Resumo: O papel dos sujeitos como meio e mediadores no campo da pesquisa em Comunicação é o tema central da mesa redonda que congrega pesquisadores para a troca de experiências e saberes sobre modos de pesquisar. Leva-se em consideração o protagonismo dos sujeitos nos processos de construção dos objetos de investigação bem como o exercício dialógico da pesquisa de campo. Isso se deve ao processo de incorporação e experiência dos sujeitos (pesquisadores e pesquisados) nos seus espaços de socialização; que participam, de forma direta ou indireta, na elaboração prática da produção do conhecimento científico que tem como base abordagens epistemológicas mais abrangentes. A ideia é trocar experiências de investigações que levam em consideração a agência desses sujeitos (pesquisados) na construção de saberes tradicionais e científicos, dando ênfase e um lugar mais central a essas vozes na academia.
Palavras-chave: Comunicação, Participação, Sujeitos, Trabalho de campo.
Abstract: The role of subjects as means and mediators in the field of research in communication is the central theme of the round table that brings together researchers to exchange experiences and knowledge about ways of researching. The article takes into account the protagonism of subjects in the processes of construction of research objects as well as the dialogic exercise of field research. This is due to the process of incorporation and experience of the subjects (researchers and researched) in their socialization spaces; that participate, directly or indirectly, in the practical elaboration of the production of scientific knowledge based on broader epistemological approaches. The idea is to exchange research experiences that take into account the agency of these subjects (researched) in the construction of traditional and scientific knowledge, giving emphasis and a more central place to these voices in academia.
Keywords: Communication, Participation, Subjects, Fieldwork.
Mesas temáticas coordenadas
A PARTICIPAÇÃO DOS SUJEITOS NAS PESQUISAS EM COMUNICAÇÃO
PARTICIPATION OF SUBJECTS IN RESEARCH IN COMMUNICATION
Recepción: 14 Febrero 2022
Aprobación: 24 Mayo 2022
O presente artigo apresenta a compilação de quatro estudos em comunicação voltados para a discussão da participação dos sujeitos nas pesquisas em comunicação, como meio e mediadores, apresentados em mesa coordenada na X Jornada Internacional de Políticas Públicas, em 2021. Inicialmente apresenta-se a abordagem no Banco de Leite Humano do Hospital Universitário da UFMA e a necessidade de comunicar sua imagem institucional, destacando a realização de pesquisa de campo com aplicação de questionário e apresentando uma proposta de utilização do questionário também como instrumento de reflexão e divulgação da imagem institucional e efetivo envolvimento dos participantes da pesquisa. O segundo estudo discorre sobre a relação entre pesquisador e pesquisados no contexto do trabalho de campo junto às emissoras comunitárias do Maranhão. A entrada no campo, os procedimentos metodológicos e as técnicas de pesquisa fazem parte da abordagem construída na perspectiva da produção coletiva mediada pelo diálogo entre sujeitos participantes do processo de produção de conhecimento. É explorado o potencial da roda de conversa no trabalho de campo como espaço de conversação e exercício da oralidade, refletindo sobre o fazer metodológico a partir do encontro entre os saberes dos sujeitos da pesquisa. O terceiro estudo teve como objetivo relatar uma experiência de pesquisa em colaboração numa perspectiva de construção coletiva desde a problematização do estudo, passando pelas etapas do trabalho de campo, até a produção de materiais capazes de promover intervenções sociais na luta pelo combate ao trabalho escravo contemporâneo no Maranhão. Os relatos fazem parte de alguns caminhos percorridos durante o desenvolvimento do projeto de pesquisa Comunicação, Migração e Trabalho Escravo Contemporâneo: trajetórias de trabalhadores e trabalhadoras da Baixada Maranhense, sobretudo na construção coletiva de uma campanha radiofônica e uma cartilha paradidática voltada às escolas quilombolas da região investigada, ambos produtos com o objetivo de sensibilização sobre a questão da escravidão contemporânea bem como sobre os fluxos migratórios desta região do Maranhão para outros estados brasileiros em busca de trabalho e que, muitas vezes, acabam submetendo trabalhadores a condições degradantes. Por fim, traz-se uma reflexão e autocrítica sobre a prática da pesquisa social a partir do relato de uma investigação realizada no campo da comunicação junto a brincantes de bumba meu boi. Trata-se da pesquisa Caminho da Boiada: um mapeamento dos grupos de Bumba meu boi em São Luís do Maranhão, que está sendo desenvolvida com o objetivo de realizar uma cartografia cultural dos grupos de bumba meu boi na grande São Luís, com produção de um mapa (impresso e digital). Buscou-se aplicar a copesquisa ou pesquisa em colaboração, que prevê a agência dos sujeitos pesquisados no processo de construção coletiva da investigação.
As campanhas e ações de incentivo à doação de leite humano representam parte importante das políticas públicas em saúde que colocam o Brasil como referência internacional no assunto. Devido ao amplo alcance e à complexidade do funcionamento da Rede de Bancos de Leite Humano do Brasil-rBLH, em 2001, a Organização Mundial de Saúde (OMS) a reconheceu como iniciativa que mais reduziu o índice de mortalidade infantil no mundo (GOVERNO DO BRASIL, 2020).
É possível compreender que a imagem também está correlacionada ao conhecimento, por parte de seus públicos, dos serviços prestados pelo BLH, assim como os reflexos e consequências à saúde pública, em virtude das vantagens e benefícios do aleitamento materno, principal enfoque do setor, disseminados através de diversas ações e campanhas comunicacionais, tanto nacionais, quanto locais.
A pesquisa aqui descrita abrangeu públicos de interesse do BLH-HU/UFMA, dentre eles o público interno (funcionários e colaboradores diretos), público misto (doadoras fixas registradas na lista fornecida pelo setor à época e apoiadores) e o público externo (comunidade em geral). Esse último, no qual será relatado neste artigo, foi composto por mães lactantes que nunca foram usuárias dos serviços do BLH, mães não-lactantes, homens, mulheres sem filhos e sociedade em geral, escolhidos de forma aleatória entre amigos, familiares e conhecidos dos integrantes da equipe de execução da pesquisa, das mais variadas profissões, faixas etárias, classe econômica, poder aquisitivo, nível educacional, etc. A pesquisa foi aplicada em novembro de 2020 e, em 04 dias, obteve-se retorno de 85 participantes, podendo, em algumas perguntas, haver uma variação na quantidade de respostas. O objetivo era saber o quanto a pessoa conhecia o Banco de Leite Humano do HU-UFMA e as questões que envolvem a causa do aleitamento materno. O questionário foi estruturado como fonte de informação, subdivido em 04 eixos: 01) Identificação, 02) Sobre o BLH-UFMA, 03) A causa e outros aspectos e 4) A Comunicação do BLH-UFMA. A opção por essa estrutura se deu para facilitar o agrupamento de questões comuns e, também, facilitar o entendimento por parte dos pesquisados, totalizando 18 perguntas.
Assim, têm-se no eixo 01 perguntas abertas e fechadas relacionadas à faixa etária, nível de escolaridade, profissão e estado civil. No eixo 02 perguntas fechadas relacionadas ao entendimento dos participantes sobre a exclusividade do aleitamento materno na dieta do bebê, sobre o conhecimento das ações de comunicação promovidas pelo BLH-UFMA, sobre a disponibilidade em ser doadora para as mães lactantes, o que impediu de não ser e se já haviam contribuído de outra forma para BLH-UFMA. No eixo 03 as questões estavam relacionadas ao conhecimento das influências dos aspectos sociais, culturais e econômicos e o aleitamento materno, sobre se conheciam a relação entre o meio ambiente, os aspectos trabalhistas e a proteção social equânime de mães e pais em licenças remuneradas e o aleitamento materno e, ainda, sobre o entendimento/percepção acerca da amamentação em local público. Por fim, através de perguntas abertas, o eixo 04 abordava se conheciam o BLH-UFMA, como conheceu e sugestões de como tornar o BLH-UFMA mais conhecido.
Sabe-se da fragilidade e, até mesmo, dos erros amostrais e não-amostrais que envolvem a aplicação de questionários, desde (de) questionários mal elaborados, com questões tendenciosas ou dúbias, até a escolha e/ou o uso incorreto de escalas de medição. No entanto, o mesmo se apresenta como instrumento importante para a pesquisa científica, especialmente nas ciências sociais. Parasuraman (1991) afirma que construir questionários não é uma tarefa fácil e que aplicar tempo e esforço adequados para a construção do questionário é uma necessidade, um fator de diferenciação favorável.
Assim, os questionários abordaram assuntos importantes como questões ambientais, trabalhistas e econômicas e sua relação com o banco de leite humano. A intenção na elaboração das perguntas perpassava, também, pelo despertar de cada pesquisado acerca daqueles assuntos, o que poderia não ser percebido antes. Assim, esse instrumento de pesquisa torna-se também instrumento de reflexão e conhecimento, pois promove para aquele grupo de pesquisados o entendimento de algo que antes não era facilmente reconhecido nas ações de comunicação dos bancos de leite humano e, até mesmo, na comunicação em saúde pública de uma maneira geral. Vale ressaltar que para que este questionário fosse elaborado, foi necessária ampla pesquisa bibliográfica e documental sobre os propósitos dos BLH´s no Brasil, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS´s) da Organização Mundial da Saúde (OMS), as diretrizes do Ministério da Saúde relacionados à questão do aleitamento materno e, sobre a realidade local, especificamente do BLH-HU/UFMA.
O grupo de participantes dessa pesquisa torna-se, portanto, potencial divulgador/questionador dos problemas e questões relacionadas entre o meio ambiente e o aleitamento materno, por exemplo, quando é perguntado no Eixo 03, pergunta 11: A amamentação pode afetar diretamente o meio ambiente quando pautamos a produção, armazenamento e distribuição de produtos que viabilizam métodos de aleitamento não naturais, como fórmulas, papinhas, mamadeiras, bicos etc. Sobre a relação entre a amamentação e meio ambiente, eu:
Com perguntas como essa, o pesquisador provoca o pesquisado a questionar o seu papel diante daquele cenário e de que forma atua ou pode atuar para sua mudança. Essa provocação segue quando se colocam opções de respostas como:
( ) Nunca pensei a respeito dos impactos negativos causados ao meio-ambiente por consequência dos métodos de amamentação alternativos ao leite materno.
( ) Mesmo sabendo a respeito dos impactos negativos, não consigo pensar em modos sustentáveis e acessíveis para mudar a situação.
( ) Reconheço os impactos ambientais mas acredito que seja o preço a se pagar para assegurar que o bebê seja bem alimentado e nutrido.
( ) Reconheço os impactos ambientais e por isso acredito que o leite materno seja a opção mais sustentável.
Seguindo esse modelo, questões relacionadas à economia e aleitamento materno também são expostas na pesquisa. Assim, temos ainda no eixo 03, pergunta 12: A interrupção da amamentação custa diariamente quase R$ 3,76 bilhões à economia mundial. Isto porque a falta de acesso a serviços de saúde e a desigualdade de gênero, dentre outros fatores, resultam na queda da produtividade das mães lactantes em seus ambientes de trabalho e em altos custos com a saúde do bebê (resultado da falta de nutrientes encontrados no leite materno) e da mulher. Você alguma vez já considerou o impacto econômico mundial e familiar causado pela falta do leite materno na alimentação do bebê?
Assim, o participante, independentemente de ser lactante, mulher ou mãe, passa a ter informações consistentes quanto ao impacto econômico causado pela interrupção do aleitamento materno e os impactos ambientais, através de dados consistentes. Diante do exposto, o mesmo é chamado para refletir sobre sua atuação diante do problema:
( ) Sim, tenho consciência de que a interrupção da amamentação pode acarretar em futuros problemas de saúde e na queda da produtividade de mães lactantes, gerando gastos a família e ao estado.
( ) Sim, porém nunca imaginei que a dimensão do impacto financeiro causado pela interrupção da amamentação teria tamanha proporção.
( ) Não, nunca tive acesso a esse tipo de informação, logo não sabia a respeito dos impactos econômicos gerados através da interrupção da amamentação.
No eixo 02, que aborda questões relacionadas aos serviços do banco de leite humano propriamente dito, na questão 06, chama-se a atenção para o leite materno como alimento fundamental para os bebês, esclarecendo que o aleitamento materno é a alimentação ideal para todas as crianças, e que, devido a sua composição de nutrientes, é considerado um alimento completo e de fácil digestão para garantir o crescimento e desenvolvimento saudável do bebê, evitando, quando possível, as fórmulas industrializadas.
A respeito da amamentação do bebê, você considera que. Assim, através desse enunciado já é posto aos participantes que o leite materno é muito importante para a vida dos bebês, o que fortalece para o grupo o principal serviço prestado pelos BLH´s, a conscientização sobre a importância de amamentar os bebês com leite materno, evitando, quando possível, as fórmulas industrializadas
Mais uma vez, o pesquisado é chamado a refletir sobre o que pensa nessa situação:
( ) Se possível, o leite materno deve ser a única fonte de alimentação do bebê até os seis meses.
( ) Mesmo havendo leite materno disponível, pode-se alternar a alimentação do bebê entre o leite da mãe e fórmulas prescritas.
( ) Acho que o leite materno não faz diferença na alimentação do bebê, podendo facilmente ser substituído por fórmulas e papinhas artificiais.
Seguindo essa compreensão de que o questionário poderia atuar também como instrumento de conscientização sobre as questões relacionadas ao BLH Hu-UFMA, algumas outras perguntas se estruturaram dessa forma, mescladas com perguntas mais objetivas e curtas, como no eixo 01, de identificação (nome, faixa etária, estado civil etc).
A pesquisa tem ênfase no trabalho de campo junto às rádios comunitárias no Litoral Ocidental do Maranhão, compreendendo os municípios de Bacuri, Cururupu, Apicum-Açu, Porto Rico, Bacuri, Serrano e Mirinzal. Interessa, especificamente, a construção do processo de pesquisa focado no trabalho de campo e as relações entre os sujeitos na produção de conhecimento. Sobre o trabalho de campo, sustentamos a perspectiva dialógica amparada na construção coletiva do conhecimento.
A entrada no campo tem como referência a ação político-organizativa da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias no Maranhão (ABRAÇO-MA), entidade criada em 1998 com os objetivos de congregar, organizar, defender, amparar e oferecer capacitação para o desenvolvimento técnico e de conteúdo para as rádios comunitárias, no contexto da luta estratégica pela democratização da comunicação. A vivência como militante e dirigente da ABRAÇO-MA ao longo de 23 anos proporciona um amplo e permanente contato com as emissoras e as suas equipes, de tal forma que a entrada no campo é facilitada pela nossa referência pública de representante institucional da entidade e também como ministrante de cursos e oficinas de capacitação para os(as) comunicadores(as) ao longo de mais de duas décadas.
A coleta de informações para a montagem do perfil das emissoras comunitárias ocorre de duas formas: 1 - por meio de entrevista semiestruturada com os gestores e locutores das emissoras; 2 - nos eventos realizados pela ABRAÇO-MA, especificamente durante os encontros regionais. A entrevista mencionada utiliza um roteiro aberto para orientar o pesquisador.
Seu objetivo está relacionado ao fornecimento de elementos para compreensão de uma situação ou estrutura de um problema. Deste modo, como nos estudos qualitativos em geral, o objetivo muitas vezes está mais relacionado à aprendizagem por meio da identificação da riqueza e diversidade, pela integração das informações e síntese das descobertas do que ao estabelecimento de conclusões precisas e definitivas. (DUARTE, 2009, p. 63).
Na entrevista com roteiro “o pesquisador de tempos em tempos efetua uma intervenção para trazer o informante aos assuntos que pretende investigar; o informante fala mais que o pesquisador” (QUEIROZ, 1983, p.47). A outra modalidade para a obtenção de informações é através dos encontros regionais, convocados pela ABRAÇO-MA para uma cidade-polo de cada território, tendo a participação das emissoras dos municípios vizinhos. Nesses eventos a programação em geral consiste em informes sobre o panorama político-organizativo do movimento de rádios comunitárias (nacional e estadual), orientações jurídicas e técnicas acerca do funcionamento das emissoras e eventuais demandas junto à burocracia da legislação federal, compartilhamento de experiências de cada emissora e a coleta das demandas para a busca de soluções pela ABRAÇO-MA.
Os encontros regionais são abertos com uma roda de conversa sobre o histórico resumido, a gestão, o conteúdo da grade de programação, assim como a situação atual de cada emissora. Nesse momento, o pesquisador instiga os participantes a falarem sobre as suas vivências cotidianas com o objetivo de conhecer a situação das rádios desde a sua origem até a atualidade, visualizando, no plano da pesquisa, formatar o perfil das mesmas.
Todos os eventos são realizados com a utilização de caixa de som amplificada e microfone. No momento inicial da roda de conversa as cadeiras dos participantes são disponibilizadas em círculo ou meia-lua e cada radialista toma o microfone para falar com base nos três aspectos sugeridos: origem da emissora, conteúdos veiculados, administração e condições atuais de funcionamento. Há uma indicação de tempo para cada participante falar por 10 (dez) minutos.
Ao longo da roda de conversa observamos a performance de cada participante para discorrer sobre os temas sugeridos. Eles incluem nos relatos a caminhada no rádio, as suas aspirações, as realizações como locutor e a satisfação de estar na condição de protagonistas de uma emissora.
Em ambos os casos (entrevista semiestruturada e roda de conversa) o trabalho de campo consiste na aproximação entre os sujeitos da pesquisa, de tal forma que as informações obtidas emanam do processo de diálogo. A horizontalidade proporcionada pela disposição espacial circular das cadeiras proporciona a troca de olhares e a visualização dos corpos tocados também pelo som emanado da caixa amplificadora, de tal forma que os sentidos dos participantes são mobilizados tanto pela acuidade visual quanto acústica.
Outro aspecto a destacar é a relativa informalidade da roda de conversa, mas sem perder de vista a objetividade do trabalho de pesquisa. O diálogo estabelecido na dinâmica da conversação acaba fluindo com variados níveis de subjetividade pertinentes à própria característica dos locutores empunhando o microfone com as suas vozes amplificadas na caixa de som. Cabe observar, no entanto, que a informalidade não pode extrapolar as fronteiras do rigor científico da pesquisa. A busca de informações qualitativas é um processo de objetivação e subjetivação que, posto diante da teoria, produz o conhecimento da realidade.
Noutras palavras, a objetividade seria encarada então como um processo a que é submetido um objeto, um fenômeno, uma sucessão de acontecimentos, quer se desenrolem na realidade exterior aos indivíduos, quer sejam por estes interiorizados; descrevendo-os, verificando-os experimentalmente quando possível, reintegrando-os numa nova síntese, trazendo-os do particular ao geral, estará o pesquisador operando para obter novos conhecimentos, dando um novo sentido ao que se conhecia até então somente pelo senso comum. (QUEIROZ, 1983, p. 40).
Dessa forma, rompe-se a fronteira entre “sujeito” e “objeto” e entra em curso a construção de um protocolo metodológico para a obtenção de informações em que todos são sujeitos participantes do processo de pesquisa. O ambiente coletivo gerado na roda de conversa é uma forma de estimular a fala. Nessa perspectiva, a potência da oralidade cria as condições de trânsito das informações em um fluxo contínuo de produção de conhecimento passado de boca a boca, através das narrativas dos participantes, contando as suas respectivas trajetórias de comunicadores(as) e o percurso na emissora.
A roda de conversa constitui uma rede de circulação de conhecimento fertilizada pela dinâmica da palavra falada em narrativas diversas que se des(encontram) no caminho da prática cultural da comunicação comunitária através do rádio. Mesmo quando o(a) participante extrapola o tempo estipulado de 10 (dez) minutos para fazer a sua exposição, a coordenação da roda de conversa não “corta o microfone”, apenas avisa que o tempo previsto está sendo extrapolado e solicita a conclusão do relato.
Na roda de conversa não há posições distintas hierarquizadas entre os integrantes. O pesquisador, na condição de mediador do evento, observa as falas dos locutores como um espaço de conhecimento sobre a realidade vivenciada em cada emissora, sem fazer intervenções no sentido de podar os relatos. A técnica de pesquisa adotada valoriza o momento da colheita de informações sobre a vivência cotidiana das rádios, o seu fazer diário, as suas conquistas, dificuldades, embaraços, superações e a relação com a audiência. Assim, a construção metodológica compreende a roda de conversa como um espaço coletivo de produção de conhecimento. Embora haja uma distinção entre as posições ocupadas – dirigentes da ABRAÇO-MA e radialistas, a roda de conversa busca estabelecer o máximo de horizontalidade entre os participantes.
A caminhada de construção do conhecimento implica em ações teóricas (explicitação conceitual do objeto), metódicas e técnicas. Ao entrar no campo, o pesquisador pisa em um terreno enriquecido pelo saber dos pesquisados e desse encontro entre a teoria e o trabalho empírico nasce o conhecimento científico. Assim, a metodologia é intrínseca a todas as etapas da pesquisa. O próprio exercício da fala aberta, a franquia da palavra no ambiente de circularidade, de posse do microfone, empoderam o participante no mesmo nível do dirigente, de tal modo que a função de intelectual tem evidência.
[...] não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um ―filósofo, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneira de pensar [...] (GRAMSCI, 2001, p.53).
ONG (1998) e NUNES (1993) discorrem sobre a oralidade primária relacionada ao som desde o choro da criança ao nascer, passando pelas outras formas de vínculos com o universo acústico ainda na era do homem primitivo que emitia ruídos para se comunicar na ausência total da escrita. “Numa cultura oral, a redução das palavras a sons determina não apenas os modos de expressão, mas também os processos mentais.” (ONG, 1998, p.44.), evidenciando a potência da relação entre falar e ouvir intrinsecamente associadas ao movimento, ação e poder da palavra. O autor posiciona a oralidade primária no sentido coletivo da tribo, quando a conversação mediada pela figura do ancião dimensiona a coesão social. Nesse sentido, a conversação agrega e reforça os laços de identidades no contexto das narrativas orais, enfatizando o poder da fala. “O valor mágico outorgado à palavra pelas culturas orais primárias, aquelas que desconhecem a escrita, pois a palavra falada é animada por um poder e confere poder sobre as coisas. A palavra é manifestação e apreensão da realidade.” (NUNES, 1993, p.101).
O trabalho de campo consiste em articular os sujeitos de modo a permitir a sua efetiva inserção no processo de produção de conhecimento, denotando interpelar no sentido de instigar, questionar, convidar, acolher, trazer para dentro da roda. Nesse contexto, o pesquisador e o pesquisado constituem dupla fonte de alimentação da realidade. Equipado com o arcabouço teórico-metodológico, o pesquisador vai a campo fazer o encontro de saberes, parte das etapas de produção do conhecimento científico.
Assim, as emanações do campo fertilizam o terreno teórico. O conhecimento acadêmico não é algo dado previamente para ser aplicado à realidade. A explicação do real ocorre em uma dimensão dialética de acomodação entre a teoria e o campo, ou de conflito entre os equipamentos teórico-metodológicos e a realidade, quando esta se apresenta para adubar o terreno teórico e alimentar a pesquisa com novas descobertas.
Apresentam-se, a seguir, algumas experiências de pesquisa em colaboração (MARQUES; GENRO, 2016) no contexto do projeto de pesquisa intitulado Comunicação, Migração e Trabalho Escravo Contemporâneo: trajetórias de trabalhadores e trabalhadoras da Baixada Maranhense[1]. A ideia é refletir a partir da participação dos sujeitos (pesquisadores e pesquisados) em todas as etapas da pesquisa: desde a problematização, durante todas as etapas do trabalho de campo, chegando até a produção de materiais capazes de promover intervenções sociais na luta pelo combate ao trabalho escravo contemporâneo no Maranhão.
Centramos a análise nos processos de construção coletiva de uma campanha radiofônica e de uma cartilha paradidática voltada às escolas quilombolas da região investigada (Baixada Maranhense); ambos os produtos com o objetivo de sensibilização sobre a questão da escravidão contemporânea bem como sobre os fluxos migratórios desta região do Maranhão para outros estados brasileiros em busca de trabalho e que, muitas vezes, acabam submetendo trabalhadores a condições degradantes.
Com a pandemia da Covid-19, alastrada desde março de 2020, ficamos impossibilitados de fazer o trabalho de campo presencial proposto no projeto de pesquisa, a ser realizado em quatro municípios maranhenses: Penalva, Viana, Pinheiro e Santa Helena, e partimos para o contato com os mediadores do movimento social para adentrarmos no campo da pesquisa, de forma remota. Recorremos aos representantes da CPT (Comissão Pastoral da Terra), MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu do Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí), do MOQUIBOM (Movimento dos Quilombolas do Maranhão) e da ABRAÇO (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias) – Regional Maranhão e começamos a realizar conversas sobre a problemática na região da Baixada Maranhense.
As reuniões online, via Plataforma do Google Meet, ocorridas durante 2020 com os representantes das entidades que atuam na região investigada resultou em várias atividades junto a esses sujeitos, que serão relatadas neste artigo; sendo que algumas delas estão em pleno andamento.
Como conseguir adentrar no universo da realidade pesquisada de forma online? Antes dessa experiência que iremos relatar aqui, não acreditávamos nesta possibilidade de pesquisa uma vez que as experiências anteriores nos trouxeram cada vez mais a necessidade de convívio e cumplicidade junto aos sujeitos pesquisados.
Mas com a necessidade de não parar de pesquisar e realizar trabalhos de campo, lançamo-nos numa aventura de “encontrar” com as pessoas de forma remota para começar a entender até mesmo o que estava acontecendo na região que pretendíamos investigar.
Ou seja, o desafio que lançamos nesta experiência aqui narrada é romper com a questão antiética da pesquisa com o subalterno[2] no exercício de tornar a fala deste ‘outro visível’ sem que o pesquisador seja a única fonte de reconhecimento discursivo no que tange à emancipação de falar e ser ouvido.
A pesquisa dialógica proposta neste artigo tem inspiração especialmente no trabalho do pedagogo brasileiro Paulo Freire. No livro Comunicação ou Extensão (1977), ele parte da análise crítica da semântica do termo extensão, passando pelo equivoco gnosiológico, detendo-se em considerações a propósito da invasão cultural, discutindo a reforma agrária e a mudança, opondo-se à extensão e, por fim, ampliando a educação como uma situação gnosiológica, em cuja prática a ‘assistências técnicas’ teria outras dimensões (FREIRE, 1977).
Adonia Prado (2016), no artigo Educação contra a escravidão contemporânea em perspectiva decolonial, diz que o diálogo funciona como metodologia quando são ingredientes fundamentais na teoria e na prática da pedagogia descolonial, isto é, transformando o vertical em horizontal de modo que a produção do conhecimento não seja resultado de uma experiência unilateral.
O constante diálogo entre pesquisadores e pesquisados e a possibilidade de reinvenção dos processos no decorrer do trabalho de campo tem nos proporcionado vivenciar experiências que dificilmente teríamos acesso caso estivéssemos engessados no formato tradicional de pesquisa social na concepção de sujeitos (pesquisadores) e objetos (pesquisados). Já tivemos a oportunidade, por exemplo, de ouvir, em vídeo chamadas, anciãos das comunidades quilombolas que nos relataram os processos de certificação junto à Fundação Palmares bem como as lutas pela terra e os processos de ancestralidade desses sujeitos. Pajés e pais de santo, que praticam no seu dia a dia experiências de religiosidade ligadas a matrizes africanas e indígenas, nos relataram formas de convívio social e de luta pela terra nas quais os lados espiritual e material estão mais próximos do que para a maioria dos grupos sociais ocidentais. Isto é, a ancestralidade desses sujeitos define caminhos de luta em prol da manutenção de seus territórios.
A campanha radiofônica Trabalho certo: mesmo na precisão, não caia na escravidão[3] é composta por sete peças radiofônicas (cinco spots e dois podcasts). O primeiro passo para a elaboração desses materiais foi a definição dos temas que seriam abordados em cada produto. Em seguida, determinamos que os spots, por terem menor duração e maior facilidade de distribuição, seriam destinados principalmente para o público de maior interesse da campanha, os trabalhadores rurais da Baixada Maranhense. Enquanto isso, os podcasts estariam voltados principalmente para as lideranças comunitárias e para os movimentos e entidades que atuam no combate à escravidão moderna na região. As decisões foram tomadas em conjunto, entre pesquisadores e agentes do movimento social, em constante diálogo.
Uma vez que o intuito da campanha é difundir a informação para prevenir e combater o aliciamento de trabalhadores rurais da Baixada Maranhense para o trabalho escravo, os caminhos trilhados até aqui nos mostram que é possível desenvolver uma pesquisa em colaboração e que os agentes pesquisados, muitas vezes, podem contribuir para as reflexões realizadas no decorrer dos achados da investigação.
É desafiador constituir outros olhares e outras epistemologias do que as que estamos acostumados, mas é necessário fazermos esse exercício dialógico junto aos sujeitos pesquisados uma vez que os mesmos, em geral, têm muito mais a contribuir do que um pesquisador imagina. Inspirados em Freire (1977), partimos do sensível para alcançarmos a razão da realidade. Este é o esforço e, até agora, tem valido a pena.
Desenvolvemos, neste momento do artigo, uma reflexão sobre a prática da pesquisa social em colaboração (MARQUES; GENRO, 2016), a partir do relato da investigação Caminho da Boiada: um mapeamento dos grupos de Bumba meu boi em São Luís do Maranhão, realizada no contexto do projeto de pesquisa Metodologias de Pesquisa em Estudos Culturais olhar comunicacional sobre as culturas populares no Maranhão[4]. O objetivo é realizar uma cartografia cultural dos grupos de bumba meu boi na grande São Luís, com a produção de um mapa (impresso e digital), que represente e materialize traços das identidades dos sujeitos colaboradores da pesquisa, isto é, os brincantes (membros, aqueles que “brincam o boi”) da prática cultural do bumba meu boi. Nas etapas desse processo, experimentamos aplicar a copesquisa ou pesquisa em colaboração, que prevê a agência dos sujeitos pesquisados no processo de construção coletiva da investigação.
O movimento contemporâneo de desconstrução das ciências sociais, observado por Santos (2010), é caracterizado pelos deslocamentos e fluidez das referências tradicionais (como o positivismo, as noções de Estado, de Igreja, de povo) e a constatação de que as ciências do Norte não dão mais conta de explicar as realidades multiculturais, globalizadas, mestiças e periféricas no mundo social. Essa reconfiguração, que é política e também epistemológica, demanda novas práticas e formas de percepção sobre as relações estabelecidas entre os sujeitos interagentes em pesquisa. Perpassa entender se e como acontecem (re)configurações no cotidiano desses sujeitos (pesquisadores e pesquisados), mas também refletir sobre o nosso papel social de pesquisadores. Como lidar com esse lugar de poder? E como articular esse lugar para um espaço real de trocas e valorização do conhecimento do outro?
Como pontuam Marques e Genro (2016, p. 327), quando o pesquisador engajado percebe que “parte fundamental dos saberes do mundo são ignorados, silenciados, invisibilizados – algo no modus operandi da pesquisa social tradicional passa a causar-lhe imenso desconforto”. Assim, os autores lançam um questionamento que passa a orientar nossas atitudes na pesquisa de campo apresentada: “Pode-se fazer pesquisa de modo menos invasivo, assimétrico e extrativo?”.
Portanto, uma das preocupações metodológicas na execução da pesquisa, que ainda está em andamento, está sendo garantir a participação e a autonomia dos brincantes, a fim de pensarem suas próprias representações e decidirem sobre os conteúdos que serão (ou não) contemplados na construção do mapa, através de ações de produção compartilhada de dados e elaboração coletiva de informações, o que para nós significa um grande desafio.
A prática do bumba meu boi no Maranhão alia dimensões do sagrado e do profano, por meio da musicalidade, teatralidade, dança, artesanato, entre outras expressões artísticas. Está presente em diversas comunidades no Maranhão. Remonta ao século XIX e foi muito perseguida devido ao sistema escravocrata que proibia as manifestações de povos negros, além do preconceito das elites, que consideravam essas festividades baderna e desordem pública. Num processo de muitas lutas, adaptações, resistências e assimilações, o Complexo Cultural Bumba Meu Boi foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, em 2011. E em 2019, tornou-se Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Utilizamos a expressão “Caminho da Boiada” para nomear nossa pesquisa, tomando emprestado a denominação de uma rua localizada no Centro de São Luís (atual Rua Manuel Jansen Ferreira), por ser parte da rota feita pelo gado durante o século XIX e início do XX, rumo ao matadouro público localizado nas proximidades. Com a tolerância das elites políticas, a partir da década de 1960, o bumba meu boi conquistou caminhos novos, podendo dançar em bairros centrais e elitizados da cidade, em períodos festivos. O Caminho da Boiada, em nosso projeto, traduz novos percursos a serem trilhados pelo povo boieiro, dessa vez não mais para o abate do gado, mas para o reconhecimento e a valorização da prática cultural no mundo contemporâneo.
Apesar de algumas conquistas, o fenômeno do bumba-boi ainda sofre preconceito racial e social, constitui um símbolo de resistência das classes populares marginalizadas e sobretudo da população negra, que representa 74%[5] dos maranhenses. É preciso dizer que os grupos de bumba-boi, em geral, estão situados em zonas rurais ou bairros periféricos, o que remete a uma população mais desamparada pelas políticas públicas e à margem dos espaços de decisão.
Ainda é comum, em discursos midiáticos e mesmo em pesquisas acadêmicas que os brincantes sejam representados como elementos exóticos de uma cultura a ser preservada e divulgada para fins turísticos, portanto, vistos de forma passiva e isolada das suas relações sociais e cotidianas.
Porém, diante da realidade de contradições, desigualdade social e preconceito racial, o movimento cultural do bumba-boi vem negociando com as elites (financeira, intelectual, política), inserindo-se como pode na lógica de mercado de bens simbólicos, na indústria do turismo, nos processos políticos; gerando táticas não só em resposta às estratégias das elites, mas segundo seus interesses, num processo sempre conflitivo de negociação (CANCLINI, 1983). É assim que o povo boieiro comunica valores, ideologias e várias demandas de sua comunidade de origem, constituindo hoje um circuito complexo de comunicação, um modo de mediações (MARTÍN-BARBERO, 2008) nas/das comunidades.
A fim de contribuir para o registro, a visibilidade e a difusão mais contextualizada desses sujeitos, não só no período junino, mas durante todo o ano, é que pensamos na elaboração do mapeamento das sedes dos grupos de bumba meu boi localizados na grande São Luís. Numa abordagem multidisciplinar, empregamos a teoria latino-americana das mediações (MARTÍN-BARBERO, 2008), aliada a noções da Cartografia Cultural, método que permite a coleta e a visualização de elementos simbólicos e espaciais de uma determinada cultura, oriundo da Geografia.
É válido dizer que em nossa prática da cartografia em comunicação o mais importante é “o posicionamento sempre atento do investigador buscando ouvir a experiência, sem sujeitar-se aos hábitos teórico-metodológicos do ‘saber sobre’” (ROSÁRIO, 2016, p. 185). Por essa postura, o pesquisador deve estar aberto para conhecer e partilhar, abrir mão da “aura” do monopólio do saber; olhar o outro numa relação horizontal, sabendo que também está sendo observado/avaliado; e reconhecer a construção coletiva da pesquisa. As fronteiras entre os copesquisadores (o acadêmico e o empírico) são delimitadas na relação estabelecida em campo.
Estamos desenhando o planejamento da pesquisa, de forma experimental, no sentido da pesquisa em colaboração, que busca escapar tanto do “racionalismo dogmático quanto do relativismo ingênuo”, pontuados por Marques e Genro (2016). As autoras problematizam a prática da pesquisa social, apontando aspectos que são muitas vezes naturalizados, por nós e pelo contexto social, devido ao lugar institucionalizado que ocupamos e o discurso autorizado da ciência (BOURDIEU, 1996)
Nem de longe pretendemos deslegitimar o discurso científico ou desqualificar o papel dos cientistas sociais, fadados a disputar espaço e poder com uma tendência obscurantista e anticiência na arena da atual conjuntura política brasileira – reforçada pelo Governo Federal e personificada na figura do mandatário da República, Jair Bolsonaro. A intenção é exercitarmos a autocrítica no campo científico para repensar esse árduo trabalho de interação com o “outro”, comprometido com a mediação e a transformação da realidade social.
Baseando-nos nessas reflexões, iniciamos o estudo realizando uma pesquisa exploratória em que adquirimos uma lista de cadastro dos grupos de bumba meu boi, fornecida pela SECTUR (Secretaria de Estado da Cultura e Turismo do Maranhão). A partir dessa lista, elaboramos uma seleção dos grupos que possuem sede em São Luís, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar. O critério para a seleção foi possuir sede na ilha (que é formada pelos quatro municípios mencionados) devido às limitações de tempo do projeto de pesquisa, que será de 2 anos de execução. A equipe que decidiu o critério é formada pela orientadora e duas alunas do Curso de Comunicação Social, ambas, pesquisadoras de iniciação científica.
Ao reunir esse banco de dados com os nomes dos grupos de bumba-boi e telefones de contato, estabelecemos o contato telefônico com os líderes dos grupos, exceto nos casos em que havia erro nas informações. Parte dos dados de telefone e de endereço estava impreciso ou incorreto, o que dificultou o contato com muitos deles. Identificamos 126 grupos, sendo que 71 destes apresentaram problemas com o número de telefone disponibilizado no credenciamento (telefone inexistente ou sem completar a ligação). No entanto, todos foram incluídos em nossa lista até que consigamos confirmar a localização exata da sede ou novas formas de contactá-los.
Foi possível identificar, com precisão, a localização de 73 grupos de bumba meu boi, em geral da zona rural da ilha, em um mapa virtual, criado na ferramenta do Google "My Maps" disponível gratuitamente, que permite a criação de mapas personalizados. O intuito foi obter uma primeira visualização cartográfica das sedes em São Luís e na região metropolitana e está intitulado "Caminhos da Boiada".
Diante dos novos desafios ocasionados pela eclosão da pandemia de Covid19, tivemos que repensar as estratégias metodológicas para alcançar nossos propósitos. Antes, a ideia era fazer uma pesquisa de campo com visitas in loco em todas as 126 comunidades de bumba meu boi previamente identificadas na área abrangida. Até janeiro deste ano, a logística possível foi fazer os contatos e entrevistas por telefone e/ou aplicativo WhatsApp, para coletar informações mais gerais sobre o grupo.
Os dados reunidos junto aos grupos irão ilustrar de forma mais didática e lúdica a construção do mapa a que nos propomos. Constarão no mapa impresso as informações básicas, a saber: Nome do Grupo, Sotaque, Endereço, Nome do Líder e Contatos. No site, essas informações serão ampliadas com fotos, textos e áudios. Em ambos os meios de divulgação, os 126 grupos serão identificados no mapa da Ilha de São Luís, em sua localização geográfica precisa, por um número que remeterá a uma legenda.
Esse trabalho de criação tem sido acompanhado pelos líderes dos grupos para que sintam ativos no processo criativo. A equipe de design deverá atender à construção coletiva demandada para construirmos juntos, pesquisadoras e co-pesquisadores, a materialização das ideias compartilhadas na pesquisa. O resultado desse investimento científico permitirá descrever as etapas do processo, sugerir percursos, mapear resultados, reunir fontes, cruzar/comparar informações, visando mapear os 126 grupos de bumba meu boi situados na região, compondo um banco de dados importante para futuras pesquisas, para registro e valorização do patrimônio imaterial do Maranhão e, em última análise, contribuir para a implantação de políticas públicas culturais mais adequadas às condições materiais de vida dos grupos de cultura popular. Esperamos poder amadurecer essas experiências e oferecer estratégias emancipatórias de fortalecimento cultural dos grupos de bumba meu boi. Esse é o caminho que desejamos trilhar.
O artigo reúne diferentes formas de abordagem metodológica, tendo em comum o diálogo como forma de mediação no processo de construção da pesquisa.
Partimos da ideia de Pamela Marques e Maria Genro (2016) no artigo Por uma ética do cuidado: em busca de caminhos descoloniais para a pesquisa social com grupos subalternizados, quando apresentam uma visão profunda sobre as formas de como se observa, se trata, reflete, evidencia, descreve o mundo social a partir de uma perspectiva cuidadosa e não violenta a realidade do sujeito subalterno, mas trazendo-o como parte deste empreendimento. Para elas, a pesquisa cuidadosa é,
[...] mais do que apontar molduras prontas às quais ajustar a matéria a ser apreendida durante a pesquisa social, refletir sobre as preocupações com que se empreende o caminho da pesquisa, sodando algumas formulações epistêmicas interessantes que se refletem em posturas éticas-metodológicas mais sensíveis (MARQUES; GENRO, 2016, p. 324).
Nesse sentido, os quatro estudos apresentados levam em consideração o protagonismo dos sujeitos nos processos de construção dos objetos de investigação bem como o exercício dialógico da pesquisa de campo. Isso se deve ao processo de incorporação e experiência dos sujeitos (pesquisadores e pesquisados) nos seus espaços de socialização; que participam, de forma direta ou indireta, na elaboração prática da produção do conhecimento científico que tem como base abordagens epistemológicas mais abrangentes.