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MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO, PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE E O SENTIDO HISTÓRICO DA PANDEMIA COVID 19

COMMODIFICATION OF EDUCATION, PRECARIOUSNESS OF TEACHING WORK AND THE HISTORICAL MEANING OF THE COVID 19 PANDEMIC

Roberto Leher
Universidade de São Paulo - USP, Brasil

MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO, PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE E O SENTIDO HISTÓRICO DA PANDEMIA COVID 19

Revista de Políticas Públicas, vol. 26, Esp., pp. 78-102, 2022

Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 14 Febrero 2022

Aprobación: 30 Mayo 2022

Resumo: O artigo discute novas conformações da precarização do trabalho docente como a plataformização do trabalho, engendradas pela particular mercantilização da educação brasileira alavancada por fundos de investimentos e sociedades anônimas. Conceitua a mercantilização como expressão contemporânea da crise estrutural e da correspondente financeirização. Examina o movimento da mercantilização em curso no País, por meio de categorizações explicativas referenciadas no escopo da reprodução ampliada do capital (Marx, O Capital). Discute o contexto de guerra cultural em curso no Brasil e as novas oportunidades de avanço do capital, em especial das corporações de tecnologia (BigTechs)que, em linha com organismos internacionais, situaram a pandemia de Covid-19 como uma oportunidade de novos negócios na educação. Conclui indicando eixos para a defesa da educação pública não mercantil.

Palavras-chave: crise estrutural, mercantilização da educação, precarização do trabalho docente, pandemia de Covid-19, guerra cultural.

Abstract: The article discusses new conformations of the precariousness of teaching work, such as the platformization of work, engendered by the particular commodification of Brazilian education leveraged by investment funds and corporations. It conceptualizes commodification as a contemporary expression of the structural crisis and the corresponding financialization. It examines the commodification movement underway in the country through explanatory categorizations referenced in the scope of the expanded reproduction of capital (Marx, O Capital). It discusses the context of the cultural war underway in Brazil and the new opportunities for capital advancement, especially for technology corporations (BigTechs) that, in line with international organizations, have placed the Covid-19 pandemic as an opportunity for new business in the education field. It concludes by indicating axes for the defense of non-market public education.

Keywords: structural crisis, commodification of education, precariousness of teaching work, Covid-19 pandemic, cultural war.

1 INTRODUÇÃO

A problemática da mercantilização da educação e de suas interconexões com o trabalho docente é indissociável dos movimentos, crises e contradições do capital e de suas conformações como modo de produção capitalista. Recusando o determinismo economicista, o presente artigo propugna que o movimento do capital e suas crises definem o fundamental da agenda educacional, situação dilatada no contexto de irrupção de uma pandemia com dimensão planetária, como a Covid-19, que, no final de maio de 2022, totalizava 529,1 milhões de registros com 6,23milhões de mortos.

Essas conexões abrangem não apenas as consequências imediatas da pandemia na educação mundial expressas na interrupção das aulas presenciais, mas também pelos movimentos do capital direcionados: à destruição de postos de trabalho regulados por legislações trabalhistas; à expropriação do conhecimento dos professores; à corrosão da autonomia didático-científica dos professores e das escolas, e à intensificação da exploração do trabalho docente. O movimento do capital na esfera educacional objetiva subordinar o conhecimento curricular às gelatinosas competências defendidas pelos Aparelhos Privados de Hegemonia empresariais (APHe) propagadas pelas plataformas tecnológicas das corporações educacionais.

Outro ângulo a ser considerado é a consequência das políticas neoliberais para o financiamento da educação pública, para o desenvolvimento do sistema de ciência e tecnologia e para o fortalecimento das cadeias produtivas que poderiam demandar melhores postos de trabalho. Por meio de um complexo processo de acionamento ideológico, balizado nas ideologias da austeridade fiscal, da liberalização da economia e desregulamentação dos direitos sociais, o próprio Estado vem sendo reconfigurado, em detrimento de suas dimensões constitucionais públicas, afetando de modo direto a educação como dever do Estado e direito dos cidadãos.

Com efeito, a pandemia condensa diversas expressões da crise estrutural assumindo a dimensão de um acontecimento de escala “tectônica” que está alterando e convulsionando profundamente a educação mundial. Como se fosse uma ‘tempestade perfeita’, os tempos da letal pandemia são coetâneos de deslocamentos de grande magnitude no interior do sistema de estados interimperialista (WOOD, 2003), de mudanças climáticas globais de imensa magnitude e de ainda desconhecidas mudanças no mundo do trabalho. A rigor, as interconexões entre os elementos que conformam a referida tempestade devastadora configuram uma totalidade ainda longe de ser compreendida e explicada em todas as suas dimensões, a exemplo do espectro do fascismo em diversas regiões do mundo.

Assim é o modo de produção capitalista no século XXI: eventos climáticos extremos, pandemias, fome, erosão dos direitos trabalhistas e sociais, turbo concentração de renda e ignominiosa desigualdade social, e competições interimperialistas provocando guerras violentas que podem se alastrar. Este caldeirão de fenômenos recíprocos e imbricados expressa um perigoso aprofundamento da crise estrutural do capitalismo que transtorna o mundo desde o início da década de 1970, aumentando as incertezas quanto ao porvir dos povos. István Mészáros tratou sistematicamente dessas interconexões e oferece referências valiosas para tornar pensáveis a natureza e o caráter da crise estrutural do capital,assinalando um quadro de crise sociometabólica do capital (MÉSZÁROS, 2009).

É forçoso reconhecer que os confrontos interimperialistas, em que o uso de armas e coerções econômicas caminham juntas, interditam a efetividade de acordos internacionais em prol da humanidade, situação evidente no esvaziamento do sistema das Nações Unidas. A força motriz do protagonismo da classe trabalhadora, por sua vez, foi gravemente debilitada pela ofensiva do capital. Os governos com origem na socialdemocracia lograram descaracterizar a esquerda, redefinindo-a como social-liberalismo, porém praticante do neoliberalismo. Os sindicatos e os movimentos antissistêmicos foram severamente golpeados pelo desemprego, pelas novas formas de contratação e pela expropriação de direitos sociais, assim como pelo ineficaz pragmatismo que os debilitaram ideologicamente. Desse modo, o que existe de público foi sendo paulatinamente comodificado. Não se trata de ataques pontuais. É o próprio funcionamento do modo de produção capitalista que obsta o planejamento abrangente, autoestruturado pelas nações, pelos povos e pelos sujeitos mirando suas necessidades vitais (MÉSZÁROS, 2009).

Em virtude dos problemas apontados por Mészáros, passados mais de dois longos e devastadores anos desde as primeiras manifestações do SarsCov-2, está evidente a ruína das instituições e tratados que compõem a Educação e a Saúde no âmbito das Nações Unidas. No terreno instável da crise estrutural, a pandemia de Covid-19 se alastrou por todas as regiões do planeta, evidenciando a debilidade da saúde pública mundial após anos de políticas neoliberais e de desmanche de direitos sociais públicos, como a saúde pública. Tais políticas impactaram, também, a esfera produtiva. A mercantilização da saúde afastou os países capitalistas dependentes das cadeias produtivas necessárias para o fortalecimento do complexo industrial da saúde. O estrangulamento orçamentário das universidades e institutos públicos debilitou as redes de laboratórios capazes de monitorar as variantes do vírus e, também, a investigação de vacinas e fármacos.

Evidentemente, uma pandemia global exige multivariadas ações planetárias; no entanto, as bases para isso simplesmente não existem. Predominaram os particularismos destrutivos do capital e a efetiva ausência de medidas concretas capazes de contrarrestar problemas que possuem dimensão mundial. A tibieza da OMS e a lassidão da UNESCO para forjarem medidas planetárias para enfrentar, respectivamente, a pandemia da Covid-19 e as suas graves consequências educacionais, expressam o curso da crise estrutural do conjunto do modo de produção capitalista: enquanto nos países do G-7 sobravam vacinas, no continente africano a vacinação seguia residual; enquanto nos países do núcleo hegemônico um conjunto de medidas estatais atenuou os efeitos da interrupção das aulas presenciais, em grande parte dos países capitalistas dependentes o apartheidsocial (e educacional) se agravou de modo inédito (OXFAM, 2021).

De fato, os sistemas de saúde dos países foram postos à prova, expondo, de modo inimaginável em termos de horror e violência advindos da alta letalidade do vírus, o significado da apropriação do campo da saúde pelo capital e, mais recentemente, as consequências das políticas neoliberais para a saúde pública. A incapacidade de implementar ações planetárias da OMSfoi escancarada de modo cru, sem disfarces. Este organismo foi incapaz, até o presente, de construir uma estratégia de cobertura vacinal em todo planeta por meio de quebra de patentes para que fosse possível a rápida vacinação da população mundial. Em fevereiro de 2022 apenas 11% da população da África haviam sido vacinadas[1]. Fraqueza evidenciada também na esfera técnico-científica, por meio de orientações desencontradas, pouco fundamentadas cientificamente, como a postergação da recomendação de uso de máscaras de proteção e a demora em interditar tratamentos incompatíveis com a ciência. Mesmo diante de uma pandemia com tal letalidade, inexiste um sistema de testagem da população mundial. Tampouco foi possível garantir infraestrutura de insumos para o tratamento das pessoas afetadas, leitos adequados, confirmando o que muitas lutas sociais contra a mercantilização dos direitos sociais vêm bradando nas ruas: saúde não é mercadoria. Inscrito nos circuitos do capital, o sistema de saúde é incapaz de enfrentar problemas de dimensão pública.

De igual modo, a Organização Internacional do Trabalho, em que pesem os alertas, conclamações (como o Chamado Global à Ação em prol de uma recuperação da crise causada pela COVID-19) e a produção de indicadores relevantes (Monitor da OIT sobre o impacto da COVID-19[2]), não foi capaz de estabelecer medidas efetivas para frear a queda de 4,3% do total de horas trabalhadas em todo mundo em 2021, equivalentes a 125 milhões de empregos, indicador que é apenas a ponta do iceberg da precarização, da plataformização e da desregulamentação do trabalho mundial, situação especialmente agravada nos países de maior longevidade das políticas neoliberais em que as cadeias produtivas foram ainda mais estilhaçadas (SAAD FILHO, 2021).

As medidas para atenuar as consequências da pandemia na educação se revelaram especialmente caóticas acentuando as desigualdades educacionais. A mesma ineptidão das instituições do sistema das Nações Unidas foi vista na UNESCO (2021). A partir da correta indicação de que as escolas e instituições educacionais teriam que suspender as aulas, interrompendo os estudos de 1,6 bilhão de estudantes, a UNESCO foi, grosso modo, quando muito, coadjuvante, quando não figurante, na organização de alternativas educacionais em todos os países filiados. As diretrizes e os programas foram liderados (e deformados) pelo Banco Mundial e pela OCDE. Embora houvesse confluência de posicionamentos de que, no plano imediato, a retomada da interação dos estudantes com as instituições educacionais deveria se dar em ambientes virtuais, uma decorrência lógica da suspensão das aulas, a orientação do Banco Mundial (2020) e da OECD (2021) não foi “desinteressada”; ao contrário, predominou largamente a compreensão de que a pandemia de Covid-19 era uma oportunidade para alavancara presença das grandes corporações mundiais de tecnologias da informação e comunicação na educação, como Google, Microsoft, entre outras na educação mundial. Nos termos da OCDE, “A digitalização abre novas possibilidades para a educação e a tecnologia tem a potencialidade para revolucionar a educação" (OECD, 2021, p. 19), enfatizando sempre, habilidades, atitudes e valores que serão avaliados pelo Programme for InternationalStudent Assessment (PISA) em conformidade com as demandas de ‘conhecimento’ das economias mundiais que, conforme a OCDE podem ser padronizados a despeito das culturas distintas e idiomas (isto é, como ferramenta política e ideológica).

O manejo da crise educacional advinda da pandemia ficou restrita ao uso das plataformas das corporações que, em um primeiro momento, afirmaram motivações altruístas e filantrópicas. Poucos meses depois das escolas e universidades adotarem os artefatos tecnológicos, a conta chegou: ou o fornecimento seria regularizado por meio de taxas exorbitantes ou os serviços seriam paulatinamente reduzidos até a inviabilização completa dos programas inicialmente cedidos em nome da solidariedade com a educação.

Observando em retrospecto, a força de convencimento das corporações foi magnificada pela inação dos governos e do próprio sistema das Nações Unidas frente às alternativas que pudessem fortalecer o público. Internacionalmente, nada de efetivo foi realizado em termos de políticas universais de vacinação e monitoramento da pandemia nas escolas; de acesso público, gratuito e com qualidade à internet; de plataformas e ambientes virtuais de aprendizagem públicos e, tampouco, de difusão de equipamentos adequados para os estudantes. Tão importante quanto, nenhuma planificação mundial foi realizada para assegurar a melhoria da infraestrutura das escolas e prover recursos adicionais aos Estados dos países capitalistas dependentes mais pauperizados para assegurar novos contratos para trabalhadores da educação, objetivando um futuro retorno seguro e virtuoso dos estudantes às aulas presenciais. Longe disso, tudo se passou como se não houvesse alternativa realista fora das plataformas das corporações. A ideologia do ‘novo normal’ (LEHER, 2021a) naturalizou o ensino híbrido na educação básica, não como alternância presencial e remoto, mas como uma ressignificação do ensino presencial: a docência foi paulatinamente fagocitada pelos sistemas e plataformas de ensino. Resulta disso uma metamorfose em que o docente é redefinido como um trabalhador que maneja de modo heterônomo os referidos sistemas e plataformas, expropriando os conhecimentos que deveriam consubstanciar à docência.

No caso do ensino superior, as disciplinas virtuais passaram a ser igualmente naturalizadas não apenas nas corporações educacionais que já forneciam educação a distância, mas também nas instituições que ofertam cursos presenciais. No Brasil, uma das consequências da eleição de Bolsonaro foi a Portaria assinada pelo então ministro Weintraub que permite que até 40% dos créditos dos cursos presenciais podem ser ofertados a distância (BRASIL, 2019). Cabe realçar que é possível encontrar a defesa desta opção até mesmo em universidades públicas.

Do exposto até o momento é possível concluir que as corporações que atuam no ramo das plataformas de trabalho e dos sistemas de ensino lograram condições excepcionais para a ocupação de novos nichos econômicos, entre os quais sobressai a educação e, consequentemente, o trabalho docente. É a partir desse complexo de problemas e indagações que o presente artigo discute as novas conformações do capital orientadas para a mercantilização da educação, a via efetivamente propugnada pelas corporações, pelo Banco Mundial e pela OCDE com apoio de grande número de governos.

2 ESPECIFICIDADES DO CASO BRASILEIRO

O problema está longe de ser conjuntural. A educação pública brasileira se encontra estruturalmente atingida por ações destrutivas do movimento empreendido pela extrema direita, na forma da guerra cultural e por anos de reformas de cariz neoliberal empreendidas por APHe e governos afins. No caso do setor privado, o país encontra-se na vanguarda planetária da mercantilização da educação. O exame do curso da pandemia de Covid-19 e de suas consequências educacionais não pode abstrair a existência de países sob governos autocráticos, negacionistas e imbuídos de concepções e práticas neofascistas, como são os casos do Brasil, Índia, Hungria, Turquia, e dos EUA no governo Trump. O Brasil, nesse sentido, não está isolado no rol dos países em que a extrema direita ganhou força e chegou ao governo. As multifacetadas expressões da crise estrutural agravada a partir de 2007 no contexto da grande crise financeira, manejadas pelo capital na forma de políticas neoliberais extremas, assumem feições particulares, ainda mais nefastas, nos países com governos de extrema direita. O caso brasileiro, nesse prisma, é emblemático. Grande parte dos mais de 30 milhões de infecções poderia ter sido evitada e, como apontado, a maioria das mais de 630 mil mortes decorreram da predominância do negacionismo que sustentou a desejabilidade da imunidade coletiva ainda que em período de alta letalidade da Covid-19. Resumidamente, o MEC assumiu um lugar de bunker do negacionismo, atuou diligentemente para impedir ações referenciadas na ciência para monitorar a pandemia nas escolas e viabilizar a rápida vacinação dos trabalhadores da educação e dos estudantes. Apesar de fortes críticas de sindicatos, de comissões parlamentares e entidades acadêmicas, o MEC se recusou a prover infraestrutura de internet, fomentar plataformas públicas de ensino e aprendizagem e requalificar as edificações escolares para assegurar um retorno seguro quando as condições epidemiológicas permitissem.

Com o propósito de definir de modo mais preciso a problemática discutida no presente texto, preliminarmente serão apresentadas indicações sobre o conceito de mercantilização, posto que seu uso em contextos muito diversos e para designar situações muito distintas enfraquece o foco de que a mercantilização é uma realidade do processo do capital. Após esta seção específica e a discussão sobre a prática da mercantilização, a problemática do trabalho é examinada.

3 MERCANTILIZAÇÃO: notas para uma conceituação

Foi no contexto de crise do chamado Estado de bem-estar social que a palavra ‘mercantilização’ foi dicionarizada, em meados dos anos 1970. Tem correspondência, em inglês, com “commodification”, datada de 1975 (Oxford)[3] ou 1976 (Webster, Commodity, vinda do francês commoditee)[4]: um bem econômico. No Brasil, o Houaiss a situou como substantivo: “Ação ou efeito de mercantilizar”; “Fazer com que seja comercializado; transformar (alguma coisa) em mercadoria: mercantilização da segurança pública”. “Mercantilização é sinônimo de comercialização”[5]. No Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (2 Ed. Revista e Ampliada, 1986) é apresentada como verbo transitivo direto. Mercantilizar, significando: 1. Dar espírito ao pendor mercantil. 2. Tornar objeto de comércio. 3. Realizar transações mercantis; ser comerciante; comerciar, negociar.

Em geral, os dicionários utilizam como sinônimos “tornar objeto de comércio”, “commercialization”, acentuando o seu caráter de mercadoria engendrada pelo capital.Entretanto, como discutido adiante, com tal significado existe o risco de autonomizar de modo indevido um dos ciclos da reprodução do capital.

Em virtude do uso lato da palavra “mercantilização” no Brasil, Sguissardi (2019) restringe seu uso para designar a educação privada (na qual existe processo de mais-valor).

Dentro de um sistema econômico capitalista, mercantilização é a transformação de bens, serviços, ideias, natureza, informações pessoais em mercadorias ou objetos de comércio. Uma mercadoria em sua forma mais básica, é "qualquer coisa destinada à troca" ou qualquer objeto de valor econômico.[6]

Desse modo, o conceito de mercantilização não deveria ser utilizado sem ressalvas para expressar processos de subordinação aos intentos particularistas do capital da ciência e da tecnologia nas universidades públicas ou na educação pública em geral. A presença do capital no cotidiano das instituições públicas possui particularidades como abordado em SILVA (2018) e LEHER (2019). As públicas não se caracterizam pelos circuitos diretos de produção de mais-valor e pelo controle jurídico regido pelas normas da propriedade privada, embora estejam sob crescente jugo do capital. São processos interligados, mas que não devem ser confundidos. Neste caso, melhor é denominar de “mercadorização” da escola ou da universidade pública (LAVAL, 2019; SGUISSARDI, 2019), indicando o direcionamento ao mercado. “A mercadização das instituições de educação superior (IES), universidades ou não – fenômeno mundial que atinge especialmente instituições estatais/públicas e as privadas sem fins lucrativos” (SGUISSARDI, 2019, p. 40).

No cotidiano das instituições públicas com forte engajamento com o mercado, contudo existe uma estreita interconexão entre a mercadorização e a mercantilização, mas não é adequado indiferenciar os processos. Expressando as interconexões entre a mercantilização e a mercadização, nas últimas décadas têm circulado de modo crescente a palavra mercantilização como neologismo para commodification. É interessante observar que a expressão denota, em geral, a mercantilização e, ao mesmo tempo, a mercadização. Situa a ação do capital tanto no processo de mais-valor direto (privadas-mercantis), como indireto (instituições públicas), podendo ser caracterizada como gênero de discurso. Fairclough elabora a seguinte definição:

A comodificação é o processo pelo qual os domínios e as instituições sociais, cujo propósito não seja produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para venda, vem não obstante a ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias. Não surpreende mais, por exemplo, que setores das artes e da educação, como o teatro e o ensino da língua inglesa, sejam referidos como 'indústrias' destinadas a produzir, a comercializar e a vender mercadorias culturais e educacionais a seus 'clientes' ou 'consumidores'. A comodificação não é um processo particularmente novo, mas recentemente ganhou novo vigor e intensidade como um aspecto da 'cultura empresarial' (Keat e Abercrombie, 1990) (FAIRCLOUGH, 2001, p.255).

Mas a comodificação do discurso educacional não é apenas uma questão de vocabulário; é também uma questão de gênero de discurso. A educação é apenas um de uma série de domínios cujas ordens de discurso são colonizadas pelo gênero publicitário (Fairclough, 1989a: 208-211), e, como resultado, há uma proliferação de tipos de texto que conjugam aspectos de publicidade com aspectos de outros gêneros de discurso. (FAIRCLOUGH, 2001, p.258).

Aplicada na educação, a mercantilização diz respeito à:

Essa ampliação do âmbito da mercantilização, aqui apontada, foi captada de modo sagaz por JESSOP (2018). Examinando as universidades inglesas, agrega importantes aportes sobre os nexos entre a comodificação, a comercialização e a financeirização da educação, apresentando cinco estágios do processo de mercantilização.

O estágio um focaliza a comercialização, [colocando em relevo] como a educação e a pesquisa são produzidas para venda. Os exemplos incluem aulas particulares, universidades pagas, ensino à distância e pesquisa comercial. Esta fase envolve várias formas simples de produção de commodities que ainda não estão sujeitas às pressões competitivas de empresas orientadas ao lucro e mediadas pelo mercado da produção capitalista para reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção e o tempo de rotação do capital. Nesta fase inicial, os alunos tornam-se clientes de corporações de telecomunicações, o conhecimento e a criatividade são mercantilizados, e os direitos de propriedade intelectual são reclamados e então retidos ou negociados (JESSOP, 2018, p.105, tradução livre.).

O estágio um de Jessop tem paralelo, grosso modo, com a expansão das instituições privadas de propriedade familiar no Brasil no período subsequente à Constituição, até os anos 1990. Embora com fins de lucros, a comercialização de cursos em muitas instituições privadas ainda mantinha parâmetros para assegurar certa legitimidade ao negócio. A captação de estudantes tinha conexão com o teor do serviço ofertado (formação profissional) e, por isso, era do interesse da organização de ensino reter docentes que agregassem legitimidade aos processos formativos. Entre os anos 1970 e meados dos anos 1990, muitos cursos superiores tinham um perfil de formação profissional e isso exigia um determinado grau de sistematicidade da formação dos estudantes.

O estágio dois marca os primeiros passos na capitalização à medida que uma economia de mercado especificamente capitalista se desenvolve no ensino superior e na pesquisa, reforçando assim o processo de comercialização. Vemos o livre comércio de conhecimento, a racionalização de sua produção com base em um rígido controle dos custos [...] e as universidades e institutos de pesquisa usando seu próprio capital acumulado e / ou empréstimos para aumentar as receitas (JESSOP, 2018, p.105. tradução livre).

O estágio dois é coetâneo do Acordo Geral de Comércio de Serviços, erigido no contexto de criação da OMS, em 1995. Muitas instituições de ensino superior, embora familiares, passaram a contar com assessoria financeira de bancos. As primeiras grandes reestruturações alteram o funcionamento das organizações de ensino, agora muito mais agressivas no que tange à intensificação do trabalho docente, à captação de estudantes e à venda de cursos. As políticas neoliberais e as reestruturações produtivas neoliberais substituíram o objetivo de qualificação profissional pela noção fluida de competências, desprofissionalizando a formação dos estudantes em benefício dos objetivos mercantis de venda de cursos mais superficiais.

O estágio três é um passo mais radical em direção à capitalização. Envolve a quase-comodificação do trabalho mental como insumo, incluindo a separação do trabalho intelectual dos meios de produção intelectual. Isso contribui para a hierarquização e precarização do trabalho intelectual, perda do status profissional e para reduzir os custos e maximizar os lucros limita a liberdade de ensino e pesquisa. Esse processo é legitimado pela teoria neoliberal dos direitos de propriedade e pelo princípio contratual do criativo ‘trabalho por encomenda’, que transfere os direitos de propriedade intelectual para o empregador (...). O terceiro estágio também vê a apropriação do conhecimento tradicional, a privatização dos bens intelectuais, a mercantilização de materiais de ensino, as bolsas de estudo, a pesquisa científica e as publicações científicas e, mais recentemente, a digitalização de palestras permitindo sua reprodução e circulação virtualmente sem reconhecimento dos direitos autorais – enquanto cobra dos consumidores pelo acesso. Também reforça a tendência de os salários gerenciais aumentarem mais rapidamente do que os salários acadêmicos, especialmente em comparação com professores e pesquisadores precários. (JESSOP, 2018, p.105, tradução livre.).

Como assinala Jessop (2018), enquanto as transições entre os estágios dois e três são frequentemente associadas com imaginários e práticas liberais, uma orientação especificamente neoliberal caracteriza as estratégias e práticas nos estágios quatro e cinco. As etapas quatro e cinco são discutidas com menos frequência porque envolvem capital financeiro em vez de capital produtivo e parecem distantes dos discursos da economia baseada no conhecimento, da agenda de competitividade e assim por diante. No entanto, à medida que estes se desdobram, eles modificam radicalmente os objetivos, atividades, e governança do ensino superior e da pesquisa.

O estágio quatro é a financeirização. Isso tem dois aspectos. Primeiro, o capital móvel entra nesses campos considerados como locais de investimento substantivamente lucrativos; e, segundo, as forças do mercado equalizam os lucros em universidades, faculdades e empresas de pesquisa específicas e entre esses e outros campos de investimento potencialmente lucrativos. Este estágio começa com universidades privadas, mas é reforçado quando a fase final chega e afeta todas as universidades e centros de pesquisa. (JESSOP, 2018, p.106, tradução livre.).

O quinto estágio é alcançado quando um sistema dominado pelas finanças subordina a educação e a pesquisa aos requisitos de lucratividade do "capital como propriedade". Isso pode ocorrer através da securitização de seus investimentos e fluxos de receita. Exemplos incluem o mercado secundário global de Títulos Baseados em Ativos para Empréstimos de Estudantes, que são produtos financeiros cada vez mais atraentes para investidores e promotores; o direcionamento das universidades para os mercados financeiros e para fundos garantidos por fluxos de receitas futuras de toda a gama de ativos da universidade (por exemplo, taxas estudantis, aluguéis de moradias para estudantes, compras, esportes e instalações de lazer, financiamento de pesquisa e royalties). Seguido até sua conclusão lógica, isso produziria a privatização total de universidades e instituições de pesquisa e a integração delas em uma economia de mercado global financeirizada (especialmente se todos os ativos e as receitas são securitizadas). A lucratividade e valor para o acionista substituiriam todos outros objetivos. Isso ainda não ocorreu em toda plenitude (JESSOP, 2018, p.107, tradução livre).

No caso da educação brasileira os estágios sugeridos por JESSOP (2018) precisam ser recontextualizados: o estágio cinco, por exemplo, já é uma realidade na educação do país. Existem outras especificidades. Não houve transferência jurídica de instituições estatais para o setor privado e, com isso, a conversão delas em empresas de capital aberto, por exemplo. Contudo, as ditas empresas públicas de direito privado se alastraram nas universidades federais, como no caso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares -EBSERH (grifos do autor). Entretanto, no Brasil a gratuidade segue como princípio constitucional em todo ensino público – na educação básica, na graduação e na pós-graduação estrito senso. Desse modo, é no setor privado que as cinco etapas podem ser compreendidas de modo mais completo.

4 MERCANTILIZAÇÃO: tendências recentes na educação brasileira

Os quarto e quinto estágios apresentados por Jessop (2018) podem ser encontrados principalmente nos grupos educacionais de capital aberto com ações nas bolsas de valores (BAHEMA, COGNA/VASTA, ARCO Educação, SEB, Yducs, SER, ÂNIMA). Engendrado pelo capital comércio de dinheiro, os negócios no ramo da educação estão crescentemente sob controle direto do capital, o que confere à mercantilização no país os traços que definem a etapa cinco aqui exposta, porém com características próprias, tornando o caso brasileiro exemplar.

Uma breve caracterização da mercantilização da educação no país evidencia a complexidade de seu escopo. A partir de 2008, período de acentuada queda da taxa de lucro não financeiro e de crise financeira global, grandes investidores buscaram ativos reais. Diversos fundos de investimentos enxergaram o potencial do mercado educacional brasileiro iniciando o vasto ciclo de aquisições e de formação dos avantajados grupos de educação superior com potencial monopólico. A principal novidade foi a presença de fundos de investimentos (sobretudo de private equity) de distintas características. As aquisições alicerçadas pelos fundos de investimentos não se caracterizam exclusivamente pela lógica dos conglomerados de empresas isoladas, na forma de integração vertical do capital. A estratégia adotada pelos fundos foi de investir também na integração horizontal, promovendo pesadas reengenharias, intensificação da exploração do trabalho, mudanças curriculares simplificadoras (baseadas nas ditas competências) e guiadas pela lógica da redução de custos, resultando na criação de ciclos básicos genéricos, envolvendo diversos cursos, assim como centralização das áreas administrativas e financeiras dos grupos adquiridos. Já reestruturados, os maiores grupos realizaram a abertura de capitais (na forma de sociedades anônimas) e passaram a negociar suas ações nas bolsas de valores e a robustecer a integração vertical, especialmente com os setores de tecnologia da comunicação e informação e de telefonia. Por isso, toda a discussão inicialmente exposta sobre a repercussão da pandemia na educação é tão axial.

Ao contrário da narrativa liberal, a acelerada capitalização financeirizada foi alavancada por meio da indução estatal, notadamente por duas políticas interligadas: o Programa Universidade para Todos (PROUNI) que possibilitou robustas isenções tributárias para o setor privado-mercantil, isto é, com fins lucrativos, a despeito de contrariar a Constituição Federal, e o redimensionamento do Fundo de Financiamento Estudantil(FIES) em 2010-2011, por meio do qual o governo Federal emite títulos da dívida para adquirir vagas no setor privado-mercantil. Estes créditos são extremamente vantajosos para os seus beneficiários (no caso, os grupos educacionais), visto que os títulos recebidos são recomprados pelo próprio Estado com o pagamento da taxa de remuneração da dívida pública (LEHER, 2020).

O crescimento dos repasses do fundo público para as corporações foi exponencial, especialmente em decorrência da maior flexibilização do FIES em 2010. Com efeito, em 2010 o referido fundo custeava 6% das matrículas das instituições privadas, em 2016 correspondia a 39% das matrículas do segmento privado; no mesmo período, os gastos subiram de aproximadamente R$ 2 bilhões para R$ 34,4 bilhões. O fundo público foi largamente apropriado pelas corporações. Como os recursos destinados à educação são limitados, os repasses para o setor mercantil implicaram em forte compressão dos gastos públicos com as universidades federais–o contingenciamento das verbas de custeio foi da ordem de 15% e dos recursos de investimento de 70% entre 2014 e 2016, anos de maior expansão dos gastos do FIES (LEHER, 2019; LEHER; SANTOS, 2020).

Em 2016, o FIES alcançou um montante de tal ordem que se tornou inviável sua continuada expansão, como vinha acontecendo desde 2010. Diante da insustentabilidade do FIES sobressaiu grave crise, levando à abrupta queda do número dos contratos: 732 mil em 2014 para 203 mil em 2016 (BRASIL, 2020). Como saída da crise, os investidores induziram a criação ou a ampliação de novos nichos de negócios, como os cursos a distância (modalidade EaD) que dobraram as suas matrículas entre 2012 e 2018: saltaram de 932 mil para 1.9 milhão. Embora a maioria dos grupos já tivesse alguma inserção na educação básica, a partir de 2017 é mensurável um fortíssimo movimento de ampliação de negócios neste segmento, articulando aquisições, sistemas de ensino e plataformas de trabalho.

Diferente dos casos francês, discutido por Laval (no qual a educação é basicamente pública) e inglês, discutido por Jessop (em que pese inexistir o princípio da gratuidade, a oferta da educação superior não está sob controle de grupos financeirizados), no Brasil a tendência é a mercantilização financeirizada da educação por meio de aquisições e fusões e, também, da criação de novas organizações empresariais, geralmente, na forma de sociedades anônimas.

Por isso, teórica (e metodologicamente) interessa observar as condições de capitalização, produção e circulação da ‘mercadoria educação’. Especialmente, é imperioso examinar o capital fixo, o capital variável, as despesas acessórias que custam tempo de trabalho, depreciação e lucros, custo do financiamento etc. O foco nas formas de expropriação e exploração do trabalho é, por conseguinte, imprescindível.

5 MERCANTILIZAÇÃO: educação como mercadoria no sentido pleno

A ideia de que a educação é uma mercadoria se presta a muitas confusões, como a de que o fenômeno está restrito ao setor de comércio de serviços e pudesse ser regulado no âmbito das normas de circulação das mercadorias, como tratados comerciais e legislação que dispõe sobre o direito dos consumidores. A própria inclusão da educação no Acordo Geral de Comércio de Serviços da OMC reforçou a concepção restrita de que a mercantilização se esgota na esfera da comercialização.

Em termos marxianos, a comercialização de mercadorias (M) possui autonomia relativa como Marx discute modo sistemático no Livro II de O Capital que investiga o capital-mercadoria. No entanto, o mesmo autor demonstra que a mercadoria, no capitalismo, necessariamente contém “mais-valor” (M’) e, por isso, está inscrita no circuito da produção (P) e necessita ser vendida para ter seu valor realizado (D’). Isso significa que o ciclo da mercadoria não está desvinculado dos ciclos produtivo e do capital dinheiro (D), o que nos remete à reflexão de que a mercantilização envolve meios de trabalho, trabalho e força de trabalho e determinado quantum de capital dinheiro (D) a ser invertido (CARCANHOLO; NAKATANI, 1999).

A conceituação da mercantilização da educação, por isso, possui particularidades. Os investimentos que, no presente século, impulsionam as aquisições, as fusões, a abertura de capital, a oferta inicial de ações, todos provêm, grosso modo, de fundos de investimentos e, no caso das sociedades anônimas, da venda de ações nas bolsas intermediada por bancos de investimentos. Como apontado de modo agudo por Lênin, em sua obra sobre o imperialismo e o capital financeiro, todo esse processo é inseparável do Estado. Em suma, os investimentos são, também, indissociáveis do ciclo do capital dinheiro pormenorizadamente investigado por Marx no Livro III (MARX, 2017).

O exame acurado do setor privado mercantil de educação permite afirmar que os investimentos (D) não estão circunscritos ao capital portador de juros em sua acepção clássica (empréstimo a juros para obtenção dos meios de produção, custeio do capital fixo em geral e da força de trabalho acrescido de uma certa taxa de risco). A análise da natureza dos investimentos educacionais permite afirmar que estes compõem os circuitos nos quais sobressaem novos nexos entre o capital portador de juros e o capital fictício, notadamente quando os fundos de investimentos operam derivativos e títulos afins e, também, quando os grupos educacionais comercializam ações nas bolsas e passam a realizar associações diversas com outros ramos, a exemplo da telefonia, grupos editoriais, corporações de tecnologias de informação e instituições financeiras que realizam empréstimos estudantis etc.

6 MERCANTILIZAÇÃO, TRABALHO E PLATAFORMIZAÇÃO

A conjunção dos efeitos persistentes da crise estrutural conformou um quadro particularmente grave no Brasil em 2013 e nos anos seguintes. A despeito de problemas severos na condução da política econômica no segundo governo Dilma Rousseff (SAAD FILHO; MORAES, 2018), a escala da crise pavimentou o caminho para o golpe de 2016. O bloco no poder passou a impor sua própria agenda política, Uma Ponte para o Futuro, em que a educação pública e gratuita foi colocada em questão, havendo explícita defesa do fim das vinculações constitucionais. Os gastos sociais foram comprimidos por meio de uma draconiana mudança constitucional, a EC n. 95/2016. É a própria Constituição de 1988 que deve ser derrogada em seus aspectos sociais. A eleição de Bolsonaro como presidente ocorreu em um contexto de contrarrevolução preventiva, de contrarreformas, de retrocessos. O bloco no poder apoiou Bolsonaro com base na premissa de que a ofensiva contra os direitos sociais seria intensificada.

Como apontado, as consequências da pandemia de Covid-19, a partir de março de 2020, assumiram proporções dantescas em virtude das medidas balizadas pelo darwinismo social de inspiração neofascista. No caso da mercantilização da educação, é necessário realçar que o período da pandemia ainda é coetâneo à crise do FIES e ao movimento de forte queda e instabilidade das ações dos maiores grupos educacionais sob controle financeiro. Uma das principais medidas para contrarrestar a queda da taxa de lucros foi majorar a exploração do trabalho dos professores. No ensino superior, por meio da modalidade EaD e no caso da educação básica, por intermédio de sistemas e plataformas de ensino.

A pandemia [tornou] o “cenário de 2020 ainda mais nebuloso. Em agosto, a Cogna já tinha uma queda de 21% desde a entrada da Vasta na Bolsa norte-americana (Nasdaq), com uma recuperação impressionante que chegou a zerar as perdas no fim do mesmo mês.[7]No entanto, em outubro, as ações já se situavam entre as cinco maiores quedas do índice Ibovespa, após o rebaixamento feito pela JP Morgan, indicando uma queda de 40% no número de matrículas no segundo semestre. (FINELLI, 2020, p. 75).

As investigações que lastreiam o presente artigo (LEHER, 2021b, 2021c) desenvolvem a proposição de que foi a confluência dessas crises – econômica, política, epidemiológica e do fundo público – que explica a diversificação dos negócios das corporações educacionais (redimensionado os cursos a distância e ampliando a presença na educação básica).

Rodrigo Galindo, o então CEO da COGNA, destaca:

O setor educacional é um segmento de aproximadamente R$ 170 bilhões e nossa companhia, mesmo sendo líder, tem um faturamento de R$ 7 bilhões. Entendemos, portanto, que temos um potencial de crescimento gigantesco a ser explorado em todas as nossas áreas de atuação, além de acreditarmos que podemos contribuir muito mais levando educação de qualidade às pessoas e ajudando os nossos estudantes a escreverem suas próprias histórias. Contribuir com o desenvolvimento das pessoas e do país faz parte do nosso DNA e esse novo caminho que estamos trilhando possibilitará gerarmos um impacto ainda maior.[8]

A questão de fundo, nesse novo cenário de negócios, é o intento das corporações financeirizadas de magnificar a exploração do trabalho docente, por meio do desenvolvimento de sistemas de ensino, plataformas de ensino e plataformas de trabalho. Perseverando a análise do holding COGNA e, especialmente, de uma de suas subsidiárias, a VASTA, é possível identificar o foco da corporação no ramo dos sistemas de ensino e nas plataformas de ensino e de trabalho. É preciso registrar que a VASTA herdou uma robusta estrutura em termos de sistemas de ensino que pertencia ao grupo KROTON (Anglo, Ético, Maxi, Par, pH, Pitágoras e Rede Cristã). Com os recentes acordos comerciais com o grupo LEMANN[9], a VASTA incorporou ao seu portfólio o sistema de Ensino ELEVA (176 mil estudantes). Desse modo, em meio às turbulências das crises, ampliou o rol de sua atuação no ramo da gestão de escolas, digitalização das escolas básicas e aulas particulares[10].A plataforma digital da empresa, a Plurall, é líder em termo de tráfego no Brasil e apoio às escolas e sua transformação digital. Desse modo, a COGNA, por meio da VASTA, assume a posição de principal fornecedora de sistemas educacionais do país. A VASTA ficará responsável também pelo ramo de materiais didáticos já pertencentes à KROTON (proprietária das maiores editoras de livros didáticos e afins, como Saraiva, Benvirá, Scipione e Ática), e por startups com foco na educação (também por meio da ramificação do holding COGNA – CognaVentures Startups) – e especialmente em EdTechs.

Considerando a difícil realidade educacional agravada pela pandemia, o estudo propugna que novas configurações da mercantilização estão corroendo de modo sistêmico, alargado, generalizado, com a dimensão dos fenômenos públicos, o trabalho docente. São axiais as seguintes proposições:

  1. 1. 1. O conjunto da força de trabalho docente será constituído, cada vez mais, por docentes formados em cursos a distância ofertados por organizações sob dominância financeira (em geral sociedades anônimas, muitas delas com capital aberto na bolsa de valores),e que são as controladoras das escolas de educação básica que foram recentemente adquiridas e dos sistemas e plataformas de ensino.

    2. Muitos milhares de docentes utilizarão sistemas de ensino pertencentes às grandes corporações do setor, a exemplo da VASTA, que, deste modo, demarcarão ‘o que é dado a pensar’ nas escolas e nas instituições de ensino superior, em um processo de aprofundamento da subordinação real do trabalho ao capital, produzindo novas dimensões da expropriação do trabalho e do conhecimento dos docentes.

    3. Em conformidade com a difusão dos sistemas de ensino, o trabalho docente será crescentemente inscrito nas plataformas de trabalho (currículo, materiais didáticos, indicadores de aprendizado, testes padronizados, alocação do docente conforme a demanda materializada no aplicativo etc.) intensificando a exploração do trabalho, a desprofissionalização do trabalho docente e o desmanche dos direitos trabalhistas.

    4. Também docentes do setor público poderão estar inseridos nesse processo do capital, pois as corporações estão ampliando a venda de sistemas de ensino e de plataformas de trabalho para os municípios e estados que, por sua vez, já vêm precarizando os direitos trabalhistas dos docentes.

    5. A implementação de sistemas de ensino é congruente com o intento de difundir os vouchers educacionais iniciado na educação infantil (SARDINHA e LEHER, 2021), e o modelo das escolas charter, objetivos tanto da extrema direita motivados pela guerra cultural, como pelo capital, ávido pela ampliação da apropriação do fundo público.

Considerando os cinco eixos apontados por Jessop (2018) como tendências que já estão em curso na realidade brasileira, alguns casos exemplares que permitem esboçar o pernicioso cenário sobre o porvir do trabalho no contexto da financeirização da educação podem ser destacados. A Laureate, corporação estadunidense de educação, possuía em 2020 cerca de 270 mil estudantes e, seguindo a tendência de concentração do capital, foi vendida para o grupo Ânima por R$ 4,4 bilhões. A pujança econômica da Laureate, conforme denúncias encaminhadas ao Ministério Público Federal foi erigida por meio de fraudes, atas de reuniões inexistentes, declarações falsas, montagem cenográfica de infraestrutura necessária para os cursos (laboratórios, bibliotecas [móveis, deslocados conforme o cronograma das avaliações], mobiliários, equipamentos de informática e afins, deslocamento provisório de docentes titulados como atuantes no curso a ser avaliado) por ocasião da visita das comissões de avaliação dos cursos e, o que é muito significativo, da deliberada ausência de fiscalização por parte do MEC[11].

Docentes que atuavam no setor de educação a distância da Laureate (que em determinado momento alcançou 300 mil estudantes com apenas 300 professores) chegaram a ministrar por semestre aulas para 20 a 40 mil estudantes por turma e, conforme registro de casos mais recentes, de 50 mil estudantes por semestre[12]e aulas on-line com 300 estudantes em ambientes semelhantes aos ‘call centers’;docentes já falecidos seguiram como professores em atividade ministrando aulas em classes virtuais e, por isso, não chega a surpreender que a referida corporação utilizasse robôs na correção dos trabalhos de estudantes que cursaram disciplinas a distância por meio da plataforma digital (blackboard)[13] (obviamente, é impossível um docente corrigir 60 mil trabalhos por semestre!).Tudo isso em um contexto de completo desrespeito à criação autoral dos docentes. Uma vez elaborado (roteirizado), o curso é reproduzido nas subsidiárias do grupo educacional sem qualquer reconhecimento de direitos de autoria intelectual. O exame de planos de trabalho de docentes que atuam nos cursos a distância confirma que inexiste nexo entre a formação acadêmica do professor e a docência: um docente pode ministrar aulas de disciplinas completamente distintas de sua formação acadêmica. Conforme os dossiês divulgados pela Agência Pública, um docente de história assinou as atas do curso de design,e uma docente pedagoga ministrava aulas para cursos de direito trabalhista e tributário, saúde e nutrição da criança, nutrição, comunicação, corpo, movimento e arte de crianças[14].

A ampliação do uso das plataformas digitais e de sistemas de ensino (roteiros pré-determinados) objetivam reduzir a força de trabalho necessária para a realização do ciclo das mercadorias. Milhares de professores foram demitidos durante a pandemia, justo no contexto de escancaramento do uso das referidas plataformas, escudado pelo contexto pandêmico. De modo brutal, muitos souberam da demissão por mensagem do aplicativo (pop-up), como documentado na Uninove. Outros milhares, mesmo não demitidos, tiveram suas horas de trabalho semestrais drasticamente reduzidas. Um docente da Anhembi Morumbi (grupo Laureate) registra a redução de 75% de sua carga horária “torna meu sustento inviável, visto que minha única fonte de renda é a Anhembi. É cruel”.[15]

Os curtos, mas fortes exemplos, permitem vislumbrar que o trabalho docente no ensino superior pode conhecer mudanças radicais elevando a expropriação do conhecimento e o grau de exploração a patamares impensáveis. Como são grupos com a participação de fundos de investimentos com cotistas internacionais e, parte deles, com ações nas bolsas de valores, é possível aduzir que, no limite, essa é a grande tendência do capital sob dominância financeira na educação superior privada dos países capitalistas dependentes. O último Censo da Educação Superior do INEP, relativo a 2020 (BRASIL, 2022), confirma que a maioria dos novos estudantes do nível superior no Brasil já ingressou em um curso a distância. As pesquisas que fundamentam este artigo (LEHER, 2021b, 2021c) indicam que cerca de 70% das vagas na referida modalidade são ofertadas por empresas com fins mercantis que estão assentadas na plataformização do trabalho docente.

Desse modo, a maior parte da juventude irá concluir sua graduação nessas instituições desvinculadas, radicalmente desassociados, das formas mais ricas, complexas e elevadas de conhecimento científico, tecnológico, filosófico, artístico e cultural. Serão graduados que tiveram seu direito negado de interagir com o conhecimento historicamente sistematizado, por meio de teorias, conceitos e métodos.

A pedagogia das corporações está inserida no âmbito da pedagogia baseada nas competências. Difunde ideologias como “competências socioemocionais afins à resiliência”, sempre balizada por um raso utilitarismo (se adaptar à ordem vigente, às formas de flexibilização laboral, à desregulamentação da legislação trabalhista, ao empreendedorismo que, na verdade, oculta a precarização do trabalho, à resolução de problemas simples do cotidiano) que em tudo são adaptativas à ordem do capital em seu contexto de crise estrutural.

O desmanche do trabalho docente, por meio do complexo tecnológico impulsionado pelo capital e, nunca menos importante, das ideologias das competências, é um projeto de classe para harmonizar as expectativas, sonhos e desejos da classe trabalhadora nos estreitos marcos do padrão de acumulação baseado na perda de direitos sociais, na exploração exacerbada do trabalho e nas expropriações de todos os tipos – de meios de trabalho, de conhecimento capaz de assegurar maior força política frente à alienação do trabalho e das condições de vida necessárias à dignidade do bem-viver abrangendo as dimensões socioambientais imprescindíveis.

No caso da educação básica é possível concluir que a estratégia de negócios não envolve a substituição do ensino presencial por cursos a distância: os clientes necessitam que seus filhos estejam nas escolas; entretanto, o capital reconfigura o espaço escolar, a sala de aula e as formas de interação dos docentes com os estudantes. Desse modo, embora a estratégia de negócios pressuponha a existência de escolas (a pandemia mostrou de modo cabal a inviabilidade do ensino remoto para a grande maioria das famílias), as mediações pedagógicas passam a ser preocupantemente semelhantes às adotadas no ensino a distância. O ensino das corporações educacionais gradativamente está combinando:

Esse é o cerne da pedagogia do capital, ardorosamente erigido e difundido por aparelhos privados de hegemonia que abarcam diversos APH afins, como o Todos pela Educação, a Fundação Lemann entre outras. Em última instância existe uma convergência de avaliações entre as corporações e os referidos APH: o docente precisa de indução coercitiva econômica para melhorar seu desempenho e produtividade.

Sob o governo Bolsonaro, entretanto, outros APH buscam se imiscuir e disputar os rumos da educação. Na esfera privada, o claro intento deste governo é fortalecer as escolas evangélicas. Foram diversas tentativas de repasse de verbas do FUNDEB para as escolas confessionais. Não menos importante, o governo buscou introduzir os vouchers escolares que fortaleceriam, de forma exacerbada, a rede confessional. Nomeou como ministro da Educação um pastor da igreja presbiteriana e inseriu no MEC, sem função pública, um “escritório informal” em que pastores negociavam aquisições de ônibus, equipamentos, construção de escolas, comercialização de bíblias e assim por diante. Todos os seus ministros da Educação assumiram o lugar de soldados a serviço da guerra cultural. O governo Bolsonaro está difundindo a chamada pauta de costumes também mirando as escolas públicas. Todas as incursões do governo no ENEM, nas BNCC, nos rumos do Novo Ensino Médio (NEM), atestam que, embora de modo fragmentado, existem ações que alcançam a educação básica.

As agendas da mercantilização e da guerra cultural não são as mesmas. Mas possuem pontos de convergência importantes, como o esvaziamento do conhecimento nas escolas e universidades, fortalecendo a perspectiva apologética ao mercado no capitalismo dependente. Outras afinidades importantes: o diagnóstico de que o Estado vive uma grave crise fiscal e, por isso, deve cortar despesas com os servidores, flexibilizar contratos, estabelecer parcerias público-privadas, combater (ou cooptar) os sindicatos, diferenciar os tipos de escolas em função do tipo de público (a exemplo do Novo Ensino Médio, da formação profissional não integrada à educação básica, entre outras). A imagem negativa dos docentes, embora seja pintada com cores e estéticas diferentes, é também um forte ponto de convergência entre as perspectivas do grande capital, dos agentes que operam a mercantilização e dos entusiastas da guerra cultural.

7 DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO PÚBLICA

As ofensivas negacionistas e darwinistas sociais que fazem mover a agenda neofascista na educação pública pretendem colocar os professores como uma categoria esquerdista, adepta do marxismo cultural, inimiga dos valores da família, adepta da ideologia de gênero e inimiga de deus e do povo por ele escolhido. O governo Bolsonaro coloca em prática, cotidianamente, os preceitos da guerra cultural. Forja uma imagem negativa do inimigo que deve ser nomeado – desqualifica os beneficiários das cotas que, em decorrência da afirmada falta de inteligência dos negros e dos pobres, estariam rebaixando o nível de ensino, prejudicando os alunos mais inteligentes. Destrói a infraestrutura das instituições públicas, por meio de draconianos cortes de verbas, para acusá-las de má gestão e de não priorizarem o mercado. Golpeia, violentamente, os direitos trabalhistas, a carreira e a formação dos novos docentes para que, assim, a categoria perca o seu ímpeto de lutas. Acusa as instituições públicas de serem veículos do marxismo cultural para, desse modo, desconstruir o público secular e laico, justificando, deste modo, a influência de igrejas e corporações. Ao difundir tal agenda, oculta os determinantes da crise estrutural e as medidas em benefício do capital e do andar de cima, a exemplo da EC 95.

A despeito das ofensivas, o governo Bolsonaro não logrou efetiva hegemonia cultural e política sobre os sujeitos que atuam na educação pública e que ultrapassam a base do bolsonarismo. A educação básica no Brasil é fortemente descentralizada, pois de responsabilidade constitucional dos estados, DF e municípios. O governo Bolsonaro encontrou um importante cinturão protetor dos interesses do capital erigido pelo Todos pela Educação e APH afins. Desse modo, os conflitos entre o bloco no poder e o projeto da guerra cultural bolsonarista têm sido ásperos e, até o momento, a agenda política do andar de cima tem prevalecido largamente, impedindo a unificação do bloco que se verificou por exemplo no fascismo italiano.

Da ótica das trabalhadoras e dos trabalhadores da educação, espaços de resistência foram criados. Foram diversas mobilizações como as greves pela vida, as lutas em defesa de um melhor Fundeb, contra os vouchers, assim como as lutas mais amplas incorporando as entidades acadêmicas que estão mostrando que o Novo Ensino Médio e as BNCC não contam com apoio de muitos setores educacionais. A primeira grande mobilização contra o governo Bolsonaro foi o “Tsunami da Educação” em 2019, reunindo milhares de pessoas em todo o país, contra os cortes de recursos nas universidades e as manifestações hostis exaradas pelo então ministro da Educação Weintraub, assim como pelo presidente.

O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) e os sindicatos estaduais de trabalhadores da educação, assim como os sindicatos de professores organizados no âmbito da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), de distintos modos, têm se insurgido contra as medidas educacionais do governo e, especificamente, contra a implementação da reforma trabalhista de 2017.Todas estas entidades têm se mobilizado em prol do cumprimento da lei do piso salarial, assim como dos expurgos que sonegaram recursos do Fundeb em 2020 e 2021.

Essas lutas são de imenso valor e de enorme alcance para o futuro da educação brasileira. São demonstrações, em ato, de que existem sujeitos em luta. Desafios estruturais, contra a ordem do capital, entretanto, não podem ser relegadas a um futuro sempre fugidio. Urge impedir que a educação seja inserida nos circuitos da financeirização, por intermédio de sociedades anônimas sob controle de fundos de investimentos, e com capital aberto nas bolsas de valores. Um caminho para isso pode ser inspirado no recente controle do ministério da educação da China que proibiu a presença de instituições financeiras e com ações nas bolsas de valores na educação básica, superior e na pós-graduação estrito senso.

Concretamente, na realidade brasileira, tal restrição não pode deixar de contemplar a indução estatal às grandes corporações, como as isenções tributárias para empresas com fins lucrativos (como o ProUni) e os repasses financeiros custeados pelo Estado para as corporações educacionais, pelo FIES. Revisar a legislação sobre o controle social sobre as condições de oferta da educação é igualmente imperativo. Entre as medidas, requalificar a educação a distância aos termos educacionais, revogar o Novo Ensino Médio (NEM) e as Bases Nacionais Curriculares Comuns(BNCC), por terem sido impostas por atos antidemocráticos, e ainda revogar as normas que permitem que até40% dos créditos dos cursos presenciais sejam ofertados na modalidade EaD.

Outras medidas imperiosas identificadas na pesquisa dizem respeito aos planos nacionais de carreira, ingresso por concurso público, regime jurídico que assegure a condição de servidor público aos trabalhadores da educação, implementação da dedicação exclusiva na rede pública, assim como de parâmetros nacionais de remuneração associadas à qualificação dos trabalhadores da educação.

Em síntese: as lutas das trabalhadoras e dos trabalhadores da educação estão desafiadas a derrotar o neofascismo que o governo Bolsonaro objetiva impor ao país e, ao mesmo tempo, forjar unidade, coalizões capazes de efetivar a radical desmercantilização da educação no país, um desafio claramente anticapitalista.

REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Nações Unidas. ONU News – Perspectiva Global Reportagens Humanas, Taxa de vacinação precisa aumentar seis vezes para atingir meta na África. 3/2/22, https://news.un.org/pt/story/2022/02/1778652
[2] X ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. Eighth edition Updated estimates and analysis, disponívelem: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/briefingnote/wcms_824092.pdf
[3] Commodification, n. Second edition, 1989; onlineversion November 2010. http://www.oed.com/view/Entry/37198> .
[4] https://www.merriam-webster.com/dictionary/commodification
[5] https://www.dicio.com.br/mercantilizacao/
[6] https://context.reverso.net/traducao/ingles-portugues/commodification#mercadoriza%C3%A7%C3%A3o
[7] GUILHERME, G. Ação do dia: Cogna acumula queda de 21% desde estreia da Vasta na Nasdaq. Revista Exame, 4 ago. 2020. Disponível em: https://exame.com/mercados/acao-do-dia-cogna-acumula-queda- de-21-desde-estreia-da-vasta-na-nasdaq/. Acesso em: 26 ago. 2020; RIZÉRIO, Lara. Ações da Cogna se recuperam após chegarem a cair 7% com resultado; Vale e siderúrgicas recuam e Eletrobrás dispara 7%. InfoMoney, 21 ago. 2020. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/mercados/acoes-da-cogna-caem-ate- 7-apos-resultado-mas-amenizam-vale-e-siderurgicas-registram-queda/. Acesso em: 26 ago. 2020. (apud Finelli, 2020, p.77)
[8] KROTON muda de nome e se reposiciona no mercado. PublishNews, 8 out. 2019. Disponível em: https://www.publishnews.com.br/materias/2019/10/08/somos-passa-a-se-chamar-vasta. Acesso em: 7 fev. 2020. (apud Finelli, 2020, p.77)
[9] Conforme Koike, em 23/2/21 a COGNA ficará com o sistema de ensino da Eleva (R$ 600 milhões) que, por sua vez, ficará com 51 colégios da COGNA (transação que envolve cerca de R$ 1 bilhão), o saldo de R$ 400 milhões será pago à COGNA em ações da ELEVA que pretende realizar um IPO neste primeiro semestre. Beth Koike, Cogna e Eleva fecham acordo para troca de ativos. Valor, 22/2/21, disponível em:

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/02/22/cogna-e-eleva-fecham-acordo-para-troca-de-ativos.ghtml

[10] O acordo tem a previsão de que a marca Plataforma de Ensino Eleva seja licenciada para a Cogna até 2023. Já as escolas da Eleva passam a adotar os sistemas de ensino da Vasta por dez anos, tendo como exceção dos colégios de elite como Escola Eleva, Os Batutinhas e Gurilândia.
[11] Thiago Domenici. Laureate: o raio-x de uma fraude para reconhecer uma graduação no MEC. Agência Pública, 13/11/2020. https://apublica.org/2020/11/laureate-o-raio-x-de-uma-fraude-para-reconhecer-uma-graduacao-no-mec/
[12] Gabriel Teixeira. Seminário Anísio Teixeira, PPGE/ UFRJ, 6/1/22, Holding no setor de educação. https://www.youtube.com/watch?v=aPNDFev--ew
[13] Thiago Domenici. Laureate usa robôs no lugar de professores sem que alunos saibam. Agência Pública, 30/04/2020, disponível: https://apublica.org/2020/04/laureate-usa-robos-no-lugar-de-professores-sem-que-alunos-saibam/
[14] Gabriel Teixeira. Seminário Anísio Teixeira, PPGE/ UFRJ, 6/1/22, Holding no setor de educação. https://www.youtube.com/watch?v=aPNDFev--ew
[15] Thiago Domenici. “É cruel”: professores relatam de aulas on-line com mais 300 alunos a demissões por pop-up. Agência Pública, 22/09/2020, disponível https://apublica.org/2020/09/e-cruel-professores-relatam-de-aulas-on-line-com-300-alunos-a-demissoes-por-pop-up/
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