a consciência possível, “o proletariado só pode, então, existir na escala da história universal, do mesmo modo que o comunismo, que é a ação dela, não pode se encontrar de outra maneira a não ser como existência« histórica universal ».” (Ibidem).
Foram descartadas as utopias políticas (abstratas) e as filantropias sociais (ineficazes) reformistas, para adotar a estratégia socialista a adequada à antecipação concreta comunista, porque a práxis consciente pressupõe que “a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver” (MARX, 1977, Prefácio, p. 3).Na crítica ao pluralismo pós-moderno, próprio ao historicismo populista de Laclau e Mouffe (2009), foi evidenciado que a emancipação proletária implica uma totalização concreta, que se exprime pelo silogismo da luta de classe contra a exploração econômica, a dominação política e a humilhação social. Mas, acreditar que o proletariado isolado adquira espontaneamente, sem organização, a emancipação do capitalismo, significa fechar conscientemente os olhos ao real e ao possível.
Atualmente, o mito do mercado livre e eterno, que traz no seu bojo a falácia de ausência de alternativa ao capitalismo, foi desmascarado, muito embora a sua política classista burguesa seja mantida através de manipulação e autoritarismo, por um lado; e, por outro lado, nada indica que a classe burguesa assuma espontaneamente uma atitude reformista pacífica generalizada, capaz de adotar uma espécie de socialismo conservador, combinado com o estatismo liberal-keynesiano, na busca de uma conciliação de interesses dos cidadãos ou de um novo pacto social, mesmo que superficial, sob o pretexto de salvação providencial da natureza, do capital e do trabalho. Sem superação da sociedade capitalista como um todo, que se exprime naquele silogismo da luta emancipatória, não se vence o imperialismo, que pode assumir novas configurações capitalistas e estatais mais ou menos favoráveis aos proletários. Lutar contra o imperialismo é prosseguir o combate fundamental contra o capital e o seu Estado, cujo processo de totalização assume uma escala cada vez mais globalizada (FARIAS, 2018; 2015; 2013a, b). Evidentemente, todos os movimentos de protesto contra o imperialismo, o seu militarismo, o seu colonialismo e os seus crimes, assim como qualquer tipo de ação (econômica, política e social) com vista a enfraquecê-lo, temporal e espacialmente, contribuem para superar o capitalismo. Sobre o neokeynesianismo do imperialismo estadunidense, aliás, a implementação efetiva das políticas públicas formuladas pelo governo democrata de Joe Biden “passará por uma queda de braço com as classes dominantes”, por um lado, e, por outro lado, “é permitido duvidar de sua capacidade ou de sua vontade de impor « compromissos » que lhes fossem muito desfavoráveis. Mas, também, despertou aspirações talvez mais duradouras do que suas promessas.” (HUSSON, 2021, p. 1).[14]
Na superação da crise global conforme o interesse dos capitalistas, para seus apologistas, trata-se sempre de negar a possibilidade de um mundo melhor conforme a antecipação comunista, “quando uma compreensão global da sociedade implica a ideia de superação e de transformação. Do mesmo modo que a burguesia deve igualmente negar a luta das classes, quando a compreensão da sociedade global a desvenda.” (GOLDMANN, 1973, p. 129).De acordo com “a posição da filosofia da práxis”, engajada na superação da crise global conforme o interesse do proletariado, os seus intelectuais orgânicos(GRAMSCI, 2001, vol. II, p.1384 et seq.), por sua vez, devem fazer a crítica e propor a superação das políticas públicas do capitalismo globalizado, no seu momento pós-moderno, esboçado(desde os anos 1970)na periferia (Chile) e no centro (Inglaterra, EUA), em experiências mais ortodoxas, mas que depois assumiram configurações menos ortodoxas, em regimes sociais-liberais. Neste caso, não se deve esperar de quem defende a socialização dentro da ordem capitalista como um fim em si, e, portanto, renegando a utopia concreta do comunismo, uma defesa radical da democracia contra o fascismo, pois resta atual “o fato de que a socialdemocracia jamais opôs uma resistência séria a uma reação fascista para defender a democracia com meios revolucionários.” (LUKÁCS, 1972, p. 92).
Em sua funcionalidade contrária à consciência de classe do proletariado, tanto a reificação da minimização do Estado, quanto a reificação da maximização do Estado para a manutenção, respectivamente, do mercado autor regulável ou do mercado regulado, são expressões da grande ideologia burguesa, no seu interesse de desenvolver a exploração, a dominação e a humilhação do homem pelo homem sob esta ou aquela forma de capitalismo imperialista, mantendo o seu complexo militar-industrial. Em particular, a crítica do neoliberalismo exige a distinção rigorosa entre as categorias governamental idade e governo, por um lado, e, por outro lado, entre essas formas fenomênicas e o Estado propriamente dito[15] (em níveis nacional e internacional), como totalidade estruturada cuja essência implica as contrarreformas estatais e constitucionais (guerra ao terrorismo, redução de serviços coletivos, direitos sociais e democracia),bem como o desempenho do papel estatal de premissa e mediação da configuração pós-moderna do capitalismo globalizado. Em seguida, cabe recusar a alternativa historicista populista, que implementa a regulação estatal e contratual dessa questão social e o seu isolamento abstrato seja relativo da luta de classes, seja absoluto de todo o resto, que inclui questões ecológicas (climáticas, sanitárias etc.) e geopolíticas (imperialismo global, guerra híbrida, lawfareetc.).Enfim, na antecipação concreta de um mundo melhor comunista, para além do capitalismo pós-moderno, importa superar o mito neopositivista de um processo de mundialização reformado com uma nova socialização capitalista (comum a insensata reafirmação do produtivismo e do consumismo de massas, assim como uma repetição das políticas públicas de bem-estar providencial etc.), que faz abstração da questão de sua articulação efetiva ao complexo militar industrial, ao desenvolvimento da burocratização(privada e pública; política e sindical; profissional e corporativa) e ao contexto temporal e espacial do capitalismo imperialista globalizado. Como esta configuração recoloca dilemas sociais e naturais em termos de futuro da humanidade frente à barbárie planetária, vem à lembrança da crítica feita por um grande cientista pelos “dez anos fatídicos” depois da grande crise de 1929, que desembocaram em genocídios nazifascistas, carnificinas e bombardeios de civis, durante a 2ª Grande Guerra Mundial:
[…] no fim das contas, o homem muda muito pouco, ainda que as noções dominantes o façam aparecer sob uma luz muito diversa em diferentes momentos, e ainda que tendências como as que estão hoje [1939] em curso lhe tragam um sofrimento inimaginável. De tudo isso, não restará nada além de umas poucas páginas deploráveis nos livros de história, que retratarão sucintamente para a juventude de gerações futuras os desatinos de seus ancestrais (EINSTEIN, 2017, p. 17).
A propósito da situação histórica da grande crise iniciada em 1929, a formulação radical do intelectual orgânico do proletariado, marcada pelo pessimismo da razão crítica e pelo otimismo da vontade revolucionária, conforme o método marxiano, contrasta tanto com a posição crítica humanista, assumida acima por Einstein, quanto com a posição crítica reformista assumida, na mesma época ,pela socialdemocracia associada ao historicismo populista e ao liberalismo keynesiano,[16]diante do espectro da possibilidade de ruptura proletária no Ocidente (a exemplo do que ocorrera no Oriente, em outubro de 1917).Além de não acreditar na farsa da repetição da história, nem no mito do fim da história, isto é, na reificação da falta de alternativa ao capitalismo alardeada pela grande ideologia pós-moderna, aposição fundada no princípio comunista da luta de classes como motor da história também é decisiva no balanço e na perspectiva da situação concreta formada após o desencadear da grande crise atual. A dialética do proletariado como ser social inserido no contexto passado, presente e futuro, isto é, o proletariado como ser social e histórico, implica a totalização dialética da luta de classe e da consciência de classe tanto real, quanto possível,[17]em que o intelectual orgânico do proletariado calcula a capacidade desse sujeito coletivo de buscar concretamente um mundo melhor, para além do capitalismo imperialista, através da transição socialista ao comunismo, como movimento real que supera as condições objetivas da luta de classe, em última instância, buscando a emancipação humana. Na consciência de classe como um todo, “a perspectiva de futuro, o conhecimento do presente e a compreensão das tendências que o produziram, intelectual e praticamente, encontram-se desse modo numa indissociável interação.” (LUKÁCS, 1982, v. 1, Prólogo, p. 17).Na situação concreta do fazer e do agir do proletariado como um grupo com interesses próprios, tanto na luta contra a exploração, a dominação e a humilhação do homem pelo homem, quanto na luta em favor da natureza e, portanto, de uma criação cultural nova[18] e emancipatória, “o problema é, então, de saber não o que um grupo pensa, mas quais são as mudanças suscetíveis de se produzir na sua consciência, sem que com isso ocorra modificação na natureza essencial do grupo.” (GOLDMANN, 1975, p. 10).
Para o pensamento crítico e revolucionário, comprometido com a emancipação proletária, o processo de democratização que leva ao comunismo é a tentativa mais autêntica e radical para experimentar o mundo enquanto realidade histórica na sua totalidade concreta. Portanto, importa explicitar tanto a existência da gênese e do desenvolvimento da consciência de classe real do proletariado, quanto a superação dialética efetiva através da consciência de classe possível, no contexto da antecipação concreta comunista, própria à grande ideologia de uma organização voltada para a ação política revolucionária. O marxismo se tornaria, então, “uma tentativa gigantesca não somente para fazer a História, mas para se apropriar dela, praticamente e teoricamente, unificando o movimento operário e iluminando a ação do proletariado pelo conhecimento do processo capitalista e da realidade objetiva dos trabalhadores.” (SARTRE, 2005, p. 84). Assim, ao apreender a situação concreta do capitalismo imperialista atual, obedecerá ao princípio de que a ação política do proletariado e de seus intelectuais orgânicos intervenha na formação socioeconômica como um todo para nela introduzir certas transformações adequadas aos interesses da classe explorada, dominada e humilhada, questionados por razões imediatas, razões mais profundas e razões últimas, no contexto da crise estrutural dos tempos pós-modernos. Neste caso, em vez de recorrer à realpolik de socialização reformista, com respostas políticas táticas e conjunturais para os problemas formulados pela consciência de classe em si, na abordagem crítica e revolucionária,
[...] não se trata de saber qual objetivo este ou aquele proletário, ou até mesmo o proletariado por inteiro, se representa momentaneamente. Trata-se de saber aquilo que o proletariado é,e aquilo que ele será obrigado historicamente a fazer, em conformidade com este ser(MARX; ENGELS, 1969, p. 48).
A sua consciência de classe corresponde ao seu ser social, que implica tanto o fazer no trabalho alienado, quanto o agir no tempo livre, em que tanto se erigem entraves pela natureza da vida cotidiana, quanto se realiza uma práxis, situada no espaço e no tempo, aberta para a utopia concreta de um mundo melhor, com transição socialista ao comunismo, através de criações culturais e ações políticas estratégicas e históricas para superar a exploração econômica, a dominação política e a humilhação social do homem pelo homem. No processo de burocratização, em compensação,
[...] o dinamismo da consciência de classe é excluído da história no interesse da ordem administrativa. Na verdade, as classes são heterogêneas, esgarçadas por antagonismos interiores, e só chegam a seus fins comuns através da luta das tendências, dos agrupamentos e dos partidos.” (TROTSKY, 1976, La Révolution trahie, p. 613).
No processo de democratização emancipatório, a consciência de classe proletária, configurada como realidade e possibilidade (potencialidade), resulta de uma totalização concreta, dialética e histórica, que implica tanto uma teoria crítica e revolucionária do fazer (trabalho alienado) e do agir (tempo livre) do proletariado, quanto uma práxis consciente em favor do desenvolvimento da luta de classe proletária contra a exploração, a dominação e a humilhação na sociedade capitalista, por intermédio de organizações voltadas para questões econômicas, sociais e políticas relacionadas à democratização emancipatória, própria à transição socialista para a sociedade comunista. Para além dos obstáculos de manipulação burguesa sistemática e massiva através da mídia, insuficiência de educação e formação, estrutura psíquica individual, realpolik oportunista coletiva, salve-se quem puder diante da grande crise estrutural, etc., na transmissão de informações própria à totalização da teoria e da práxis revolucionária do proletariado, como grupo com interesses específicos no contexto da humanidade, coloca-se o problema da consciência de classe para si e, portanto, a questão marxiana dos “limites da consciência possível, é o caso em que, para obter a transmissão, o grupo enquanto grupo deve desaparecer ou se transformar, a ponto de perder suas características sociais essenciais” (GOLDMANN, 1975, p. 13).
A grande transformação social e histórica, marcada pela globalização e pela reestruturação do capitalismo industrial, no seu momento pós-moderno, implicou uma configuração de capitalismo imperialista que resta “uma forma específica de capitalismo gerada pela contradição básica entre a internacionalização e a socialização do processo produtivo, por um lado, e, por outro, sua continuada organização por grupos econômicos privados e nacionais.” (MANDEL, 1989, p. 19).
A recente configuração imperialista global (FARIAS, 2020; 2015; 2013a,b), como síntese capitalista e estatal de homogeneidade, diferenciação e hierarquização, é também totalização concreta tanto de potência nacional, superpotência continental e hiperpotência planetária, quanto de processo político de contrarrevolução pós-moderna, que não exprime os mesmos interesses de classe na periferia e no centro do capitalismo imperialista global, que segue apoiando vários golpes de Estado neofascistas. Entretanto, “a guerra civil, a guerra colonial e a guerra estrangeira se manifestam a todos, sob a cobertura comum das mitologias, como formas diferentes e complementares de uma mesma luta de classe.” (SARTRE, 2005, p. 84).
Na intensificação da totalização dialética entre Estado e capital na escala global, em que a “decadência moral” própria à grande crise tenta impor tanto uma “transigência fatal” (EINSTEIN, 2017, p. 20), quanto uma acomodação na reificação da “ampulheta fatal”(FARIAS, 2015), ou da “jaula de aço” (WEBER, 1985), urge uma atualização do marxismo no século XXI, sobretudo na sua radicalidade humanista revolucionária, na hipótese de uma relativa coerência das abordagens de Lenine e Luxemburg,[19] liberando-as das manipulações revisionistas do socialismo real (stalinismo) e do socialismo democrático-burguês (social-democracia e social-liberalismo), respectivamente, para enfrentar agora as bárbaras soluções estatistas e despóticas, habitualmente, irracionalistas da crise do capitalismo global. Para Lukács (2020, p. 533), sob o pretexto de racionalismo, Weber enveredou bastante pelo irracionalismo, ao contestar a tese do marxismo crítico e revolucionário segundo a qual a luta de classes é o motor da história (MARX; ENGELS, 1975, p. 28 et seq.).[20] A abordagem weberiana implica certa relação entre a metodologia e os fatos sociais:
Porém, como não pode nem quer reconhecer estes fatos, uma vez que sua visão de mundo o impede, e como, em virtude disso, não está́ em condições nem com vontade de extrair as consequências teóricas dialéticas dessa estrutura dialética da realidade social, é obrigado a se refugiar no irracionalismo. E aqui se mostra com uma grande clareza o quanto o irracionalismo do período imperialista surge das respostas falsas dadas às perguntas legítimas, acerca da própria realidade: de uma situação em que a própria realidade coloca aos ideólogos questões dialéticas com intensidade cada vez maior, questões que eles, por razões sociais e por isso também metodológicas, são incapazes de responder de modo dialético. O irracionalismo é a forma que assume o recuo diante das respostas dialéticas a questões dialéticas (LUKÁCS, 2020, p. 533).
Isso tem implicações no pensamento e na prática política, pois o revisionismo (kautskismo, althusserianismo) e a vulgarização (socialdemocrática, stalinista) do marxismo sempre negaram a herança materialista dialética da filosofia clássica alemã, ao inverso de Lenine (1973) e Engels (1976). Assim, durante os anos dourados do fordismo (1945-1975),inseridos na era da guerra-fria, o socialismo real e a realpolitik socialista também sucumbiram ao fatalismo e ao conformismo, sob a forma da grande ideologia socialdemocrata da transição pacífica e natural do capitalismo ao socialismo, sem o processo de democratização proletário, sob a égide da colaboração de classes, na prática; e, na teoria, sob a influência do ecletismo com as ciências sociais burguesas (estruturalista, schumpeteriana, weberiana, keynesiana).A barreira principal que impede a totalização dialética da consciência de classe (real e possível)do proletariado, na sua luta contra a exploração econômica, a dominação política e a humilhação social, reside tanto no seu sofrimento, miséria e fome em meio à abundância ou na sua alienação no fazer e no agir, que diminuem a humanidade, quanto no fato de que ela se encontra constantemente submetida às influências de numerosas reificações e mistificações burguesas e pequeno-burguesas .Para Lenine (1975, vol. 3, p. 429),
[...] enquanto a burguesia não for derrubada e, em seguida, enquanto não tiver desaparecido totalmente a pequena exploração e a pequena produção mercantil, a atmosfera burguesa, os hábitos proprietários, as tradições pequeno-burguesas vão prejudicar o trabalho do proletariado, tanto fora quanto dentro do movimento operário […] necessariamente em todos os domínios possíveis da vida social, em todas as atividades culturais e políticas sem exceção […] É preciso aprender a assimilar todos os domínios, sem exceção, do trabalho é da ação, vencer sempre e em todo lugar todas as dificuldades, todos os hábitos, tradições e rotinas burguesas.
Além da motivação anticapitalista que é própria à classe proletária, em decorrência da guerra de classe desencadeada pela situação de crise estrutural, na medida em que a grande ideologia e a teoria marxista orientem a superação das reificações e mistificações capitalistas, ambas podem exercer uma função autenticamente revolucionária no desenvolvimento da consciência de classe proletária. Entretanto, trata-se de uma práxis consciente do proletariado teleologicamente determinada pela emancipação humana, que só pode ser viabilizada através dos intelectuais orgânicos, de um lado, e das organizações revolucionárias, de outro lado. Ambos trazem no seu bojo engajamentos e os conhecimentos científicos necessários para a luta econômica, política e social das massas proletárias que não lhes podem adquirir espontaneamente sobre a base de suas consciências específicas separadas por abstrações reais, e que lhes permitem compreender e superar, em toda sua profundidade e extensão, a exploração encoberta, a dominação camuflada e a humilhação disfarçada.
A construção de um partido revolucionário é um processo sociopolítico de unificação e radicalização historicamente determinadas, em que se configura concretamente uma importante articulação temporal (sincrônica e diacrônica, estrutural e conjuntural) e espacial (campo e cidade, nacional e internacional), organizada (em partidos, movimentos, sindicatos etc.), envolvendo três processos educativos específicos, a saber: das massas proletárias pela ação classista, dos proletários politicamente avançados pela experiência da luta classista e dos intelectuais orgânicos pela totalização da teoria e da práxis revolucionária do proletariado. Portanto, a análise concreta encontra sua razão de ser crítica e transformadora tanto no seu vínculo com a luta de classe do proletariado, numa situação concreta, quanto na sua capacidade de explicitar a ruptura orientada pela utopia concreta comunista, através da consciência de classe para si (possível), para além da consciência de classe em si (real), ainda atuando integrada ao contexto capitalista.
Deixou-se para outra ocasião uma investigação mais detalhada da extensa contribuição do marxismo do século XX, a partir da obra lukacsiana, blochiana, gramsciana, dentre outros, a propósito dos fenômenos de reificação burguesa versus consciência real e esperança emancipatória possível do proletariado.
Mostrou-se que a grande ideologia da pós-modernidade proclama o fim história, na suposta ausência de luta e consciência de classe proletária, inserida no marasmo que interessa aos capitalistas de eliminar qualquer esperança tanto de integração reformista (dentro da ordem), quanto de ruptura revolucionária (contra a ordem). Atualmente, a ideologia dominante segue indiferente ao caráter destrutivo do homem e da natureza, evidenciado pelo capitalismo imperialista contemporâneo. A grande ideologia do capitalismo imperialista global, por sua vez, impulsiona certas reificações para imobilizar iniciativas proletárias emancipatórias, seja através do conformismo à ampulheta fatal, à jaula de aço e ao status quo do imperialismo global, seja através do historicismo populista, em favor da dispersão das lutas proletárias numa multiplicidade de movimentos sociais isolados entre si.
Na situação concreta atual de crise da produção pela produção dos capitais numerosos, em que se exprime, na sua essência, tanto a irrelevância do atendimento em condições de sustentabilidade das necessidades materiais humanas, quanto a anarquia despótica do seu sistema produtivo na busca do lucro bruto e se escancara, na sua aparência imediata, a exuberância financeira e a desigualdade de rendimentos, a exploração de classe atinge seu mais elevado grau, que, sob o progresso do capitalismo industrial até o presente, se transforma em conhecimento da existência desumana imposta ao proletariado como um todo.
É necessário ao proletariado como classe revolucionária, ao mesmo tempo, compreender a gênese e o desenvolvimento da exploração de classe, por intermédio da consciência real, quanto buscar a sua superação radical através da práxis revolucionária, orientada pela consciência possível. Sem a consciência de classe (real e possível), o proletariado não combina de modo dialético a organização e a espontaneidade inerentes tanto à estrutura da sociedade de classe, quanto ao processo histórico de sua superação revolucionária. Quando orientado pela antecipação concreta comunista, o processo de democratização socialista concerne, especialmente, as atividades produtivas industriais: “mais do que nunca, o problema da substituição da propriedade privada dos meios de produção por uma gestão operária continua no primeiro plano da esperança de futuro.” (GOLDMANN, 1984, p. 194). Nesse sentido, a questão da consciência real do proletariado (em si), e dos motivos de suas limitações historicamente determinadas, se insere no contexto do máximo de adequação que sua consciência é capaz na totalidade do processo histórico, no qual se realiza a emancipação do proletariado (para si). Uma grande crise estrutural abre a possibilidade de orientar o antagonismo entre as classes fundamentais para a construção da democracia proletária, através da aliança revolucionária de todos os oprimidos, no sentido amplo (por razões sejam culturais e ecológicas, sejam econômicas, políticas e sociais), na busca da superação do capitalismo, em favor da humanidade e da natureza. Como forma antagônica à consciência de classe proletária, a reificação burguesa se desenvolve a partir do isolamento abstrato, na experiência que se faz com o mundo, seja entre o ser natural e o ser social, em detrimento da dialética entre o universal e o específico, seja entre a forma econômica (generalidade), a forma política (particularidade)e a forma social (singularidade), em detrimento da totalização da sociedade capitalista, que se exprime como um silogismo, conforme o materialismo dialético e histórico. Assim, foram realizadas abstrações em torno da centralidade do capitalismo imperialista atual, possibilitando a explicitação de polarizações inerentes às suas contradições fundamentais, para a construção de um processo de democratização socialista, enquanto mediação para alcançar a antecipação concreta do comunismo. Portanto, o comunismo não é simplesmente uma hipótese, mas uma possibilidade histórica, envolvendo condições subjetivas e objetivas, que tem como pressuposto a própria realidade do capitalismo.