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PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, PANDEMIA COVID 19 E A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO NA PANDEMIA
Helena Hirata
Helena Hirata
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, PANDEMIA COVID 19 E A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO NA PANDEMIA
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, Esp., pp. 124-134, 2022
Universidade Federal do Maranhão
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Resumo: A crise econômica, social, política, sanitária por que passa o Brasil afeta a população trabalhadora de maneira desigual, dadas as grandes desigualdades sociais – de classe social, de raça, de gênero – que se verifica no pais. Essas desigualdades são cumulativas: essa cumulatividade das desigualdades sociais é hoje conceitualizada sob a noção de «interseccionalidade» ou «consubstancialidade» das relações sociais. Por interseccionalidade ou consubstancialidade entendemos a interdependência das relações sociais de classe, de gênero e de raça enquanto relações de poder imbricadas. As cuidadoras, por exemplo, cumulam muitas vezes o fato de serem mulheres, negras e pobres.

O trabalho na crise é caracterizado por três dimensões: um aumento da precarização, da informalidade e da intensificação do trabalho.

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Mesas redondas

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO, PANDEMIA COVID 19 E A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO NA PANDEMIA

Helena Hirata
Universidade de São Paulo - USP, Brasil
Revista de Políticas Públicas, vol. 26, Esp., pp. 124-134, 2022
Universidade Federal do Maranhão

Recepción: 14 Febrero 2022

Aprobación: 26 Abril 2022

Precarização

Precarização e desemprego crescem com a pandemia do coronavírus.A taxa de desemprego é de 14,6% em maio de 2021, segundo o IBGE (dados de julho de 2021). Segundo um estudo do IPEA a pandemia afetou mais o trabalho de mulheres, jovens e negros (veremos em detalhe mais adiante)

A precarização do trabalho das mulheres e dos homens é reforçada hoje pela reforma trabalhista que suprime os direitos adquiridos anteriormente pelas lutas coletivas. No Brasil e no mundo essas reformas tiveram como consequência a desregulamentação do trabalho, a supressão de direitos, e tentativas bem sucedidas para diminuir o poder de negociação dos sindicatos. Dejours apresentou num Congresso na Politécnica da USP, em 2019, as consequências da precarização do trabalho em relação à saúde mental. A precarização envolve injustiça, medo da demissão, solidão, relações de concorrência e impossibilidade de aceder à sublimação (DEJOURS, 2020).

Ha uma forte divisão sexual da precariedade. As mulheres são mais numerosas que os homens no trabalho informal e no trabalho em tempo parcial. Também é necessário atentar para a transversalidade da precariedade (BÉROUD et al, 2017): a precariedade no trabalho e no emprego, a precariedade das condições de vida, a precariedade familiar, a precariedade urbana e da habitação, precariedade face à escola e à cultura, precariedade econômica ou pobreza, precariedade social associada ao envelhecimento, ao celibato ou à juventude (cf. BÉROUD et al, 2017, p. 19-20):

Informalidade

Pesquisas mostram a diminuição do emprego formal e o aumento do trabalho informal no Brasil a partir de 2015, trabalho sem direitos sociais, sem seguro desemprego, sem aposentadoria, sem previdência social, férias, etc., trabalho majoritário nos países ditos « em vias de desenvolvimento ».

Estudo recente (MANZANO et al, 2021) mostrou que homens e mulheres negros e pardos estão no Brasil no trabalho informal, mais do que os homens e as mulheres brancas

Taxas de informalidade

Em 2019, dos mais de 45,5 milhões de brasileiros que trabalham na informalidade,

  • l 33,8% são homens negros e pardos

    l 24,8% são mulheres negras e pardas

    l 22,3% são homens brancos

    l 17,9% são mulheres brancas. (cf. M. MANZANO, J. DARI KREIN, L.C. ABILIO, 2021, p. 237)

Intensificação do trabalho

A crise levou à supressão dos postos e às formas de organização flexível, com a intensificação do trabalho que tem consequências sobre a saúde física e mental dos/das trabalhadores/as. Essa intensificação do trabalho é consequência não apenas do trabalho flexível mas também da terceirização. Entre os danos múltiplos à saúde física e mental é necessário citar os suicídios conhecidos no Japao como karo jissatsu, “suicídio por excesso de trabalho” que se seguiu à onda de karo shi, “morte por excesso de trabalho” (cf. HIRATA, 2011). As midias comentaram o aumento dos karo jissatsu entre as mulheres com a pandemia.

Intensificação também com o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (NTIC), o ascenso da inteligência artificial, das plataformas numéricas(como a UBER) com condições de trabalho e emprego muito distantes daquelas conhecidas anteriormente

Essa intensificação se verifica tanto na indústria quanto nos serviços, tanto na atividade profissional dos executivos quanto na dos trabalhadores de execução, tanto na França, quanto no Brasil ou no Japão.

Precarização e desemprego

Precarização e desemprego crescem com a pandemia do coronavírus.A taxa de desemprego é de 14,6% em maio de 2021, segundo o IBGE (dados de julho de 2021). Segundo um estudo do IPEA a pandemia afetou mais o trabalho de mulheres, jovens e negros (veremos em detalhe mais adiante)

Cuidado e pandemia

Com a pandemia e a globalização do coronavirus, a afirmação segundo a qual o cuidado se aplicaria apenas aos seres dependentes, cai por terra. Somos todos vulneráveis em algum momento de nossas vidas, somos todos vulneráveis em face do coronavirus.

O presidente da França, Emmanuel Macron, mudou o seu discurso guerreiro contra o vírus em abril de 2020 : « O momento que vivemos […] nos lembra que somos vulneráveis, tínhamos sem dúvida esquecido [...]. Então cuidem-se, cuidemo-nos uns dos outros».

Somos todos/as/es vulneráveis

Por muito tempo, no campo dos estudos sobre care, entendeu-se ser o cuidado uma questão relativa apenas aos idosos, às crianças, aos seres dependentes. A controvérsia se estabeleceu quando intelectuais passaram crescentemente a reivindicar que o cuidado seria relativo também aos considerados “autônomos”. Todos somos vulneráveis em algum momento de nossas vidas, diziam a americana Joan Tronto (2009[1993]) e a francesa Patricia Paperman (2005). Isso significa que todos devem ser cuidados, e todos deveriam cuidar, independentemente do gênero, da raça, da classe - embora hoje a cuidadora seja mulher, negra e pobre.

Pandemia e desigualdades sociais

Mas a pandemia não atinge a todos igualmente. As cuidadoras de ILPI e domiciliares estão entre as categorias profissionais que não podem exercer sua atividade à distância, por “teletrabalho”. Outros profissionais da área de saúde também devem se expor: enfermeiras, médicos, auxiliares de enfermagem, ajudantes de serviços gerais e funcionários administrativos dos hospitais.

Fora desse setor de saúde, mas realizando o provimento de cuidados aos idosos e às crianças, as trabalhadoras domésticas sofreram com a pandemia, tendo sido desempregadas pelas patroas para diminuir custos ou por medo de contaminações.

As cuidadoras durante a pandemia

Elas continuaram a sair de casa para ir trabalhar arriscando sua saúde e de sua família.

As cuidadoras domiciliares na França não puderam comprar máscaras no inicio da pandemia, pois não eram consideradas prioritárias para a compra, não estando na lista dos trabalhadores prioritários estabelecida pelo governo (Le Monde, 2020)

No Japão, as cuidadoras domiciliares também não dispunham de equipamentos de proteção individual e tinham que lavar as máscaras fornecidas pelo governo após cada utilização (NHK World Japão, 2020)

No Brasil, as cuidadoras que trabalhavam toda a semana na casa dos idosos se viram confinadas por uma duração indeterminada em regime de residência permanente para evitar os transportes coletivos

Pandemia e “trabalhadores essenciais”

Uma pesquisa feita pela CGT francesa junto a 30 000 assalariados, em abril de 2020, indica que 43% deles julgam sua atividade essencial (T. COUTROT, 2020)

Os “trabalhadores essenciais”, com atividades de grande utilidade social, tornando possível o confinamento da população, também estão sujeitos a serem contaminados pelo vírus nos transportes coletivos ou no contato com os clientes:

Trata-se das caixas de supermercados e farmácias, dos trabalhadores de limpeza dos lugares públicos, dos motoristas de ônibus e metrôs, dos entregadores, dos lixeiros, dos seguranças, etc. Nestas categorias profissionais encontra-se um grande número de negros e de mulheres, em muitos países.

Pandemia e desigualdades sociais na França

Pesquisas quantitativas realizadas na França mostraram que as desigualdades sociais se ampliaram e tiveram efeito cumulativo durante a pandemia, sobretudo as desigualdades de classe e de raça. As “desigualdades de gênero se articulam às precedentes, como no caso das mulheres migrantes de origem não europeia que são operarias não qualificadas” (N. BAJOS et al, 2020)

As discriminações de classe social e de raça também se manifestam no critério de habitações « superpovoadas », mais propícias à contaminação pelo Covid 19. Na França se considera habitação « superpovoada » as que não oferecem 18m2 por pessoa vivendo na casa. 11% de executivos estão em « habitação super povoada », contra muito maior percentagem para operários não qualificados (19%),trabalhadores de limpeza (21%), cuidadoras domiciliares (18%), operários da construção civil (20%)

Pesquisa EpiCoV (INSERM, DREES, INSEE, Santé publique France, com amostra representativa de 135 000 pessoas, cooordenada por N. Bajos, 2020.

Pandemia e desigualdades sociais no Brasil

Segundo pesquisas do IPEA para o período 2012-2020 a partir da PNAD-Continua/IBGE, a pandemia aprofundou as desigualdades sociais entre mulheres, jovens e negros, que ficaram desempregados ou foram para a inatividade, que foi o indicador que mais se elevou com a pandemia.

“A situaçao se agravou principalmente para os grupos mais vulneráveis e com maiores dificuldades de entrada no mercado de trabalho, sejam os negros, os mais pobres, os mais jovens, as mulheres e os trabalhadores menos qualificados” (IPEA, 2021)

Vai no mesmo sentido dessa pesquisa do IPEA os resultados de um web-survey realizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde se observou o agravamento das desigualdades sociais com a pandemia, segundo o gênero, a raça e o lugar de habitação (FLEXOR et al, 2021)

Queda da renda média das familias

Como efeito dessas vulnerabilidades, a renda média das famílias brasileiras caiu R$250,00 em 2020, pressionada pela queda da renda do trabalho. Não fora a “Renda Básica Emergencial”, essa queda teria sido 40% mais elevada (alcançando R$350,00); sem esse auxílio emergencial de R$600,00, a taxa de pobreza teria alcançado 30% da população brasileira, afetando, pelos dados anteriores, especialmente mulheres, negros e trabalhadores do cuidado. Isso tem aberto o debate sobre as políticas e ações que devem proteger os cidadãos não apenas durante, mas na saída da pandemia, apontando para metas de inclusão no longo prazo (cf. Barbosa, R.J. e al, 2020)

A questão da renda básica universal

Essas desigualdades sociais colocam na ordem do dia a questão da necessidade de um auxilio emergencial extenso e consequente de políticas de renda básica enquanto questões de saúde pública e de saúde coletiva, sendo claramente uma perspectiva de futuro para nossas sociedades. Pierre Salama (2021) preconiza uma renda mínima para impedir que se leve os trabalhadores informais ao trabalho a todo custo, indicando que há alternativas a “trabalhar para não morrer de fome”. No mesmo sentido, Lena Lavinas (2018) preconiza a renda básica universal como alternativa para as consequências das desigualdades econômicas e sociais causadas pelo ultraliberalismo e reforçadas pela pandemia.

Desigualdades de gênero na pandemia

Como veremos a seguir, com a pandemia houve a intensificação do trabalho de cuidado não remunerado;o volume do trabalho doméstico aumentou; e adesigualdade de gênero foi constatada também nocuidado infantil.

Intensificação do trabalho não remunerado de cuidado com a pandemia

No Brasil, uma pesquisa da Sempreviva Organização Feminista (SOF) (2020) realizada durante a pandemia (abril-maio de 2020) com 2.641 mulheres mostrou que 50% começaram a cuidar de alguém durante a crise sanitária. Essa % sobe para 52% para as mulheres negras e diminuem para 46% para as mulheres brancas; essa responsabilidade aumenta ainda mais entre as mulheres do meio rural (62%). Entre aquelas responsáveis por crianças, pessoas idosas ou deficientes, 72% dizem que sua carga de trabalho aumentou. Entre aquelas que têm filhos de 0 - 12 anos, 40% estimaram que a intensidade dessa carga aumentou significativamente.

Repartição do trabalho doméstico e de cuidado na pandemia: o volume do trabalho doméstico aumentou.

Na França, as mulheres continuaram a realizar o essencial das tarefas domésticas. 19% das mulheres e 9% dos homens de 20 a 60 anos consagraram ao menos 4h por dia às tarefas domésticas; 43% das mães e 30% dos pais passam mais de de 6h por dia com os filhos (INSEE, 2020).

No Japão, uma pesquisa da Universidade de Ochanomizu mostrou que « o volume do trabalho doméstico aumentou » segundo 30% das 340 mulheres entrevistadas, por causa da preparação das refeições, ir fazer compras, etc. (Nanami Suzuki, Ochanomizu University,in Asahi Shinbum, 2020a).

Desigualdades de gênero no cuidado infantil

Uma pesquisa do The Japan Institute for Labor Police and Training com 4300 trabalhadoras mostrou que elas se ausentavam 7 vezes mais do que os homens no trabalho por causa de sua sobrecarga de trabalho doméstico, quando tinham filhos de menos de 18 anos (absenteísmo feminino muito maior do que na França, onde uma pesquisa mostrou que entre os ocupados, as mães se ausentavam duas vezes mais do que os pais no trabalho ou requeriam uma autorização especial para cuidar dos seus filhos com menos de 4 anos (21% de mulheres contra 12% de homens) (ALBOUY; LEGLEYE, 2020) (o governo francês concedeu autorização para ausentar-se do trabalho para cuidado infantil)

Confinadas em seus apartamentos minúsculos, com filhos pequenos, as mães japonesas não conseguiam realizar o trabalho profissional em casa.

Teletrabalho e desigualdades sociais: Brasil

As diferenças de classe são determinantes no acesso ao teletrabalho que protege o trabalhador do coronavirus.

No Brasil, o percentual de pessoas que trabalham a partir de suas residências saltou de 4,9%, em 2019, para 10,3% em maio de 2020. Se em 2019 os autônomos eram 88,3% do total das pessoas que trabalhavam em casa, em maio de 2020 representam menos que 15% do total.

Antes da crise o trabalho em casa era basicamente informal, pouco qualificado e mal remunerado. Agora, as pessoas que trabalham a partir de casa são mais escolarizadas e fazem uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC).

Os novos teletrabalhadores são principalmente profissionais com ensino superior, professores, gerentes, administradores, trabalhadores de escritório. (cf R.J. BARBOSA et al. 2020)

Teletrabalho e desigualdades sociais: França

Antes do confinamento apenas 3% dos assalariados praticavam o teletrabalho, dos quais 61% eram executivos. Com a pandemia, essa cifra passou para 20% dos homens e 23% das mulheres

Uma grande diferença no uso do teletrabalho segundo a classe social: 50% dos executivos trabalharam em casa contra 1% apenas dos operários (BAJOS et al.)

A Enquête Emploi de 2019 e 2020 mostra que 81% dos executivos trabalharam em casa e 51% das profissões intermediárias, enquanto que apenas 4% dos operários trabalharam no domicilio

(cf. para a França: N. BAJOS et al, 2020).

Teletrabalho e desigualdades sociais: Japão

35% dos trabalhadores japoneses, 55% dos de Tóquio realizaram teletrabalho durante a pandemia (MAINICHI SHIMBUN, 2020)

Segundo pesquisa realizada em 10-12 de abril de 2020, 28% dos trabalhadores regulares e 17% dos trabalhadores não regulares trabalharam em casa (ASAHI SHIMBUN, 2020)

Os trabalhadores não regulares (sem contrato, temporários, terceirizados) se queixam por não poder se beneficiar do teletrabalho embora tenham feito pedidos à empresa (várias razões de recusa) (ASAHI SHIMBUN, 2020a)

Superiores hierárquicos aproveitam o teletrabalho para assédio sexual: trabalhadoras se queixam de questões sobre a dimensão do apto, se o namorado está na mesma sala, ou porque não está maquiada ou “podemos beber algo juntos?” Fala-se de “assédio remoto”(MAINICHI SIMBUN, 2020).

Teletrabalho e desigualdades sociais na União Europeia(Europa dos 27)

Mais de 80% dos diplomados do ensino superior trabalharam exclusivamente ou parcialmente em teletrabalho na União Europeia entre abril e julho de 2020. Cerca de 30% dos diplomados do ensino secundário puderam trabalhar exclusivamente ou parcialmente em teletrabalho. Essa porcentagem cai para um pouco mais de 10% para os diplomados do ensino primário. (EUROFOUND, 2020, p. 32)

Divisão sexual e teletrabalho

Pesquisas ressaltam a dificuldade do teletrabalho para as mulheres, por falta (para elas) de um espaço na casa e a necessidade de “conciliar” o trabalho profissional com os afazeres domésticos e cuidado das crianças num contexto em que a educação, com a pandemia, foi “interiorizada” para dentro da esfera doméstica.

Desigualdades sociais e políticas públicas

As políticas públicas para cuidado dos idosos na França e no Japão apontam para formas de redução da desigualdade em face da vulnerabilidade e da dependência.

O APA (allocation personnalisée d’autonomie) criado na França em 2002 e o LTCI (Long Term Care Insurance) criado no Japão em 2000 são políticas públicas para favorecer a população idosa de todas as classes para que possam entrar numa ILPI ou contratar uma cuidadora domiciliar. O LTCI é financiado por um imposto obrigatório para todos os assalariados de 40 anos ou mais e para os residentes estrangeiros no Japão.

Nenhuma política equivalente no caso do Brasil

Pandemia e políticas públicas

As políticas públicas para frear o vírus no caso da França, como o confinamento da população, recurso ao teletrabalho, auxílio monetário para desemprego parcial e desemprego técnico, etc. se diminuíram a difusão do vírus, foram confrontadas às desigualdades sociais estruturais que conformam a sociedade francesa. Essas desigualdades são preexistentes à pandemia. Isso também é verdadeiro no caso do Brasil.

A questão da educação na pandemia

O confinamento e o fechamento das universidades e das escolas foi um fenômeno de grande alcance que afetou cerca de metade da planeta (BONNÉRY; DOUAT, 2020, p. 13), com as consequências em termos de desestruturação do ensino e de alternativas em termos de educação à distância que logo revelaram desigualdades sociais gritantes : acesso desigual à informática, aos computadores e à internet, acesso desigual ao espaço para o ensino e o estudo no interior do domicílio. Na França, a precarização de boa parte do corpo docente é apontada como uma causa dos problemas que atingiram os alunos que enfrentaram ruptura e crise no aprendizado.

Assegurar o trabalho escolar nos domicílios, via Internet, se tornou um desafio tanto para os alunos quanto para os professores que tiveram que preparar visioconferências, e para os alunos pequenos uma carga de trabalho maior sobre os ombros em geral das mães de família. Ficaram evidenciadas as desigualdades de gênero, de raça e de classe social com a educação na pandemia.

Com a pandemia, assim como se evidenciou que todos necessitam de cuidado, também se evidenciou a educação de classe em países tão contrastados quanto a França e o Brasil. O ensino à distancia e o uso do computador em famílias de origem popular, onde os estudantes têm que ajudar nos cuidados aos membros dependentes da família e nas demais tarefas domésticas, limitam o tempo disponível ao estudo, quando o ensino presencial fornece uma possibilidade de sair do universo das obrigações domésticas e das pressões familiares (BONNÉRY; DOUAT, 2020, p. 149-150).

Há excessões como a Bélgica onde a Ministra do ensino obrigatório da Federaçao Wallonia-Bruxelas prega “a igualdade face à aprendizagem” e exorta a limitar os trabalhos realizados no domicilio, sobretudo quando se trata de conteúdos que não foram abordados em classe (cf. BONNÉRY; DOUAT, 2020, p. 18)

CONCLUSÃO

Podemos concluir essa reflexão dizendo que é necessário diminuir as desigualdades sociais que se tornaram mais visíveis com a pandemia, e que, superá-las, exige uma tarefa nacional urgente tanto para a França e Japão, quanto para o Brasil.

Material suplementario
REFERENCIAS
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Asahi Shimbun, 27/04/2020
Asahi Shimbun, 09/05/2020a
Le Monde, 21/03/2020
Mainichi Simbun, 25/06/2020
NHK World Japan, 12/08/2020
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