Mesas redondas

O SENTIDO HISTÓRICO DA PANDEMIA DE COVID-19

THE HISTORICAL SENSE OF THE COVID-19 PANDEMIC: defense of life, public health and new hegemony

Maria Valéria Correia
Universidade Federal de Alagoas - UFAL, Brasil

O SENTIDO HISTÓRICO DA PANDEMIA DE COVID-19

Revista de Políticas Públicas, vol. 26, Esp., pp. 103-123, 2022

Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 12 Febrero 2022

Aprobación: 21 Octubre 2022

Resumo: O artigo tem como objetivo apresentar alguns aspectos do período pandêmico que evidenciam o caráter destrutivo do capitalismo contemporâneo, o qual coloca em risco a vida e a própria existência da humanidade, enfatizando que ele está relacionado: ao surgimento do novo coronavírus e à possibilidade de novas pandemias em decorrência da devastação da natureza; ao aprofundamento das desigualdades sociais; à mercantilização da vida e dos serviços de saúde. O artigo foi desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica sobre o tema e de consulta aos estudos já realizados pelo grupo de pesquisa da autora. Na conclusão traz reflexões, a partir do pensamento de Gramsci, sobre a necessária construção da hegemonia das classes subalternas, com um horizonte anticapitalista das lutas sociais para a preservação da humanidade.

Palavras-chave: Pandemia, desigualdade social, Saúde pública, Hegemonia.

Abstract: The article aims to present some aspects of the pandemic period that highlight the destructive character of the contemporary capitalism, which puts the life and the very existence of humanity at risk, emphasizing that contemporary capitalism is related: to the emergence of the new coronavirus and possibility of new pandemics as a result of devastation of nature; to the deepening of social inequalities; to the commodification of life and health services. It was developed from bibliographic research on the subject and consultation of studies already developed by the author’s research group. The conclusion brings reflections, based on Gramsci’s thought, on the necessary construction of the hegemony of the subaltern classes, with an anti-capitalist horizon of social struggles for the preservation of humanity.

Keywords: Pandemic, social inequality, public health, Hegemony.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo foi elaborado para subsidiar a exposição na mesa-redonda “A Precarização do Trabalho e a Luta por Direitos, a Defesa da Educação e da Saúde Públicas e o Sentido Histórico da Pandemia Covid-19”, da X Jornada Internacional de Políticas Públicas (X JOINPP), ocorrida em 18 de novembro de 2021. Tem o objetivo de apresentar como o período pandêmico evidenciou o caráter destrutivo do capitalismo, na relação predatória com a natureza, no aprofundamento da desigualdade social e na mercantilização da vida e dos serviços da saúde, colocando em risco a própria existência da humanidade. Período em que recrudesce o lucro acima da vida, banalizando-se milhares de mortes evitáveis, ao tempo que revela a necessidade de as lutas sociais terem um horizonte anticapitalista para que a vida e a saúde sejam preservadas.

Para o desenvolvimento do artigo, partiu-se de uma ampla pesquisa bibliográfica sobre o tema e de estudos já desenvolvidos para a elaboração da coletânea Determinação social da saúde e enfrentamento da covid-19: o lucro acima da vida, e do dossiê Política de saúde e lutas sociais em tempos de pandemia da covid-19.

O caráter destrutivo das relações sociais capitalistas na fase de financeirização do capital se tornou mais explícito na pandemia: ele está na raiz do surgimento do novo coronavírus, em decorrência da devastação da natureza; no aprofundamento das desigualdades sociais, propiciando maior letalidade entre a classe trabalhadora negra; na mercantilização da saúde, dificultando o acesso aos serviços e gerando mortes evitáveis – tudo em função do lucro. Por isso, neste artigo, o sentido histórico atribuído ao período pandêmico foi a visibilidade e comprovação do referido caráter destrutivo do capitalismo e o necessário horizonte anticapitalista das lutas sociais para a preservação da própria humanidade. Este artigo levanta apenas alguns aspectos iniciais do tema escolhido, que suscitam novos estudos sobre a realidade em que ainda estamos imersos.

Iniciamos abordando o caráter destrutivo das relações sociais capitalistas para a natureza, relacionando-o com o surgimento do novo coronavírus e com a possibilidade de novas pandemias. Mostramos ainda como, no Brasil, sob o governo negacionista de Bolsonaro, a devastação do meio ambiente tem avançado, favorecendo grupos econômicos, e como a ausência de uma política nacional de enfrentamento da covid-19, em nome do lucro, propiciou mortes evitáveis.

A segunda parte expõe que a pandemia atinge de forma diferente parcelas diversas da população, de acordo com as condições materiais de existência de cada uma, realidade que remete ao conceito de determinação social da saúde. Uma taxa de letalidade mais alta entre a classe trabalhadora negra evidencia que a pandemia é atravessada pela questão de classe e de raça. Aponta a agudização da desigualdade social durante a pandemia, ou seja, o aumento concomitante da riqueza e da miséria, evidenciando mais essa face destrutiva do capital que está na sua própria origem, na lei geral da acumulação capitalista.

A terceira parte questiona os sistemas de saúde mercantis próprios do capitalismo, os quais, no neoliberalismo, têm gerado cada vez mais acumulação de riqueza para o setor privado via captura do fundo público, colocando o lucro acima da vida em plena pandemia. Situa a realidade do não enfrentamento da pandemia no Brasil pelo governo negacionista, que tem propiciado milhares de mortes evitáveis e desperdiçado a potencialidade do maior sistema público de saúde do mundo, o SUS. Enfatiza a necessidade de defender os sistemas públicos de saúde globalmente e, no Brasil, o SUS público, estatal e universal e, nele, a ampliação da Atenção Primária em Saúde (APS), que vem sendo desmontada mesmo durante a pandemia.

Na conclusão, partimos das evidências do caráter destrutivo do capitalismo explicitadas no período pandêmico, que apontam a necessidade de fortalecer a construção de um horizonte anticapitalista, e, tomando como base o pensamento de Gramsci, levantamos a necessidade de enfrentar os desafios presentes no cotidiano, resistir e adensar as lutas contra a mercantilização e a destruição da vida ora em curso, na perspectiva da construção da hegemonia das classes subalternas.

2 A PANDEMIA DE COVID-19 EVIDENCIOU O CARÁTER DESTRUTIVO DO CAPITALISMO EM SUA DIMENSÃO GLOBAL

A origem do novo coronavírus está relacionada à forma predatória das relações de produção capitalistas com a natureza, as quais, em nome do lucro, vêm provocando mudanças climáticas, aquecimento global, modificações nos ecossistemas, colocando em risco a existência da humanidade, especialmente no seu estágio atual de acumulação de riqueza. O sentido histórico da pandemia é a evidência do caráter destrutivo do capitalismo e a necessidade de as lutas sociais terem um horizonte anticapitalista.

Entre 2009 e 2020 ocorreram seis emergências internacionais de saúde pública decretadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS): ebola, síndrome respiratória aguda grave (SARS), síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), H1N1, Zika e SARS Coronavírus 2 (SARS-CoV-2). A OMS já indicou que outras pandemias podem surgir, razão pela qual organizou um grupo de acompanhamento científico para orientar as ações nas próximas pandemias. Os três principais líderes dessa organização publicaram uma carta na revista Science, em 13 de outubro de 2021, afirmando que:

Os últimos 30 anos expuseram as ameaças econômicas e de saúde pública globais representadas pelo surgimento de patógenos infecciosos com potencial epidêmico e pandêmico [...] O risco de emergência futura é impulsionado por múltiplas forças, incluindo mudanças climáticas, mudanças nos ecossistemas e crescente urbanização. A próxima Doença X pode aparecer a qualquer momento, e o mundo precisa estar mais bem preparado (KERKHOVE; RYAN; GHEBREYESUS, 2021).

Virgínia Fontes (2020) afirma que a possibilidade de outras pandemias está posta com a expansão do capital em sua desordenada e devastadora relação com a natureza, que vem agudizando permanentemente a possibilidade de pandemias. Segundo a autora, “já há uma enorme quantidade de estudos a esse respeito – confinamento de animais, tratados com doses massivas de medicamentos; alteração do uso do solo e do ambiente por monoculturas gigantescas, massivamente impregnadas de agrotóxicos etc.”. Para ela, as mídias proprietárias falam das recentes grandes epidemias, mas não dizem que foram gestadas pelo próprio capitalismo. Fontes considera que esta é “uma pandemia totalmente acoplada à crise da vida social provocada pela expansão do capital e do capitalismo, sem falar da profunda internacionalização das relações sociais de produção” (FONTES, 2020).

Nesta perspectiva, a última Cúpula do Clima, a COP26, realizada em novembro de 2021, viu o acordo para tentar garantir o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C em relação ao século XIX ser esvaziado, por pressão da Índia e da China, no momento final do evento. Trocou-se “acelerar a eliminação do uso de carvão e subsídios a combustíveis fósseis”, fontes altamente poluentes, por “acelerar a diminuição”. Certamente, porque os países de capitalismo periférico são os que mais sentem as consequências das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global e da produção de gás carbônico (CO2).

2.1 Pandemia no Brasil: negacionismo, devastação ambiental e mortes evitáveis

No Brasil, o quadro da pandemia e de devastação ambiental se agravou devido ao governo negacionista de Bolsonaro: negação da ciência, do aquecimento global, das queimadas, do desmatamento, no intuito de apoiar grupos econômicos, principalmente o do agronegócio, além de incentivar a invasão de terras indígenas em apoio a mineradoras, garimpeiros, madeireiras e criadores de gado. No período em que Ricardo Salles chefiou o Ministério do Meio Ambiente, o governo emitiu 721 medidas que impactam o meio ambiente. Houve um acelerado desmonte da fiscalização, do orçamento e das normas na área ambiental, cujas consequências foram um aumento de 216% no desmatamento – que atingiu a marca recorde de 810 quilômetros quadrados –, o avanço do garimpo sobre as terras indígenas e 12% de aumento nos focos de incêndio, segundo o dossiê Cronologia de um desastre anunciado, elaborado pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Meio Ambiente (ASCEMA, 2020).

Segundo a ASCEMA (apud GUSSEN, 2021), a Amazônia sofre um ataque orquestrado de mineradores, grileiros, exploradores de madeira e pecuaristas ilegais, muitas vezes coordenados ou apoiados por personalidades e organizações políticas municipais, estaduais e nacionais. A entidade denuncia ainda um processo de militarização crescente dos órgãos ambientais. Observa-se a existência de uma estratégia em curso em todo o governo e central na pasta ambiental: destinar cargos de alto escalão a quem defende pautas contrárias às de suas pastas. É o que ocorre nos ministérios do Meio Ambiente, da Educação, da Saúde e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, entre outros.

No enfrentamento à pandemia, o governo federal foi um desastre desde o início, com seu posicionamento negacionista e antivacina. Segundo Pedro Hallal, epidemiologista coordenador da pesquisa nacional Epicovid, três em cada quatro mortes por covid-19 no Brasil poderiam ter sido evitadas se o país tivesse uma boa gestão da pandemia (CNS, 2021). Já o levantamento Mortes evitáveis por covid-19 no Brasil, de pesquisadores da UERJ, da UFRJ e da USP, estima que pelo menos 200 mil vítimas de covid-19 poderiam ter sido salvas no Brasil se o país tivesse adotado políticas públicas para conter a disseminação da doença no território, como lockdown, controle de fronteiras, testagem em massa, campanhas de comunicação e de incentivo ao uso de máscaras. Mais de 300 mil mortes em excesso foram notificadas entre março de 2020 e março de 2021 (WERNECK et al., 2021). Para Deisy Ventura e Rossana Reis, em estudo realizado pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP em articulação com a Conectas Direitos Humanos, o governo federal colocou em ação “uma estratégia institucional de propagação do vírus [...] sob a liderança da Presidência da República” (VENTURA; REIS, 2021, p. 6).[1]

Milhares de mortes poderiam ter sido evitadas se houvesse um comando nacional do SUS que organizasse os serviços para o enfrentamento da pandemia. Estruturado em unidades de saúde por todo o território nacional, o SUS é o maior sistema público de saúde do mundo, mas lhe faltou um plano nacional de enfrentamento à pandemia. Nem mesmo o plano elaborado por entidades científicas e movimentos sociais e apresentado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) ao então general Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em 3 de junho de 2020, foi considerado. O atraso na aquisição das vacinas prejudicou a vacinação: o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19 não partiu da iniciativa do governo, e só em 11 de dezembro de 2020 foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em resposta a processos judiciais movidos por partidos de oposição contra o governo federal, requisitando a obrigatoriedade da compra de vacinas, pois o governo atuava para atrasar a compra das vacinas. Os processos foram apresentados ao STF após o presidente Bolsonaro desautorizar o acordo do Ministério da Saúde para a compra da vacina CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, entidade ligada ao governo estadual de São Paulo (AMARAL; TEIXEIRA, 2020).

Nesse cenário, não fosse pelo SUS, com sua autonomia e comando único em cada esfera de governo, a situação poderia ser pior, e as mortes por covid no país, muito mais numerosas. A importante estrutura do SUS em todo o território nacional, junto com o compromisso de suas trabalhadoras e trabalhadores, salvou muitas vidas. Hoje, em média ,75% da população brasileira depende dos serviços públicos de saúde. Diante do aumento da desigualdade social, da pobreza, do desemprego e da fome, cada vez mais a população precisará do SUS.

A pandemia escancarou a abissal desigualdade social existente no interior dos países e entre eles. Em plena pandemia, os ricos ficaram mais ricos, e os pobres – a classe trabalhadora –, ainda mais pobres.

3 PANDEMIA, DESIGUALDADE SOCIAL E DETERMINAÇÃO SOCIAL DA SAÚDE

Em qual grupo demográfico a taxa de letalidade pela covid-19 é maior? Na classe trabalhadora, e especialmente na classe trabalhadora negra, o que evidencia o racismo estrutural. Pesquisas recentes em vários países têm apontado que o coronavírus não é democrático e tem causado maior letalidade na população pobre e negra. As diferentes condições de vida e de trabalho dos grupos populacionais influenciam o número de óbitos pela covid-19 (cf. CORREIA; ALVES, 2021). A imensa desigualdade social produz desiguais condições de adoecimento e de morte, relacionadas às desiguais condições de vida e ao processo de trabalho, estruturais ao capitalismo (CORREIA; ALVES, 2021).

Trata-se de um tema que remete ao conceito de determinação social da saúde, da Reforma Sanitária brasileira e italiana, que deu sustentação à formulação do SUS. A saúde está relacionada ao processo de trabalho e às condições de vida da população. Esse conceito remonta à lei geral de acumulação, que está na raiz da desigualdade social. Esta, por sua vez, produz desiguais condições de adoecimento e de morte, relacionadas às desiguais condições de vida e de trabalho, estruturais às relações sociais capitalista. Na perspectiva da Reforma Sanitária Brasileira, trata-se da determinação social do processo saúde e doença, que é historicamente determinado pela sociedade de classes que produz e reproduz diferentes condições de trabalho e modos de vida. De acordo com o marco teórico da Reforma Sanitária, as leis de mercado determinam as tendências de deterioração ambiental, o agravamento do quadro epidemiológico e as distorções da assistência à saúde. Berlinguer (1978),[2] ao tratar do quadro epidemiológico, assinalou como primeiro “fator patogênico” o capital (p. 80).

Durante a pandemia, enquanto os ricos (a classe dominante) multiplicaram suas fortunas, as classes subalternas vivenciaram o agravamento de suas condições de trabalho – cada vez mais intensificado, precarizado, flexibilizado, uberizado – e o consequente aviltamento das suas condições de vida. O processo de trabalho e as condições de vida determinam a saúde, e é por isso que inúmeros estudos apontam uma maior taxa de letalidade por covid-19 nessas classes, especialmente entre negros e negras. A determinação social da saúde explica essa realidade: a crise sanitária é uma questão de classe e de raça.

3.1 Enfrentamento à pandemia e à desigualdade social engendrada pelo capitalismo

A pandemia expõe o fracasso das tentativas de enfrentar as crises do capitalismo por meio do neoliberalismo. O Estado máximo para o capital tem provocado a destruição da natureza, o aprofundamento da precarização do trabalho e o aumento exponencial da pobreza. Na sua fase de financeirização, o capitalismo, é devastador: como vimos, em plena pandemia, ao mesmo tempo que o desemprego e a miséria cresciam, os ricos ficavam mais ricos e os bancos multiplicavam seus ganhos (CORREIA; ALVES, 2021). No segundo trimestre de 2020, os lucros de Citibank, Goldman Sachs e JP Morgan foram quase o dobro dos níveis de 2019 (WHAT..., 2020).

De acordo com a ONG Oxfam, durante a pandemia – mais exatamente entre março (início da pandemia) e junho de 2020 –, 73 bilionários da América Latina e do Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões, o que equivale a um terço do total de recursos previstos em pacotes de estímulos econômicos adotados por todos os países da região. São brasileiros 42 desses bilionários, que, juntos, ficaram US$ 34 bilhões mais ricos (BILIONÁRIOS..., 2020).

Ainda segundo a Oxfam, “um novo bilionário surge a cada 26 horas desde o início da pandemia. Os dez homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas, enquanto mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza” (UM NOVO..., 2022). Nesse meio-tempo, estima-se que 17 milhões de pessoas morreram de covid-19 no mundo. De acordo com a ONG, “os 20 maiores bilionários do país têm mais riqueza (US$ 121 bilhões) do que 128 milhões de brasileiros (60% da população)” (UM NOVO..., 2022).

No Brasil, após o golpe jurídico-parlamentar-empresarial de 2016, o governo Temer avançou com o processo de expropriação dos direitos sociais e trabalhistas para acelerar o ajuste estrutural. O aprofundamento das medidas de austeridade fiscal implicou o desfinanciamento das políticas sociais, caracterizando o que Elaine Behring, Juliana Cislaghi e Giselle Souza (2020) denominam ultraneoliberalismo, uma forma mais recente do neoliberalismo que pode ser observada em vários países do mundo (p. 106). Elas afirmam que “a maioria dos autores do campo crítico, adotando ou não esse termo, concordam que o neoliberalismo sofre uma inflexão que aprofunda seus pressupostos, como consequência da crise financeira de 2008” (p. 106). Destacam que a crise é centralmente do setor privado financeiro e faz parte de um momento estrutural de crise do capital que se arrasta há décadas.

Sob o governo ultraneoliberal de Temer foi implantado, em 2016, um novo regime fiscal, com a Emenda Constitucional n. 95, que congelou os gastos sociais por vinte anos. Nesse mesmo ano houve, ainda, o aumento da Desvinculação dos Recursos da União (DRU) destinados ao financiamento da Seguridade Social de 20% para 30% (Emenda Constitucional n. 93), redundando no mencionado desfinanciamento das políticas sociais.

A luta pela revogação da EC n. 95 e pelo fim da DRU deve estar no horizonte, pois, ao mesmo tempo que essas medidas diminuem os gastos sociais, aumentam os recursos para o financiamento do capital via pagamento dos juros e amortizações da dívida pública. Nessas condições, é necessário reverter e enfrentar a desigualdade própria do capitalismo e acelerada pelo ultraneoliberalismo no Brasil e no mundo.

O governo Bolsonaro encontrou na pandemia do novo coronavírus a oportunidade para prosperar no seu projeto de ultraneoliberalismo e neofascismo combinados, “passando a boiada” dos interesses da classe dominante, enquanto naturalizava as milhares de mortes diárias ocorridas em 2020 e 2021. Esse governo acelerou as contrarreformas do Estado, aprovou a reforma da Previdência Social, acabou com os programas Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, entre outras medidas que redundaram no aumento da pobreza. Em dois anos, cresceu em 14 milhões o número de pessoas que passam fome no Brasil, de 19,1 milhões em 2020 para 33,1 milhões em 2022, de acordo com o levantamento realizado pela Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) (MADEIRO, 2022). Além dos 33,1 milhões de famintos, outras 125 milhões de pessoas vivem com insegurança alimentar. O Brasil voltou ao mapa mundial da fome. Segundo o IBGE, no primeiro trimestre de 2022, os desempregados somam 11,9 milhões e os desalentados, 4,6 milhões (IBGE, 2022).

A crise sanitária da pandemia da covid-19 tem agudizado o contexto de crise do capital, mas as respostas do Estado à crise têm beneficiado a expansão dos lucros do setor privado, especialmente preservando a financeirização do capital e os lucros bancários. Por ocasião dos primeiros reflexos da pandemia no setor econômico brasileiro, o governo federal liberou, via Banco Central, em 23 de abril de 2020, R$ 1,2 trilhão para os bancos. Entretanto, o auxílio emergencial à população vulnerável só foi aprovado no Congresso Nacional graças à pressão dos parlamentares de oposição ao governo federal (CORREIA; SANTOS; ALVES, 2021). Em 2020, foram gastos cerca de R$ 275 bilhões com o auxílio emergencial. Nesse mesmo ano, segundo Gomes (2021), os países ricos tomaram empréstimos de US$ 18 trilhões para combater os efeitos da pandemia, mas, a maior parte dos recursos foi destinada a dar suporte às grandes empresas e bancos, que ainda sentiam os efeitos da crise capitalista de 2008. A destinação da maioria do dinheiro público para os agentes privados, em cada país, revela o caráter de classe do Estado.

A pandemia aprofundou a desigualdade social e evidenciou a necessidade de sistemas públicos de saúde em todo o mundo, especialmente em face da realidade, já exposta, de condições de vida aviltantes. Muitas doenças se agravaram, pois houve uma retenção de tratamentos e cirurgias devido à priorização do tratamento da covid-19, no Brasil e no mundo. Estima-se que na Inglaterra a demanda reprimida levará três anos para ser reequilibrada. No Brasil, se não houver um investimento público na expansão dos serviços próprios do SUS, o quadro é preocupante (RODELLA, 2021). De acordo com um estudo coordenado pelo professor Nivaldo Alonso, da Faculdade de Medicina da USP, cuja pesquisa quantificou o atraso de cirurgias emergentes e eletivas durante a pandemia de covid-19 no sistema público de saúde brasileiro, cerca de 1 milhão de procedimentos cirúrgicos foram adiados ou cancelados no país (TRUCHE et al., 2021).

4 A PANDEMIA COLOCA EM XEQUE O MODELO ECONÔMICO E SOCIAL NO MUNDO E SEUS SISTEMAS DE SAÚDE MERCANTIS

O atual estágio do capitalismo, em sua fase neoliberal/ultraneoliberal de financeirização do capital, caracteriza-se por incentivar a desresponsabilização do Estado em garantir serviços públicos à classe trabalhadora, propondo a mercantilização como meio mais eficaz de acesso aos serviços. Essa reconfiguração do papel do Estado, atribuindo ao mercado o papel de ofertar serviços sociais, aprofunda a desigualdade social, tornando-se um fator de preocupação em face da pandemia de covid-19. Esta última tem mostrado que é necessário aumentar e fortalecer os sistemas públicos de saúde em todo o mundo e, principalmente, combater e enfrentar a mercantilização da saúde. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o sistema de saúde é totalmente mercantilizado, o tratamento da covid-19 provocou um grande endividamento das famílias, além de ser o país com maior número de mortes no mundo.

O arranjo atual para a mercantilização da saúde no mundo é uma proposta da Cobertura Universal da Saúde (CUS) elaborada pelo Banco Mundial (BM), com a participação de fundações filantrópicas privadas, como a Fundação Rockfeller e a Fundação Bill e Melina Gates, concepção moldada entre 2004 e 2010. De acordo com Correia (2018), o que está na base da proposta é um mix entre o público e o privado – trata-se de um neouniversalismo. Para Feo (2014), “a proposta de cobertura universal é funcional ao mercado e ao capital. Ela foi assumida pela OMS e Organização Pan-Ameriacana da Saúde (Opas) depois de ser desenhada nos grandes centros financeiros internacionais”. Ele afirma que “a saúde passou a ser um espaço fundamental da economia. Hoje, a saúde é o local onde se jogam os interesses do lucro e da acumulação de um setor fundamental da economia mundial que é a indústria farmacêutica e a indústria técnico-médica”. Expõe que é a “segunda indústria que mais lucra no mundo e isso faz com que as políticas de saúde sejam influenciadas pelos interesses do que estamos chamando na América Latina de Complexo Médico-Industrial e Financeiro da Saúde, conformado pelas grandes corporações privadas”. Assim, “essas empresas não têm como interesse a saúde da população, e, sim, a acumulação de capital e realização do lucro”. Para Feo (2014), o melhor exemplo disso é a criação da proposta de Cobertura Universal da Saúde.

Essa proposta de reformas pró-mercado nos sistemas de saúde em vários países tem provocado o desmonte de sistemas universais considerados referência no mundo, como o Serviço Nacional de Saúde (NHS) inglês, que, em 2012, sofreu uma forte inflexão com o Health and Social Care Act, que liberalizou o NHS para prestadores privados e restringiu a responsabilidade estatal pela saúde da população. Esse sistema tornou-se um sistema público híbrido entre estabelecimentos estatais e serviços privados, mas com um aumento dos recursos públicos destinados às entidades privadas (FILIPPON et al., 2016). Desde 1979, na era Thatcher, esse sistema vem sendo flexibilizado aos interesses do mercado. Um estudo recente das mudanças ocorridas no NHS entre 2013 e 2020 aponta que, com o repasse de suas funções para empresas, houve uma redução da qualidade dos cuidados prestados aos doentes e um aumento da mortalidade por causas tratáveis. A conclusão é de que “o aumento das privatizações foi associado a taxas mais elevadas de mortalidade tratável, com as alterações ao ‘outsourcing’ potencialmente ligadas a mais 557 mortes evitáveis na Inglaterra durante o período de estudo” (AGÊNCIA LUSA, 2022).

Afirmamos que, no cenário mundial, uma grande bandeira de luta que precisamos internacionalizar é a luta contra a mercantilização da saúde. A pandemia demonstra esta necessidade, os sistemas públicos precisam ser fortalecidos. Sabemos que a mercantilização é estrutural ao capitalismo, mas é nesse chão que devemos construir essa perspectiva de uma nova hegemonia em que a saúde não seja mercantilizada, pois tem uma conexão direta com a vida.

A regência que o BM vem dando à política de saúde no mundo, em consonância com os interesses do mercado, é que o Estado se desresponsabilize da execução das políticas sociais e transfira essa função para o setor privado, mediante repasse do fundo público da saúde, assumindo o papel de regulador desses serviços. No Brasil, o BM tem tido protagonismo nas orientações da contrarreforma da saúde desde os anos de 1990. Correia (2007) aponta que a contrarreforma neoliberal contida no Programa Nacional de Publicização do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) do governo Fernando Henrique Cardoso absorveu na íntegra a agenda da contrarreforma sanitária do Banco Mundial para a saúde.

4.1 Pandemia e defesa do SUS público, estatal e universal

O Movimento da Reforma Sanitária, no final dos anos 1970 e nos anos 1980, no contexto de lutas contra a ditadura empresarial-militar e pela redemocratização do país, tinha como objetivo mudar as condições de vida da população e as bases mercantis do sistema de saúde brasileiro. Assim, opôs-se “à mercantilização que incide no conjunto de dimensões da vida humana, compromete a relação homem-ambiente, produzindo danos à saúde gerados pelas leis do lucro e tornando-se campo de novos lucros” (CORREIA; MEDEIROS, 2014, p. 132).

O SUS é patrimônio do povo brasileiro e é fruto de lutas sociais empreendidas a partir do final da década de 1970, contra o modelo médico-assistencial privatista da ditadura empresarial-militar. “Saúde não é mercadoria” era a palavra de ordem do Movimento da Reforma Sanitária. O direito universal à saúde, assegurado na Constituição de 1988, foi um marco importante para a implantação da grande rede de serviços públicos de saúde no extenso território nacional. Mas, no contexto de contrarreformas neoliberais, o SUS tem sido subfinanciado e privatizado para atender os interesses do mercado privado da saúde. Ao longo dos anos, como aponta Correia (2015), tem ocorrido uma privatização por dentro do SUS, com a captura de seu fundo público pelo setor privado, por meio dos novos modelos de gestão da saúde – Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Fundações Estatais de Direito Privado e Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) – e da contratualização pelo SUS de serviços privados, o que caracteriza a complementaridade invertida.[3] O Estado tem apoiado o crescimento da oferta de serviços privados no mercado por meio de incentivos ao livre mercado da saúde, como isenções de impostos a planos de saúde e hospitais, entre outros, recursos que poderiam compor o fundo público da saúde (CORREIA, 2015).

Esses processos foram expandidos durante a pandemia, uma vez que o governo Bolsonaro vem emplacando o projeto do capital também na saúde. O fortalecimento do setor privado na saúde se intensificou no período pandêmico, com o repasse da gestão dos hospitais de campanha, destinados ao tratamento de covid-19, para Organizações Sociais de Saúde (OSSs). A pandemia demonstrou sua ineficácia, e surgiram escândalos de desvio de recursos públicos em muitas regiões do país. No Rio de Janeiro, foi um contrato não executado por uma Organização Social (OS) para gerir os hospitais de campanha, durante a pandemia que levou ao afastamento do governador Wilson Witzel (PSC) do cargo. No Pará, a Polícia Federal, em conjunto com a Controladoria Geral da União, realizou a operação S.O.S, que constatou, só no governo do estado do Pará, a celebração de contratos com OSs no valor de R$ 1,2 bilhão. Os contratos são de 2019 e 2020 e envolvem quatro organizações sociais, cinco hospitais públicos e quatro hospitais de campanha montados para enfrentar a pandemia. A suspeita é que tenham sido desviados cerca de R$ 455 milhões (POLÍCIA FEDERAL..., 2021).

Durante a pandemia, o setor público tem contratado leitos de hospitais privados/filantrópicos para atender pacientes de covid-19, caracterizando a continuidade da complementaridade invertida, em que o Estado compra serviços hospitalares da rede privada, destinando a ela a maior parte dos recursos públicos disponíveis, em vez de ampliar sua rede própria. A contratação desses serviços hospitalares também aumentou durante a pandemia, assim como o preço da UTI. A Portaria do Ministério da Saúde n. 568, publicada em 26 de março de 2020, dobrou o valor do custeio diário dos leitos de UTI, de R$ 800 para R$ 1,6 mil, excepcionalmente para o atendimento exclusivo de pacientes com covid-19. De março a maio de 2020, do total dos recursos destinados aos procedimentos hospitalares pelo governo federal – cerca de R$ 3,5 bilhões –, 58% foram destinados para o setor privado contratualizado, enquanto a rede pública recebeu apenas 42%. Em média, de 2015 a 2019, 57% dos recursos do SUS destinados ao pagamento de procedimentos hospitalares foram para o setor privado (CORREIA; SILVA, 2021, p. 157).

4.2 Pandemia: o lucro acima da vida

Em 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou estado de pandemia devido ao novo coronavírus, o Brasil possuía 45 mil leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), mas apenas cerca de 19 mil estavam na rede pública de saúde, responsável por atender a maioria da população brasileira, uma média de 75%. A proporção de leitos de UTI disponibilizados na rede privada era de 4,9 leitos por 10 mil habitantes, e na rede pública, de 1,4 leito por 10 mil habitantes. Diante dessa desproporção e do crescimento de casos do novo coronavírus no país, foi lançada a campanha Leitos para Todos, que propunha que todos os leitos de UTI, públicos e privados, passassem para a gestão do SUS, com o objetivo de que a coordenação fosse mais eficiente em benefício de toda a população, ricos e pobres, enfrentando o problema da desigualdade na distribuição de leitos de UTI para não haver discriminação por capacidade de pagamento.

Nascia assim a proposta da fila única de leitos no SUS, articulada pelo CNS, por sanitaristas e por movimentos sociais da saúde. Embora a campanha Leito para Todos + Vidas Iguais tenha sido lançada em 12 de maio de 2020, essas reivindicações não foram atendidas, mesmo tendo total respaldo legal[4] – evidência de que na pandemia o lucro do setor privado está acima da vida. Em alguns países, como Itália, França, Espanha, Irlanda e Austrália, houve a adoção da fila única de leitos para atender de forma igualitária às crescentes demandas por leitos decorrentes da covid-19.

Cumpre destacar que a própria formulação da consulta à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) por parte do Ministério da Saúde para dar resposta à Recomendação n. 26 do CNS, de 22 de abril de 2020, sobre a fila única dos leitos, indicou que a preocupação desse Ministério era com o setor privado, e não com o público, ao questionar “os possíveis impactos no setor de Saúde Suplementar acerca da adoção de uma fila única de leitos”. A ANS, por sua vez, emitiu a Nota Técnica n. 04/2020, que, de forma geral, afirma que a medida traria prejuízo aos segurados e às empresas do setor. Para se contrapor à recomendação do CNS, essa agência recorreu a argumentos constitucionais, os quais asseguram o direito à propriedade privada e à saúde como livre à iniciativa privada (CORREIA; SILVA, 2021). Esse posicionamento da ANS demonstrou sua atuação no sentido de equilibrar os lucros do setor privado.

Segundo estudos da Confederação Nacional de Municípios, a fila única de leitos para a UTI poderia aumentar em 86% o acesso da população a um leito (AGÊNCIA CNM DE NOTÍCIAS, 2020). Por outro lado, é emblemático que, em algumas regiões, no pico da pandemia, quando o setor privado precisou de leitos do SUS para encaminhar seus pacientes, o acesso foi viabilizado. O contrário apenas tem sido possível sob judicialização, o que demonstra que o lucro tem estado acima da vida.

Nesse contexto, chama a atenção que os hospitais militares, mantidos com recursos públicos e legalmente obrigados a disponibilizar seus leitos para os usuários do SUS, chegaram a ficar com 60% dos leitos disponíveis durante o ápice da pandemia, enquanto outros hospitais públicos tinham lista de espera. Conforme a reportagem da Piauí .Dinheiro público, privilégio militar”,os hospitaismilitares, mesmo com leitos disponíveis, deixaram de atender a civis em momentos críticos da pandemia, muitos dos quais morreram por causa dessa falta de atendimento (MAZZA; SALOMON, 2021). Em 2020, o Ministério da Defesa empenhou R$ 3,3 bilhões na operação de seu sistema hospitalar. A pasta também teve direito a um crédito extra de R$ 531 milhões para o combate à pandemia.

É importante observar que o setor privado enriqueceu e ampliou seus serviços durante e com a pandemia – o que reforça o posicionamento contra a mercantilização da saúde e pela defesa do fortalecimento dos sistemas públicos em todo o mundo. A queda na ocupação de leitos frente aos riscos de contágio e o aumento nos atendimentos virtuais, somados aos estímulos e apoios financeiros disponibilizados pela ANS em articulação com o Estado, fizeram da pandemia uma oportunidade de acumulação de capital. Nos seus períodos mais críticos, houve um aumento da lucratividade das operadoras de planos privados (ALVES; CORREIA, 2021). Aliás, a tendência de lucratividade dessas empresas já vinha aumentando antes mesmo da covid. De acordo com Ocké-Reis, Martins e Drach (2021), o desempenho econômico das empresas líderes – Amil, Hapvida, Notre Dame Intermédica, Unimed Belo Horizonte, Central Nacional Unimed, Bradesco Saúde, SulAmérica e Qualicorp – chegou a ser três vezes superior à taxa média da economia brasileira de 2007 a 2019.

4.3 Defender a ampliação da Atenção Primária em Saúde (APS)

A atuação do governo federal na propagação do novo coronavírus, contra as medidas de combate à pandemia e de negação das recomendações científicas, somada à inexistência de um comando nacional que estruture a articulação das três esferas de governo no enfrentamento da pandemia, redundou na subutilização do potencial do SUS, especialmente da ampla rede de APS. Essa subutilização ocorreu voluntariamente pelo governo federal, que desconsiderou uma das grandes vantagens do sistema brasileiro, uma vez que estudos indicavam que cerca de 80% dos casos de covid-19 são leves e grande parte dos moderados procuram a rede básica como primeiro acesso na busca de cuidados.

Pesquisas demostram que nos locais onde a atenção primária atuou no enfrentamento à covid-19, principalmente nos municípios onde esta encontrava-se estruturada, evitaram-se muitas mortes, graças à vigilância em saúde, rastreamento de infectados, auxílio para o isolamento e articulação de ações numa perspectiva intersetorial, junto com as demais políticas sociais. Essa, porém, não foi a condução de uma política nacional. Levantamento do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), junto com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), entre agosto e novembro de 2020, relativo à atuação das equipes de atenção primária no combate à pandemia encontrou experiências exitosas, com abordagem populacional, territorial, comunitária e intersetorial. As famílias orientadas pelas equipes de saúde da família puderam conhecer mais sobre os sintomas, reduzindo o risco de contágio. Observou-se que os prefeitos que priorizam a atenção primária conseguiram “conduzir ações rotineiras de vigilância epidemiológica, inclusive testagem e controle de casos positivos, além de vacinação” (TAVARES, 2021). As experiências exitosas demonstram a importância da atenção primária no cotidiano da população e no combate à covid-19. As dificuldades encontradas durante a pandemia também mostram o quanto essa política precisa ser ampliada e mais bem estruturada.

Um outro estudo que escrutinou as respostas à covid em 26 capitais demonstrou que municípios que zelam pela atenção primária e pela estratégia de saúde da família tiveram resultados sensivelmente melhores, e que a saúde privada não teria essa mesma capacidade (GUEDES, 2021). Nesse estudo foi realizada uma avaliação abrangente que detalhou as condições dos diversos segmentos da população em todas as capitais estaduais e como elas foram afetadas pela covid. A resposta reforça que o sistema público foi fundamental para mitigar os malefícios do vírus. A saúde privada não teria conseguido o mesmo resultado, conclui um dos autores, Marcelo Barbosa, professor da UFRN.

De acordo com Medina etal. (2020):

O fracasso de experiências internacionais de tentativas de enfrentamento da pandemia centradas no cuidado individual hospitalar alertou para a necessidade de uma abordagem mais territorializada, comunitária e domiciliar, e a necessidade de ativar a APS, forte e integral, em toda a sua potencialidade [...].

O modelo brasileiro, com suas equipes de saúde da família e enfoque territorial, apresentou impactos positivos na saúde da população e tem papel importante na rede assistencial de cuidados, além de poder contribuir vigorosamente para a abordagem comunitária, necessária no enfrentamento de qualquer epidemia (MEDINA et al., 2020, p. 3).

Apesar de toda a potencialidade na prevenção de doenças e na recuperação da saúde da população, a APS passou a ser desmontada, desfinanciada e privatizada a partir do governo Temer. No intuito de acelerar essa privatização, o presidente Bolsonaro promulgou o Decreto n. 10.530/2020, que pretendia inserir a “atenção primária à saúde no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República”. Este, porém, foi rapidamente revogado em face das mobilizações nas redes sociais e em vários espaços, como CNS, Congresso e Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Resta evidente que o governo de Bolsonaro se alinha completamente aos interesses do capital na saúde. É o setor privado que tem dado as cartas. Cumpre resistir, lutar pela revogação de todas as medidas de desmonte do SUS e fortalecer a APS, pois é nessa área que se previnem as doenças que mais têm acometido a população, especialmente a classe trabalhadora mais empobrecida, como dengue, chikungunya, zika, entre outras, com acompanhamento numa dimensão territorial e comunitária.

Além da APS, a política nacional de saúde mental, álcool e outras drogas é outra área do SUS de importância no contexto pandêmico e pós-pandemia que vem sendo modificada e privatizada, principalmente a partir de 2017. No primeiro ano da pandemia, de acordo com um estudo da OMS (PANDEMIA..., 2022), houve um aumento de 25% da prevalência global de ansiedade e depressão, o que demonstra a necessidade de fortalecer essa política.

5 CONCLUSÃO

Ao final, diante do exposto, no contexto em que a pandemia evidencia o sentido histórico destrutivo do capitalismo em todas as dimensões da vida, apresentamos algumas reflexões sobre a necessidade de construir uma nova hegemonia, a das classes subalternas, a partir do pensamento de Gramsci. Ressaltamos que as crises econômicas por si só não criam as condições para destruir ou enfraquecer uma determinada ordem, mas criam um terreno fértil à difusão de certos modos de pensar: o conservador, neofascista, liberal, entre outros, que é o da classe dominante; ou o emancipador, das classes subalternas. É o segundo que defendemos e estamos a construir. É na direção sócio-histórica da construção da hegemonia das classes subalternas que nos colocamos, conscientes que as condições históricas e materiais precisam ser consolidadas.

Segundo Dias (1999), uma classe – subalterna ou dominante – constrói sua hegemonia a partir da possibilidade de construir sua própria visão de mundo, autônoma. Ele lembra que o principal elemento de subordinação do pensamento e das práticas das classes subalternas no sentido gramsciano é precisamente a brutal dificuldade de elas elaborarem sua própria identidade. Assim, são tempos de fortalecer essa identidade. A imersão da classe subalterna na estrutura sob a direção da classe dominante faz com que a totalidade e sua existência contraditória sejam tendencialmente reduzidas à cotidianidade, à imediaticidade, à fragmentariedade, atuando nos limites do campo econômico corporativo, ou seja, na sua reprodução simples, o que dificulta a perspectiva da construção de sua identidade enquanto classe e o seu projeto de hegemonia. Dessa forma, é necessário que se construam as lutas contra os discursos e as práticas da classe dominante.

O pensamento liberal não pretende explicar as raízes do capitalismo: nós é que pretendemos. O projeto da classe trabalhadora (ou subalterna) deve explicar as raízes do capitalismo, suas determinações mais profundas, e, para além disso, não só descrevê-lo, mas buscar estratégias para superá-lo. Foi com essa preocupação que Gramsci, preso pelo fascismo italiano, levou para o cárcere o questionamento de como construir a hegemonia das classes subalternas. Ele apresenta a necessidade de construir e praticar a crítica dos discursos tendencialmente hegemônicos dos dominantes, o que também requer que se destruam as condições sociais que tornam possíveis esses projetos. Segundo Dias (2006), “a crítica rigorosa, o embate de projetos hegemônicos, não é um debate abstrato, mas determinação objetiva do real, necessidade histórica” (DIAS, 2006, p. 58). Gramsci (2000) enfatiza que uma hegemonia é política e econômica, pois, “se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica” (p. 48). Nos embates hegemônicos, destaca as análises concretas das relações de força existentes que “não podem e não devem ser fins em si mesmas [...], mas só adquirem um significado se servem para justificar uma atividade prática, uma iniciativa da vontade” (p. 45). Essas análises vão mostrar “quais são os pontos de menor resistência, nos quais a força da vontade pode ser aplicada de modo mais frutífero, sugerem as operações táticas imediatas, indicam a melhor maneira de empreender uma campanha de agitação política, a linguagem que será mais bem compreendida pelas multidões, etc.” (p. 46).

No contexto em que a pandemia descortinou o sentido histórico do capitalismo – a destruição da humanidade e as contradições que ela envolve –, é necessário realizar uma atenta análise da relação de forças em disputa e da direção nas lutas sociais, na perspectiva de fortalecer a vontade coletiva para a construção de uma nova hegemonia e incidir para que os movimentos sociais e sindicais e os partidos políticos se constituam, cada vez mais, como os aparelhos de hegemonia das classes subalternas.

Gramsci (2000) nos lembra que, nessa construção, “o elemento decisivo de cada situação é a força permanente organizada e há muito tempo preparada, que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável (e só é favorável na medida em que esta força exista e seja dotada de ardor combativo)”. Ele reforça: “por isso, a tarefa essencial consiste em dedicar-se de modo sistemático e paciente a formar esta força, desenvolvê-la, torná-la cada vez mais homogênea, compacta e consciente de si” (GRAMSCI, 2000, p. 45-46).

No Brasil, chamamos atenção para o fato de que estes são tempos de adensar a força da vontade coletiva e das lutas sociais existentes – as Frentes Povo sem Medo e Brasil Popular, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coalizão Negra por Direitos, os movimentos ecossocialistas, feministas, contra a lgbtfobia, entre outros – contra esse processo de devastação da natureza, da vida e dos direitos sociais que se estabeleceu no Brasil desde o golpe de 2016. Precisamos fortalecer essas resistências, as mídias alternativas, o pensamento crítico na educação, nas Igrejas, nas religiosidades, nos grupos subalternos organizados, a luta por direitos sociais e pela emancipação política rumo à emancipação humana, a um projeto hegemônico das classes subalternas.

Por fim, diante da tragédia da pandemia de covid-19 e frente ao desmonte dos sistemas públicos de saúde no mundo para atender ao mercado privado de saúde, ressaltamos a necessidade da defesa da vida e de sistemas públicos estatais e de qualidade. No Brasil, muitas lutas têm surgido ou se articulado para defender o sistema público e universal de saúde, o SUS: a Frente pela Vida, o CNS, a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde (FNCPS) etc. São muitos os movimentos sociais e as entidades que têm contribuído para o enfrentamento da pandemia e se manifestado contra todas as atrocidades e horrores do governo neofascista, contra a política de morte, contra o racismo estrutural e institucional, contra o genocídio dos povos originários, especialmente dos povos indígenas. É importante fortalecer essas resistências. A FNCPS é de esquerda, suprapartidária, anticapitalista, anti-imperialista, antimanicomial, antirracista, anti-LGBTfóbica, feminista, ecossocialista e tem lutado contra os processos de privatização e mercantilização da saúde. Temos buscado internacionalizar essa luta e já realizamos um seminário em nível internacional, mas essa internacionalização ainda é uma lacuna que precisamos enfrentar. Todas essas lutas estão articuladas ao fortalecimento do SUS 100% público, estatal, universal e de qualidade. Essa Frente existe em vários estados brasileiros, por meio dos Fóruns de Saúde. Fazemos o convite a quem quiser se somar a esta luta. A Frente está aberta para receber novas e novos militantes.

Viva o SUS, viva os sistemas públicos de saúde no mundo! Vamos fortalecê-los!

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Notas

[1] O estudo se dedicou a coletar e analisar normas federais e estaduais relativas ao coronavírus, produzindo o Boletim Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no Brasil, lançado em janeiro de 2021.
[2] Autor de um conjunto de obras que influenciou decididamente o movimento de reforma sanitária no Brasil e apresentava as bases da Reforma Sanitária Italiana.
[3] Correia (2015) expõe que, em vez da expansão de uma rede pública de média e alta complexidade, o SUS compra serviços da rede privada, destinando ao setor privado a maior parte dos recursos públicos utilizados para procedimentos hospitalares, mediante a contratualização de serviços privados. Esse processo recebe o nome de complementaridade invertida.
[4] O inciso XXV do art. 5. da Constituição Federal de 1988 garante o princípio da Supremacia do Interesse Público. Também a Lei Federal n. 13.979, instituída em 6 de fevereiro de 2020 e regulamentada através da Portaria n. 356, de 11 de março de 2020, do Ministério da Saúde, que dispõe sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública internacional decorrente do coronavírus, com o mesmo argumento da Supremacia do Interesse Público, garante a “Requisição Administrativa” dos leitos disponíveis nos hospitais privados para atender à população de forma geral, independentemente de ter plano privado ou não.
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